Kapakocha Brasileira

Autor(a): M. Zimmermann


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8: Convicção Esmagada

— Não importa contra quem vocês lutem. Eles estão com a bebê. Se o que a Jas me falou for verdade, eles serão alvos fáceis para receber a missão de extermínio d’O Círculo.

— Mas, pai — interrompeu Milene, confusa — Milene ainda quer saber quem é essa tal Jas…

— É uma velha amiga… — Heinrich massageou a testa — aqueles moleques desgraçados vão com certeza caçar ela. Por isso preciso que vocês duas vão até o navio para matá-los antes que ajam.

Heinrich estava sendo seguido por toda sua tripulação. Na sua cabeça, era a quantidade necessária para dar cabo de uma maga. Já Cálix… teria que ser uma decisão dolorosa.

Ele sabia que Cálix não era mal-intencionado, mas não poderia arriscar. Apesar de ser um Clérigo, aquele cartão danificado contava muitas histórias, muitos combates. Sua confiança aparentemente inabalável também contava muitas vitórias.

— E eu, papai? Acha que vou conseguir? — Seria a primeira de Mirele contra alguém formidável. Mesmo confiante, a garota estava incerta sobre a opinião de seu pai.

— Mirele… — Heinrich se abaixou e colocou a mão sobre seu ombro, com um rosto acolhedor de um pai. — Estou passando essa tarefa em igualdade. Não se diminua por algo assim… É claro que você vai conseguir.

A esperança da menina parecia ter sido restaurada. Após Heinrich fazer um carinho na cabeça de Mirele, ambas as irmãs olham confiantes uma para a outra, partindo em alta velocidade para o porto.

Heinrich se levantou, dirigindo-se à tripulação:

— Homens! As cartas já assustaram os civis. O barulho na cidade cessou e boa parte dos cidadãos estão em suas casas! — Ele pigarreou antes de continuar — A maga é o alvo de vocês. Se ela estiver com uma bebê de cabelos roxos, capturem ambas. Eu vou cuidar do caloteiro safado…

O capitão direcionou seus subordinados à praça de Fajilla, onde Talyra usou sua magia. A última localização conhecida deles.

 


 

Cálix e Talyra estranhavam as pessoas correndo para suas casas, algumas coletavam as cartas que caíam do céu, mas as largavam no chão e também iam embora. Eram incontáveis. Os jovens sabiam que toda essa situação cheirava a problema.

Uma das cartas caiu no rosto da bebê, ela começou a assoprar para tirá-la da cara. Cálix pegou o papel e o abriu. De mesmo modo, o papel brilhava em vermelho com as mesmas informações de extermínio.

— Espera… essa mulher não bate com a descrição da assassina do vilarejo que dona Vaia falou?

— Não chame ela de “dona”. Faz ela parecer velha… Mas é, você tem razão… — Cálix tentava ocultar o fato de ter visto Jasmyne mais cedo. De ter quase iniciado um confronto com ela, e, vendo agora… tinha certeza de que era uma luta que ele não venceria.

— Ela é uma xamã?! Thuzaryn?! — Talyra agarrou o pedaço de papel, começou a gaguejar e suar frio.

— O que isso quer dizer?

— Xamanismo é um dos misticismos mais poderosos existentes. Contato e manipulação com o outro lado e seus “afiliados…” — A maga analisou a foto de Jasmyne com mais calma. — Ela parece ter por volta de 40 e poucos anos, o que indica que ela está no terceiro estágio. Mas xamãs normalmente buscam ter filhos o quanto antes, meu palpite é que ela está no quarto…

Talyra continuou, dizendo que no quarto estágio, Xamãs atingem poderes similares aos de um semi-deus.

Ela sentiu a Aura de Cálix se alterar, ela vibrava, tomando formas mais agudas perto da cabeça. Como uma galinha se debatendo dentro de um saco. O semblante de Cálix passava a imagem de alguém que estava realmente confuso. Contudo, a leitura de Aura da maga era boa demais para deixar algo passar.

