Volume 2
Capítulo 118: Conversa Depois da Briga
Sentados um na frente do outro, a mesa jogada longe retornou ao lugar, as xícaras de chá e o bule acompanhando, nada de rachaduras ou líquido gastos.
Escondendo a surpresa, manteve o rosto sério, expressão dura e firme. Tinha tanta coisa para falar, gritar com esse homem, era um sonho de infância.
Finalmente na sua frente, tendo esse sonho realizado, percebeu que realmente não ligava, os questionamentos, reclamações, só um aborrecimento. A raiva, isso continuava, incapaz de resfriar.
Bebendo do seu chá, Dean aguardou em silêncio, e pondo a sua xícara de volta na mesa, cruzou as pernas, e falou:
— Estou aqui, na sua frente, pode perguntar.
Silêncio, San só ficou quieto, encarando aquele rosto. Havia poucas lembranças na sua mente do pai, principalmente da cara, e uma coisa tinha certeza: tá diferente.
Óbvio, passaram-se anos, as pessoas mudam, contudo, uma das poucas lembranças boas com esse homem, eram dos momentos divertidos, das risadas, brincadeiras.
E o analisando de perto, só via cansaço, expressões duras, os olhos sério e nada de divertimento, risadas ou alegria nele.
Lambendo os lábios, Dean disse:
— Vai ficar só me vendo ou falar? To aqui, pode perguntar o que quiser.
“Eu sempre quis isso, então porque me sinto assim? Um vazio dentro de mim.” Pensando nos seus sentimentos, no passado, descobriu o motivo. Negando com a cabeça, falou:
— Quando eu era criança, e a medida que envelhecia, tive tantas perguntas. Porque nos abandonou, porque nunca mais visitou ou mandou mensagem, até chegava a me perguntar se era culpa minha.
— Santiago, eu entendo que…
— E com os anos passando, tanta coisa me incomodava, minha raiva crescia, e depois de tanto tempo, nessa academia, com amigos e uma vida minha, eu percebi que, não importa o motivo. Você me abandonou, nos abandonou. Destruiu uma família, e com isso, não faz mais parte da minha vida, e tanto faz as suas desculpas.
Em uma expressão triste, Dean concordou, cansado.
— Quer saber por que eu fiz o que fiz?
— A vida é sua Dean, e eu to livre disso, guarde os motivos para si.
Trocando o maxilar, o pai respirava pesadamente, esperando uma coisa completamente diferente. O início sendo certo, raiva e uma briga, só esse final, inesperado.
— Certo, então me deixe falar algumas coisas, e o motivo real de ter vindo aqui.
San só o encarou, os olhos bem abertos e, por algum motivo, uma estranha paz o dominando, talvez nunca sentida antes. Claro, só de ficar na frente dele revirava o estômago, e uma vontade de o atacar, seja com palavras ou golpes sendo restringidos a força.
Demorando para começar, Dean pensava nas suas palavras, hesitando na forma de começar ou falar.
Tomando coragem, disse:
— Lembra de quando despertou os seus poderes? Deixei uma carta, contando um pouco da história da nossa família.
— Vagamente.
— Certo. Os Blackscars eram grandes, poderosos, e tomávamos conta para que as outras famílias seguissem as regras. Muitos nos odiavam, seja devido aos poderes roubados ou o nosso modo de fazer as coisas. Um dia, o jovem herdeiro, sucessor da família, se apaixonou e trouxe uma víbora, que os traiu e revelou passagens secretas, matando todos.
San lembrava perfeitamente da história, às vezes pensava enquanto ia dormir.
— O jovem foi um idiota.
Soltando uma curta risada, Dean concordou.
— Verdade, e esse jovem, era eu.
Levantando uma sobrancelha de forma sutil, abria a e fechava a boca.
— Na época, eu era arrogante, me achava o melhor, talentoso, poderoso, e herdeiro dos mais poderosos. Aí, eu conheci ela, uma mulher encantadora, e a amei com todo o meu ser, ignorando os claros sinais suspeitos.
Prestando atenção a cada detalhe, San só escutava em silêncio, considerando cada parte da história na sua cabeça.
— Ela me traiu, chamando todos os nossos inimigos, e assim, mataram os mais fortes desprevenidos. Eu, o culpado da queda da minha família, consegui sobreviver, enquanto tantos morreram, trucidados.
Cerrando os punhos, Dean olhava para baixo, os olhos arregalados, só de lembrar do passado.
— Tantas mortes, pessoas inocentes, só tando lá por amizade, e ainda assim, eliminados.
Vendo o pai ficando quieto, San insistiu:
— E depois?
— Caçado por todos os lados, nenhuma cidade podia me ajudar, então fui para as florestas, e vivi feito um animal. Passei messes, lá, sozinho, e nisso, a quilômetros de qualquer civilização, encontrei um grupo de militares.
Cuidando as expressões do Dean, viu seu olhar adotar uma expressão calma, e um leve sorriso.
