Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 2

Capítulo 69: A Névoa Some

Correndo pelas gramas úmidas, San escutava o vento perto de si, faltando centímetros para o acertar. Avistando uma lápide grande, pulou e se escondeu atrás.

Recuperando o fôlego, focava na sua audição, atento ao mínimo som. De repente, uma lâmina de vento veio no seu rosto, perto demais. Tendo poucas escolhas, desviou, tendo o ombro acertado, o mesmo do braço machucado.

Suprimindo um grito, fechou os olhos firmemente e apertou a mandíbula.

Desde o primeiro ferimento, o poltergeist ficou pior, nunca chegando perto, enviando seus cortes e usando a neblina de cobertura. De início, até deu certo fingir só atacar despreparado e o pegar de surpresa, mas realmente vendo o humano um oponente, seu modo de combate mudou completamente.

De pé, a espada em mãos e o sangue pingando. Uma segunda lâmina veio, e San torceu seu corpo, sabendo ser incapaz de defender. Sem ver, ao desviar, uma terceira tava indo no seu rosto.

Desesperado, sobrou uma escolha. Estendendo a mão ferida, recebeu de frente, abrindo os curativos da Clotilde e piorando seu estado.

— Seu merda! Vou te pegar e destroçar!

Surtando, San soltava insultos atrás de insultos. Só queria ver o bicho e disparar um tiro de energia, contudo, seria inútil, só ultrapassaria e gastaria essência, e já tava gastando bastante no momento.

Recuperando a sanidade, escutou um som nas suas costas. Virando imediatamente, avançou de espada apontada.

A centímetros de acertar o causador do som, parou a tempo. Na sua frente, uma mulher adulta, de uma beleza impressionante, cabelos vermelhos até a cintura e olhos incrivelmente azuis.

Paralisado, San arregalou os olhos, tremendo e gaguejando.

— M-mãe? Como?

Ela abriu um sorriso caloroso e estendendo as mãos, tocou o rosto do filho. Infelizmente, uma lâmina de vento a atravessou, destruindo sua forma e soltando neblina de dentro.

Acertado diretamente no peito, voou no ar, rolando na grama. Demorando para recobrar os sentidos, tocou no lugar e soltou um suspiro de alívio.

A armadura o protegeu, só amassando uma parte. Na hora, forçou os joelhos e voltou a ficar de pé.

— Sacro, o que foi aquilo?

— Como assim?

— Minha mãe, ela tava bem na minha frente!

Quieto, o relógio demorou, e revelou:

— Não tinha nada, você falou mãe e depois recebeu um ataque.

Por um momento, imaginou estar louco, vendo coisas e alucinando. Balançando a cabeça, observou ao redor e pensou em uma teoria.

— Sacro, analisa a névoa e procura algo estranho.

Esperando o relógio, San começou a ouvir sons perto, sussurros. Um arrepio percorreu seu corpo, tinha medo de focar em algum, o que ouviria, de quem seria.

— Feito. Nas análises, identifiquei um tipo de alucinógeno no ar. Age de forma lenta e progressiva, piora conforme respira.

“Odeio essa neblina.” Escutando risadas curtas perto, fez uma careta e pressionou a espada. A sensação de toque era idêntica à realidade, o sorriso, tudo.

Subitamente, sentiu uma pontada na cabeça, um sinal. Escondendo o suspiro de alívio, iniciou sua corrida. O vento batendo no rosto, cuidando onde pisava e ia, alcançou seu objetivo.

As lápides eram pequenas, velhas e desgastadas, a grama já morta e o ar frio e sinistro. Esperando, cravou a espada no chão, mantendo a guarda.

Um vulto passou perto, e San permaneceu parado, suprimindo o nervosismo e medo. Engolindo em seco, o poltergeist surgiu na sua frente, voando rapidamente.

Os dois se encararam, e em um movimento, o espírito voltou, planejando se esconder.

No entanto, um fogo cresceu, cercando os dois e bloqueando qualquer saída. O fantasma nem deu bolas, e tocando na chama, recuou instintivamente.

Isso era normal, afinal de contas, são as chamas de um cão do inferno, seres buscadores de almas. E o conjurador delas, escondido, evitando ataques surpresa.

Por isso se separaram, mandou Garmir procurar nesse cemitério enorme atrás de uma lápide específica.

Na frente, San leu o nome em voz alta:

— Crauner, irmão e filho. Meio pequeno a descrição.

O poltergeist cuidou o humano irritante na frente, vendo os ferimentos e desgaste, já prevendo a vitória.

Um a um, esse era o embate final, e San sabia estar em desvantagem. Fraco, ferido, exausto, abalado mentalmente e sobrando somente um ataque.

Respirando fundo, o monstro ordenou o vento a virar sua arma, e mandou ao humano saboroso em um grito estridente.

