Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8: Faca

Dia seguinte, por volta do meio dia. Hora de alimentar a prisioneira.

Fazia sol, um dia como outro qualquer até então, dentro daquele campo de concentração.

O guarda já habituado com aquela rotina pegou uma tigela, mergulhou na panela de arroz e foi em direção a solitária. Sua função era despejar um pouco da comida pelo vão da porta. Apenas isso. Sem pratos, garfos ou bandejas. Nada. A prisioneira teria que pegar arroz do chão com as próprias mãos se quisesse se manter alimentada.

O homem percorreu tranquilamente o pequeno corredor e avistou a porta de madeira. Ia passar o arroz pela fresta da porta quando então notou que algo escorria justamente pelo buraco em que passava a comida. Algo vermelho e escuro.

Um filete de sangue descia pelo vão. O guarda olhou espantado. “Será que a garota cometeu suicídio?” Pensou o carcereiro. “Mas como?”

Largou a tigela no chão e levou a mão em direção à cintura buscando seu punhal. Agachou e passou os dedos no líquido que saia pelo vão da porta e confirmou: era sangue.

Com a arma em punho, buscou a chave com a mão esquerda e abriu a porta. Em momento algum pensou em pedir auxílio. Ia apenas confirmar se a garota já estava morta ou ainda agonizando. Se estivesse morta não teria mais que ficar perdendo seu tempo levando comida para ela, calculava o homem. Se estivesse agonizando, ia dar meia volta e retornaria apenas bem depois que o fato estivesse consumado.

Levou a chave até o buraco da fechadura e deu uma volta completa. Nenhum som se fez ouvir de dentro da cela. Com a porta aberta, pouco via lá dentro, o ambiente estava muito escuro, ele olhou para baixo ao fundo do quarto e notou uma silhueta deitada ao chão. Estava lá, e provavelmente morta, pensou o guarda que se aproximava lentamente da garota inerte. Estranhamente achou que o quarto estava mais escuro que de costume. E estava mesmo, ele não notou, mas pequenos pedaços de pano cobriam a maior parte das frestas, a luz entrava exclusivamente pela única porta do local.

Caminhando em passos lentos e alerta o soldado agachou-se para tocar no corpo da garota. Ao tocar naquilo que pensou ser a perna de Lana espantou-se ao notar que aquilo se desfazia em seus dedos. Era apenas terra. Um corpo moldado de barro.

Antes que pudesse expressar qualquer reação ele ouviu um estouro, era a porta fechando-se violentamente atrás dele, tudo ficou escuro. Quando o soldado arregalou os olhos, uma forte pancada lhe atingiu a cabeça.

O homem de costas no escuro e abaixado, se expôs totalmente. Lana batera fortemente com o punho da faca improvisada. O homem cambaleou, mas não desmaiou, até tentou esboçar alguma reação.

Novos golpes seguidos e furiosos foram dados pela garota, desta vez pelo lado pontiagudo da arma. Uma voz em tom sinistro se fez ouvir:

— Isso é por me fazer pegar comida do chão feito um animal! Ainda sinto o gosto da terra na minha boca!

Foram as últimas palavras que o homem ouvira.

Aos poucos, mais sangue começou a tingir o local. Este não era o sangue de Lana.

Se recuperando do esforço feito, Lana tateou o chão e localizou a arma do carcereiro. O homem estava caído. Lana saiu pela porta e a trancou.

Ao passar pelo corredor uma forte luz lhe cegou momentaneamente a vista. Parou e agachou-se, era como se a liberdade estivesse lhe cobrando algum preço. Lana esfregou os olhos, mas em momento algum largou a faca ou o punhal. Olhava para o arredor assustada com os olhos entre abertos já procurando pelo próximo guarda.

Avistou-o dando as costas para o corredor e ia dar a volta por trás da cela como Aline havia dito. Teria apenas quatro minutos ou menos para escalar a paliçada.

Foi esgueirando pela parede em direção ao muro de madeira. A paliçada tinha por volta de três metros de altura, era composta de fileiras de madeira rentes uma as outras e com o topo afiado como uma lança. Lana cravou a primeira lamina no vão entre duas toras, logo cravou a segunda. Pretendia escalar o muro utilizando as facas como apoio.

Durante a escalada seus braços começaram a tremer. Estava muito fraca e mal alimentada. Os músculos dos braços mal aguentavam o peso de seu corpo, ela transpirava frio, o suor pingava por todo seu corpo. Lana notou que o guarda se aproximaria logo, ao completar a volta por trás da sua cela. Viu a sombra do homem vindo em sua direção, não daria tempo de terminar a escalada. Se caísse seria obrigada a lutar, mas com certeza o guarda poderia dar o alerta, e mais homens viriam ao seu encontro. Se descesse e corresse de volta para cela poderia ser pega ao dar de encontro com o guarda, caso fosse para o outro lado daria numa área aberta cheio de soldados.

