Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 2

Capítulo 68: Matar Um Fantasma

San, coçando os olhos e sentindo uma dor de cabeça, processava a história de cada, as analisando e tentando adivinhar há quanto tempo fazia. Tinha teorias de serem de até cem anos atrás, considerando o modo de falar e as roupas, mas era difícil.

Os espíritos, sentados na sua mesa de piquenique, esperavam, sabiam a dificuldade de acreditar e até de organizar, eles mesmos experimentaram isso.

San olhou ao redor, a névoa os cercando e a calma de Garmir, prestando atenção nos detalhes. Soltando um suspiro, disse:

— Certo, me expliquem uma coisa, como os mercenários não perceberam um poltergeist na sua cidade?

Mike levantou a cabeça na direção do céu coberto, seus olhos cansados e os ombros caídos.

— Meu irmão é inteligente, em cemitérios é comum ter casos de fantasmas. A cada certo período de tempo, assombra visitantes, fazendo mercenários emitirem uma missão, e espera até achar um de alma forte, do contrário, dorme e repete o processo.

Andando em círculos, sentia um arrepio no corpo, um monstro ter conseguido enganar tanta gente por anos, talvez até séculos, o assombrava.

Os gêmeos levantaram a cabeça e disseram:

— Você é.

— Estranho.

“Um completa a frase do outro, tá legal, nem um pouco sinistro.” Afastando esses pensamentos, San perguntou:

— Estranho?

Clotilde, a médica aposentada, arrumou os óculos e resmungou:

— Sua alma, é como se tivesse mais de uma no mesmo corpo, deve ser por isso que o monstro deu aquele grito ao te perder.

— Fantástico! — Vitória gritou. — Assim vai poder atrair aquilo e o matar.

O grupo falava sem parar, dando ideias, dicas e orientando. A informação era tanta e San prestava atenção, considerando as suas chances.

— Chega. — A voz de Mike soou baixa, e mesmo assim silenciou cada um.

Levantando e parando a centímetros de San, olhou nos seus olhos, assegurou seus ombros e falou:

— Vai embora.

As palavras ecoavam na sua mente, o confundindo. Prestes a perguntar, Clotilde falou:

— Deve estar louco, Mike, esse garoto é nossa esperança.

Soltando um longo suspiro, disse na a todos:

— Se esse garoto morrer, o poltergeist terá força suficiente para sair do cemitério, vão arriscar?

— Com a nossa orientação, podemos ajudar. — O sorriso de Vitória sumindo e adotando uma expressão séria.

As crianças se esconderam atrás da mesa, odiando brigas. Os três mortos começaram a discutir, ao ponto de gritar. Clotilde forçava a ideia de essa ser uma oportunidade única, Vitória a auxiliava lembrando de eventos anteriores. Mike refutava com perfeição os argumentos das duas.

San ouvia e entendeu facilmente, queriam que ele matasse o monstro, e até concordava, afinal de contas, era sua missão.

— Tudo bem, eu mato o espírito, já planejava fazer isso.

As duas revelaram sorrisos, chegando a parabenizá-lo.

— Não, você irá embora.

— É minha missão, eu decido.

— Mal consegue encostar a espada no corpo dele, está machucado e é um lanche bem chamativo.

— Por isso, me orientarão, devem saber de formas de o derrotar.

Vitória acenava a cabeça animada e levantava as mãos.

— Recomendo ir embora. — Sacro falou de repente.

— Até tu.

— Esse homem tá certo, o seu estado é incapaz de lutar contra aquilo.

Uma parte de San concordava, o poltergeist era forte, por anos fortaleceu suas habilidades, controlava a névoa e podia ficar invisível. No entanto, sabendo agora das atrocidades feitas, das pessoas machucadas e as mortes sem sentido, a determinação de acabar de uma vez por todas crescia.

Respirando fundo, Mike considerava, analisando os rostos dos companheiros fantasmas. Em uníssono, ficaram quietos, esperando. Nos poucos minutos dentro dessa área segura, San entendeu facilmente, esse homem era o que mandava.

Levantando o rosto e encarando diretamente os olhos de San, Mike perguntou:

— Tem certeza disso?

Engolindo em seco, exalava determinação.

— Sim, vou matar o monstro.

Balançando a cabeça, foi para longe, dizendo por fim.

— O ensinem.

Vitória soltou um suspiro de alívio, e recompondo a postura, acenou para o convidado chegar perto.

