Volume 2
Capítulo 67: Começo Da Missão
As cidades, em sua maioria, são cercadas por muros ou proteções, impedindo de monstros entrarem. Por isso, uma das grandes preocupações era a superlotação, a preocupação do espaço limitado de construir casas e as ruas lotando.
O método usado para resolver isso é mandar as pessoas a outras cidades menores, conseguindo manter esse sistema.
O curioso nisso, é que independente do número de cidadãos e o risco de espíritos ou zumbis, é obrigatório ter um cemitério. Em cada lugar isolado e remoto, tem um. Pode ter inúmeros motivos, honrar os mortos, tradição antiga, crenças.
San, vestindo sua nova armadura e a cimitarra na cintura, encarava o portão de metal na sua frente, receoso de entrar. A missão: dar um jeito nos espíritos perturbando os visitantes.
— Kikiki, um visitante um tanto estranho.
Virando a cabeça, procurava a fonte da voz, já temendo encontrar um espírito. Porém, a passos lentos e vacilantes, um homem surgiu. Vestia roupas pretas e sujas de terra, segurava uma pá, as costas curvadas, um olho vesgo e sorrindo, mostrando o tanto de dentes faltando.
— Vim completar uma missão.
Virando a cabeça em um ângulo torto, disse:
— Já tentaram, e falharam.
— Bom pra mim, posso ganhar a fama de conseguir o que os outros falharam.
Abrindo o portão, o homem abriu caminho estendendo o braço, direcionando para dentro.
— Antes de entrar, peço para deixar a sua armadura aqui.
Erguendo uma sobrancelha, San disse:
— Tá brincando né?
— Cemitérios são lugares sagrados, livres da violência e mal do mundo. Usar uma armadura ao entrar em um, é desrespeitoso e ofensivo.
San escutou as palavras atentamente, e deu de ombros:
— Então por que só a armadura? A espada também deveria ser retirada.
Pego de surpresa, parou, considerando. Demorando minutos, declarou:
— Muitos morreram por espadas, talvez encontre seu alvo. Os mercenários anteriores respeitaram.
Fazendo uma careta, San só pensava nesse homem como um louco. Nem faria sentido atrair o seu alvo se estivesse desprotegido.
— Olha, velho, me considere uma pessoa rude, indecente ou sei lá. Vou entrar de armadura.
Engolindo em seco, passou o portão, sentindo um calafrio percorrer seu corpo, Garmir o seguiu tranquilamente, até animado. Olhando ao redor, lápides de tamanhos e formatos foram dispersadas, o ar era úmido, e diferente do restante da cidade, uma neblina fraca espalhava-se.
Virando em direção ao homem, perguntou:
— Cadê eles?
— Por todo o lugar, vagando e esperando, só caminhar e os verá. Mas cuidado para não se tornar um. — Sua voz tentava esconder o desagrado.
Batendo o pé freneticamente na grama escura, apurava seus sentidos ao máximo, prestando atenção no mínimo som suspeito. Virando o rosto ao homem e querendo fazer outra pergunta, o sujeito sumiu.
Girando o corpo em 360° e só recebendo o silêncio, sua respiração acelerou e o suor começou.
— Seus batimentos cardíacos estão acelerados, algum problema? — Sacro perguntou.
— To bem, me fala uma forma de derrotar fantasmas sem chegar perto.
— Tem um canhão de prótons?
— Que isso? Uma arma?
— Deixa quieto. As fraquezas de espíritos são metais puros, sal grosso, uma habilidade ou outro da própria espécie.
— Legal, só tenho minha espada, super de boa.
— Estou identificando nervosismo?
Garmir ao seu lado o encarou, e San pode sentir uma pitada de divertimento vindo.
— Eu era meio rebelde quando criança, uma vez olhei um filme de terror pra maiores de dezoito anos. Tinha um fantasma sinistro, matava as vítimas de um jeito super violento.
— Entendi, boa sorte.
