Volume 1 – Arco 2
Capítulo 11: Rotina da Manhã
Lâmina acordou frustrado, colocou a mão na própria testa, sua temperatura havia voltado ao normal.
Viu aquela mulher entrar nos alojamentos e pegar a bebê enquanto ele só podia observar ao sangrar. Não conseguia parar de se culpar por não poder ter feito nada, nem cogitava culpar a irresponsabilidade de deixar a criança com ele, já que contava que conseguiria protegê-la de todo modo.
Por sorte, ele havia despertado, mas manteve-se imóvel durante toda a cirurgia de Vaia. Tinha vergonha de admitir, mas ouviu toda a conversa que eles tiveram, não queria perguntar sobre tudo que discutiram novamente, Lâmina estava receoso de ser negado…
Contudo, ele ficou contente de estar lá enquanto os seus colegas tiveram uma conversa amigável e quase reagiu quando Cálix irritou-se pelo seu nível de força.
Estava feliz de só receber elogios mesmo enquanto dormia, era bom saber que apesar de serem praticamente estranhos, não falavam nas costas dos outros.
Olhou para seu peito, viu a bebê dormindo sob outra camada de cobertas, feitas para protegê-la do frio vindo do corpo de Lâmina. Ela suspirava numa calma invejável, o espadachim não teve a sorte de dormir como nos últimos dias, acabava sempre sendo interrompido por um monstro atraído por sua enorme Aura.
Estava no barco com o inimigo, contudo, ao olhar para os lados, viu que os outros jovens também dormiam nas camas de madeira do alojamento. Por conta disso, ele decidiu se levantar antes de todos. Saiu de baixo de suas cobertas, acidentalmente despertando a bebê, que começou a resmungar e estender seus bracinhos para o espadachim.
Lâmina soltou um suspiro, e enrolou a criança ainda mais em lençóis de cama para esquentá-la.
Ao se agachar para vestir suas botas, sentiu o incômodo de algumas faixas e bandagens colocadas por Vaia para estancar os ferimentos. Ele enfiou os braços pela gola e as removeu. Seus ferimentos já haviam cicatrizado.
Após se calçar, alcançou por sua espada que foi colocada de baixo da cama, ela ainda brilhava levemente pela concentração de Aura que colocou ontem e estava com alguns espinhos de gelo que devem ter congelado o ar úmido do mar.
Colocou ela nas costas, congelando uma parte de seu casaco para ter um lugar fixo onde posicionar sua arma.
Ele ainda não podia vestir seu manto — já que Vaia cortou a corda que prendia os dois lados quando estava descontrolada.
Ouvindo os resmungos incessantes da bebê, Lâmina segurou e levantou ela antes que acordasse os outros jovens.
Lâmina passou entre as camas, com a bebê nos braços, olhou cada um deles com cuidado…
Cálix babou enquanto dormia e provavelmente ia acordar com boa parte do travesseiro molhado, ele estava usando um pijama rosa, só rosa mesmo, e suas mãos estavam fechadas em posição de reza. Ele era um clérigo mesmo.
Talyra não usava pijama e havia se cobrido com a própria jaqueta, ela brilhava em um tom esverdeado, o que levou Lâmina a concluir que era aquela magia de resistência ao frio que usou no vilarejo. Ela ainda vestia uma camisa social branca e um colete de lã preto.
Vaia estava descoberta, também sem nenhum tipo de pijama, ainda com as roupas encardidas de preto como queimaduras que se mesclavam ao vermelho de sua camisa simples. Seu manto rasgado encontrava-se pendurado ao lado da cama, todo destruído e sem nenhum conserto.
Ela ainda estava com os enormes chifres saindo da sua cabeça, Lâmina não tinha ideia do que Vaia faria com eles, mas imaginava o quão difícil deve ser para dormir em certas posições. Ela estava com o rosto virado para cima, então não deveria ser tão incômodo.
O espadachim pegou um cobertor de uma cama adjacente e colocou sobre a moça com cuidado para não despertá-la. Seu rosto ainda estava com nítidas manchas de lágrimas secas e uma leve maquiagem borrada, também visível nas mãos e nos pulsos dela.
