Volume 1
Capitulo 2: Os Homens Do Sul
O cantar das cigarras agitava a calma aldeia dos Chonos naquele anoitecer. Os poucos acordados terminavam de fazer suas tarefas, se preparando para recolher após um longo dia.
Ao longe, se ouviu o som nada familiar de cascos ágeis vindo em sua direção. Os guerreiros desconfiados pegaram suas lanças e aguardaram. Os soldados de armadura saíram das matas, cercando a aldeia.
Acuados, os guerreiros apontavam suas lanças, tentando proteger suas crianças e mulheres. Um homem de idade mais avançada, com face rígida e olhos negros, aproximou-se lentamente do que parecia ser o líder dos Chonos.
— Fala a língua comum? — indagou o homem.
— Quem são vocês? — indagou de volta.
— Eu sou Travos e nós somos emissários da verdade — Retirou seu capacete, revelando seus longos cabelos grisalhos.
— Emissários da verdade?
— Exatamente. Espalhamos a única verdade que importa, meu caro selvagem… — O homem sacou seu machado e decapitou o líder Chono. — Uma simples verdade que as pessoas insistem em ignorar — Encarou os Chonos acuados. — A força é a única verdade.
Não muito longe da aldeia, Nair ficou em alerta, pressentindo o perigo. A madame sentiu os ventos a alertando e seu olfato se aguçou. Ky treinava sob a calmaria da noite, sem perceber o peso do ambiente.
Os homens de armadura saíram da mata, liderados por Errand. O som metálico das espadas sendo sacadas interrompe a calmaria noturna. Nair se põe entre Ky e os soldados, concentrando sua respiração e se preparando para uma batalha inevitável.
— O que querem nessas terras? — indagou.
Errand puxou um pergaminho de seu bolso e abriu com cuidado.
— Sobre autoridade do império Dracena, declaro a tomada dessas terras sem donos, assim como os selvagens que aqui vivem — declarou.
— Não reconheço tal autoridade — Levantou os punhos. — E não permitirei que profane essas terras.
Dentre os soldados surgem correntes espectrais que se enrolam nos braços de Nair, a fazendo ajoelhar. Astagry se revela com sutileza, caminhando entre os soldados. A maga com olhar fixo em Nair, emanava uma energia roxa.
— Suas tatuagens são interessantes, sem muito padrão — comentou com desdém. — Se me permite, desejo ver suas habilidades.
Os guerreiros recuaram alguns passos, receosos. Nair levantou-se, quebrando suas correntes e espalhando suas chamas, formando um círculo que impedia o aproximar dos soldados. O garoto se moveu, se preparando para defender sua protetora.
— Não se envolva — ordenou Nair. — Eu cuidarei disso.
O corpo de Nair se incendeia, não ferindo sua pele. A madame corre com fúria nos olhos em direção à maga. Correntes espinhosas quase transparentes se formam nas costas de Astagry, se lançando em direção à Nair. Um desvio desesperado a salva, contudo, seu ombro é ferido.
A dama em chamas murmura baixo em um idioma desconhecido como uma oração desesperada ao seu espírito protetor. Uma esfera de fogo começa a se formar acima de sua cabeça, pronta para atingir seu alvo.
Errand atravessa as chamas, sacando sua espada. Com um corte preciso, o braço de Nair vai ao chão. Um grito de forma atormentada sai da garganta de Nair. Mesmo mordendo os lábios de dor, ela reuniu forças e cauterizou o sangramento com seu fogo.
O círculo de fogo é desfeito. De forma covarde, Astagry enrola Ky em suas correntes. O garoto se debate, tentando escapar de suas amarras.
— Você se importa com esse garoto, né? — disse Astragry enquanto puxava o cabelo de Ky. — Recomendo não tentar nada.
Por um momento, cogitou resistir, mas logo abaixou a cabeça, temendo por seu protegido. Um colar com runas gravadas em seu metal é colocado no pescoço de Nair por Errand. A mulher sentiu seu poder se dissipar, pela primeira vez na vida, sentiu-se vulnerável e desrespeitada.
— Que profanação é essa? — indagou em fúria.
— Um selo — revelou Errand. — Não importa quanto tente, não poderá usar suas dádivas.
— Os selvagens não cansam de me surpreender — Astagry forçou o rosto do garoto para perto de sua face, avaliando com indiferença. — Já vi muitas coisas, mas um garoto sem nenhuma ponte é a primeira vez.
— O que está dizendo? — perguntou confuso.
O comandante se aproxima do garoto com olhar mortal. Ele encosta sua espada atrás do pescoço do menino, mirando para decapitá-lo. Nair tenta impedir, as runas de seu colar brilham com um simples movimento de mãos de Astagry. Seu corpo cai no chão com uma insuportável dor de cabeça.
Errand balança sua lâmina, prestes a acertar o garoto. Em um piscar de olhos, antes de cortá-lo, todos presenciam o corpo do garoto se dissolvendo em eletricidade, subindo aos céus como um raio azul e desaparecendo no horizonte.