San viu os ataques vindo e permaneceu no lugar, revelando um sorriso. Ao redor do seu corpo, uma aura o cobriu, diferente da usada para matar o monstro, essa era azul, uma de poder.

Em um segundo, San sumiu, avançando a uma velocidade assustadora. Em apenas um passo, tava na frente do monstro, cortando reto.

O poltergeist utilizou das suas habilidades fantasmagóricas e desviou por pouco, formando um ataque na sua frente.

San deu um passo atrás e já tava a metros longe. Abrindo e fechando a mão, testava o aperto e força, precisava acostumar.

Esse era o poder de absorção de danos de Jason, copiado a tempos atrás e encontrando um objetivo para o usá-lo, e por isso gastava sua essência, absorvendo e esperando.

Entendendo brevemente suas capacidades, avançou visando a barriga, no ferimento já aberto anteriormente. A espada acertava o manto sujo, faltando centímetros.

San continuou tentando, errando por pouco, cortando violentamente. Firmando os pés no chão, impulsionou pra frente, e o monstro desviou mudando a direção do seu corpo, o ultrapassando.

“Ele é melhor do que o esperado, bem, deveria ser óbvio, um ser desses vivo há tanto tempo é forte.” Girando o corpo, o poltergeist tava na sua frente, a mão estendida, os dedos ossudos e finos tocando seu rosto.

Algo dentro de San era sugado, o poder falhando e a mente sumindo. Irritado, forçou a essência, resistindo, e a sua visão mudou em instantes, do cemitério, para uma sala branca.

Ele tava deitado em uma maca fina, seus braços e pernas amarrados firmementes. Um som de furadeira encheu seus ouvidos, e virando a cabeça, uma mulher vestida completamente de branco e máscara se aproximando.

— Certo Crauner, vamos lá, você é a esperança das pessoas, vai salvar tantas vidas, só aguente a dor.

 A furadeira vinha na sua cabeça, o barulho insuportável o deixando surdo.

A visão mudou novamente, em uma cidade pegando fogo, corpos espalhados nas ruas e soldados checando.

Um som veio de escombros, e a poucos passos, encontrou uma jovem soterrada. Agarrando os destroços, afastou facilmente, e a garota chorou aliviada.

Então ouviu uma voz feminina nas suas costas, a da médica:

— Crauner, estamos em uma missão, sabe o que fazer.

— Ela é praticamente uma criança. — A voz veio contra a vontade de San, o assustando.

— Eu sei, e é uma pena termos de fazer isso, mas é pelo bem da humanidade.

Balançando a cabeça de forma negativa, recusou a ordem.

Uma dor agonizante veio da sua cabeça, o derrubando e incapacitando. Virando a cabeça, a médica, de rosto revelado, segurava um controle tecnológico.

Sua boca fina exibia um sorriso, os olhos pretos calmos e os cabelos pretos voando ao vento.

— Faça.

Contra a sua vontade, deu um passo, e outro, até estar na frente da garota.

— Me desculpe.

San não aguentou, a sensação opressora, a tristeza enraizada, como se nunca conseguisse ser feliz de novo.

Voltando ao cemitério, o poltergeist o soltou. Caindo no chão, as cenas vistas foram horríveis, e vomitou o almoço.

As suas mãos tremiam, o aperto fraco e vacilante. San já viu muitas coisas ruins, porém, isso, foi demais. As mortes desnecessárias, a dor agonizante.

Vendo o monstro, ele balançava a cabeça, evitando essas memórias de voltarem. Quando recuperou a loucura, voltou ao seu alvo, fraco dessa vez.

Forçando a ficar de pé, os joelhos vacilaram. Do meio das chamas, um vulto negro veio, as chamas o acompanhando e em um pulo, mordeu firmemente o braço esquelético.

— Agora!

A voz na sua cabeça o acordou, e usando suas últimas forças, energizou sua espada, cravando na cabeça.

Um silêncio tomou conta, e os olhos brilhantes perderam seu brilho, e as forças sumindo do corpo, caiu.

San permitiu o cansaço o dominar, se sentou, sua cabeça doendo e o sangue pingando. Engolindo em seco, tentava afastar as imagens na sua cabeça, em vão.

“É claro que ele iria enlouquecer, quem não? Experimentos, mortes, tanto sangue.” Pressionando os olhos, os flashes vinham.

Olhando o corpo na sua frente, disse:

— Eu sinto muito, eles te quebraram, e nem depois da morte pode descansar.

No meio da sua divagação, uma coisa nasceu na sua cabeça, uma energia no cérebro. Arregalando os olhos, conhecia bem isso, só acontecia ao roubar um poder.

O corpo continuava parado, e a energia crescia, até se formar completamente, forte e novo, nunca sentido anteriormente. “Quê? Deveria funcionar só em humanos.” Teorizando, imaginou o motivo de ter conseguido roubar era por o poltergeist já ter sido um humano.