Andando sobre as gramas, a neblina ao seu redor só piorava, o impossibilitando de ver a sua frente. Já desembainhando a espada, matinha os olhos arregalados.
Seu familiar caminhava tranquilamente, parando de vez em quando para ler as lápides. “Tá legal, eu to bem, talvez seja um alarme falso, podem ter errado.”
Prestes a relaxar um pouco, Garmir parou de repente, suas orelhas levantaram e os pelos arrepiaram.
— Tá estranho. — Falou na sua mente.
— Certo, vai lá ver então.
— A missão é sua.
— É você que passa reclamando estar entediado.
Ambos se olharam e foram juntos. A cada passo, San sentia o ar esfriar, a ponto de poder ver a sua própria respiração. A concentração em frente, demorou pra perceber o buraco nos seus pés.
Perdendo o equilíbrio, caiu de cara. A queda, por sorte, nem doeu ou foi longa, atingiu o chão e a terra amorteceu o impacto.
— Está tudo bem? — Garmir perguntou de cima, ainda mantendo o olhar em frente.
— Sem perigos, já tô subindo. — Respondeu imediatamente.
Apalpando a terra, procurava a espada. A iluminação era péssima, a ponto de nem conseguir ver a sua frente. Nas duas mãos, agarrou algo duro. Curioso, levantou acima da sua cabeça.
Na direita, a sua cimitarra, na esquerda, um braço, a carne podre e despedaçada. Soltando um grito, cravou as unhas nas paredes e escalou, forçando seu corpo a alcançar a superfície em segundos. Recuperando o fôlego, pediu a Garmir:
— Joga um fogo ali dentro.
Criando uma pequena chama, voou na direção da cova, iluminando por completo. Dividido em partes, um corpo de um homem jazia morto, os vermes tomando conta.
Suprimindo a vontade de vomitar, levantou e saiu apressadamente de perto. Cambaleando e usando as lápides de apoio, sentou em uma e respirou fundo, apoiando as costas em uma cruz grande.
— Tá legal, mudei de ideia, vamos embora.
— Tem certeza? É a sua primeira missão de Rank C. — Sacro disse.
— Absoluta, cansei disso.
Levantando, perguntou:
— Onde é a saída?
Tanto relógio quanto cão permaneceram quietos.
— Tá zoando. Ótimo, tamo perdido, tem um espírito por aqui querendo me matar, e…
Garmir pulou na direção de San rapidamente, o acertando no peito e derrubando contra o chão. Irritado e pretendendo repreender o companheiro, ouviu um baque no chão.
A cruz, de momentos atrás inteira, tava partida ao meio.
— Desvie! — Garmir gritou fugindo.
Girando o corpo, um rasgo na grama cresceu, um reto e perfeito, capaz de cortar até metal. Engolindo em seco, levantou e procurou o culpado.
Contudo, nem a sombra conseguia ver, a neblina obstruindo.
— Na direita!
De novo, o cão gritou. Escolhendo enfrentar, San pôs a lâmina na frente, tomando o golpe. O esperado era ser empurrado um pouco, ao invés disso, teve o corpo arremessado no ar, atingindo em cheio um pedaço de concreto.
Derrubado no chão, os ossos resistentes impediram de quebrar e erguendo a cabeça, avistou o culpado: feito puramente da neblina ao redor, os olhos brilhando em loucura e fome.
Sumindo no ar, atacou novamente, dessa vez San desviou sozinho, só seguindo seu instinto. Rolando e começando a correr, gritou a Garmir:
— Vamos fugir, me segue.
Acelerando o passo e mal podendo ver seu percurso, procuravam a saída desesperados.
— Abaixa. — O cão gritou.
Deslizando, o ar em cima de San foi cortado, a centímetros da sua cabeça.
Ainda procurando um caminho, de repente os dois pararam, ambos sentiram uma presença diferente. No meio do nada, luzes surgiram, igual a um farol no meio do mar.
