Volume 1
Capítulo 20: Fazendo uma Fogueira
Acordando cedo, Emma levantou e preparou o café da manhã: um pão e suco. Demorou para encontrar os materiais e queimou um pouco, mas mesmo assim, conseguiu.
Emile acordou logo em seguida, coçando os olhos e os cabelos loiros bagunçados. Olhou o relógio e disse:
— Ainda tá cedo, deixa eu dormir um pouco.
Sentando-se e comendo uma fatia, sua irmã respondeu:
— Foi mal, preciso sair cedo de casa e você terá que ir pra escola na mesma hora.
Resmungando, caminhou ao banheiro. Emma ficou no sofá lendo um caderno. Por conta de trabalhar e perder as aulas, faz provas especiais contendo os conteúdos.
As duas terminaram de comer e se arrumaram. Emile de uniforme azul com um símbolo de TF, Emma, uma camisa branca e gravata listrada, sua roupa de garçom ao trabalhar.
Emma escovava os dentes quando escutou um som de batida na porta. Curiosa sobre quem poderia ser tão cedo, já ia ver. Antes de sequer sair do banheiro, escutou a fechadura abrindo e um grito.
Assustada, correu em encontro a sua irmã, já de punhos cerrados e preparada.
***
San estava em um canto, focando inteiramente na árvore a sua frente, erguendo o dedo indicador e dedão, apontou reunindo a essência. Dando um tiro rápido, acertou o tronco, deixando uma marca de queimado; já era a quinta.
Balançando a mão, se preparou de novo. Dando outro tiro, ouviu a voz de Sacro perguntando:
— Treinando a mira?
Mantendo o olhar, concentrou-se de novo e atirou. Ficando irritado, chutou a terra e limpou o suor do rosto.
— A mira já ta boa, tenho confiança em acertar de longa distância, tô tentando uma coisa diferente.
— Imagino estar dando errado, a julgar sua cara.
Soltando um suspiro, coçou a cabeça pensando um pouco.
— Sabe como é ter uma ideia em mente e parecer perfeito? E na hora, colocando em prática, dá errado?
— Por eu ser um relógio, não consigo colocar em prática minhas ideias.
— Deixa quieto, vou descobrir sozinho.
Levantando-se, prestes a disparar um tiro, escutou a voz de Mavara:
— Venha aqui.
Mesmo cansado de fazer isso inúmeras vezes, andou arrastando os pés até a cama de pele, encontrando o monstro falante encarando o filhote correndo na clareira.
— Algum problema?
— As ataduras devem tá apertadas; olhe a forma que ele anda.
Mesmo já tendo feito isso várias vezes, observou o filhote perseguindo uma borboleta.
— Está tudo bem pra mim.
— Olhe bem, é diferente.
— Senhora Mavara, seu filhote continua machucado; por isso, o modo é um pouco diferente. Mesmo assim, é incrível andar tanto com aqueles ferimentos.
— A fisionomia de cães do inferno são boas, principalmente quando o assunto é fogo. Quanto tempo até poder parar de usar os panos ao redor do peito?
— Nesse ritmo, dias.
Concordando com a cabeça, satisfeita, encarou o humano a sua frente e disse:
— Me siga, quero conversar um pouco.
Entrando na floresta, os dois foram até um pequeno rio, sereno e sem nenhum animal ao redor. Aproveitando a ocasião, encheu seu cantil.
— Santiago, de onde conseguiu essa espada?
Fechando os olhos e mandando longe os pensamentos ruins, respondeu:
— Arrumei de um cara.
— Você escolheu?
— Bem, não. É uma arma bestial, muito melhor que qualquer outra.
— Isso explica.
Dessa vez, curioso, perguntou:
— Pode dar detalhes?
— Vou ser simples, descarte essa arma.
Processando a informação, permaneceu quieto.
— Tá brincando né?
— Na noite anterior, vi sua luta. Aceitável, agiu bem, pego de surpresa e evitou sua habilidade. O problema é você, essa espada é pesada, necessita de duas mãos e é longa.
— Tô tentando entender o raciocínio.
— Deveria escolher algo rápido, que use apenas uma das mãos.
Compreendendo um pouco, considerou suas palavras. Sabia serem verdadeiras, desde a primeira vez usando-a, sentia estranho, no entanto, continuou, havia sido difícil de conseguir.
— É uma arma bestial, mesmo precisando me acostumar, vou continuar.
— Foi só uma sugestão, acho que consegue ser melhor com outras, mas tudo bem. Só se lembre: nem sempre o mais caro ou de materiais diferentes é melhor.
— Anotado.
Voltando juntos, uma ideia continuava na sua cabeça. Poderia copiar as chamas da Mavara? Essa curiosidade o assombrava, se pudesse confirmar a teoria, poderia bolar planos diferentes envolvendo monstros.
Decidido em testar a teoria, aproximou um pouco de cada vez, perto o suficiente, fingiu tropeçar em uma pedra e empurrar Mavara. Nessa hora, encostando no pelo macio, decepcionou.
