Volume 1
Capítulo 24: Vendo um Velho Amigo
Caminhando sobre a grama, havia passado pela árvore morta há horas; em pouco tempo, chegariam à cidade. Garmir andava animado; acordou triste, mas era sua primeira vez explorando lugares sozinho. Sem precisar de pontos ou bandagens, seu peito tinha uma cicatriz de garras.
Durante o caminho, Sacro perguntou:
— Por que acha já conseguir usar outra? A carta dizia para dominar o poder; seu nível deve ser insuficiente ainda.
Já preparado, San respondeu:
— Sei lá, eu sinto isso, como se abrisse espaço no meu coração. Eu tava pensando, dominar tem muitos significados. Mesmo alguém com uma habilidade de anos não pode dizer de certeza ter dominado completamente. A minha teoria: é necessário alcançar um ponto onde possa dizer que é meu; tenho confiança em usar.
— Ideia interessante, porém, tem de ter certeza.
Olhando o céu, estava deprimido; uma segunda habilidade seria útil, contudo, só de imaginar passar tudo de novo, tirava o ânimo.
— O primeiro a fazer é achar uma pessoa de habilidade boa. — falou Sacro.
— Isso é o de menos; já tenho uma ideia. O mais preocupante, é esconder o corpo.
— Exatamente, se decida, ou irá acontecer igual à última vez.
— Vou pensar num jeito.
Continuando a sua caminhada com algumas discussões, chegaram à cidade. Após duas semanas fora, as coisas acalmaram; as revistas eram moderadas e menos pessoas saíam da cidade.
Por reflexo, quase foi à passagem secreta da árvore guardar a espada; infelizmente, por ter sido destruída, só entrou na fila. “Preciso de uma nova arma; gostei de espada, vou tentar achar uma semelhante”
Nesses pensamentos, só de lembrar que nada ia se comparar a sua antiga, colocou as mãos no rosto e assegurou para evitar gritar e amaldiçoar alto Bezaliel.
Chegando sua vez de ser revistado, teve medo de reconhecerem as plantas alucinógenas e as pegar. No entanto, foi diferente do imaginado. Os olhos do guarda, ao vê-lo, arregalaram. Era um dos que San conhecia e achou estranho da reação.
— Algum problema? — Perguntou hesitante.
— F-fantasma. — falou afastando.
Confuso do porquê daquilo, deu um passo em frente de mão estendida, mas sempre ao tentar, o homem recuava. Os companheiros, notando o estado do parceiro, vieram ver o motivo.
Quando o viram, também se assustaram, chegando ao ponto de dar um pulo.
— Tá legal, tão pregando uma peça em mim? — San falou rindo.
— É você? — Um falou.
— Qual é, sou um fantasma e vim te atormentar. — alguns deram passos longe. — To brincando galera, quem mais seria?
Por todos os capacetes cobrirem a cabeça e deixando um pouco do rosto, era difícil distingui-los, tentar usar os nomes deles podia dar errado, ficou quieto, torcendo o deixarem entrar.
Um corajoso se aproximou, e tocou o dedo no braço de San, confirmando não atravessar, suspirou aliviado.
— Ele parece humano galera.
Irritado, San falou:
— Tá legal, quem eu devo bater pra me contar o que tá acontecendo?
— Me desculpe, soubemos que da última vez a sair foi há duas semanas, ninguém sobrevive tanto tempo.
Finalmente entendendo, respondeu:
— Fui pra uma cidade diferente em grupo.
Existem poucas formas de viajar entre cidades: metrô, veículos rápidos o suficiente para chegarem ainda de dia e ir de pouco em pouco caminhando. Veridiam era isolada, não tinha metrô; veículos eram a melhor opção, então escolheu.
No caminho de cada cidade, existem bases militares a um certo número de quilômetros. Eram demoradas e eram grandes as chances de enfrentar monstros ou outras coisas; no entanto, era o jeito. San escolheu essa mentira por ser difícil de contestar.
Virando o rosto envergonhado, o soldado disse:
— Me desculpe, pode passar.
“Pera, sem me revistar?” aproveitando a oportunidade, passou apressado. Pegando distância, igual um sexto sentido, encarou uma lixeira.
Saindo de trás, Garmir veio ao seu lado. Não era proibida a entrada de animais na cidade, só que com medo de alguém o identificasse sendo um monstro, escolheu fazê-lo passar no meio das revistas.
Concluído, os dois foram em direção a uma loja de penhores. A metros da entrada, do vidro, dava para ver Floki de costas, usando uma camisa rosa e calça apertada, limpando uma mesa de vidro. Garmir, o notando, rosnou na sua direção e olhou San em dúvida.
— Mal aí, carinha, eu tive de pegar as flores para ele.