— Clérigo, está escondendo algo de mim?

“Agora não tem o que fazer mesmo né…” pensou ele, coçando a nuca.

— Eu me encontrei com ela mais cedo, antes do show começar… Não tinha muita certeza sobre a força, entretanto.

— Bom, ela já representa uma grande ameaça, você teve sorte de sair sem nenhum arranhão. Mas foi bem imprudente, já que você estava com a bebê…

A criança estava nos braços de Talyra, um pouco agitada pelo barulho das cartas caindo e o brilho da que eles pegaram, além do breve pânico generalizado dos camponeses de Fajilla.

Ainda indecisos sobre o que fazer com relação à missão, antes que pudessem deixar a carta ou assiná-la, Heinrich apareceu por uma das saídas da praça para a rua principal, junto de dezenas de homens armados com pistolas velhas e sabres enferrujados.

— Peguem a menina e a bebê! Cálix, você é meu!! — Heinrich berrou para ele, enfurecido ao ver a carta de missão aberta diante dos jovens.

— Cálix, vamos fugir! Eu consigo fazer plataformas para irmos até o navio…

— Não!

Talyra sentiu uma firmeza dramática na resposta e Aura de Cálix. Não sabia o que havia acontecido na conversa entre ele e Jasmyne, mas estava certo de uma coisa: o clérigo desejava acertar as contas agora…

— Talyra, vá para o barco com a bebê. Reúna-se com o espadachim e Vaia.

— T-Tá… — A maga segurou a bebê com mais força. Sacou sua varinha com a mão livre e correu em direção ao porto.

Sem que Heinrich precisasse ordenar, todos os marinheiros começavam a atirar e perseguí-la. Por sorte, a mira deles não era das melhores… Alguns disparos atingiram janelas de estabelecimentos e casas. Estressando ainda mais Heinrich, que não queria causar problemas para as outras pessoas.

— Não adestrou seus homens muito bem, né, capitão? — caçoou Cálix — E aí, vamos com aquela clássica briga de mão que fazíamos toda vez que você me cobrava?

Heinrich mantinha o rosto sério, mas havia algo nos olhos — um instante de silêncio, quase imperceptível, como se ele pensasse.

As provocações de Cálix não o divertiam. Talvez nunca tivessem divertido.

Por fim, sua mão pousou no cabo do sabre.

E então, sem mais palavra ou aviso, ele o sacou.

Recompensa de uma missão, o sabre negro de Heinrich era temido em todo o continente desde que ele se tornara capitão.

A lenda do general Cahrazan e sua lâmina sombria era apenas isso — uma lenda. Mas o sabre de Heinrich não.

O sabre negro, que nunca precisou de um segundo golpe.

O sabre negro, agora apontado para Cálix.

O sabre negro, que fez o sorriso sumir do rosto do jovem num piscar de olhos.

— Ok… droga…

Cálix virou-se e correu o mais rápido que pôde.

Confiança? Aquilo era loucura. Heinrich queria sua cabeça!

Não poderia esperar menos do capitão, que o alcançou como um foguete, já realizando um corte para sua garganta.

Cálix se agachou e, percebendo que jamais conseguiria correr do capitão, começou a jogar os itens das barracas em sua direção. Heinrich respondia com cortes limpos que ora colocavam os objetos em chamas, os congelavam, os explodiam. Se Cálix tivesse sorte seria desintegrado para uma morte rápida.

A agilidade do clérigo impressionava até mesmo Heinrich, ataques até então certeiros eram desviados por Cálix com uma certa facilidade. Não diminuindo de nenhuma forma o medo que sentia.

O jovem, agachado para desvio de um dos cortes do sabre, consegue devolver dois chutes rosto do capitão, atordoando-o e distraindo ele por um breve instante.

