Ladrão de Poderes Brasileira

Autor(a): Crowley


Volume 2

Capítulo 58: Cheiroso

— Vamos falar do ocorrido.

Apoiando a mão na cabeça, San pensava o que falar: “Posso inventar uma história, dizer ter sido ameaçado. Arriscar ter um problema é complicado.”

Soltando um suspiro, olhou para Ethan e disse:

— O cara me provocou e ameaçou, revidei e por causa da dor exagerei.

O professor só o observou uns segundos, e deu uma risada baixa.

— Precisa inventar uma mentira melhor, dizer ser culpa da dor ter ido longe, pra pessoa que colocou os curativos é um erro.

Revirando os olhos, respondeu:

— Tá legal, só me diz qual vai ser a minha punição ou se vou ser expulso.

— Antes disso, queria que soubesse, o aluno agredido está bem. Misturando a sua genética e curandeiros, está se curando perfeitamente. Não causou uma morte.

Nesse momento, San achou normal, e isso o incomodou em um nível sem precedentes. Antigamente, quando machucava uma pessoa e sabia ter sobrevivido, um alívio tomava conta.

No entanto, agora, não sentia nada. Alegria, aborrecimento, raiva, só o normal, igual ao começo do dia e o anterior. Ainda tinha de decidir se era algo bom ou ruim. Por enquanto, teria de fingir.

— Graças a deus, tava pirando, já imaginando ter me tornado um assassino.

Balançando a cabeça, Ethan continuou:

— Conversei com o diretor, e por ser apenas o seu primeiro dia, dificultou um pouco a decisão. Eu e o professor Aquiles concordamos em deixar passar dessa vez, é claro, sofrendo uma punição adequada.

Relaxando os ombros, o nervosismo de falhar na sua missão foi embora.

— Tá, então?

— Estamos decidindo. Volte as aulas e evite problemas, se quer brigar, chame no ringue. Estude e vá bem nas provas, faça amigos e aproveite o seu período escolar.

Levantando da cadeira, San apertou as mãos do professor. Recebendo uma última dica:

— Caso queira, venha novamente conversar, e se os machucados piorarem, vá à enfermaria, eles têm curadores bons e de graça.

De volta ao seu quarto, só queria deitar um pouco e recomeçar o dia. No total as aulas tinha duas horas de período, e por dia eram quatro aulas, perdeu a última e ficou livre.

Nos corredores, ocasionalmente alunos o encaravam: medo, animação, curiosidade, nojo. Tudo isso e misturado, sem nem tentar esconder.

Pensando por um tempo nos seus planos, deu uma volta no campus, queria explorar, saber decorado de cada lugar necessário. Já havia estudado o mapa anteriormente, mesmo assim, ver pessoalmente é bem melhor.

Os prédios eram separados, numa boa distância, e na parte de trás, uma floresta.

Chegando em complexo branco e uma cruz vermelha em cima, entrou calmamente. Era semelhante a um hospital, sala de espera, médicos, enfermeiras. A principal diferença sendo todos os doutores sendo mutantes.

Só de ficar parado por alguns segundos, uma enfermeira apareceu segurando uma prancheta e sorrindo.

— Com o que posso ajudar?

— Recentemente me envolvi em uma briga e me machuquei.

— Preencha esse questionário e um doutor o atenderá.

Pegando a prancheta, sentou em uma cadeira e leu as questões. Eram simples, nome, idade, sexo, alergias, numero de emergência. Escrevendo, só esperou.

Enquanto aguardava, nem percebeu as pessoas sentadas perto afastando. Porém, um corajoso continuou ao seu lado. Uns dezoito anos, usava óculos, cabelo um pouco grande, sem músculo algum, fino feito papel. Tinha um olho roxo e mancava.

Reunindo coragem, disse:

— San, né?

Olhando o garoto, só disse:

— Quem quer saber?

— Meu nome é Caleb, soube do ocorrido.

Dando de ombros, só disse:

— Todo mundo deve ter ouvido falar.

— Queria pedir sua ajuda.

— Como assim?

— Intimide os meus agressores.

Não aguentando, deu uma risada alta.

— Olha, me meti em apuros já.

— P-posso te pagar.

— Já tenho dinheiro.

— Ser seu amigo.

— Amizade de recompensa? Sério?

— Viro seu servo.

— Não curto isso.

A animação diminuindo, Caleb ficava desesperado.

— Por favor, faço todo o necessário.

— Essa é a academia Anastasia, um lugar feito para treinar e ficar forte. Melhore seu poder.

— Ele é inútil contra esse tipo de problema!

