Volume 1
Capítulo 21: Conhecendo os Vizinhos
Sentindo um puxão na roupa, tentou ignorar; estava cansado e dormindo tranquilamente. Infelizmente, independente de mudar de lugar e rolando para os lados, continuou sentindo o puxão.
Sentando, encarou o que incomodava: o filhote puxando sua camisa e tentando rasgá-la.
— Ei, amigo, qual foi?
Sendo descoberto, arregalou os olhos e saiu correndo. Ignorando isso, espreguiçou o corpo e observou as plantas; mesmo na luz do sol, brilhavam.
Olhando ao redor, avistou Mavara no limite da clareira, cavando enquanto seu filhote encarava.
Ocasionalmente, o pequeno tentava ajudar a cavar, só pra ser afastado pela mãe e dispensado. Curioso, se aproximou.
Alguns passos de distância, Mavara virou na sua direção, rosnando e exibindo os dentes. Virando imediatamente e pronto em se afastar, escutou ela dizendo:
— Me desculpe, achei ser o pequeno.
Acalmando o coração acelerado, chegou hesitante e disse:
— De boa, posso perguntar o que tá rolando?
Voltando a cavar, respondeu:
— Plantando.
Ficando quieto, encarou enquanto o buraco era aberto. Depois, colocado uma semente e tampado.
— Que planta é?
— Flor estelar.
Só pra confirmar, ficou um minuto lembrando; tinha certeza de Floki ter dito ser impossível cultivá-las. No dia tava curioso sobre como sobreviviam na natureza.
— Me ensina? Tô interessado em agricultura.
Encarando o humano à sua frente por segundos, disse:
— Claro, já entediei disso.
Se afastando, pararam em uma nova parte com grama verde.
— Cave.
— Eu? Podia só me mostrar e dizer a teoria.
— Dias atrás, eu te disse: só o conhecimento não serve; precisa de experiência. Anda logo, temos muitas outras ainda.
Reclamando internamente, agachou e usou as próprias mãos. No início precisou arrancar as gramas e raízes. Demorou um bom tempo, suas mãos ardiam e suor escorria.
Finalmente conseguindo cavar um buraco, Mavara ao seu lado disse:
— Demorou bastante.
— Foi mal, mãos humanas perdem pra patas nisso. E agora?
Andando um pouco, ela arrancou uma flor estelar e jogou ao lado da terra escavada.
— Arranque as raízes e jogue aí.
— Vi uma semente antes.
— Pode ser dos dois jeitos. Coloque e tampe.
Fazendo como instruído, tapou de novo. Limpando o suor da testa com as costas da mão, disse:
— Valeu, bora comer, tô morto de fome.
— Depois.
— Por quê?
— Pediu minha ajuda, por enquanto, vai cavar ao redor do lugar inteiro.
— Ta zoando, vai demorar horas.
— Então, ande logo.
Se afastou, San chutou a terra e arrancou flores diferentes. Andando irritado, cavou sem parar.
Umas horas depois, seus dedos ficaram doloridos e terra debaixo das unhas. Comendo um pedaço de carne, suas costas eram doloridas e a camiseta encharcada de suor.
Mavara foi ao seu lado, seus passos calmos e o filhote a sua direita. Poucos dias teria os curativos retirados e iria embora.
— Se prepare, iremos sair.
— Onde?
— Encontrar os vizinhos, quero discutir algo.
“Vizinhos, tá né, vamo vê quem é.” Passando água nos cabelos e ajeitando a roupa, preparou a espada.
Entrando na floresta, andavam juntos; o filhote se curvava ocasionalmente devido à dor; isso os fazia caminhar devagar. Saindo do território, San perguntou:
— Por que o pequeno vem?
Encarando o filho de olhos cansados, respondeu:
— Ultimamente tem estado bem animado; deve ser por ter um novo amigo. Se eu o deixasse, poderia tentar sair e nos encontrar.
Entendendo, continuaram seu caminho. Animais quando apareciam, fugiam na hora, o monstrinho andava ao lado de San animado.
Um tempo de caminhada depois, em uma área onde o chão enchia de folhas grandes e secas, árvores finas e longas.
— Vi você treinando sua habilidade, continua lenta?
— Mais ou menos, tô tentando uma coisa diferente.
— Tudo bem, largue a espada.
— Larga?
— Isso, deixe do meu lado.
Mesmo confuso, fez. Tirou a bainha ao redor da cintura e deixou nos pés dela.
— Vá até o meio daquelas folhas.
A cada passo, ecoava um barulho de quebrado. Tudo estava normal, árvores secas, galhos caídos, insetos.
— Agora, quero descansar. Enquanto isso, treine aí. Está proibido de pegar a espada e só sai o matando.
Parando, olhou ao redor curioso. Abrindo um sorriso, perguntou:
— Matar o quê? Insetos?
De sorriso no rosto, as folhas se ergueram, dando lugar a uma centopeia enorme. Era de uma cor marrom-escuro, suas pinças manchadas de sangue preto e seu longo corpo estendia pelas árvores.
