Volume 1
Capitulo 1: Raios e Trovões
O branco cobria o solo. O vento sussurrava tempos difíceis aos habitantes da floresta. Sobre a neve, enrolado em uma manta desbotada, chorava um pequeno recém-nascido. Seus berros se espalham pela mata até então silenciosa.
Não muito longe, uma jovem de cabelos brancos e pele morena colhia ervas com cuidado, fazendo questão de sentir seu aroma antes de colocá-las em sua cesta. Vestes de pele cobriam seu corpo e carrega consigo seu totem, uma figura semelhante a um pássaro entalhado na madeira segurado por um fio negro.
O choro da criança chega aos seus ouvidos, aguçando seus sentidos. Primeiro se vê confusa, sem saber ao certo se não era coisa de sua mente. A mulher segue o choro, acelerando seus passos. Um aperto toma conta de seu peito, enquanto procurava pela criança perdida. Correndo entre as árvores, enfim localiza o bebê.
Lágrimas caíram dos olhos castanhos da pequena cria, pois necessitava de acalento. Suas orelhas e nariz estavam avermelhadas. Seu pequeno corpo tremia, sendo protegido apenas pela manta.
A jovem acolheu a criança em seus braços, o esquentando com seu corpo. Por instinto olhou em volta à procura da mãe do menino, porém não havia nem rastros na neve.
A mulher iniciou seu caminhar em silêncio. Sussurros de dúvida passam por sua mente. Durante o percurso, seus olhos às vezes se direcionaram ao pobre bebê.
Ela se guia pela floresta labiríntica, sempre atenta ao terreno. Em meio ao bosque se mantinha erguida uma cabana de madeira, rodeada de símbolos de proteção.
A dama adentra na cabana, o chão rangia com seus passos indo até uma rede pendurada perto da lareira. O menino é colocado na rede e enrolado em cobertores. A jovem retirou algumas camadas de roupas, revelando tatuagens em seus braços que pareciam um rastro de chamas ardentes.
O menino diminuía seu tremor e seu choro. O fogo da lareira que devorava o resto de madeira lentamente diminuia. Ao reparar nisso, a mulher se aproximou e fixou seu olhar. Respirou, as palmas de suas mãos e suas tatuagens emanam um brilho semelhante a brasas. Com o movimento de um braço, uma labareda ardente em formato circular é criada, sendo jogada na madeira, reacendendo a fogo.
O ambiente começa a reaquecer. A jovem retorna sua atenção à criança. Ela se deita na rede, botando o pequeno em seu colo.
— O que é você? — indagou. — Parece gente, mas, ao mesmo tempo… — Foi interrompida com o ronco da barriga da criança.
De imediato um arrepio percorre seu corpo. Uma sensação de mudança se instaura em seu peito. A criança faminta tentava sujar instintivamente leite por baixo da camisa da moça. Uma tentativa que parecia infrutífera até um pouco de líquido começar a sair da jovem. Um rubro se espalhou por suas bochechas com a confusão. Ela retirou seu peito da camisa e permitiu que a criança se alimentasse.
— Você parece ser protegido pelos espíritos — Ergueu o pequeno. — Peço que tente não mudar mais minha anatomia, não é educado. — A criança sorriu ao ser erguida. A dama recolocou ele em meio a suas pernas, olhando em seus olhos. — Será Ky e carregará meu nome, Nair.
A jovem beijou a testa da criança, selando seu laço. A criança permaneceu em silêncio, parecendo compreender as palavras de Nair.
Muitas luas passam, a neve derrete e o verde retorna à floresta. A pequena criança já corria pelas matas, se entretendo perseguindo coelhos e outros animais pequenos.
Durante suas brincadeiras, a criança esbarra em um homem alto e moreno, caindo no chão. O desconhecido ofereceu a mão para o menino, porém ele se encolheu e tentou se afastar. Nair chega em seguida e nota o homem.
— Ky, venha para cá — ordenou.
O menino obedeceu de imediato, se escondendo atrás das pernas de Nair.
— Peço perdão — O homem reverenciou. — Venho em busca de auxílio, meu filho está doente e não durará muito — explicou com pesar em sua voz.
— Não negarei ajuda a uma criança — disse com seriedade. — Contudo sabes de minhas obrigações, qualquer toque a minha pele e retornarei a minha casa sem remorso algum.
Dentre a floresta, Nair é guiada entre a mata, chegando até pequenas casas de madeira com telhado de palha. As crianças corriam, as mulheres teciam e os homens afiavam suas lanças. Aquela era a tribo Chono, um povo pacato que por lá viviam.
Ao centro se agrupavam curiosos na tenda do curandeiro. Deitado no chão, um menino recém nascido se contorcia em febre. Nair se aproximou. Todos abrem espaço, tomando cuidado para não tocá-la.
— Tentamos de tudo — contou o curandeiro. — Começou ontem a noite, pedimos sua sabedoria, serva dos espíritos.
— Parece um desequilíbrio em suas pontes — Ela pousou o ouvido no peito do garoto. — Forças opostas estão lutando por ele.
A dama retira um frasco de sua bolsa, molhando seu dedo com o líquido verde que ali continha. Desenhou círculos na testa e umbigo do menino e recitou uma oração:
— Suprimir, Suprimir — Os círculos no menino reluziam com as tatuagens de Nair. — Não briguem por essa alma, isso só causará dor, dividam entre si, por favor.
