Volume 1
Capítulo 23: Um Nome
Em um piscar de olhos, Mavara estava ao lado de San e o filhote. Quase tão rápido quanto, Bezaliel se afastou falando:
— O garoto tem potencial, precisei o machucar pra parar.
O ignorando, cheirou San; o filhote ao seu lado mantinha o rabo abaixado e encolhido.
— Achei que fosse demorar, eu devia ter achado alguém do seu nível.
Enquanto Bezaliel falava, era completamente ignorado; nem um olhar era dirigido a si. Irritado com aquilo, tentou chamar atenção.
Usando sua velocidade, ficou ao lado da cabeça de San, o pé levantado; quando desceu com tudo, uma onda de chamas negras se aproximou demais, o afastando.
O fogo espalhou, formando uma esfera ao redor dos três, cobrindo-os.
— Me desculpe, San, me enganaram, devia ter vindo antes. — A voz de Mavara soava cansada.
Abrindo a boca para responder, a voz prendeu na garganta; tanto a mente quanto o corpo no limite, a única coisa a conseguir fazer: levantar levemente a mão e colocar na pata dela e tentar dar um sorriso com os dentes cheios de sangue.
— Fique parado, vou dar um jeito em você.
Da Mavara, chamas escuras saíram; ao invés de se misturar no casulo ao seu redor, seguiram em direção à boca de San, entrando no seu interior; teve pequenos espasmos e seus olhos arregalaram.
San tentava entender o que acontecia consigo; era como um calor se espalhando por completo, diminuindo as dores. Do lado de fora, lentamente melhorou dos inúmeros machucados, até o ponto de estar bem de novo.
— V-valeu — Ele falou com uma voz rouca e fraca.
— Vai demorar até ficar melhor, só o impedi de morrer. Temos de nos expressar, as chamas logo irão sumir.
Tentando levantar, sentiu-se fraco e continuou deitado.
— O que tá acontecendo?
— Vai ser difícil levantar por um tempo. Me escute bem, esse fogo não é meu; era do pai do filhote, e tenho pouco; o próprio Bezaliel é incapaz de entrar, porém, temos os segundos contados.
— Então vamo acabar com o maldito, tô pronto.
— Agradeço; no entanto, ele é muito forte; era meu mestre e vai me achar de novo, fugir é impossível.
— Tá legal, qual o plano?
— Vou te mandar para longe; cuide do meu filhote.
— Acha mesmo que vou te abandonar aqui? Vamos lutar.
Ignorando as queixas, repetiu:
— Cuide do meu filhote.
Se virando ao filho, Mavara falou em uma língua que só eles entendiam. Acabando, o pequeno tava claramente triste. San permaneceu em silêncio, queria ir contra, mas se sentia ruim, e uma vontade sem limites de só fechar os olhos.
— Boa sorte, espero que viva.
Tocando no seu peito, as chamas do casulo cobriram San e o filhote, e sumiram sem deixar rastro algum.
— O que você fez! — Berrou Bezaliel — agora terei de te matar e achar onde o escondeu.
— Boa sorte nisso; estão longe, e da próxima vez, os dois estarão em níveis surpreendentes.
Chamas espalharam ao redor dos dois, mais baixas e Bezaliel mostrava menos medo.
— E pensar que gastou toda sua energia neles; assim fica fácil.
***
A sensação era semelhante a estar dentro da água; seus sentidos eram abafados e respirar se tornou complicado. Pelo menos, subia. Quando San abriu os olhos, olhava o céu nublado. “Vai chover; gosto da chuva.”
Fechando os olhos, algo mordia sua mão; olhando, o filhote tentava o puxar.
o vendo, foi como um interruptor ligando. Levantando, olhou ao redor; conhecia o lugar.
— Qual a minha localização, Sacro?
— Boa pergunta, vamos descobrir depois. Primeiro, tem que se apressar; a noite está vindo.
— O quê! Quanto tempo fiquei dormindo?
— O dia inteiro. Exagerou no gasto da essência, ferimentos e cansaço mental. Se não fosse Mavara te curando, poderia tá morto.
— Merda! — Gritou, dando um chute em uma árvore.
Andando de um lado a outro, pensava no que fazer. Considerou voltar, contudo, sabia, após horas, se Mavara não apareceu, só havia uma resposta.
— Se acalme, tem prioridades diferentes no momento.
— Me acalmar! Olha ao meu redor.