Achando a conversa interessante, San continuou:

— Qual seria?

Hesitando por um momento, Caleb disse:

— Controlo tecnologias.

— Legal, e o outro?

— Preciso dormir menos. Como vou usar isso para me proteger?

— É, pode ser complicado.

— Eu faço de tudo, só me ajude.

Considerando o que fazer, um médico chamou seu nome. San levantou e disse:

— Vou pensar. Quer pedir ajuda, tenha uma oferta boa.

Entrando no consultório, viu uma médica o esperando, jaleco branco, cabelo preto preso. Sem cerimônia, leu a prancheta e se aproximou, tocou a cabeça dele e San sentiu algo diferente no corpo.

Perdendo o equilíbrio, teve de segurar a parede, mesmo assim a doutora continuava. Lentamente as feridas se fecharam, sequer deixando cicatriz.

Acabado o processo, ela voltou a sua cadeira e disse:

— Evite se machucar nas próximas vinte e quatro horas, é esse o tempo necessário para te curar novamente. Pode ir.

— Valeu.

Indo embora, Caleb já tinha ido. Tendo explorado um pouco e ficando tarde, decidiu ir ver seu familiar, podia senti-lo estressado e entediado.

De volta ao quarto, foi recebido por uma encarada de Garmir, curioso do cheiro de sangue e o humor desanimado do parceiro.

— Preocupações? — perguntou mentalmente.

Só balançando a cabeça, deitou na cama. Ainda se assustava da velocidade do cão do inferno em aprender a língua humana e comunicar-se na sua mente.

— Sentimos as mesmas emoções, está afligido.

— Posso dizer de ti também, está entediado.

— Ficar o dia inteiro em um quarto causa isso.

— Amanha te deixarei nos cuidados da academia, vários dos alunos tem familiares.

Erguendo a cabeça, Garmir o encarava em raiva.

— Quero ir lá fora, para a floresta ou cidade, explorar e caçar.

— Acredite, somos dois. Porém, esse é um lugar desconhecido, só depois de nós irmos juntos.

Abaixando a cabeça, analisava a todo momento Jason.

— É bom dar um jeito no seu parceiro de quarto, tá ficando estranho.

Dando uma olhada, viu o colega jogado sobre os travesseiros.

— Tudo bem aí?

Levantando na hora, andou até metade do quarto e falou:

— Somos colegas de quarto e pretendo ser o ano todo, então vamos ser sinceros. Cê é humano?

Pego de surpresa pela pergunta, nem sabia dar uma resposta certa, demorando um tempo e a carranca de Jason aumentando.

— Até onde sei, sim.

— Tá falando sério?

— É. Por quê?

— Bem, na luta de hoje, enquanto seu sangue caia no chão, um cheiro encheu o ar, delicioso e diferente. — enquanto falava, batia o pé constantemente e evitava contato visual. — Todos os vampiros sentiram, querendo um pouco, uns quase pularam em ti, o que os impediu foi a sua demonstração de força.

San não sabia reagir a isso, seria um insulto? Ameaça? Elogio?

— Legal.

Jason o via incrédulo, e logo voltou a caminhar de um lado para o outro.

— Olha, o que tem de tão errado? Tenho um cheiro bom.

— O problema, é tentarem te atacar e pegar o seu sangue, eu também posso ser perigoso.

Voltando a deitar, encarou o teto e respondeu:

— Tá de boa, Garmir me vigia enquanto durmo e acho difícil as pessoas me atacar depois de hoje.

— Tá certo. Foi mal, é que só comendo a mesma coisa todos os dias e de repente um cheiro nunca visto aparece, fui pego de surpresa.

— Jason, tudo bem. Amanha vai ser um dia normal.

***

Meia-noite, Jason dormindo tranquilamente, Garmir mantendo seus sentidos alertas, roncava, e San, tirava o uniforme da academia e colocava a roupa usada no início do dia.

Ajeitado, saiu nos corredores, andando lentamente, sempre parando em uma esquina. Tendo certeza de estar sozinho, saindo do prédio dos dormitórios e percorreu o campus.

Independente de tá de noite, o gramado inteiro era iluminado por luzes, permitindo aproveitar a luz. Ao longe, podia ver vultos. Inspetores, pessoas com poderes adaptáveis de espionagem, o objetivo deles é cuidar o que acontece à noite, impedindo os alunos de quebrarem janelas, brigas escondidas ou até pior.

Calmamente, San deixava a cabeça baixa, sabia que usar uma roupa normal poderia chamar atenção, mesmo assim escolheu arriscar naquela noite.