O homem passou novamente. Deu a volta, passou pelo lado de fora do corredorzinho, viu marcas de corte na paliçada, porém não deu importância alguma. O homem terminou a ronda, só passaria por ali novamente mais tarde. Seguiu em frente.

Lana respirou profundamente e saltou para o chão. Caiu sentada, ela havia pulado para o teto da cela, ficou lá deitada até o guarda completar o seu trajeto.

A jovem encarou novamente a parede de madeira enquanto massageava os músculos dos braços, já cansados pelo esforço feito. Era como se a parede tivesse dobrado de altura. Cogitou alguma alternativa ao seu plano pois além deste teria um outro muro a frente e ainda estaria com Aline.

“E agora?” Perguntou a si mesma. Lana estremeceu.

O desespero afligiu a garota. Olhou novamente para a parede e começou a escalar. Não pensou em nada e apenas seguiu em frente. Com a cela exatamente na sua frente, criava um campo cego para a sentinela que fazia a vigia do alto de uma pequena torre exatamente atrás da solitária.

Os braços tremulavam ainda mais, cada vez que tinha que fazer força sentia uma dificuldade enorme. Levou muito mais tempo do que havia calculado, mas tinha que se apressar, pois logo o guarda iria retornar, e Lana não tinha mais forças para se pendurar como anteriormente.

O topo. Finalmente conseguiu alcançar as pontas. Não se incomodou quando se arranhou ao passar de um lado para o outro. Em seguida pulou rapidamente e caiu de qualquer jeito no chão. Lana se arranhou bastante, mas havia um amontado de palha previamente deixado por Aline naquele ponto evitando assim o pior.

Algumas mulheres do longe avistaram a cena e assustadas procuraram se afastar do local. Lana tentava se levantar, o suor escorria e a jovem resmungava:

— Três metros! Três malditos metros! — cuspia terra e palha enquanto se colocava de pé.

Levantou a cabeça e avistou o alojamento onde as mulheres e crianças dormiam. Foi mancando em direção ao local.

Olhares curiosos e temerosos a encaravam. A moça com um pano na cabeça, toda suja, mancando e com vários arranhões pelo corpo, descalça, com um vestido branco imundo e rasgado. Uma visão digna de pena.

A jovem deu a volta por trás e escorou na parede de madeira da casa. Agora restava esperar por Aline que viria com o mapa. Ela olhou alguns metros adiante e visualizou a próxima etapa. Outro muro de madeira, um pouco maior que o anterior e sem um ponto cego para ocultar sua escalada. Respirou bem fundo e balançou a cabeça. Tarde demais para voltar.

 

***

 

Passaram quase dez minutos sem sinal algum de Aline, a demora deu tempo para que se recuperasse do esforço feito até então, ninguém chegava perto dela, era um canto tranquilo. Ficou na sombra e pode recuperar o fôlego e se acostumar a visão.

Lana olhou para o lado e notou que uma garota a observava a média distância, era Maria. Então a ruiva lhe fez um sinal com a mão chamando a menina.

— Ei! Vem cá! Vem! — chamava enquanto acenava para a jovem.

— Eu? — perguntou Maria, tremula enquanto apontava para si mesma.

— É! Você vem aqui! — insistiu Lana.

A pequena garota aproximou-se vagarosamente e receosa. Ela parou poucos metros à frente, Lana estendeu o braço de disse:

— Você consegue água para mim? Por favor!

A menina engoliu a seco, sequer prestou atenção ao pedido, apenas via uma faca suja de sangue na mão da moça.

No momento seguinte, Maria gritava e corria para longe em pleno desespero. Lana atrapalhada com a situação olhou para a própria mão, e percebeu então o erro que cometera e decidiu ir atrás da criança. Partiu em disparada e ao fazer a volta na casa esbarrou em outra pessoa que vinha em direção contrária distraída olhando para trás.

— Ei olha por onde anda! — gritou revoltada Aline.

Aquela era a primeira em vez que se viam de fato. Conheciam apenas os olhos uma da outra. Finalmente o encontro.

 

Assim que deu uma bela olhada em quem esbarrou, Aline estremeceu. Sua melhor amiga não poderia ser aquele traste que se encontrava ali na sua frente. Seu aspecto era horrível, nada se parecia com a terrível prisioneira que fora capturada. Não era uma ladra, não era uma amazona ou uma princesa em fuga. Assemelhava-se muito mais com uma flagelada da guerra. Mas era Lana, o pano na cabeça, as facas nas mãos e os fios avermelhados de cabelo que teimavam em se expor além do pano.

— Foi nisso em que confiei a minha preciosíssima vida? — Foi tudo que Aline conseguiu dizer.

Até então Lana não tinha certeza, mas ninguém mais falaria naquele tom irônico e justo naquele momento. Sim finalmente elas se encontraram.

— Vamos! Eu tenho pressa, saí sem pagar a conta e com certeza virão atrás da gente! — disse Lana puxando Aline pela mão, que ainda atordoada pela situação acabou seguindo a amiga sem fazer muita resistência.



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