— Entendo sua tristeza, devemos…
— Entende, tá falando sério? Um robô consegue compreender tristeza?
Sentando, pôs os dedos nos olhos e ficou parado, forçando a sua mente se acalmar. Respirando fundo, vasculhou aos arredores; o filhote encolhido atrás de uma mochila que San ignorou.
Se aproximando, reconheceu facilmente sendo a de Floki. Olhando dentro, ignorou as flores e vasculhou, encontrou uma faca.
Infelizmente, era sua última. Seu cinto com as outras, deixou para trás, o que só deixava uma camiseta e uma calça de pano rasgado nos joelhos.
Era uma faca curta, dificilmente usada em ataques de perto. O filhote com medo e triste o encarava desanimado.
— Foi mal, carinha, sei como é. Prometo, nós vamos ficar bem.
O pegando no colo, colocou-o na mochila — deixando a cabeça de fora — e preparou para ir embora. Por conta do céu nublado, descobrir onde o sol estava era impossível, ao menos, tinha uma bússola falante.
— Cade o sul?
— Na sua direita. — falou Sacro com sua voz indiferente de sempre.
Entrando na mata, seguiu esperançoso procurando um abrigo. A noite chegou após meia-hora; para piorar, uma chuva forte começou. Encharcado, San andava virando o rosto.
A chuva era boa em esconder o cheiro e barulho, mas isso também contava com criaturas que podiam estar ao seu lado.
Em seu ouvido, um latido forte o atingiu. Sabendo que o filhote era inteligente de evitar atrapalhar, virou-se e uma ponta afiada ia em direção ao seu rosto.
Ficando de joelhos e forçando as costas a ficarem quase deitadas, passou por ele. Levantando imediatamente, encarou o seu atacante, um monstro igual a um mosquito. Era grande e voava encarando a sua presa.
O monstro voava em círculos ao redor do alvo, esperando uma oportunidade. Prevendo com dificuldade, San apontou o dedo e disparou uma bala iluminando a floresta, acertando em cheio uma das asas, o derrubando no chão.
Largando a mochila, correu e pulou em cima do monstro se debatendo. Usando a faca curta, cravou-a nele, de novo e de novo, até cansar.
Ao parar, encharcado de sangue escuro, sentou ao lado do cadáver, e olhou ao longe; não preocupou com a luz da habilidade, qualquer um vendo aquilo acharia ser só um raio.
Desviando o olhar, viu o filhote ainda na mochila — igualmente encharcado — observando aquilo, tremendo, encolhido. Se levantando, deu carinho na cabeça dele.
— Foi mal, precisava extravasar um pouco.
Voltando a caminhar, os dois iam cada vez mais fundo na floresta, procurando um abrigo para passar a noite.
Andando rumo ao sul, San achou um lugar familiar, a primeira base marcada no mapa, a próxima da cidade. Suspirando de alívio, entrou.
Tirando a roupa encharcada e deixando o filhote explorar o subterrâneo, deu uma olhada no seu corpo; sem machucados, só uma sensação de cansaço.
— Que fogo era aquele? — Murmurou para si.
— Em registros, alguns cães do inferno têm a capacidade de produzir uma chama que somente eles podem usar. — falou Sacro, que havia ficado quieto durante um longo tempo.
— Ela disse que a chama era do pai do pequeno.
— É, tem muitas coisas sobre a raça infernal desconhecida.
Chacoalhando e respingando água, o filhote encarou San.
— Que foi?
Os dois ficaram se olhando; os olhos do pequeno monstro começaram a brilhar em um vermelho-alaranjado. San também teve seus olhos brilhando, em um vermelho sangue.
Os dois permaneceram assim por minutos; voltando ao normal, o pulso de San aqueceu subitamente. Abaixando o rosto, uma pequena marca de chama se formou.
— O que aconteceu?
— Deixe-me ver a marca. — Sacro falou alto.
Com a marca no pulso esquerdo e o relógio no direito, só aproximou os dois.
— Parabéns, estava demorando.
— Demorando?
— É a marca dele, significa que te vê como parceiro, seu familiar.
— Espera, é meu familiar agora?
— Creio que sim.
Familiares eram muito raros e caros; pouquíssimos mutantes conseguem um, e quando se arruma, é impossível desfazer o contrato. Os dois conseguem sentir o que o outro sente, compartilham a dor e alegria. Algumas espécies incluem certas habilidades também.
Sem demora, San notou uma diferença em sua mente, conseguindo notar a presença do filhote.