Ficando com um rosto confuso, deu um latido. Onde, por algum motivo, San soube o significado: “Continue.”
— Tava sendo chantageando, o que eu poderia fazer?
Garmir mostrou os dentes, e San sentiu raiva. “Interessante, conseguimos sentir o mesmo, e tenho certeza, o filhote pensa em o matar.”
— Acredite, considerei muito isso, o cara foge rápido, é arriscado. Fica aí, só vou dar isso e vamos embora.
Olhando ao redor e percebendo ter pessoas o encarando conversar com um cachorro, entrou, escondendo o leve vermelho no rosto.
Ultrapassando pela porta, o som do sino ecoou pelo lugar; Floki abriu um sorriso, alegre por ter um cliente. Porém, antes de conseguir se virar, San foi nas suas costas, segurou sua cabeça e o fez bater com tudo na mesa de vidro.
Várias rachaduras espalharam, até surpreendendo San o quão resistente era, já que usou bastante força. Assustado, Floki tentou se virar em vão, a mão continuava a forçar sua nuca.
— S-se acalme, podemos resolver sem violência.
O virando e assegurando o colarinho da camisa, forçou-o ver o rosto do seu agressor. Descobrindo quem era, abriu um sorriso forçado.
— San! Como tá? Faz um tempo, cara.
— Sim, um tempinho; por que parece surpreso em me ver? Esperava que eu falhasse?
— O quê?! Nunca, sou time San, melhores amigos.
— Ah, legal, mas achei que amigos se ajudassem; porque eu lembro claramente, de perguntar se havia algum perigo nas plantas, e você me garantiu, estava de boa.
O rosto se tornou pálido quando ouvia, tentando pensar em uma desculpa.
— Meu amigo, da última vez, tinha zero perigo.
— Sério? Ela me disse, que um humano a irritou, e por isso o perseguia.
— Ela? Peraí, teve uma conversa com aquele monstro?
— Cuidado nas palavras, meu amigo; “aquele” monstro, me ajudou.
— Aposto que sim, olha só para você, está forte, ganhou peso?
— Para a sua sorte, não vou te matar, entretanto, por sua causa, perdi vários equipamentos, tá me devendo, belê?
— Podemos nos considerar quites? Esqueço seu segredinho e tamo de boa.
— Talvez, contudo, duvido que irá só isso de flor será suficiente; alguma hora vai acabar e terá que buscar de novo. E se, ao invés de arriscar a vida, plantar as suas?
— Impossível, tentei de inúmeros jeitos e sempre dá errado, a menos… — Parando no meio da frase, considerou um pouco e entendeu o que San falava. — Descobriu uma forma de as cultivar?
— Adivinhou. — Jogando a mochila em cima da mesa de vidro rachada, continuou. — Tá aqui as suas plantas idiotas.
Curioso, até esqueceu ter sido recém ameaçado e abriu animadamente o zíper. Seus olhos brilharam de tanta quantidade, quase ignorou a pessoa ao lado.
Recompondo, tentou ficar sério, porém, o seu rosto exibia um sorriso grande.
— Como as cultiva?
— Isso é depois; primeiro, iremos assinar um contrato. Em troca de te ensinar, vou ganhar uma parte dos lucros.
— Espera, cara, isso é demais; vamos só na fala, contratos são chatos.
— Espero que esteja brincando, senão, esqueça o método de cultivo.
Pensando, Floki considerou; realmente queria o método. Era o passe livre de sair da cidade sem se preocupar em voltar para pegar mais flores.
— Bem, eu ainda tenho o seu segredinho, né? — Escolheu a ameaça.
— Conhece, e pode revelar, te desafio. Eu sendo preso ou morto, nunca descobrirá; vai ficar nessa cidade isolada por um bom tempo, anos.
Coçando a cabeça, voltou a ficar quieto e considerar. Segundos depois, soltou um suspiro derrotado e falou:
— Já te disseram que é insuportável?
— Acredite, muitas vezes.
— Tá legal. 1%
— Cinco.
— Atá, eu vou plantar, produzir, distribuir, divulgar e esse é só o começo, e você quer tudo isso?
— Bem, sem mim, as coisas vão piorar, mas concordo, cinco é bastante por só uma informação, então, também vou propor, que se precisar de ajuda física, eu vou tá lá.
Considerando um pouco, coçou os olhos e respondeu:
— Bem, isso pode ser útil, vou me meter com uns caras da pesada. Feito, conheço um advogado de contratos ótimo.
— Não, eu conheço um lugar, vamos nele.
— Qual o problema do meu?
— Foi mal se tenho uma dificuldade em confiar em você, é que algumas experiências passadas fizeram isso.