San sentou do lado oposto da mesa de piquenique, os fantasmas na sua frente. Vitória limpou a garganta e começou:

— Normalmente, deveria ser impossível os humanos encostarem em espíritos, e você consegue em nós, por isso, vamos ensinar a replicar no poltergeist.

San escutava atentamente, e as explicações iniciaram. O básico para tocar em corpos astrais era reunir sua essência e criar uma barreira no exterior, simulando uma aura invisível.

Na teoria era simples, espalhar a essência e criar uma forma de derrotar o seu inimigo, já na prática, era diferente.

Sentado na grama úmida, o cheiro das velas queimando entrava no seu nariz, uma quietude preenchia o lugar. San mantinha os olhos fechados, reunindo a energia.

O cão do inferno o cuidava de perto, sentado em posição de guarda. De repente, o ar ao redor de San oscilou. Na visão de Garmir, via uma energia azul cobrindo seu amigo, uma das vantagens da sua raça.

A energia era instável, furada em partes diversas e apagando. Forçando sua mente, San cobriu o físico inteiro, em um brilho intenso, até apagar o deixando sem ar.

Ofegante e pingando suor, jogou os cabelos para o lado e olhou o seu cão.

— Eae?

— Hum, nesse estado, até tocaria seu inimigo, mas logo ficaria esgotado. Retomando às vezes anteriores, consegue até dois ataques.

Socando a terra, cerrava os punhos, os ombros levantados e uma dor na boca de tanto firmar o maxilar. Passou horas no treinamento, e mal teve progresso.

Há alguns metros de distância, o grupo de fantasmas sussurrava.

— O jovem é bom. — Clotilde deu sua opinião.

— O cachorro.

— É bonito.

— Está indo rápido, em questão de dias já vai dominar a técnica, queria ter uma luta entre nós.

Revirando os olhos, Mike fazia uma careta.

— Admito, sua velocidade de aprendizado é impressionante, porém, falta até ter uma chance de derrotar o poltergeist.

Ambos concordaram, enquanto isso, os gêmeos correram conversar com San.

Descansando um pouco, se acostumava ao modo de falar compartilhado entres eles, perguntando intencionalmente assuntos de respostas curtas para ver o resultado.

Nessa, falaram:

— Pulseira.

— Bonita.

Erguendo o pulso, o pedaço escuro prendia firmemente. Querendo brincar um pouco, em um movimento fez o objeto mudar.

A olho nu, em uma velocidade de piscar os olhos, surgiu uma máscara de sorriso sinistro. Char e Lee deram um pulo para trás, e se afastaram. Não tinha medo de revelar o objeto amaldiçoado a um bando de mortos.

Soltando uma risada, San falou:

— Foi mal, é um truque besta.

Independente de ter explicado tratar de um item novo, as crianças se recusaram a chegar perto, e correram aos amigos.

Levantando uma sobrancelha, tentava entender. Mike veio logo em seguida, a passos pesados e rápidos.

— Eae, a Char e o Lee tem medo…

Sequer terminando a frase, teve a máscara agarrada e jogada longe, entrando no meio da névoa.

— Ei!

— Onde conseguiu aquilo? — Sua voz carregava preocupação.

Contendo a raiva, respondeu:

— Comprei do mercado negro.

Acenando, ia continuar a falar quando escutou a voz de Vitória nas costas de San:

— Ah, Mike, olha aqui.

Em um movimento, tava atrás de San, e a máscara caída. Girando o corpo, o dono nem mostrou surpresa, pegou e transformou em uma pulseira novamente.

— É um saco isso, sempre volta.

Os rostos dos dois revelaram preocupação, Clotilde longe entretia as crianças, direcionando a visão para eles ocasionalmente. Engolindo em seco, San perguntou:

— Algum problema?

Demorando, Mike começou:

— Essa máscara é sombria, emana morte, dor e loucura, e o pior, tá ligada em você.

Sentindo o clima pesado, San desviou o olhar. Na verdade, sabia disso, praticamente enlouqueceu uma vez e teve de dar um tiro de energia na sua cabeça só pra parar.

— Sabe, uma vez enfrentei um cara que usava uma dessas. — Vitória declarou. — Anos atrás, um maluco matou os corruptos de uma cidade e trouxe terror na região.

Um sorriso crescia, lembrando da época viva.

— Tivemos uma luta muito boa. O cara era assustador, e entendi como matou tanta gente e continuava livre. Seus métodos eram violentos, sem piedade e seus poderes, ah, nem consigo dizer qual era. Uma hora, era um de fogo, depois, um completamente novo, e infelizmente perdi.