Nada, nem uma faísca de poder entrando no seu corpo. Já tinha visto as suas chamas antes, então já completou uma das etapas, só faltava tocar. Desculpando, continuaram a andar, e chegaram de volta a clareira.
Sentando no seu canto, pensou um pouco, nisso teve uma questão, falando baixo ao Sacro, perguntou:
— Me diz aí, por que cão do inferno?
— É uma raça cobradora, pega as almas das pessoas que fazem pactos e as leva. — respondeu imediatamente.
— Sim, isso eu já sabia por livros, tô me referindo no nome cão. Tipo, a Mavara é fêmea, não deveria ser cadela do inferno?
— Talvez devesse mesmo, porém, cadela já é um insulto, adicione inferno. Seria desrespeitoso.
— Se eu falasse pra um humano, seria desrespeitoso, monstros são diferentes, o jeito de pensar e insultos.
— Surpreenderia com o quão parecidos, humanos e bestas são. Principalmente os conscientes. Por exemplo: vampiros têm a mesma forma de humanos, sendo julgados e caçados.
— Seu alimento é sangue, por isso as pessoas tendem aos odiar.
— É a sua comida, pode os julgar? Humanos comem carne de animal, se falassem, seria diferente?
— Vamo deixar quieto por enquanto, ainda não conheci nenhum vampiro, nessa hora, podemos discutir melhor.
***
No bairro rico, em um escritório com móveis de madeira e cadeiras acolchoadas, Eugene mantinha a concentração em uma pilha de documentos, os encarando e anotando constantemente. Alguém bateu na porta, um homem de terno, cabeça lisa e uma constituição forte, entrou a passos pesados. Mantendo de pé, falou:
— Senhor, após meses procurando, finalmente achamos.
Tirando os olhos da papelada, encarou o homem na sua frente. Seus olhos verdes brilhavam de animação, abrindo um sorriso exibindo dentes de ouro, respondeu:
— Sei disso, li o documento enviado. Agora devemos encontrar a pessoa à altura para o pegar. Já tem candidatos?
— Alguns em mente, o problema é a idade, senhor. Por sorte, temos tempo.
— Sim, devemos ficar preparados. Mudando de assunto, o que sabe sobre Santiago Lunaris?
— Saiu da cidade a mais de uma semana e continua lá.
Girando a cadeira, ficou olhando pela janela. Considerando suas possibilidades.
— Qual a sua opinião? Sendo mutante há anos. Tem chance de sobreviver?
Sem pensar, respondeu:
— Depende das suas habilidades, experiência e força de vontade. Sabemos que conseguiu uma vez.
— Pois é, e ainda por cima, antes de sair na sua viagem, me avisou dizendo que iria atrasar o pagamento. Na hora, eu estava prestes a ir na sua casa e ter uma conversinha, mas deixei quieto. Conheço o garoto, tem alguma coisa aí.
— Na minha opinião, senhor, se Santiago voltar, deveríamos considerá-lo para o trabalho.
— Tentador, mas difícil. O garoto tem problemas trabalhando para mim, tivemos desentendimentos. Fazemos assim, se voltar, consideramos vagamente a ideia.
Concordando, saiu da sala, deixando Eugene contemplando o céu.
***
Balançando a espada, acertava troncos e pedras ao redor. Após horas aprimorando o seu poder, decidiu dar uma mudada e voltar ao treinamento físico.
Comparado há dias atrás, via a diferença, seus movimentos melhorando lentamente, o físico se adaptando aos esforços.
Perto do anoitecer, tava pronto. Descansado e recuperado, usava somente o resto do manto e uma camiseta com furos. A armadura, destruída depois de tantas noites se aventurando, ao acordar de manhã e tentar vestir, descobriu que caía aos pedaços.
Mavara o esperava na floresta. Caminhando em frente, falou:
— Me diga, por que as pessoas da sua cidade evitam a noite?
Considerando um pouco, lembrou de Mavara dizendo de muitos humanos saberem o jeito. Isso o assustou. Perguntava ser verdade, afinal de contas, seria melhor revelar aos outros e evitar a morte de inúmeros.
Infelizmente, sabia que não teria as respostas no momento. Em uma cidade isolada igual a Veridiam, esse tipo de coisa era impossível. Nem Sacro conseguiu responder.
— Acho que é pelo medo. Uma gota de sangue atrai tudo, luzes fortes são tão ruins quanto. Ninguém quer arriscar.
— Bom palpite. A noite é superestimada, sim, tem monstros fortes e pode matar facilmente. Porém, superar o medo é o segredo, esconder por trás de muros só os deixa fracos.
“Fácil falar pra um ser nascido forte. Humanos demoram até conseguirem se sustentar sozinhos.” Chegando no limite do território, Mavara diz:
— Seu objetivo hoje é causar uma luz forte e fugir.
— Qual a distância daqui?
— Longe.
— Super específico. — Murmurou se afastando.