Engolindo em seco, pôs a mão ao redor da cintura, deveria estar sua espada.
Prestes a gritar com o cão do inferno, a centopeia pulou na sua direção. O monstro era ágil e suas pinças contraiam de animação.
Sem hesitar, se jogou no chão. Rolando, viu o corpo enorme chocando contra um tronco seco, derrubando no chão.
Tentando compreender o que fazer, escutou uma voz vindo de trás:
— Sua habilidade não vai furar a carapaça. Tem de ser no rosto.
— Fácil falar!
Gritar seria inútil, então concentrou à sua frente. O monstro se arrastava no chão, indo na direção da sua nova presa.
Apontando o dedo, concentrou e deu um tiro. Ao acertar, nem desacelerou. Tentando pensar em algo, considerou alguns planos.
“Dar um tiro no corpo seria burrice. A cabeça fica abaixada a maior parte do tempo, o melhor seria acertar na parte de baixo, livre de proteção, o problema é a forma.”
Ficando parado, pensou nos seus movimentos; eram velozes e sempre deixava a cabeça abaixada. Gostava de se jogar na presa e tentar o arrastar.
Sem mexer um dedo, encarava onde a cabeça ia. Subitamente, sentiu uma dor nas costas, foi arremessado. Caindo nas gramas, olhou atordoado e viu que a parte de trás da centopeia o acertou.
Levantando fracamente, a cabeça foi na sua direção, erguendo e tentando cravar as pinças nele. Em um movimento rápido, reuniu essência e deu um tiro.
Acertou, e dessa vez o monstro mostrou reação. Ao invés de seguir em frente e terminar o trabalho, desviou do caminho e se afastou. San conseguiu ficar de pé e tentou achar um jeito de conseguir o matar.
Parando de se mover de novo, dessa vez concentrou no todo; a adrenalina entorpecia a dor, mas sabia que no dia seguinte acordaria com uma dor nas costas horrível.
Com uma ideia em mente, se preparava e concentrava a essência. Antes de poder fazer, percebeu ter sido encurralado. Sendo preso num círculo, o prendendo e impedindo de entrar ou sair.
Nos segundos seguintes, apertava mais. Virando toda hora, procurava a cabeça, desesperado. Na hora, se tocou, devia estar do lado de fora. Enquanto era apertado, a centopeia deixava a parte vulnerável segura.
Por um segundo, considerou tentar escalar e pular no outro lado; porém, errando, poderia dar de cara com uma boca o esperando.
— Sacro, sabe a localização do rosto?
— Um momento… Carregando…
Ao bater o pé freneticamente, ficava pior.
— De acordo com cálculos, posso prever onde estará em alguns segundos.
— Legal, me diz quando passar na minha frente.
— Certo, no entanto, tem um problema. Como o seu tiro vai acertar?
— Bem, hora de colocar em prática o meu treinamento.
Respirando fundo, ficou imóvel, os olhos fechados e concentrando somente na sua habilidade. O tiro se formou, esforçou-se ao máximo, o deixando melhor, e apontou ao céu. Segundos depois, Sacro disse:
— Na sua frente, em 3… 2… 1… vai.
Deixando sair, um rastro de energia voou. San tinha os olhos fechados; nessa hora, prestes a acertar um galho aleatório, sua trajetória mudou para baixo.
Sem som ou ruído, o corpo parou de mover. Abrindo os olhos, quase caiu no chão. Mal conseguia manter de pé, muito menos andar. Sua cabeça doía enormemente, não por esgotar sua essência, e sim do esforço mental.
Demorando minutos, arrastou-se para longe. A primeira coisa a ver: o rosto feio do inseto gigante, com um buraco no meio da testa. Andando a passos cambaleantes, jogou-se no chão ao lado de Mavara.
— Agiu bem; mudar a trajetória depois do tiro já ter sido disparado, ideia interessante. De onde veio?
Demorando a responder, devido ao ataque de lambidas do filhote, falou:
— Sei lá, só pensei: Se alguém desviar, vai achar ter livrado do pior, então recebe o tiro nas costas.
Concordando satisfeita, ficaram descansando um tempo. Quando San se recuperou um pouco, continuaram a sua caminhada; dessa vez, se um monstro aparecesse, era repelido.
Aproveitando o silêncio e tendo se recuperado, olhou o monstrinho longe e perguntou um assunto que realmente o deixava curioso:
— Me diz, por que chama seu filho de pequeno ou filhote? É ruim nos nomes?
Demorando a responder, falou sem o encarar:
— Minha raça recebe os nomes pelos donos, como vê, estou livre de um agora. Penso em um nome adequado, digno de sua linhagem.
— Se não se importa, e sem querer ser desrespeitoso. Está isolada aqui por quê?
— É complicado, preferi dar uma vida diferente ao meu filhote, sem ter de passar o que eu e meu parceiro passamos.
— Parceiro?
— Sim, o pai dele. Um membro respeitado entre nós, poderoso e corajoso; infelizmente, ficou para trás. E você? Tem família?
