Kapakocha Brasileira

Autor(a): M. Zimmermann


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8.5: O ótimo irmão

Correção.

É tudo que posso dizer.

De mesmo modo como fiz a este reino desde que meu pai morreu. Coisas em minha vida sempre necessitavam de um conserto. Seja meu estado mental, meus pensamentos — nos quais me afundo como um lodo denso —, ou simplesmente a remoção de vermes da minha corte.

Comecei a ponderar no momento em que me sentei neste trono. O salão prateado e as pilastras brancas e douradas sempre sabiam fazer meu cérebro distinguir as memórias da juventude com as obrigações que carrego sobre meus ombros agora.

Uma penumbra forte das paredes grossas cobria toda a sala do trono. Leves luzes de velas e candelabros aqueciam o ambiente nas mesas dispostas diante das escadas para a minha coroa.

Escapo dos meus pensamentos por um segundo, observava aqueles nobres reunidos, rindo e conversando naqueles assentos chiques.

Ah… era a reunião feudal anual…

Não consigo imaginar o que esses velhos caducos e donzelas idosas possam pensar de minha pessoa. Um jovem príncipe que acabara de se tornar rei. Uma figura imponente que brilha sobre Arquoia como a luz dos três sóis. Ironicamente, está nublado.

Infelizmente, eu não queria estar aqui, vendo essa comemoração ridícula… sempre me dei melhor observando os dois lados de meu reinado.

O oceano, para o Abismo Revolto, onde tudo que minha linhagem conseguiu foi uma pequena ilha.

E as montanhas do leste, tão cinzentas e claras quanto meu palácio.

Lembrei-me dos meus dias de infância. Crescer sem nenhum irmão ou amigo de mesma idade foi realmente uma experiência difícil, estava sempre acompanhado pelos agudos e melódicos ventos oceânicos que passavam por entre as janelas abertas.

Misticismo, é tudo o que me restou, com a feitiçaria sendo tanto a minha mão amiga, quanto meu punho de ferro.

Todavia, minha perspectiva de mundo virou-se de cabeça para baixo, quando aquela loura mulher chegou à corte de meu pai.

Olhos claros e roupas elegantes. Uma postura nobre, e o mais importante…

Um calor acolhedor de uma mãe que nunca tive…

Era uma ocasião perfeita: a mais nova conselheira real de Arquoia era uma usuária de misticismo e tinha o papel perfeito para preencher o buraco enorme de minha alma.

Meu pai sempre foi um inútil, e morreu como tal.

Minhas expectativas eram fantásticas.

Todos os dias antes dela chegar permanentemente à corte, eu observava a estrada fora do reino pela janela. Não conseguia ver nada, mas meus olhinhos sempre brilhavam com a ideia daquela mulher…

Talvez me contasse histórias para dormir; deixasse eu dormir em seu colo sob uma árvore num quente dia ensolarado.

Ou apenas dissesse que me ama…

Não poderia estar mais enganado.

Eu apertei mais os braços do trono. Esperava que minhas aflições morressem ali, naquele dia desinteressante e mísero.

Como posso lidar com coisas assim? Uso sempre um casaco e calças longas, além de luvas… tudo para esconder o que num dia de sorte…

Era um dedo quebrado.

Um olho roxo.

Um corte profundo…

Eu não tinha a menor ideia de por que ela fazia aquilo. Não importava a ocasião, eu sempre me sentia como um plebeu.

No meu quarto era o pior lugar, sempre só, e sem ninguém para ver…

Meu pai nunca me ajudou… a corte nunca se importou…!

Sempre sobrepunha minha voz para falar que era pelo treino de feitiçaria!!

— Hmpf!

Começava a chover do lado de fora, gotas pesadas batiam contra a janela de vidro. Permitindo que eu me distraísse por um momento.

A feitiçaria é algo intrigante, ela age sobre todas as forças do mundo… Uma vez me contaram que a deidade que originou a feitiçaria foi a própria Mãe Natureza, junto dos outros deuses primordiais.

Como pode? A única mãe que sequer olha por mim é uma na qual eu não posso ver ou tocar. Se esse equilíbrio do universo realmente existe, então eu sugiro que me mostrem, ou que ele surja no momento em que eu mais precise.

Mas… eu devo dizer que odeio aquela mulher? Não…

Eu não poderia estar mais agradecido. Ela me ensinou uma lição muito importante: que as pessoas não podem crescer sem perder algo. Estão sempre atreladas a algo de valor ou estimado.

A primeira mudança drástica foi há 6 anos, quando, de alguma forma, ela ficou grávida.

Não me feri nem sofri por um tempo. Ela se distanciou da corte e conseguiu uma bela casa morro abaixo.