Dando uma olhada rápida na direção um do outro, concordaram e seguiram em frente. Garmir se movia com perfeição, desviando facilmente os obstáculos e pulando.
San tropeçava sempre, até que uma hora, prende o pé e caiu. O som do vento sendo cortado voltou, indo bem na sua direção. Levantando a espada, defendeu.
Diferente da força enorme da última vez, a arma do espírito deslizou sob a lâmina, passando o cabo e cortando a parte de cima do braço. O sangue caia igual a uma fonte, mas San não tinha tempo, e continuou a correr.
Curiosamente, o fantasma mostrou a sua forma nebulosa, parado no lugar onde cortou San, encarando. Estendendo um dedo de osso, e tocando na poça de sangue, pôs na boca.
Seus olhos brilharam animados, e um grito sinistro se espalhou, ecoando em cada canto.
San tremia, seu rosto apavorado e as pernas queimando de tanto esforço, o familiar já longe, o sentindo vagamente.
Subitamente, um grito veio de trás, chegando perto, o visando. Perto do sinal de luz, já tocando seu rosto, suas costas foram acertadas, o jogando a frente.
A visão de San ficou confusa, girava e mudava constantemente. Até parar e sentir um pedaço de grama na boca e lambidas.
Recuperando imediatamente os sentidos, levantou e cambaleou, caindo de bunda.
Na sua frente, pessoas comiam em cima de mesas de madeira. Um grupo de cinco, velas no chão e pães. Um homem velho de aparência robusta, uma senhora de sorriso gentil, a jovem alegre e brincalhona repleta de comida na boca e duas crianças correndo.
Como se sentissem o visitante, — e talvez sentissem — viraram as cabeças na direção dos dois. Erguendo a espada, já imaginava em quem atacar primeiro.
Entretanto, abriram sorrisos e se aproximaram alegres. As crianças vieram primeiro, uma garota e um garoto, vestindo roupas de caveiras, seus cabelos escuros, a pele pálida e o ar sinistro ao seu redor ia contra os sorrisos nos seus rostos ao chegar perto.
— Pode nos.
— Ver? — Falaram um completando o outro.
Hesitante, acenou com a cabeça. Os olhos começaram a brilhar de alegria e olharam na direção dos companheiros.
— Ele nos vê!
Confuso e desorientado, San ia perguntar depois o motivo dessa estranheza, por enquanto iria dar um jeito nas suas feridas. Tirando bandagens da roupa, pôs no braço ainda pingando sangue.
— Está fazendo tudo errado, esses jovens de hoje em dia nem sabem colocar um curativo.
A velha gritava enquanto chegava perto, seus cabelos cacheados brancos e óculos finos balançavam. Agarrando os curativos, os arrumou em uma velocidade surpreendente, sem um único erro.
Mantendo o olhar nas pessoas, procurava a espada no chão. Percebendo a dificuldade em achar, viu ter sumido.
— Cimitarra legal, é de um bom material.
A mulher energética disse balançando a arma. O cabelo escuro curto voava a cada golpe, usava uma armadura pesada de metal e os movimentos eram ágeis.
Sua mente tava confusa e nublada, e só querendo esclarecer as coisas, disse em voz alta:
— Onde eu tô?
As conversas pararam e as cabeças viraram. O homem deu um passo em frente e se ajoelhou, seu cabelo grisalho caindo sobre os olhos, a armadura de metal rangendo.
— Esse é um porto seguro, um lugar sem perigos.
— Do fantasma?
— Isso aí, e você consegue nos ver e tocar.
— É óbvio, eu não sou igual aquela coisa.
Um breve silêncio tomou conta.
— Tá demorando pra perceber, jovem burro.
— Um guerreiro só precisa de uma espada.
— Pode ter.
— Batido a cabeça.
— Quietos, deixe eu falar. — Apenas poucas palavras calaram a todos. — Qual seu nome?
— San.
— Certo, San, veja para cada um de nós, olhe como se nos analisasse pra lutar contra.
Achando isso estranho, só o fez, e passando o olho, se imaginou lutando, as vantagens, possíveis habilidades, trabalho em equipe. Nisso, percebeu algo curioso.
As crianças tinham riscos ao redor dos pescoços, a mulher de cabelo curto, um buraco na parte de trás da armadura, a velha, andava manca e o homem à sua frente, normal.
Coçando os olhos, forçava a sua mente a raciocinar, no entanto, era confuso demais, e uma dor de cabeça já vinha pela teoria criada.
— Percebeu?
— Provavelmente não, devo tá ficando maluco.
— Nem perto, fale em voz alta.
— …Estão mortos… — Sua voz sendo um sussurro.
Cada um, acenou concordando. O homem levantou e abriu os braços.
— Sou Mike, essa velha rabugenta é Clotilde, os gêmeos são Char e Lee. Por fim, a brutamontes viciada em brigas é a Vitória. E todos nós morremos aqui.
San levantou e deu uma olhada rápida em direção a Garmir, deitado e ouvindo.
— Tá, por que eu consigo os ver?
— Boa pergunta, o cão do inferno é normal, considerando a sua raça, mas você é diferente, sinto como se estivesse na frente de um poltergeist ou devorador de almas.
Um arrepio percorreu seu corpo, evitando a raiva do último nome, perguntou:
— Dá pra explicar, tá complicado.
Vitória deu um passo em frente e disse estufando o peito:
— Poltergeist é aquela coisa lá fora, mata e se alimenta das almas, o tornando mais forte. Um devorador de almas suga o espírito da pessoa e deixa armazenado no seu corpo. Eu mesma já derrotei vários.
— Tá legal, tempo, tempo, me diz do início, por favor.
Dando de ombros, falou:
— Um poltergeist nasce quando uma…
— No momento a forma de nascerem não importa, quero saber quem são vocês, onde eu tô, e como mato o lixo lá fora.
Sentando nos bancos de madeira, Clotilde falou primeiro:
— Eu era uma médica aposentada, vim visitar o meu marido falecido e de repente, morri. — Mostrou levantando a camiseta de lã, um buraco na barriga.
Vitória é a próxima, sorrindo.
— Soube de mortes ocorrendo por aqui, pretendendo me desafiar e ganhar fama, vim pra cá. Eu e o monstro tivemos um combate épico, contudo, meus ataques eram inúteis. Sabe, físico contra intangível é complicado. — Virou as costas revelando a armadura danificada.
Os gêmeos sorriam alegremente e falaram:
— Mortes aconteciam direto, e os adultos só ignoravam. Nossa mãe nos trouxe aqui por algum motivo, porque nem temos um parente enterrado aqui. — Char, a garota começou.
— A mãe nos levou até o meio do lugar e disse pra esperarmos enquanto ia buscar algo. Obedecemos e esperamos, mas a mãe demorou, e o monstro veio. Só lembramos de estar aqui. — Lee terminou.
Ao mesmo tempo, seguraram as cabeças e tiraram do corpo, fixando novamente em um instante.
Por último, Mike, seu rosto cansado e triste.
— Fui um mercenário, derrotava os monstros e salvava pessoas, ia de vila em vila, meu nome ficou conhecido por todo lugar. Um dia, procurando meu irmão desaparecido, descobri a sua localização. Capturado pelo governo, usado como máquina de matar, e cobaia. O achei e salvei, porém, o estrago já tava feito…
Coçando os olhos, demorou um tempo, cada um dos parceiros quietos.
— Eu o matei, o enterrei nesse cemitério, e segui a vida. Anos depois, mortes misteriosas ocorreram, e eu voltei. Quando o vi de novo, em forma de poltergeist… Lutamos. Eu já tinha o matado uma vez, me recusei a fazer uma segunda, e por isso, morri, pelo próprio irmão. O deixando matar mais gente.