Em baixo de uma árvore, um arrepio na parte de trás do pescoço o incomodou, sua cabeça quase virou instintivamente na direção do mutante.

Continuando sua caminhada, olhares nas suas costas o seguiam, o vigiando e analisando. Numa hora, a presença de quatro.

Quanto mais se afastava dos prédios, menos pessoas o observavam. Nos portões, só passou pelos guardas e foi às ruas. Os inspetores podiam ter técnicas de esconder nas sombras ou ficar invisível. Nada disso adiantava para quem conseguia saber sua localização.

As ruas de Plária pela noite eram lindas, lojas ainda abertas, pedestres perambulando entre amigos, jovens indo ou voltando de festas. Tudo uma maravilha.

San sentia uma pitada de curiosidade, querer saber como as pessoas da cidade grande viviam, mas resistiu, tinha objetivos naquela noite.

Esperando no meio fio, viu um carro e levantou a mão. Entrando na porta de trás, disse ao motorista:

— Bairros baixos.

Assim o carro começou a andar. A viagem foi tranquila, avistou um pouco da cidade, as luzes cegantes em prédios e estilos de vestir das pessoas. De vez em quando podia sentir um mutante, seja guarda-costas ou de boas na rua.

Após longos minutos, chegaram nos “bairros baixos.” um jeito menos pior para chamar de bairros pobres. O carro parou e o motorista disse:

— Cinquenta créditos.

Estendendo a mão, pagou. Carros eram difíceis de manter e ter, por isso essas viagens costumam ser caras, contudo, trabalhar para Eugene tinha suas vantagens. Recebia dinheiro, podia parar de se preocupar com suas dívidas, uma vida boa, sua preocupação sumiu.

As ruas mudaram rapidamente ao primeiro passo, casas decaídas e velhas, mendigos nas ruas, ladrões nas esquinas. San respirou profundamente, finalmente sentiu um pouco da sua casa.

Abrindo o mapa de Sacro, se guiou e alcançou o lugar certo, um prédio de cinco andares, todo pichado e velho. Na frente do portão de ferro, pôs sua senha e subiu as escadas.

No segundo andar, pressionando sua digital na maçaneta, a porta abriu, e viu um apartamento grande, caixas espalhavam-se e uma cama simples no canto.

Esse era seu apartamento, comprou e somente ele sabia. Abrindo as caixas, viu várias dos seus itens pessoais.

Demorando um longa hora, ajeitou tudo. Prateleiras com seus livros de monstros, cama arrumada, roupas no guarda-roupa e na cabeceira uma caixa de música.

Sobre a mesa, sua cimitarra era exposta, a lamina curvada e prateada, completamente limpa e preparada para cortar.

Observando sua estante de madeira, puxou a parte esquerda, revelando ser uma porta, levando a um quarto secreto, resultado de boa parte do seu trabalho duro.

San fez esse quarto para investigar suas futuras vítimas, analisar, prever e confirmar se são pessoas ruins. As fotos já colocadas eram de casos de jornais online. Marido mata mulher e é solto, crianças se afogam na banheira e mãe controladora de água não consegue os salvar, carro pecha e somente a filha adulta sobrevive.

Plária era uma cidade enorme, dois milhões de pessoas vivendo ali. O índice de criminalidade é alto e casos resolvidos de apenas 20% ninguém se importaria de criminosos morrerem.

Indo até o guarda-roupa, vestiu um par de botas militares, calças, camiseta e jaqueta escuras. Por fim, pegou uma espada, — não a cimitarra — uma Jian, comprada no mercado negro, sem identificação ou algo possível de rastrear. Arma leve, de uma mão e focada em golpes rápidos.

Embainhado nas costas, subiu as escadas, caminhando sobre as fracas luzes, nem precisava se preocupar das câmeras de seguranças.

No térreo, coberto de escuridão, a pulseira no seu pulso ganhou vida, movendo-se diretamente para seu rosto e prendendo firmemente, formando uma máscara sorridente, uns chifres na cabeça e os olhos pura escuridão.

Uma vez, sua mente quase foi dominada pelo objeto amaldiçoado. Demorou bastante até tomar coragem de usar novamente, contudo, testando e confirmando estar bem, voltou.

De cima, podia ver tudo. De um lado, os bairros alegres e animados, festejando e aproveitando. Do outro, escuridão, pessoas moribundas e desesperadas.

Ficando na porta, começou a caminhar. De início, lento, após alguns passos, uma corrida. Chegando na ponta do prédio, pulou. O vento batendo contra seu corpo, a adrenalina percorrendo as veias, os sentidos apurados, finalmente se sentia verdadeiramente si.



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