Que nome bonito ela escolheu… Alessa…

O sorriso sombrio que ela sempre me dava sumia. Não aceitava mais ordens de guerra de meu pai. Se tornou apenas um tapete bonito que ficava no salão, ao lado do rei.

O que há de tão especial naquela filha?

Quando fui crescendo mais, eu via o quanto aquela menina era abandonada pela própria mãe. Ela não dava valor a ela, nem a mim.

Aproveitei esse tempo para realmente melhorar… feitiçaria, aprendizado sobre o misticismo, história… Até consegui uma namorada, uma poderosa usuária de misticismo que dizia vir do ocidente…

Era ótimo… nunca soube de fato qual era o misticismo da maldita mulher. Até que os livros sussurraram Xamanismo em meus ouvidos, decidi aprender mais. Desvendar as razões pela mudança da mulher.

“Xamanismo. A força mística dos rituais e da conexão com o mundo dos mortos… Se desenvolve a partir de 5 estágios principais. Com a firmação entre o usuário e o deus do Xamanismo, no qual se adota o sobrenome escolhido pela divindade.”

Thuzaryn…

“Para avançar ao segundo estágio do Xamanismo, deve-se matar uma pessoa pela primeira vez.”

“Para avançar ao terceiro estágio do Xamanismo, deve-se atingir a idade de 20 anos.”

“Para avançar ao quarto estágio do Xamanismo, deve-se parir um filho… Ele deve estar vivo para manter o estágio.”

“Para avançar ao quinto estágio do Xamanismo, deve-se atingir a idade de cinquenta anos.”

Agora eu entendia… Ela não era só cruel, mas também oportunista…

Ter uma filha apenas para possuir mais poder. E abusar do que não lhe servia para nada. Você é muito boa… Jasmyne.

 


 

Há alguns dias, Jasmyne avisou que estaria partindo para a ilha de nosso reino para uma missão de cunho secreto… até mesmo para mim, seu rei.

Parando para refletir agora, ela estava muito menor diante de mim. Parecia um inseto, não falava mais em um tom grosseiro nem beliscava minha orelha até sangrar por razão nenhuma.

Não sei o que deu nela, mas os últimos anos tem sido assim.

Dizem que paranoia e loucura são as características primordiais de um governante, estar sempre atento para ataques ou esquemas de assassinato contra você não passam de rotina.

Mesmo com todo o meu poder de feitiçaria — vindo ora do meu talento, ora de esforço — eu ainda não era páreo para Xamanismo de nível tão alto. Contudo, não poderia ser uma hora melhor, para eu finalmente dar o troco.

Em sangue…

Pouco tempo após sua partida eu planejei algo grandioso. A festa de aniversário de Alessa. Ela não era realeza, mas ainda era filha da conselheira.

Chamei todos os senhores e senhoras feudais da região para que pudéssemos ter uma comemoração digna. Gastei muito dinheiro, fazendo o vestido e acessórios mais belos que uma menininha poderia usar.

Quando eu a trouxe para o palácio, ela estava maravilhada, soltava suspiros e cismava em correr por aí. Mesmo nas suas condições de saúde frágeis.

Um belo vestido volumoso vermelho, com tiaras e sapatilhas de mesma cor. Sua pele pálida e cabelos dourados faziam uma combinação de cores belíssima. 

Eu realmente sou um ótimo irmão.

Falei para ela aproveitar a festa enquanto eu resolvia uns assuntos na sala do trono, e cá estou.

O barulho da chuva começou a me incomodar, antes que um relâmpago atingisse o lado de fora, eu estalo meus dedos.

Todos os nobres viraram-se para mim. Me levantei do trono e ordenei para que todos saíssem rapidamente. Pois eu conseguia sentir a presença de Alessa vindo do corredor, do outro lado da porta.

Já estava quase anoitecendo, e, para minha “irmãzinha”, eu não guardava nada ordinário.

— Zaltan!

— Alessa. Como é bom vê-la… — disse eu, encarando aquele rostinho radiante e cheio de alegria.

— Você disse que tinha uma surpresa para mim…

— É claro! Vem aqui comigo, vem.

Estendi minha mão para que ela pudesse pegar, e caminhamos para uma das portas atrás do trono, que dava para uma bela visão.

Mesmo com o clima nublado e a neblina abaixo do morro do palácio real, ainda era possível ver a capital do Reino de Arquoia em toda sua magnitude.

Apontava um dedo para cima, impedindo que as gotas de água nos tocassem e dispersando as poças do chão para que não escorregássemos.

— Me diga, pequena Alessa, o que acha de sua mãe?

— Eu… Eu não gostava dela… sempre fica longe de casa.

— Eu espero ter deixado você feliz com essa festa.