— Tá legal. Vamo deixar para outro dia, quero guardar bem essas belezinhas.
Decidido, San saiu em direção à porta. Em cima do balcão, avistado a caixinha de música; deu de ombro e a pegou e falou alto:
— Vou pegar isso, considere o início do seu pagamento.
E saiu a passos apressados da loja; Floki deixou passar e mexeu na mochila.
— Por que tem galhos, pedras e até insetos aqui?
Voltando a caminhar pelas ruas, San sorria; por enquanto tudo ia bem. Chegando em casa e subindo as escadas, parou na frente da maçaneta; um arrepio percorreu seu corpo e conseguia ouvir sons estranhos.
Colocando o ouvido contra a porta, concentrou. Demorando segundos, ouviu um grito feminino. Imediatamente, empurrou, apontando o dedo para todos os lados, preparado em qualquer situação; Garmir também, os dentes à mostra e rosnando.
Vendo a sala, descobriu a origem dos gritos: eram as duas garotas, se divertindo e, sentado no sofá, ao seu lado, um rosto familiar.
Estava magro, olheiras grandes por baixo dos olhos e usava uma camiseta cinza e calça jeans. Mesmo tendo umas diferenças, era impossível não reconhecer seu melhor amigo.
— Leo!! O que tá fazendo aqui?
Levantando alegre, rapidamente se aproximou e deu um abraço apertado. Soltando, Leo deu uma olhada no amigo.
— Cara! O que aconteceu contigo? Tá diferente, melhor.
— Longa história. Eae, faz tempo que saiu?
— Desde que soltaram um vídeo do verdadeiro culpado, me tiraram de lá rapidinho.
— Bom.
— E você, cara? Foi pra onde?
— Trabalho.
Garmir, vendo que o humano era amigo, ficou calmo e olhou ao redor, admirando a casa.
— Arrumou um bichinho, legal.
— Dá pra se dizer que sim.
Quando as duas o viram, ficaram animadas na hora e pularam para dar carinho. Animado com as humanas, deixou.
Os dois riram e conversaram. San perguntou às garotas como foram enquanto tava longe, por sorte tudo deu certo. Dias depois de sair, soltaram Leonardo. Já que sua casa havia sido revirada e os móveis quebrados, a família permaneceu no apartamento dele até voltar.
Algum tempo depois, as duas saíram brincar com Garmir e deixaram os dois sozinhos.
Ao saírem, San percebeu algo. Desde que fez um contrato com o mini cão do inferno, sempre permaneceram juntos, e por isso demorou perceber. Conseguia sentir sua localização e suas emoções; perguntava se era o contrário também.
Os dois mantiveram silencio, esperando um lado iniciar a conversa. San tomou a iniciativa.
— As garotas deve ter ficado animadas em te ver.
— Engraçado. Apareci do nada, Emile soltou um grito, Emma veio desesperada, a boca cheio de espuma da pasta de dente, me vendo, ficou feliz.
— Coisa boa. Fiquei isolado uns dias, dá para me atualizar?
— Ah, claro. Para começar, lembra daquele mascarado da TV? Tão o chamando de Diabo que ri, alguns só falam Diabo. Eu gostei.
— Sério? Tem cada louco hoje em dia. Pra que esse nome?
— Até onde sei, o desenho da máscara, é simbólico. Há muitos anos atrás, teve um monstro que se infiltrou em uma cidade, uma das grandes. Por semanas, matou inúmeras pessoas, sorrindo, e ninguém conseguia o pegar.
— Deixa eu adivinhar, alguém apareceu e o derrotou, clichê.
— Você sempre tenta adivinhar o final. Não, por semanas, o número das suas vítimas só aumentou. O estranho, é que todas elas eram pessoas ruins, criminosos e corruptos. Um dia, mutantes o enfrentaram, todos morreram também. Quando a cidade foi “limpa”, ele sumiu, nunca mais sendo visto.
— Disse ser um monstro, no entanto, tá na cara, era um humano fazendo justiça com as próprias mãos.
— Quem sabe, dizem que a máscara grudava perfeitamente, se movia igual qualquer outro rosto, falava, mastigava e principalmente, ria.
Um arrepio percorreu seu corpo, desviando o olhar, só disse:
— Sinistro.
— Né?
Indo até a cozinha, pegou um copo de água, “Qual as chances de ser a mesma? E o lance de matar as pessoas ruins, é praticamente o meu objetivo. É muita coincidência.”
Distraído com seus pensamentos, deixou o copo na beirada, balançando o braço, fez cair e quebrar.
— Merda, já é o segundo.
Indo à sala pegar a vassoura, viu Leo escondido atrás do sofá, as mãos sobre a cabeça e seus olhos arregalados.
— Cara, tá bem?