Cálix elevou sua mão para o alto e clamou por ajuda de seu deus, uma oração assustada na qual o jovem implorava:

— Me vê uma mãozinha…

Heinrich olhou para o céu, rangia os dentes de raiva.

— Clérigos malditos… É claro que seus deuses te ajudam em qualquer hora. — desviou o olhar da luz dourada para Cálix. — Mas deixa eu te falar uma coisa: você não vai matar Jasmyne…

Um estalo soou na mente de Cálix — tudo fazia sentido agora. Heinrich não estava apenas surtando… ele estava protegendo a mulher que Cálix viu na noite anterior. Talvez isso cause algumas complicações por conta de seu juramento, mas estava certo que Heinrich queria ele morto.

Um brilho santo e imáculo perfurou as nuvens rasas e dispersas do céu oceânico de Fajilla. Deram espaço para um pequeno objeto que descia para a mão estendida de Cálix.

Suas súplicas foram respondidas por seu misticismo, e agora, era hora de lutar pra valer.

— Meu plano nunca foi matá-la, capitão… — Da luz dourada, um objeto tomava forma. Um estilingue… — mas entenda que ela é uma assassina. Que ela interferiu na minha missão…

— Seu egoísta desgraçado…

Um sorriso provocativo tomou o semblante de Cálix. Heinrich nem percebeu quando uma bola de borracha, atirada pelo estilingue, atingiu suas costelas.

Aquele projétil tinha uma força surpreendente. E fazia sentido, afinal, era uma arma entregue diretamente por um deus.

Heinrich bateu contra uma das barracas de frutas da praça de Fajilla, destruindo-a completamente, deixou-o sujo com maçãs esmagadas

— Além do mais, ela não matou a bebê por um motivo, eu pretendo descobrir qual é.

Da poeira dos destroços, uma faca foi lançada em direção ao clérigo. Cálix intercepta o ataque chutando-a para o alto.

Ele pulou, agarrou a adaga e atirou-a de volta para a nuvem de fumaça.

Heinrich saiu da névoa, balançou o sabre contra a faca, defletindo o contra-ataque do jovem.

“Está vindo na minha direção…”

Cálix pulou na direção da faca, segurando-a. Ele caiu no chão, dando uma cambalhota para amortecer a queda.

Não teria como aquele menino magro segurar o ataque de um homem grande e em forma. Mas, Cálix parou o golpe de Heinrich pelas costas com a faca que pegou.

Os músculos dele flexionaram de uma maneira sobre-humana. O capitão sentia sua força sendo sobrepujada, nulificada.

A Aura dele se misturava em rosa com áureo, numa combinação marcante e jamais antes vista. Era como se a Aura inata de Cálix e o misticismo divino corressem pelo mesmo corpo, sincronizados em um único propósito.

Seus olhos dourados brilhavam com muita intensidade, era o máximo de misticismo que o capitão vira vindo daquele jovem. Era estonteante, para dizer o mínimo.

— Acha que pode me encarar só com uma faca?! — Após o choque entre as armas, suas mãos tremiam pelo impacto.

— Pessoas são capazes de fazer o impossível por amor… Está hesitando, capitão?

Heinrich não gostaria de admitir, mas sentiu que matar o jovem não era o certo a se fazer… Seria ele um assassino tão impiedoso quanto a mulher que defende?

— Não abaixe sua guarda! Heinrich!! — berrou Cálix, contente. Ao se virar, desferiu um corte na garganta do capitão. — Eu venci!

Tuc!

Porém, sua lâmina parou, forçava, mas não conseguia avançar. Mais uma vez… como Cálix poderia ser tão tolo… Heinrich lutava por amor, para proteger uma pessoa.

Os olhos do clérigo se arregalaram, ele tentou esfaqueá-lo mais uma vez, e outra vez… mas nada funcionava.

Sua Aura dourada se desmanchava e definhava, com o fim da sincronia entre misticismo e o praticante. Um espetáculo que se desfazia de forma inesperadamente acelerada.