Cof! Cof! É… eu fiz um montão de amigos! Todos eles falaram que meu vestido é bonito.

“É claro que é… fui eu quem mandou fazer sob medida…”

— Mas, sempre que mamãe vem, ela fica comigo, me conta histórias pra dormir e brinca…

— Ai! Minha mão!

— Ah! Mil perdões pequena Alessa. Eu me perdi um pouco nas palavras…

Deixava o vento refrescante passar pela barreira de água, nós dois observamos todos os distritos da grande cidade, telhados alaranjados de cerâmica, luzes de tabernas e casas acesas.

Saber que sou um rei bem-sucedido sempre me deixou feliz, apresento uma nova geração para esses retrógrados. Construí escolas, fiz decretos que promoviam a paz…

Eu sempre desejo tudo de bom e de melhor para Arquoia, jamais quero me tornar alguém como Jasmyne, e é por isso, que devo tomar a decisão mais difícil de toda a minha vida.

Seguro as duas mãos de Alessa com as minhas. Deixando as gotas de chuva molharem.

Tudo sentia tão natural, não estava como irmão, e sim como um pai. E de fato não seria? Para milhões de pessoas, para essa pequena menina?

— O que você tá fazendo, Zaltan?
— Estava a fim de dançar. Nunca consegui fazer isso na sua idade...

Ela não sabia os passos, mas eu os estudei muito bem.

Esquerda. Direita. Floreio.

Como rei, sou eu quem guia.

Quem comanda.

Quem governa.

E quem toma as decisões.

Seus movimentos eram frouxos.

Frágeis.

Delicados — assim como seu corpo doente.

Dançamos na chuva por alguns minutos, talvez horas, não sabia dizer. O tempo parecia se diluir entre as gotas d’àgua e a respiração trêmula dela. 

Ao terminar a dança, ela me fez uma pergunta.

— O que você acha da mamãe?

Eu parei e arregalei meus olhos por um momento. Pela primeira vez em minha vida, me deparei com uma pergunta que não conseguia responder. Não por não saber a resposta — mas por que a verdade não a pertencia.

Estávamos em um espaço aberto na laje do palácio, que dava para observar a muralhas ao longe, tento respirar o ar mais uma vez, cheiro de chuva — como esperado.

— Eu respeito ela, me ensinou muito.

— Tipo o quê?

— Que não podemos viver sem largar mão de algumas coisas. — Segurei as pequenas mãos de Alessa novamente, começando a girar com ela em um círculo.

— Que não podemos evoluir como pessoas sem abandonar o passado.

Antes o rosto de Alessa estava feliz, agora, ela se mergulhava em um desespero quanto mais eu acelerava a rotação. Ela começou a levitar do chão. Olhava para mim, gritava e balançava as pernas.

— E principalmente… que todas essas lições não passam de baboseira.

Eu mantive o giro… Mais alto, mais rápido…

— ZALTAN!! PARA!!

— Obrigado… Alessa

Soltei.

O mundo silenciou. O tempo paralisou. 

Um relâmpago riscou o céu — iluminando pela última vez aquele vestido vermelho, rodopiando no abismo como uma flor despedaçada, deixando suas pétalas caírem ao doce e caloroso abraço da morte.

O som da queda… engolido pela chuva.

Fiquei ali, de braços abertos, sentindo o peso do vento e o gosto amargo do fim.

Correção…

Observava o vazio com olhos secos, desalmados como meus servos dizem serem.

A chuva persistia, mas o vento de repente mudou.

O cheiro metálico que impregnava o ar foi tomado pelo odor de livros velhos e de poeira. Das nuvens, uma pequena carta descia para mim.

Um único selo, familiar… Mas as condições para a chegada deste objeto já eram conhecidas.

— O Círculo…

Agarrei o envelope com minhas luvas molhadas, ao romper o selo, a carta tomava uma coloração e textura prateada. 

A mensagem flutuava, e um texto mágico surgia.

[Missão Especial de Grau Nacional]
[Objetivo: Eliminar Jasmyne Thuzaryn e a criança sem nome]
[Recompensa: Ascensão]

É tudo o que me forneceram, e é tudo o que eu precisava.

No verso da folha, outro texto era escrito em preto, em uma letra cursiva elegante:

“Zaltan de Arquoia. Seus pedidos foram ouvidos.”
“Seu poder foi reconhecido”
“Ao tomar uma decisão tão difícil, sua alma agora está pronta.”
Seja bem-vindo à Elite

Eu não podia fazer nada além de soltar um sorriso bobo. 

Talvez matar Alessa tenha sido uma decisão péssima.

Mas nada mais fazia sentido, e nem me importava.

Guardei a carta no interior de meu casaco

— Jasmyne… 

O próximo floreio será com você.

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