— Quase me mataram, mas uma pessoa os impediu, uma mulher. Sabe, depois de tanto tempo afastado das pessoas, vendo alguém gentil, de verdade, me tocou, e fiquei junto com eles por um tempo, desfrutando daquela paz, um objetivo. — Erguendo o rosto, encarou o peito do filho. — A sua mãe, comandando a tropa.
Involuntariamente, San tocou na placa de identificação, algo que sempre mantinha junto consigo, independente de onde ia.
Ainda que quisesse ficar quieto, frustrar as tentativas de ter uma conversa, falou, um sussurro:
— Como ela era?
Vendo para cima, Dean agia como se conseguisse ver pelo passado, sempre sorrindo.
— Incrível. Energética, gentil nas horas certas, e rigorosa nas melhores situações. E a sua força, nada podia a parar, quando queria algo, dava um jeito de conseguir.
Hesitando, Dean olhou o filho.
— Me lembra ela. Se quiser, posso te mostrar como foi, exatamente as mesmas imagens. Talvez entenda o motivo do que eu fiz.
Em uma respiração tremula, San engoliu em seco. Na sua frente, uma chance de ver a sua mãe, viva, ainda que fosse o passado.
O quanto queria isso é imensurável. Trincando o maxilar, respirou fundo, negando.
Escondendo a decepção, Dean continuou falando:
— Vim aqui pra te falar, que decidi me aposentar.
Olhando fixamente para o pai, pensou rapidamente e falou:
— Uma aposenta pra assassinos em série, como é isso? Passa o dia bebendo, conversando com outros, discutindo as melhores mortes?
— É, também tem a parte de nadar em uma praia, bem relaxante.
Revirando os olhos, San balançou a cabeça.
— Já acabou a sua vingança?
Metendo o olhar fixo, Dean negou.
— Falta uma, a mulher.
Se inclinando para a frente, San falou:
— Vai deixar ela ir?
— Sou forçado a isso.
Batendo na mesa, San respondeu:
— Não ferra, você é o devorador de almas, mata qualquer um, e vai deixar pra lá.
San se sentia indignado. Seu pai os abandonou para realizar a sua vingança, e ainda assim, falhou, desistiu. Pra que serviu tudo então?
— Me deixe falar uma coisa Santiago. Nós, os Blackscar, somos amaldiçoados. Temos o poder de matar e roubar os poderes, mas com isso, a cada morte, uma parte nossa vai junto, sumindo o que nos torna humanos.
— Humanidade é superestimada.
Disparando uma curta risada, falou:
— Eu pensava a mesma coisa. Entenda, estou nisso a anos, matei tantos que nos meus pesadelos nem tem mais espaço para corpos. E notei, que me tornei pior. Ficou mais fácil, prazeroso, ao ponto de só me olharem torto, tenho vontade de eliminar.
— Então, tudo isso pra nada.
— Na minha idade, percebo os erros que cometi. Se pudesse, teria continuado sendo uma pessoa normal. E Santiago, você quer matar alguém, né?
O encarando de frente, San considerava o que falar, pensando se deveria revelar a verdade ou mentir. Porém, essa foi a primeira vez que puderam ter uma conversa real, pra que mentir?
— Sim, a assassina do meu melhor amigo.
— Desista, pois quando completar a sua vingança, algo dentro de si vai mudar.
Em uma voz raivosa, San disse:
— Você é o último que tem o direito de me falar isso.
— Exatamente por eu ter feito isso, que posso falar, não vale a pena. Vai destruir a sua vida. Já te chamam de diabo, os caçadores de mutantes no seu encalço, é questão de tempo até te pegarem.
— Pois eu digo que vale. Quando ela morrer, serei livre de verdade, o meu nome temido por todos, e ninguém, nunca mais, vai ousar me desafiar.
Balançando a cabeça em negativa, Dean viu o seu relógio.
— Tá na hora, vamos para a reunião.
Surpreso, San esperava ser uma piada irem para a reunião. Uma desculpa para conversarem, só isso.
Dean ficou de pé, e indo em direção à porta, a sala começou a mudar. Móveis surgiram do chão, as paredes viraram madeira, e em um piscar de olhos, se tornou uma sala normal.
“Tá, foi legal, esse poder é bem útil para combates.” Indo atrás, tava curioso para ver o que o pai faria em questão ao rosto.
Na hora em que passaram as portas, San viu o rosto de Dean mudar completamente, virando um novo homem. Sobrancelhas engrossando, os lábios afinando, cabelos lisos ficando cacheados e a cicatriz sumindo.
Juntos, seguiram o corredor, entrando em uma sala nova, com uma mesa circular no meio, funcionários responsáveis de cuidar esse tipo de coisa sentados ao redor.
“Qual é, por que só o meu pai foi chamado?” Sentando em uma cadeira, resistiu a vontade de se afastar ao ver Dean indo ao seu lado.
No lado dos funcionários, um homem pálido sentava na cadeira a ponta, rosto magro e cabelos escuros penteados precisamente, nem um fiapo solto.
— Boa noite, me chamo Marcos, e o senhor foi chamado aqui para discutir a punição do seu filho ao infligir ferimentos graves contra outros alunos.
Dean só acenou em concordância, esperando pacientemente.