O código místico de Cálix o impedia de agir, de novo. “Não matar quem luta por amor” era o que dizia.

O jovem pensava naquilo tudo como uma baboseira… Como poderia proteger a bebê se não conseguia matar uma simples pedra no seu caminho…

Quanto mais ele tentava cortar, mais forte era a repulsão. Ele bufou, forçou a adaga até que seu pulso quase se partisse.

Não tremia de medo, mas sim de frustração. Por seu ofício considerar os ossos resultantes como mau presságio.

— Maldição!! Você me deu um maldito estilingue para que eu não conseguisse o matar?! — disse o jovem, furioso

“Ele nunca vai entender… que a matança é necessária para manter o bem… para espalhar o amor…”

— Ele nunca vai entender! — Cálix tentou socar Heinrich no rosto. O homem nem tremeu.

Sangue brotou entre os dedos de Cálix, tentava socar o homem com cada vez mais força, mas aquela barreira invisível sempre o punia. Devolvendo a energia do soco na potência total.

Heinrich via o jovem com outros olhos agora, deixava a imagem de desleixado de lado. Ele era um lutador eficiente, mas suas próprias restrições o tornavam uma vítima. Uma compreensão exausta, por entender o objetivo do jovem.

Apesar de estar defendendo uma amiga, ele sabia dos crimes que Jasmyne cometera, mas… seria tão errado assim perdoá-la? Talvez por já a conhecer… Contudo, isso pendia a alma de Heinrich a concedê-la uma segunda chance, mesmo que ela não merecesse.

O capitão guardou seu sabre enquanto observava a ira de Cálix se desencadear de uma maneira vergonhosamente birrenta.

— Eu vou matar ela, mesmo que meu deus me abandone… — ele lacrimejava, até demais para a situação. Heinrich tinha uma leve sensação de que o clérigo não estava mais se referindo à Jasmyne.

Os dois recuperavam o fôlego depois do breve — mas intenso — confronto. Cálix parecia frustrado como nunca, já Heinrich, estava perdido. Coçou a nuca, olhou para o céu…

“Nunca, em todos os meus anos de capitão, vi pessoas tão esquisitas…”

Heinrich golpeou Cálix na nuca, apagando-o. Ele se pergunta onde estaria sua tripulação, não conseguia ouvir os diversos passos e tiros de seus homens.

Das janelas do centro, a população olhava horrorizada, alguns o conheciam, mas outros apenas viam um baderneiro causando confusão em sua cidade.

As pálpebras do capitão pesavam, um bocejo carregou em sua garganta.

— Magia… de sono?... Mas que por… 

 


 

— Aí, bebê, do que será que eles dois estavam falando? Por que o clérigo tava chorando?

A bebê continuou a olhar Talyra, olhinhos redondos e vermelhos como os de um coelho, mas uma cabecinha bem vazia…

— Eu pareço uma louca falando com você… — a maga soltou uma leve risada autodepreciativa — Hehe… eu gastei tempo demais com a magia de sono para a tripulação e para esses dois.

Talyra sentiu uma alteração drástica na Aura mística da ilha. No porto, um poderoso monstro havia despertado, e, de dentro dele, uma presença ainda mais maligna tentava escapar.

Não conseguia conter o ânimo, misturado com temor.

No fundo, tinha medo de comentar a respeito, talvez a ofendesse. Mas consegue se lembrar bem…

A Aura da moça era como se fosse algo oculto, mestiço, indecifrável. As características de Auras de monstros seguem sempre um padrão específico. Mas a de Vaia apresentava uma manifestação singular… magnífica.

Um artefato tão interessante quanto a presença sutil, mas única da bebê que segurava, ainda que não tivesse Aura.

“Não posso deixar que eles saiam do controle… vou levar esses dois de volta para o navio.” pensou a maga, antes de fazer ganchos telecinéticos para arrastar os dois homens ao porto.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora