Volume 1 – Arco 2
Capítulo 31: Lembranças
Mais um dia passou em Polaris e durante a refeição matinal a rainha Sabrina procurava convencer o príncipe Ricardo de que conversasse com o irmão.
— Não digo que na idade dele, ele não tenha impulsos ou mesmo cometa erros, mas eu ficaria muito agradecida de que você conversasse com ele — dizia a rainha em tom de sermão. — As responsabilidades com o reino vêm em primeiro lugar.
— Ele é muito responsável, sempre foi, quanto a isso a senhora não que tem o que se preocupar.
Karine apenas observava em silêncio enquanto comia.
— E ainda tem essa história da garota — continuou a rainha.
— Será que eles se apaixonaram? — perguntou Karine empolgada.
— Nem sequer considere isso! — exclamou Sabrina. — Ele sabe que não pode ficar por aí se envolvendo com qualquer garota que apareça pela frente.
— Pelo que ele disse não era qualquer garota. — Acrescentou a princesa.
— E a senhorita pare de pôr lenha nessa fogueira.
Inconformada a princesa cruzou os braços e aquietou-se.
— Rafael já é adulto — respondeu Ricardo se levantando da mesa.
— Isso não o impede de cometer erros — respondeu a rainha.
— Não, não impede. Mas garante que ele tenha responsabilidade para assumi-los e tenho certeza de que ele está ciente disso.
— Aonde você vai? — perguntou Karine surpresa.
— Atrás do meu irmão.
Do alto da torre o vento castigava o rosto de Rafael que sozinho vislumbrava a cidade. Ele observava a magnífica capital de gelo altamente fortificada e imaginava se um dia as tropas invasoras do Leste poderiam chegar a estas terras. Via os caminhos do alto e imaginava os posicionamentos das infantarias. Quais as melhores estratégias funcionariam tanto para a defesa quanto para o ataque.
Enquanto apoiava os cotovelos na murada, repousava o queixo sobre as mãos. Lá embaixo via pequenos pontos quase imperceptíveis se movimentando, eram pessoas na praça central aquecidas apenas pelo calor do comércio.
Ricardo ao saber que o irmão estava na torre dirigiu-se para lá.
— Não está frio demais para apreciar a paisagem?
— Bom dia irmão — respondeu Rafael.
— Bom dia. Já desjejuou? O que faz tão cedo aqui em cima? — perguntou Ricardo.
— Já sim. Apesar de não estar com muita fome — respondeu desanimado.
— E o que o traz aqui em cima então? — insistiu o irmão mais velho.
— A tranquilidade e um pouco de ar puro.
Rafael encarou o irmão por um segundo e então voltou seu olhar ao longe.
— Sua mãe está preocupada com você.
— Comigo? Ora existe razão para isso? — perguntou surpreso.
— Durante toda a refeição ela não parava de falar de você, disse que foi descuidado no seu retorno e chegou até a mencionar uma tal garota. Tenha paciência. Eu acharia estranho é se não houvessem garotas.
— Sei! — disse desanimado.
— Que foi irmão, aconteceu algo? Agora você está começando a me deixar preocupado — disse aos risos batendo nas costas de Rafael.
O jovem príncipe então passou a encarar o irmão por alguns e segundos, tomou fôlego, mas hesitou. Olhou para os lados, respirou fundo novamente, criou coragem e então disse:
— Uma certa noite enquanto descansávamos, recebemos a visita de duas ladras. Após um mal-entendido nós percebemos que se tratavam de duas refugiadas da guerra, por isso oferecemos um pouco de comida e fogo para que se aquecessem a noite. Confesso que a achei atraente logo que a vi, pele clara, olhar profundo, cabelos longos, mas o seu temperamento. O que era aquilo? Quanta raiva poderia caber numa garota e ainda tão jovem?
— Com o tempo você vai perceber que isso é um padrão, não a exceção — interrompeu Ricardo aos risos.
Rafael fitou o irmão em silêncio em sinal claro de desaprovação.
— Foi uma piada. Desculpe, não vou mais te interromper. Prometo.
— Só sei que ela nos culpava por omissão, e juro que aquilo soava para mim mais como convite, se ela tivesse claramente me pedido ajuda não teria surtido mais efeito e quando eu me dei conta estava cavalgando a toda velocidade para resgatá-la.
— Você a salvou?
— Curiosamente não.
— Tarde demais? — tentou adivinhar Ricardo.
— Não. Quando eu a encontrei novamente ela já havia dominado um capitão inimigo utilizando uma espada inerte. E não foi só isso, aquela garota conseguiu trocar a vida daquele homem pela liberdade dos refugiados de um campo de concentração. É verdade que um monge havia participado das negociações, mas isso só ocorreu graças a ela e quanto mais eu a via, mais curioso eu ficava para saber como aquilo ia terminar.
— Continue irmão — disse Ricardo se interessando pela história.