Lâmina nem conseguia imaginar o peso na alma que Vaia sofreu ao perceber o que tinha feito com ele. Não foi nada que ele não conseguisse se recuperar, entretanto.
Ele foi até sua bagagem no canto do quarto, apenas para perceber que seu suéter sujo de sangue — que deveria estar ali — não estava presente. Lâmina colocou a mão dentro e de lá, pegou um retrato pintado à mão.
A bebê, curiosa, levantou a cabeça para ver quem estava na foto: Uma jovem mulher com cabelos escuros presos em um rabo de cavalo, seu doce sorriso e olhos semi-abertos transmitiam um ar de bondade que fazia até Lâmina sorrir.
A tinta tinha alguns borrões, como se aquele retrato tivesse tantas histórias quanto a carteirinha da organização de Cálix. A bebê olhou de volta para o espadachim, indagando-o sobre a pessoa.
— Não estou pronto para revelar isso a eles ainda… Essa é a pessoa mais importante na minha vida — respondeu ele, em seguida, guardou a imagem num bolso interno de seu casaco.
Ao subir as escadas dos aposentos, Lâmina conseguia ver os três sóis nascendo ao leste, o vento frio e o som das ondas eram as únicas coisas que podiam ser ouvidas.
O barco balançava muito pouco e o mar estava calmo. Lâmina deu um suspiro aliviado do ar matutino antes de colocar a bebê em cima de um barril.
— Não posso falhar com minha rotina da manhã, criança. — “Já bastou eu não ter tido tempo ontem” pensou. — Como todos estão dormindo, tenho um tempo só para nós dois…
A bebê fazia alguns grunhidos alegres, ela parecia contente só de estar perto do espadachim. Os instintos do mesmo o forçaram a responder na mesma medida.
— Monstros marinhos serão muito comuns durante a viagem, Heinrich me disse que encontrou mais monstros no caminho até Fajilla do que em toda sua carreira!
Lâmina parecia mais aberto perto da criança, falava com um leve sorriso no rosto e com um tom bom-humorado, ao contrário de seu semblante cético e pessimista, que não era muito convidativo para os outros jovens. Assim pensava.
O espadachim removeu seu casaco, colocando-o nas escadas que subiam para o topo do mastro, agora, apenas com seu suéter de lã, ele entrou em posição de flexões, e respirou fundo mais uma vez.
Os ferimentos não doíam mais, as bandagens velhas se soltavam e ficavam presas dentro das roupas do jovem, escapando nos momentos em que ele se mexia muito.
Antes que conseguisse fazer a primeira elevação da flexão, sua rotina foi subitamente interrompida por Heinrich, que abriu a porta de sua cabine com um estrondo, assustando Lâmina e a bebê. Por sorte, o barulho foi rapidamente silenciado pelo vento do mar.
Ele esticou os braços para o alto, e bocejou. Alongou os dedos e a coluna, antes de se virar para o espadachim, que caiu no chão com o susto.
— Bom dia, você estava falando com alguém?
— Não, não, você deve ter ouvido os meus grunhidos durante o treino — Lâmina voltou a ficar de cara fechada.
— Me contaram que você ficou gravemente ferido, não quer aproveitar a viagem para descansar?
— Não posso enferrujar enquanto tem uma ameaça no mesmo navio que meu alvo de escolta
— Olha, eu não falei isso para você, mas, não quero mais brigas no navio, tanto vindas de vocês quanto da Jas.
— Quando ela quiser vir falar conosco sem uma intenção assassina nítida, é claro.
— Não importa, estamos presos no meio do mar, e vocês ainda têm duas semanas de viagem para se entenderem com ela.
…
— Mas, mudando de assunto… Por que estava fazendo flexões com sua espada nas costas?
— Acho que não tem nada de errado em colocar um peso a mais… quarenta quilogramas? É algo por aí.
O sabre de Heinrich pesava por volta de um quilo e meio, ficou desconfiado de Lâmina. Talvez fosse sua Aura enorme envolta na espada que aumentava seu peso drasticamente. Contudo, era impossível um jovem — mesmo que daquele tamanho — levantar um pedaço de aço tão grande.