Abrindo um holograma, Marcos começou a ler em voz alta o que San fez, sendo ferir gravemente alunos, fazer experimentos com os seus poderes neles, e fritar o líder na frente de todo mundo.
Nessa explicação, falou o motivo de nem um dos que foram machucados estarem ali, já que os seus ferimentos tão graves necessita de repouso.
— Devido a tudo isso, imagino que uma punição adequada seria uma suspensão de dois meses, serviço comunitário e uma indenização.
Os funcionários ao lado abriram pequenos sorrisos, já acostumados a protestos ou pessoas implorarem.
Dean, abriu a boca calmamente, e na hora em que falou, sua voz grave e forte veio:
— Certo, concordamos com tudo isso, desde que os alunos responsáveis de começarem a briga forem expulsos e presos.
Petrificados, os homens ali se olharam. Soltando uma curta tosse, Marcos falou:
— Senhor Lunaris, o seu filho fritou vivo um, queimou…
— Tanto faz as acusações, eles começaram a briga, e de acordo com fontes, não é a primeira vez, e ainda assim a academia não tomou nem uma providência.
Engolindo em seco, Marcos tentou discutir, convencer ou intimidar Dean, e nada disso funcionou, ele foi firme.
— Certo, que tal assim, nada de suspensão, só pague uma indenização e os garotos vão apertar as mãos em amizade.
Apoiando os cotovelos na mesa, Dean respondeu:
— Vou ser claro. Meu filho não vai pagar nada, vocês vão expulsar aquele grupo. Ou, os processo, acredite, testemunhas tenho de muito.
Rangendo os dentes, Marcos tentava discutir, mas Dean manteve-se firme.
Uma ameaça de processo foi realmente uma coisa inesperada, San pensava em ameaças verbais ou uso de um poder.
Depois de mais uma discussão, Marcos concordou, de cabeça baixa, vendo que havia perdido a discussão, principalmente depois de Dean começar a listar os casos daqueles alunos.
Terminado a reunião, caminharam juntos na calçada do campus, realmente surpreso por ter ficado sem nem uma punição. Sozinhos, San tentou resistir, em vão, e fez uma pergunta.
— Lembra de um cara chamado de Ramon? Era um caçador de mutantes, e tava no seu caso.
O rosto de Dean escureceu, as sombras da noite tomando forma e dançando.
— Um bom homem, inteligente. Conseguiu me descobrir. Não tive escolha, e o matei.
Ainda que relutante, San perguntou:
— Soube que foi de uma forma bem violenta.
— Verdade. É isso que digo quando falo não me reconhecer mais, essa violência desenfreada.
— Bem, espero nunca mais te ver.
San ia caminhar para longe, distante do pai, isso até escutar vozes nas suas costas, o chamando.
Pai e filho viraram a cabeça, confusos. Caminhando no meio da calçada, ali estavam eles, o grupo inteiro.
Jason, sorridente e relaxado, caminhando levemente. Bella, os seus cabelos verdes voando e uma alegria contagiante.
Liz no lado, o rosto sério de sempre, mas mostrando uma leve preocupação, e uma nova integrante, Hana, com os seus cabelos vermelhos espalhados, os olhos pretos nervosos.
Do lado de Dean, San sentiu ele ficar tenso, estando tão perto da filha, depois de tantos anos.
— San! Queremos saber como foi. — Jason gritou alto, já o agarrando no ombro.
O grupo o cercou, falando em alta velocidade, sendo complicado entender. Isso até Hana parar, virar o rosto e falar em voz alta:
— Esse é o seu pai.
Todos ficaram quietos, virando os rostos ao homem de terno no seu lado.
Liz foi a primeira a reagir, estendendo a mão.
— Prazer, sou Liz, é bom conhecer o pai do San.
Abrindo um sorriso, Dean apertou a mão, falando:
— Olha, me impressiona ele ter amigos.
Vieram algumas risadas, e San ao lado, de rosto sério, só querendo que isso acabasse.
— Estamos indo jantar, quer vir conosco? — Bella o convidou.
“Recusa, recusa, recusa.” San repetia mentalmente. Ficar fingindo sorrisos perto dos amigos seria difícil demais.
— Me desculpe, tenho que ir embora. Uma aposentadoria me aguarda.
Confusa por Dean não ser muito velho e falar de aposentadoria, só concordou e voltou ao lado de San.
Antes que pudesse ir, Hana falou:
— Com licença, já te vi antes?
Um nervosismo cresceu em San, um aperto no peito, ainda que sem sentido, pois o rosto do pai estava mudado.
Dean só abriu um sorriso leve, melancólico.
— Duvido muito, minha jovem. Se cuidem. — Dando as costas, hesitou. — Última coisa, considerem um conselho de um homem velho. Valorizem o que tem, nunca se sabe até quando vai durar.
Então, ele caminhou a passos calmos, indo finalmente embora, e San nunca sabendo quando teria noticias de novo dele.
“Ao menos, essa parte foi resolvida da minha vida.” Dessa vez, abriu um sorriso de verdade.
— Vamos comer algo?