— Desculpa…

Então, o corpo se moveu, um movimento sutil no manto. Hesitante de chegar perto, viu de longe. Em uma explosão, pequenas esferas azuis saíram correndo no cemitério, brilhantes e vivas.

Tocando brevemente uma, sentiu energia. “Almas, de todos os mortos, livres.” As esferas iluminaram o cemitério, indo perto de San, afastando a neblina, e um raio de sol bateu nele.

Em segundos, sumiram. Um som de palmas veio de trás, e virando o rosto, o grupo inteiro batia palmas.

— Derrotou. — Char disse animada pulando

— O bicho ruim. — Lee falou comemorando.

Clotilde veio a passos rápidos e começou a tapar os ferimentos.

— Esses jovens, sempre machucados.

Vitória deu tapas fortes nas suas costas, o parabenizando.

— Sou uma professora muito boa.

Sorrindo, San pretendia falar com Char e Lee, quando eles sumiram. Estranhando, virou a vitória e ela sumiu também.

Clotilde ainda o ajudava, e rapidamente, viu seu corpo ficando translúcido, em uma esfera azul.

Mike era o último, contemplando o sol.

— Sabe, deveria ser impossível as almas conseguirem fugir, o poltergeist as destruiria, esse é o normal.

Hesitando, disse:

— Seu irmão pode ter se tornado um monstro, contudo, ainda era seu irmão, uma pequena parte restava.

San tava nas costas de Mike, e de relance, viu uma lágrima caindo.

— Espero que esteja certo. — Deu uma última olhada em San, sorrindo, toda a preocupação e culpa livres do seu rosto. — Obrigado.

Seu corpo ficou ilusório, tremendo e desaparecendo.

— Uma última coisa, garoto, desculpa eles não se despedirem direito, queria evitar ver seu rosto.

— Tô tão mal assim? — Disse brincando.

Mike tava sério, e sua voz um sussurro:

— Clotilde vê o futuro, e revelou umas coisas. Só peço que continue sendo você. Seus desafios só irão piorar, e sua força de vontade posta a prova, nunca seja igual ao Crauner.

Seu corpo sumiu, transformando em uma esfera azul, flutuando calmamente, para evaporar.

As palavras de Mike ressoavam nos seus ouvidos, e San repetia mentalmente, procurando um significado, explicação ou qualquer coisa. Nada veio.

Apreciando o sol, escolheu deixar pra lá, só tendo uma habilidade de ver o futuro entenderia. Ficar preocupado com o futuro incerto só causaria ansiedade.

Focando em um novo objetivo, a energia do novo poder na sua cabeça era forte, desconhecida e misteriosa. Faltava pouco até dominar os ossos de ferro, independente disso, escolheu arriscar.

Controlando a esfera na cabeça, a moveu pelo corpo, gastando da sua essência, mudando a rota. Passou o pescoço e entrou no peito, ficando perto do coração.

Forçando, ligou a energia nele, prendendo e ligando. Houve resistência, uma dor enorme no peito, semelhante a um ataque cardíaco, e mesmo assim, continuou insistindo.

Demorando, se irritava e estava prestes a desistir, até ligar no coração. Uma onda de energia o preencheu, sua essência aumentando e algo dentro de si melhorando.

Soltando um suspiro de alívio, se levantou e junto a Garmir, caminharam em direção à saída. Uma curiosidade o incomodou, descobrir o poder. Sendo de um poltergeist ia ser forte, só teria de esperar até ajustar ao seu corpo.

Com a neblina evaporando, o cemitério ficou bem melhor, e a sensação fria dispersando, dando espaço ao calor tranquilizador.

No portão do cemitério, pronto para sair, escutou um grito na sua esquerda:

— Como está vivo?

Prestando atenção, viu o coveiro assustado.

— Por que a neblina sumiu? Onde está meu mestre?!

Seus gritos se tornaram estéricos, raivosos e nervosos. Então San entendeu, o coveiro trabalha pro poltergeist, e cada vez mais que pensava, mais sentido fazia.

Ele provavelmente pedia as missões aos mercenários, e quando um mutante ia completar, o mandava deixar a armadura, para morrer facilmente.

Uma fúria cresceu no seu peito, entretanto, se conteve, precisava ter certeza.

— Trabalhava pro monstro?

— Meu senhor é um Deus seu insolente, tenha respeito!

Confirmando, San deixou sair, o tanto de ódio preso, a tristeza e descontrole. Os olhos mudaram para vermelho, e em passos pesados, chegou perto do homem.

— Está maluco? Recebi a benção da invulnerabilidade, pode me atacar, e atravessarão.