— Ha! Claro, jovem. Quer um treino de verdade? — Heinrich abanou seu casaco de marinheiro, revelando o sabre embainhado na cintura. — Como eu disse, não quero problemas no navio, então, vamos fazer um duelo amistoso, vou fincar a bainha no sabre. Você não será cortado.
Além disso, o barulho do aço colidindo seria muito alto.
Heinrich pegou o pano vermelho amarrado em sua cintura e começou a dar um nó no seu sabre, deixando a bainha ainda mais presa à arma.
— Não queremos acordar as damas… isso inclui o clérigo vagabundo — disse o capitão
“Ele nunca sacou a espada, nem para caçar os monstros marinhos que atacavam o navio. Ele batia em criaturas com o triplo de seu tamanho, usando apenas os punhos!” pensou Heinrich, ansioso na tentativa de convencer o jovem.
— Me desculpe, esta espada eu não posso usar, ela já está pronta para uma batalha real — disse Lâmina soltando a espada das costas e deixando-a no chão sob o barril onde a bebê estava. Ela observava com os olhos brilhando, e tentava bater palmas, parecendo ansiosa para ver Lâmina em ação, finalmente.
— Tanto faz, eu só quero ver o quão boa é sua esgrima — Heinrich foi até uma estante do outro lado do convés que portava diversas armas brancas, incluindo algumas de madeira. Agarrou uma sem fio e jogou para o jovem.
Lâmina pegou a espada de madeira, estava tão acostumado com o peso de própria espada, que essa parecia ser feita de papel. Ele fez alguns movimentos para testar a fluidez da arma. Deu um passo para trás e entrou em postura de combate.
Não estava familiarizado com a espada que pegou, era curta demais para seu gosto. Sempre utilizou espadas longas e pesadas. Lâmina acreditava fielmente na eficácia de um ataque bruto, direto e certeiro.
— Sua filha é muito boa, quero ver se ela aprendeu com a pessoa certa.
Heinrich fez um sorriso de canto de boca arrogante, partiu para cima de Lâmina com uma estocada direta do sabre.
O jovem bloqueou o ataque com a lateral da espada de madeira, desviando o golpe para cima antes de atacar com um corte lateral no peito do capitão.
Um ataque vergonhosamente lento, apesar de estar com uma arma muito mais leve que o normal. Os golpes do espadachim eram desleixados e trêmulos, tentava segurar a arma com ambas as mãos, mas elas não cabiam juntas no cabo.
Heinrich desviou o golpe de Lâmina com uma maestria impecável.
— Sete brechas… Você tinha sete brechas na sua postura enquanto carregava o ataque
Lâmina soltou um leve riso, não confiava nem um pouco que estava tão enferrujado assim. Recuou e rosnou.
— Costelas; rins; braços… seu coração. Minha filha me contou que você congelou o próprio coração para proteger-se de uma perfuração. Porém, esse truque não vai funcionar para sempre, e você não vai enfrentar só a Mirele durante sua missão.
O espadachim não queria receber uma lição em como empunhar uma espada. Seu corpo esfriava cada vez mais com a intensidade da luta, exalava mais e mais Aura.
Heinrich entrou novamente em sua postura. Mão esquerda nas costas, com a empunhadura elevada, seu corpo estava virado quase que de costas para Lâmina, protegendo todos os pontos vitais do corpo. O jovem não sabia por onde atacar, e como o faria.
Não, não tinha como… era apenas o capitão de um navio mercante e turista da costa. Mas, ele de fato havia contado à Lâmina e os outros jovens em Fajilla de que ele concluíra uma missão d’O Círculo.
E isso instigou o jovem.
— Já que isso é praticamente um duelo, eu proponho uma recompensa caso eu ganhe: Você me falará sobre suas aventuras até conseguir esse sabre
— Justo, mas “Boa Sorte!”, Eu te digo
Os dois ficaram em silêncio por um instante, deixaram apenas o vento e o — agora inconsistente — balanço da água ditar o ritmo de sua luta.
Lâmina optou por uma variação na sua empunhadura, outra que ele já sabia. Seu corpo enorme permitia que ele lutasse com muita força bruta, podendo trocar habilidade por uma potência imparável para a maioria dos homens adultos, será que isso incluía Heinrich, entretanto?
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