Os soldados, Astagry e até mesmo a própria Nair ficam boquiabertos. O silêncio toma conta da floresta. Errand, mesmo com o olhar ainda incrédulo, é o primeiro a se recuperar do evento incomum.
— Levem ela e queimem a cabana — ordenou, subindo em seu cavalo. — Não falaremos sobre isso para a imperatriz.
A ordem é obedecida. Nair vê sua casa ardendo enquanto era trancada em uma carruagem-jaula de madeira. Astagry se manteve pensativa sobre o que viu, olhando para o céu em dúvida.
Os cavalos partem em retirada, indo em direção à vila dos Chonos. Corpos pendurados em árvores são vistos conforme o batalhão se aproxima cada vez mais. O cheiro de fumaça e sangue se espalha pelo ar. Casas queimadas são vistas ao longe.
Eles adentram na vila. Os moradores estavam aglomerados no centro do vilarejo, cercados pelas lanças dos homens do norte. Astagry avaliava as crianças Chonos, procurando por alguém promissor.
Sentado em uma pilha de corpos, Travos cantarolava tranquilamente enquanto limpava seu machado com um pano velho. O guerreiro ignorou a presença de Errand e manteve de costas para o Vice-comandante.
— Vejo que ainda não soube se controlar, velho homem — comentou Errand. — Devo pedir que se contenha um pouco mais. — O Vice-comandante desceu de seu cavalo, se aproximando da pilha de incontáveis corpos.
— Devo pedir que não me encha a paciência nessa bela noite, pequeno Boreali. — Saltou da montanha de cadáveres e guardou seu machado em seu cinto.
— É vice-comandante para você — bufou. — Mesmo a besta decapitadora deve obedecer aos seus superiores.
— E está certo — admitiu. — Matarei quem ordenar, lutarei dia e noite se quiser, mas nunca terá meu respeito, pequeno Boreali.
Os dois guerreiros se encaram com inimizade. Astagry mantendo um sorriso gentil, se aproxima de um pequeno garoto da tribo que se encolhia de medo. Seus olhos se focaram em suas pontes espirituais, surpresa com a raridade da criança.
— Qual seu nome? — indagou, ficando na altura do garoto.
— Yuni — revelou receoso.
— Que nome belo — comentou. — Onde estão seus pais?
Ele aponta para o monte de corpos mortos. Astagry não demonstra interesse e mantém seu sorriso.
— Que pena, mas essas coisas acontecem. Me diga, esses selos em seu umbigo foram botados por quem? — perguntou.
— Pela madame Nair, ela é a serva dos espíritos da floresta.
— Você é um garoto muito sabido — Tocou no nariz da criança. — Eu vou ficar com esse aqui. — elevou a voz para que Errand ouvisse.
— Faça como quiser, bruxa — disse Errand subindo novamente em seu cavalo.
Os homens, mulheres e crianças da tribo Chono são colocados um por um nas carruagens-jaulas, exceto por Yuni que cavalga junto de Astagry. O batalhão se move, indo em direção ao sul.
Os céus são cortados pelo feixe de luz, se afastando cada vez mais daquelas terras. Após dois dias, o raio caiu em um bosque, emitindo grande estrondo. No local da queda, não havia fogo como era de costume após a queda de um raio, mas lá estava Ky. De seu corpo saía vapor, porém não sentia calor, seus olhos se abriram e se acostumaram com a luz da lua.
O garoto se levantou, seu corpo estava leve, como se acordasse de um grande sono. Sua mente ainda estava confusa, lembrava dos invasores, do ataque e do grito de sua protetora. Olhou em volta, estranhou a flora, as árvores eram diferentes, maiores e menos escuras. Antes que pudesse pensar em seus próximos passos, foi surpreendido por um súbito ataque de um povo desconhecido.
Homens e mulheres de aparências distintas saem das moitas e de cima das árvores. Eles o cercam com lanças e arcos. Suas peles eram marcadas por uma queimadura em formato do símbolo do reino Dracena. Uma garota se manteve à frente com olhar fixo em Ky e sua lança em guarda.
— Você é filho de qual terra? — indagou uma jovem de cabelos negros e olhos verdes.
O garoto se encolheu e engoliu a seco. De início, não entendeu a pergunta, mas logo respondeu:
— Minha terra não tem nome — começou. — Eu sou do norte. Sou Ky de Nair, fui atacado por homens estranhos de pele de ferro.
Os homens e as mulheres abaixam suas lanças ao ouvir o garoto, exceto pela menina que o encara com desconfiança.
— Como sei que não é um espião de Dracena? — Aproximou mais sua lança. — Você está longe do norte, não foi marcado e muito menos parece um escravo.
O garoto parecia confuso. A garota manteve seus olhos fixos nele. Antes que cortasse sua garganta, uma voz rouca e dura a impede:
— Pare, Kanala — disse um homem de longa barba e face idosa. — Não pode matar um homem por não conhecer as amarras — Caminhou até os dois enquanto acendia um cachimbo. — Vamos levá-lo ao acampamento.
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