Ignorando os ferimentos e cansaço no seu corpo, desferiu um chute com toda a sua força na perna do velho, e um som de osso quebrando atingiu seus ouvidos, junto a um grito.

— Impossível, meu senhor me deu sua benção.

Soltando uma risada sinistra, San disse:

— Seu senhor está morto.

O rosto do homem escureceu, e o medo cresceu. Incapaz de levantar, usou suas mãos para se agarrar na grama, tentando fugir, gritando por ajuda.

A passos calmos, San o seguia, esperando, a sua pulseira tremendo no pulso, a forma variando e voltando.

Pisando no tornozelo, esmagou até ouvir o som do osso quebrando. O grito ecoou, e nem uma pessoa ouviu.

San repetiu na outra perna, mudando dos tornozelos aos joelhos, bacia e fêmur. O homem, caído na grama, desmaiou várias vezes, só para ser acordado a chutes.

— Eu imploro! Me deixe viver.

Um chute na barriga.

— Te dou dinheiro.

Um nas costas.

— Você será morto por isso!

O rosto empurrando contra a terra.

Machucado e debilitado, o coveiro tava sem esperanças, de dentro do seu casaco, tirou uma foice pequena, usada para retirar plantas.

Em um movimento desesperado, virou o corpo e mirou na virilha. Porém, era somente um velho, e do outro lado, um mutante treinado.

Desviando facilmente, pisou na perna, o fazendo largar a arma. Pela primeira vez desde o início dos espancamentos, o homem viu o rosto do seu agressor, e nem isso era.

Uma máscara escura, sorridente e os olhos em um vermelho vivo. A surpresa e o medo eram tantos que só tremeu.

— Deveria ter usado isso para se matar. — A voz modificada, grosa e de doer os ouvidos.

— E-eu imploro, me deixe viver

Tomando a pequena foice, pôs na garganta e disse:

— Espero, sinceramente, conseguir te ver quando dormir, sofrendo junto aos outros culpados.

Em um único movimento limpo, cortou a sua garganta, o sangue derramado sob a grama, e do ferimentos, veias escuras surgiram.

O sofrimento foi prolongado, tendo espasmos e a boca aberta tentando gritar, e nada saia. As veias do corpo inteiro ficando pretas, e das orelhas, olhos, nariz e boca, sangue caiu.

Agarrando as pernas do coveiro, arrastou na grama, deixando um rastro. Demorando um tempo, encontrou uma pá fincada no chão e uma cova recém-feita.

Jogando o corpo, foi embora, cansado demais para tapar com terra ou procurar um jeito de limpar o sangue na grama.

A seguir, agiu no automático, disse ter completado a missão à base dos mercenários e receberia sua recompensada após confirmarem.

Voltou a sua casa no bairro pobre e deixou a pequena foice ao lado da adaga, tirou a armadura e vestiu seu uniforme.

Voltando a academia, alunos caminhavam alegremente, despreocupados, felizes. San sentava no banco, as costas curvadas por conta dos machucados o impedindo de encostar, os observando, desejando ser igual.

Sua vida nunca foi normal, pagar dívidas altas, cuidar de uma mãe doente, sobreviver nas ruas. Às vezes, só desejava calma, até chegando a invejar os outros, imaginando tomar seus lugares, rir e sua preocupação ser apenas provas, pais chatos, dramas, e pensar no seu futuro emprego.

Imerso nas pessoas, demorou para perceber que alguém sentou ao seu lado no banco. Virando o rosto, Liz, sentada confortavelmente.

— Já tá anoitecendo, e tá ferido.

— Eu sei, isso importa?

— Esqueceu da nossa excursão?

Levantando os olhos, observando o sol se pôr, respondeu:

— Imaginei que iria cancelar.

— Só por que escolheu fazer um grupo temporário?

— Por aí.

Dando uma curta risada, falou:

— Meus pais são membros das grandes famílias, um posto baixo, mas ainda membros, eu e meu irmão, obviamente também. Meu pai é um general, líder de tropas e um guerreiro forte, aprendi muito com ele, e um conselho que me deu, é: Um amigo que fala seus erros na cara, é melhor do que um soldado dizendo ser leal e só concorda.

Temendo um pouco a resposta, San perguntou:

— Qual eu sou?

Sorrindo e revelando as presas, disse:

— Um amigo. Se diz que a Lauren é arriscada, vou acreditar, até um dia me dizer o motivo, mesmo a conhecendo. Então, vai pro meu grupo, permanentemente?

Dando uma risada, deu de ombros.

— Vai ser divertido, vamo nessa.

Acenando, Liz levantou e viu os últimos raios do sol sumirem no horizonte. “É, talvez eu consiga ter um pouco de uma vida normal, eu espero.”

Acompanhando, caminhou em direção aos prédios. Parando, falou alto:

— Por onde começamos a excursão?



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