O corpo do menino se acalma, sua expressão de dor some e seus músculos relaxam. Suspiros de alívio e surpresa se espalham pelos curandeiros e familiares que ali estavam.
Os olhos de Ky brilham em animação e curiosidade. Nair saiu da tenda sem dizer nada, seu protegido a seguiu cheio de perguntas.
— O que você fez? — questionou.
— Ele tinha uma ponte dupla, é incomum e perigoso — explicou. — Eu apenas remediei para que ambos espíritos convivam em harmonia.
— Ponte é aquilo que conecta a gente aos espíritos?
— Vejo que prestou atenção em sua guardiã — A dama o ergueu em seus braços. — Agora vamos para casa, precisamos de um banho de óleo para nos purificar.
— Eu vou poder fazer isso também? Vou poder soltar fogo e tudo mais? — Perguntou animado.
Nair se manteve em silêncio, virando o rosto, se recusando a encarar Ky.
— Sim, claro, afinal você é humano — disse com desconforto. — Não é?
— Hm? — expressou o menino.
— Não é nada, é apenas sua Nair falando bobagem.
Os verões vêm e vão, a floresta se renova a cada estação e tudo passa como a corrente de um rio. O jovem Ky estica e se fortalece, sempre treinando com auxílio de Nair.
Vestia um poncho acinzentado por cima de uma camisa de linho, presentes da tribo Chono do qual visitava com frequência.
Ao entardecer, o jovem garoto sentia a terra em seus pés descalços, o ar em seus pulmões e a vida em sua volta. Sentiu uma energia percorrendo seu interior, Nair corrigiu sua postura com delicadeza.
— Lembre-se, você é tudo e tudo é você — orientou.
O menino inspirava e movimentava seu corpo, como se dançasse com o vento. Esticou seu braço para cima, apontando para uma árvore. Um rastro de eletricidade manifestou-se da ponta de seus dedos, atingindo a árvore.
Sua protetora se espanta. Não sentia energia espiritual em volta de seu pupilo, na verdade, nunca sentiu. Ky permaneceu de olhos fechados, ainda em pé. Desesperada, Nair disparou até o menino e segurou seus ombros, o remexendo para acordá-lo.
— Ky, por favor, abra os olhos.
Os olhos do menino se abriram, emanando um brilho azulado em ambos. Nair se afastou alguns passos, ofegante pela aura pesada que o garoto exalava.
— Eu sou aquele que corta os céus — declarou Ky sem emoção na fala. Sua voz parecia ecoar na cabeça de Nair. — Sou o anúncio da tempestade e o que a torna poderosa — O ar se umedece, nuvens escuras cobrem os céus e mesmo os pássaros param de cantar. — Mesmo em carne, não haverá rei ou servo que possa me contrariar.
A pupila de Ky retorna pouco antes de seus olhos fecharem. Seu corpo se projeta para frente, sendo pego por Nair antes que caísse. Ela acariciou seu cabelo, ainda soando frio.
— Meu Ky — murmurou para si mesma. — O que é você?
O sol do dia seguinte se ergue sobre aquelas terras. O jovem permanecia adormecido, vigiado por sua protetora. Com os raios de sol chegando ao seu rosto, o menino enfim acorda.
— Eu consegui? — indagou se levantando.
A dama se sentou ao seu lado, o abraçando. Suas mãos tremiam e olhos lacrimejavam. Ky não entenderá o motivo do gesto, contudo retribuiu sem questionar.
— O que houve, minha Nair?
— Nada — respondeu. — Você apenas não aguentou o poder dos espíritos. Precisa treinar mais — disse tentando se convencer de suas próprias palavras.
O garoto se decepcionou um pouco, porém logo levantou a cabeça confiante que ainda ganharia suas tão desejadas tatuagens. Nair permaneceu em silêncio e em dúvida sobre o que viu.
A noite cai. Fora da floresta, uma clareira se estendia até o horizonte. O lago silencioso era perturbado pelo aproximar de cavalos. Seus montadores estavam guardados por armaduras de placa. Em seus imponentes mastros carregavam um tecido carmesim, destacava-se ao centro o símbolo de uma espada negra e asas de dragão abertas em suas laterais.
Ao avistar a floresta, o homem à frente do esquadrão levantou o punho, um sinal para parar. Todos obedeceram de imediato. O homem retirou o capacete, demonstrando seus cabelos escuros e olhos verdes. Seu nome era Errand, vice-comandante do exército imperial. Sua armadura era mais escura que as outras e carregava uma capa vermelha em seus ombros.
— Astagry! — Chamou.
Uma mulher desceu de seu cavalo. Sua bela face era marcada por uma tatuagem de lírios e cobria seus belos cabelos loiros com um capuz lilás. Com passos lentos se aproximou do homem com olhar apático de tédio.
— O que foi? — perguntou. — Não pode dar um passo sem precisar de minha ajuda?
— Procure sinais de vida e, mais importante, de poder — ordenou.
As pupilas de Astagy intensificaram seu tom já roxo. Seus olhos vagavam pelas terras desconhecidas, reparando nas almas que lá viviam.
— Vejo uma aldeia de selvagens — Seus olhos se fixam em um ponto específico. — Uma maga. Não parece grande coisa, mas é bom tomar cuidado.
O exército cavalga em direção à floresta. Astagy mantinha seus olhos na mesma direção. Os homens se dividiram ao adentrar a floresta escura, brandindo suas espadas com intenção assassina.
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