Enquanto a noite caía, San caminhava calmo. Para sobreviver, devia seguir regras, passar longe de luzes, sangue e matar desnecessariamente. Isso e, um pouco de sorte, poderia andar quilômetros.
Quando finalmente o sol sumiu e a lua ganhou espaço, começou. Monstros saíam das suas tocas, com fome e desejo de caçar. Rugidos eram escutados ao longe, misturados a uivos.
Tendo caminhado por um tempo, ficou agachado, juntando uma pilha de folhas, pegando as mais secas possível. Fazer luz era fácil; a questão era como. Poderia usar a habilidade e soltar um tiro.
No entanto, se fizesse isso, os monstros ao redor iriam procurar em todo o lugar a fonte de luz momentânea. Seu objetivo era acender uma fogueira; assim, os manteria focados em um ponto enquanto fugisse.
A pilha estava pronta; colocando o dedo entre, canalizou a essência e fez uma esfera de luz. Seu poder não era relacionado a fogo, mesmo assim queimava; isso já servia para formar uma fogueira.
Criando uma pequena chama, iluminava pouco. Extremamente tentado a correr na hora, se segurou, soprando e fazendo o fogo ficar maior. Se no meio do caminho apagasse, teria sido desperdício.
Finalmente feito uma luz forte, levantou e preparou a correr. Na hora, escutou um galho quebrando no mesmo caminho da sua fuga. Focando na sua frente, seus olhos acostumaram na escuridão.
Um monstro andando de quatro, três cifres na cabeça, pelos vermelhos o cobrindo e um rabo pontudo. Estando apressado, nem sacou a espada, apontou o dedo e deu um tiro.
Desviando dos cifres, acertou a cabeça, infelizmente continuou vivo, mas atordoado. San adicionou dois tiros, fazendo sangue escuro cair sobre a grama.
Soltando um suspiro, relaxou os ombros; lutar em onde vários outros apareceriam era uma péssima ideia. Só arriscou em usar a habilidade por já ter uma fonte de luz ao seu redor.
Se afastando, já podia ouvir arbustos sendo mexidos, asas batendo, garras arranhando troncos e diversos sons. Começando sua corrida, se afastou, usando as sombras de camuflagem.
Ultrapassando uma rocha grande, a terra tremeu, faltando pouco para cair no chão, manteve firme e usou a pedra como cobertura. Era um gigante caminhando, com seu bastão grande e rosto feio.
“Quais as chances de ser o mesmo que me perseguiu há um tempo atrás?” Por um instante, ficou tentado a dar um tiro nos olhos dele, ou testar sua espada contra o bastão. Sabendo ser burrice fazer isso, esperou; a luz ainda era visível da sua direção.
Quando passou, retomou sua caminhada. Via bestas passarem, algumas chegando perto de o ver. Pegando uma boa distância, conseguiu se acalmar.
Do nada, algo apertou seu pé; olhando o chão, nem conseguiu reagir, seu corpo foi puxado, erguido e pendurado. Balançando igual uma pinhata, procurava o arquiteto da armadilha.
Segundos depois, viu quem era. Um lagarto de três metros pendurado na árvore, escondido nas sombras e utilizando seu rabo como corda. Sem hesitar, desembainhou a espada e cortou fora a parte.
Caindo de costas no chão, o ar dos seus pulmões sumiram. Tossindo, agachado, esperava que o monstro fugisse; ao invés disso, o sangue parou de cair e um novo rabo era formado. Finalizando, o encarou raivoso.
Tendo um único pensamento, correu. Abrindo caminho por galhos o arranhando e pedras machucando os pés, deu uma olhada rápida por cima do ombro, e avistou o lagarto incrivelmente veloz o perseguindo.
Apertando o passo, só acelerou, ignorando os monstros passando e o barulho.
Independente disso, o lagarto se aproximava. Desesperando um pouco, pensou em uma ideia maluca.
Antes de conseguir pensar em um plano diferente, respirou fundo e gritou:
— EEEEIIIIII!! Carne fresca, seus imprestáveis.
Gritando desesperado, atraiu a atenção de bestas. Ocasionalmente, quase era emboscado; outras caiu e levantou na hora. Escutando melhor, o monstro tava pertinho das suas costas.
Por conta dos seus gritos, corrida e os passos do lagarto gigante, chamou a atenção de algo. Subitamente, a besta parou de o perseguir; o som afastou e dando uma olhada rápida, o corpo todo arrepiou.
Uma sombra, cobriu a área toda, impossibilitando de ver a própria mão.
Escolhendo deixar quieto, desacelerou e fez silencio. Com isso, voltou para o território da Mavara.
Vendo as flores brilhando, sentiu extremamente aliviado. Nem se importando, caiu de cara no chão, descansando finalmente. O cão do inferno apareceu ao seu lado e disse:
— Ideia interessante chamar a atenção de uma presa maior. Arriscado, contudo, interessante.
— Valeu, na hora só pensei que se eu fosse pego por aquilo, seria melhor chamar algo pior e nós dois nos ferrarmos.