— Dê um nome.
— Eu?
— E quem seria?
Engolindo em seco, considerou vários nomes. “Tem de ser um bom, causar medo e ser digno.” Quebrando a cabeça, o filhote o encarava, esperando ansiosamente.
— Vamos fazer assim; vou te dar opções e você escolhe.
Com o rabo balançando animado, latiu.
— Cery, O'Leary e Garmir.
Ficando quieto, considerou e latiu três vezes.
— Então é o último?
Latindo animado, Garmir pulou para os lados e correu pelo quarto.
Deitando na cama, ouviram o som da chuva. “Que coincidência, dois órfãos se juntando.” Ao ter esse pensamento, de Mavara estar possivelmente morta, ficou triste, pensando em como foi defendido, nem ajudando.
“Nunca mais; ser fraco é um lixo. Da próxima vez, onde alguém importante estiver em perigo, vou conseguir.” Nem percebendo, caiu no sono.
***
Na sala da sua casa, um garoto olhava para fora a tempestade caindo. Diferente das outras vezes, a garota não tava ali, e tudo mudou.
As coisas perderam as cores, os brinquedos desapareceram, desenhos arrancados das paredes. O garoto se sentia sozinho.
Passando horas sentado, uma pessoa entrou na sala, a mesma mulher de sempre, sua mãe. Igual a todo o resto, estava pior; sua alegria havia sumido. Seus olhos, vermelhos e olheiras grandes, claramente de chorar.
Seus ombros eram caídos e cansados. Olhando para seu filho, tentou, em vão, abrir um sorriso claramente forçado.
— O que tá fazendo aí? Já tá tarde, devia tá dormindo.
— Queria ver a chuva. — Mentiu o garoto.
A verdade era que ele não suportava ficar no quarto. Independente do som da chuva e trovões, ainda era possível ouvir a mãe chorando, sozinha.
— Que tal eu tocar uma música para te fazer dormir?
Ele assentiu e ela sentou na frente do piano. A música tocada era lenta, uma melodia triste ecoando na casa toda.
Na entrada da sala, o pai surgiu de repente, encostado na parede. A criança conseguia finalmente ver seu rosto. Era um homem bonito, cabelos escuros, olhos negros e uma cicatriz passando num deles. Vestia uma roupa encharcada, resultado de ter acabado de voltar da chuva.
Ficou observando sua esposa tocar em silêncio. Ao observar o filho, percebeu seu olhar. Pela primeira vez na vida, o garoto encarava friamente o pai, não vacilou nem uma vez e se manteve. Só parou quando a música acabou.
Levantando, parou ao lado dela e sentou. Os dois tocaram juntos, mesmo ela sendo melhor, seguindo o ritmo do filho.
***
Ao abrir os olhos, uma pequena lágrima escorreu. “E eu pensando que os sonhos acabaram, voltam no pior momento.” Levantando-se, pegou as roupas úmidas e saíram.
Monstro e humano, os dois caminhavam na floresta. Passaram lugares e evitaram perigos. Durante o caminho, Sacro perguntou:
— Me fale da sua luta, o uso das habilidades.
Demorando a responder, considerou as sensações, a diferença do seu eu normal.
— Sei lá, era como um instinto. Algumas eu apenas deixei sair, tipo o fogo.
Sacro se questionava sobre aquilo. Seria praticamente impossível usar habilidades sem ter experiência antes, mas San conseguiu, e várias.
— Pode fazer uma coisa para mim?
Curioso do pedido, já que o relógio nunca pediu algo, respondeu:
— Claro.
— Use sua habilidade de disparar energia pelos dedos e mude a trajetória.
Dando de ombros, formou um tiro de energia na ponta do dedo e deixou sair. Ultrapassando as árvores, San se concentrou e pensou em ir para a direita. Funcionou facilmente, virou e acertou uma pedra.
— Não parece cansado.
Tentando entender, se surpreendeu em continuar bem. Poucos dias atrás, sentiria uma dor de cabeça dolorosa.
— Eu tô ótimo.
— Me diga, ontem foi acidental?
— Ontem?
— Sim, ao enfrentar o monstro parecendo um mosquito. Enquanto dava voltas, mudou o trajeto.
— Ah, achei que consegui prever onde estaria e acertei.
— Interessante.
— Sacro, posso estar exagerando e sendo convencido, no entanto, eu realmente acredito que consigo pegar outro poder.