“Eu devia ter ficado quieto”, pensou, amaldiçoando sua boca grande. Odiava falar disso.
— Mais ou menos.
— Dá pra explicar?
— Bem, tenho um amigo que considero igual um irmão; nos conhecemos jovens. Nos ajudamos sempre, mesmo eu na maioria das vezes o ferrando.
— Gosto desse tipo de família. Ignorando os laços sanguíneos, só pela amizade. Vários da minha raça são assim; nunca sabemos nossos parentes, então os escolhemos.
Abrindo um sorriso triste, San pensou em quanto Leo sofreu no interrogatório. Íris havia dito ser ruim; escolheu não perguntar o quanto, tinha medo de descobrir.
Balançando a cabeça, concentrou-se à frente; chegaram no lugar. Uma pequena vila, de casas simples feitas de palha e madeira. Olhando admirado, esperava ver humanos, ao invés, encontrou goblins, afiando suas facas e comendo carne.
Prestes a virar e correr, viu Mavara ao seu lado, um olhar calmo e sem preocupações. Indo à frente, ignorando os possíveis perigos, foi avistada por alguns que ficaram a encarando.
Preocupado de ficar atrás e ser morto, se aproximou. Nada os atrapalhou ou impediu, só olhavam de cara feia. O filhote queria correr por aí e explorar, mas a mãe rosnou, o impedindo sem piedade.
Chegando até o centro da vila, um trono feito de madeira grossa ficava e Hobgoblins montavam guarda, suas armas ao invés de pedra, metal enferrujado. “Se me acertam com isso, pego um novo tipo de tétano.”
— Tá legal, a gente tá aqui por?
— Silêncio, é melhor evitar falar, é odiado aqui.
— O que eu fiz?
— Seu cheiro, faz tempo desde o último banho. Conseguem sentir o sangue dos goblins mortos.
Engolindo em seco, seu rosto começou a ficar pálido, preocupado de tomar uma facada ou flechada a qualquer momento. Segundos depois, um Hobgoblin de dois metros de altura, uma barriga grande e uma coroa feita de ossos, apareceu de dentro de uma cabana grande.
Sem se importar de virar o rosto aos convidados, passou os seus habitantes e sentou no trono, onde rangia constantemente. Deu uma olhada rápida no humano e encarou Mavara.
Os dois, mantendo os olhares, se observaram. San já tinha espada e essência preparadas, no menor sinal, mataria.
Antes de começar uma guerra, Mavara fez sons estranhos, uns grunhidos. Após terminar, o rei fez um som semelhante. Os dois permaneceram assim por um tempo, San entendeu ser uma espécie de língua dos monstros.
Ficando calmo, as conversas iam bem, um lado ficava de cara feia, depois o outro, ficaram nisso quase uma hora. San até tentou a se afastar e explorar a vila, curioso dos possíveis achados.
Sem o que fazer, agachou e brincou com o filhote, arremessando um galho ou dando cócegas.
Finalmente acabando, seu corpo estava com câimbras e todo dolorido. Se afastando e voltando a sua base, perguntou.
— Esse é o vizinho?
— Aham, o dono de um território diferente.
— Legal, vocês tiveram uma conversa demorada.
— Muitos assuntos a resolver.
— Algo que possa falar pra mim?
Considerando um pouco, falou:
— Umas coisas têm acontecido no território dele. Seus servos têm sumido.
— Isso deve ser normal.
— Sim, um ou dois por dia desaparecendo é aceitável, o problema é sendo mais de vinte do nada.
— Isso é bom, eu acho.
— Depende, se suas forças diminuírem, um terceiro pode atacar e tomar o território, alguém pior.
— Então é ruim?
— É complicado, em outras áreas têm sumido grupos de monstros, ninguém sabe aonde foram.
Como uma lâmpada acendendo na cabeça, San falou:
— Recentemente, minha cidade foi atacada por uma horda, vários tipos de bestas se juntando.
Parando, Mavara o encarou, talvez decidindo se era verdade ou curiosa. Era difícil decifrar o rosto de um cão.
— Curioso, tem algo errado nisso. — voltou a andar, dessa vez ligeiramente apressada.
— Também achei. Só falaram disso?
— Bem, ele reclamou por um longo tempo de um humano que matou seus soldados. Está desesperado em o matar.
Desviando o olhar, disse um pouco assustado:
— Que pena.
— Fique calmo, é um humano diferente.
Ficando animado, pensou se era o Floki. Desconsiderou na hora, não conseguiu imaginar o cara lutando.
— Descobriram quem é?
— Tão procurando, e foi há meses atrás. Pelo que me disseram, é uma mulher, pele escura, cabelo cor de terra e carregava um par de espadas estranhas.
— Estranhas?
— Sei lá, vocês humanos criam toda hora uma variação diferente para suas armas. É difícil se manter atualizada, só sei que era curvada.
— Bem, e agora?
— Vou me deitar e aproveitar o dia lindo de hoje. Enquanto você, ou planta mais flores, ou dá um jeito de dispara seus tiros e mudar a trajetória sem ficar tão mal.