Um arrepio percorreu San, e afastava a sensação de familiaridade, afinal de contas, alguém de vários poderes diferentes podia soar um Blackscar, e só sobrou dois no mundo.

Balançando a cabeça, pôs-se de pé e disse:

— Tô pronto pra matar o monstro.

Sem exceção, arregalaram os olhos, nem encontrando palavras.

— Tá maluco?!

— Corajoso.

— Imprudente.

As reclamações cresceram, e contestações junto. San revirou os olhos e esperou.

— Deu? Já me decidi, será hoje. Até imagino seus planos, me treinarem demorando dias, e me recuso. O prazo da missão acaba amanhã, um mercenário novo vai vir, e provavelmente morrer.

Enquanto as reclamações cresciam, Vitória abriu espaço, ficando de frente e o vendo de cima. O rosto sério e duro, uma vontade de matar crescendo.

San a encarou de frente, tocando a cimitarra e pronto. Ficando nessa em um minuto, abriu um sorriso.

— O garoto é forte, vai conseguir.

Estalando a língua, Mike agarrou o ombro de San.

— A máscara deve ter te deixado louco. Lembre-se, os ataques virão de qualquer direção, a névoa é perigosa e nunca abaixe a guarda.

Subitamente, a visão de San mudou. De uma clareira pacífica à luz de velas para um cemitério sinistro repleto de neblina.

O frio preencheu a armadura, e o silêncio sinistro intensificando. Mike deu um giro completo.

— Eu realmente queria te ajudar, contudo, só de chegar perto do meu irmão, serei absorvido, só o deixando pior, está sozinho. Boa sorte.

Tão rápido quanto veio, sumiu. “Sozinho? Tenho Garmir.” Deu uma olhada breve no cão do inferno.

Respirando fundo, caminhou em frente, cuidando o mínimo som ou sensação suspeita.

Ficando nessa por minutos, de vez em quando escutava sussurros no vento, causando um arrepio. Agarrando firme na cimitarra, a respiração acelerava e o pano apertado ao redor do ferimento o lembrava do perigo.

Apontando pra direita, Garmir mudou de direção, se separando. O objetivo do monstro era o humano, e o atrairia assim.

Quase meia hora depois, seus nervos chegaram ao limite, constantemente em estado de alerta, a essência a um passo de explodir. Cansado, superou o medo e encheu os pulmões.

— Ei Gasparzinho, tá demorando, ficou com medo?

Nada, só o vento no ar.

Revelando os dentes, lembrou do que Mike disse.

— Soube por aí, que o governo te pegou, e usou de experimento. Deve ter doido, aquelas experiências, a tortura. Te prometeram glória, e no fim, destruíram sua mente, virando um assassino frio.

Dessa vez, sentia o ar pesado, faltando só uma faísca para acender o fogo.

— Tenho pena de você, odiado por todos, descontrolado, um cão que segue ordens. Espero nunca ser igual.

O vento criou forma em uma lâmina, visando direto no peito. Derrubando o corpo, passou em cima dos seus olhos.

Em um giro, levantou e correu de onde veio o golpe. Em instantes, um ser ilusório surgiu na sua frente, em sua completa forma. Grande, ossos cobertos por um manto manchado de sangue, e as órbitas dos olhos: chamas azuis brilhando furiosamente.

Em um movimento rápido, cortou no seu peito, atravessando facilmente. Persistindo, repetiu o gesto, todos inúteis.

Afastando poucos passos, suava e ofegava. O monstro abriu a boca ossuda e tremeu, disparando uma gargalhada alta.

Em um estado de fúria, San avançou novamente, gritando e de espada levantada. O monstro nem deu importância, achava divertido esse humano saboroso insistir tanto.

A poucos centímetros da barriga, San liberou a aura ao redor do corpo, direcionando na sua espada. O poltergeist sentiu o perigo em cima da hora, mal tendo tempo de desviar.

A espada cravou no manto, atravessando e cortando. Pretendendo subir a lâmina até o peito, foi jogado longe, batendo as costas em uma lápide.

Tossindo, erguia a cabeça, e arregalou os olhos. Do ferimento, um líquido transparente saia, e pequenos sussurros fugiam.

Essa era uma visão grotesca, porque San sabia que esse sangue azul, era as almas de tantos mortos.

Pondo-se de pé, apontou a espada. Sentindo a presença do humano, o monstro se curvou, e o vento ao redor tomou forma de lâminas afiadas.



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