Kaito Além do Horizonte Brasileira

Autor(a): Carlos Jesus


Volume 1

Capítulo 15: Sob a Luz dos Relâmpagos (7)

 

 

Consegui me erguer com muita dificuldade; a cabeça latejava enquanto a noite se enchia de relâmpagos que rasgavam toda aquela escuridão. Eles revelavam a densa floresta ao meu redor e suas formas mais grotescas, acompanhados por trovões ensurdecedores que ecoavam entre as árvores. O chão vibrava a cada estrondo, e a tensão no ar era palpável.

— Onde estou? — murmurei, tentando me situar, com a mente ainda enevoada pelo impacto da queda. Olhei ao meu redor e percebi que algumas horas já haviam se passado.

— Ufa! Ainda bem que não virei comida... Que situação aquele velho maldito me colocou!

— Mas isso tudo é minha culpa. Aceitei o desafio, então não tem volta...

Mas algo começava a tomar forma. A água subia rapidamente, já chegando aos meus joelhos. Sem tempo para reagir, fui pego de surpresa. Um vento furioso começou a uivar, acompanhado por trovoadas cada vez mais intensas. No meio da floresta, ouvi o som de árvores caindo, como se fossem arrancadas por uma força avassaladora.

— Eita! A água está ficando mais rápida, aumentando gradualmente sua força — disse ele, enquanto tentava assimilar a situação.

— Não pode ser! O que está acontecendo aqui? Que quantidade de água é essa? É como se fosse um grande tsunami!..

A enchente veio com uma força brutal, transformando o terreno em um rio furioso. Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, a correnteza me envolveu, arrastando-me para baixo. Era uma luta desesperadora.

— Eu preciso me segurar em algo! — gritei, enquanto tentava agarrar qualquer coisa, mas a escuridão tornava tudo mais difícil. Meu corpo ainda estava se recuperando do combate, e usar magia no meio da correnteza parecia impossível.

A água me puxava para baixo, e eu tentava voltar. Cada segundo era uma batalha pela sobrevivência. Eu estava à mercê da natureza, e o medo de ser completamente engolido pela correnteza era esmagador.

"Isso não pode acabar assim!" pensei para mim mesmo, tentando reunir as últimas forças para continuar lutando. Mas a água continuava a me arrastar mais fundo, levando-me para o abismo.

A correnteza me jogava de um lado para o outro, e meu corpo se chocava contra pedras e troncos que surgiam do nada. Cada golpe intensificava a dor, e a sensação de que havia algo nas águas que me instigava a cada instante se tornava mais vívida. Mas a força da água era implacável, e minhas mãos escorregavam em tudo o que eu tentava segurar, sem conseguir encontrar um ponto de apoio.

"Não posso desistir agora!" pensei, lutando para manter a cabeça fora d’água. O som ensurdecedor da enchente misturava-se ao rugido dos trovões, tornando impossível ouvir qualquer outra coisa. A noite era quase brutal, interrompida apenas pelos clarões dos relâmpagos, que revelavam brevemente o caos ao meu redor.

De repente, senti algo agarrar meu tornozelo. Meu coração disparou, e fiquei preso àquele momento. Atento, mergulhei para ver se não era uma criatura à espreita nas profundezas, enquanto aproveitava os clarões dos relâmpagos.

— O quê...? — ofeguei, surpreso. Era um cipó preso entre as pedras e as árvores, que havia se enroscado em minha perna. Com todas as minhas forças, agarrei-me ao cipó, tentando estabilizar meu corpo contra a correnteza. O cipó rangeu sob o peso do meu corpo, mas resistiu; fiquei ali pendurado.

Mas a luta estava longe de acabar. A correnteza continuava forte e a chuva não parava, e meus músculos estavam cansados, exaustos pelo esforço constante. A água subia cada vez mais, e o frio começava a penetrar meus ossos, tornando cada movimento doloroso e lento.

— Tenho que sair daqui... — murmurei entre dentes trincados. Sabia que não conseguiria me segurar por muito mais tempo. Olhei ao redor, buscando uma saída, qualquer coisa que pudesse me tirar daquela situação.

Foi quando, entre os clarões dos relâmpagos, vi um grande rochedo à frente, emergindo das águas turbulentas. Era minha única chance. Se conseguisse chegar até lá, poderia encontrar uma saída desse inferno.

— Preciso me soltar desse cipó e chegar até aquele rochedo. Vai ser a única opção que tenho disponível; não vou ter outro luxo — disse ele, atento, observando o rochedo e os relâmpagos enquanto a água subia cada vez mais.

Comecei a nadar em direção ao rochedo. A correnteza tentava me puxar para longe, mas eu reunia todas as minhas forças. Cada braçada era uma luta contra a água, o vento e o medo crescente de ser arrastado de volta.

Consegui chegar, e minhas mãos tocaram a pedra fria e escorregadia. Usei o pouco que restava de minha força para subir no rochedo e rapidamente conseguir ficar em cima dele.

Deitei-me ali, exausto, enquanto a água continuava a rugir ao meu redor. A tempestade ainda não havia terminado, mas pelo menos, por enquanto, eu estava a salvo. Olhei para os relâmpagos ainda iluminando o horizonte.

A correnteza levava o rochedo com sua força, e eu ficava ali deitado, sem saber onde iria parar. Mas só sabia que tudo era melhor do que ficar dentro das águas turbulentas.

— Eu sobrevivi... — sussurrei, com a voz fraca, mas cheia de esperança. O desafio ainda não havia terminado, mas, naquele momento, a simples sobrevivência já era uma vitória. E eu sabia que, enquanto tivesse forças, continuaria lutando. Porque desistir nunca foi uma opção, não para mim.

Depois de algumas horas, finalmente o rochedo chegou a uma área mais rasa do rio. Já não havia correnteza; só continuavam os relâmpagos, os trovões e muita chuva.

— Parecia que esse percurso não tinha fim.

— Espere um minuto... Como pode uma rocha dessa flutuar suavemente na água? Isso parece impossível! — observei, os olhos arregalados em incredulidade. A rocha, aparentemente comum à primeira vista, estava se comportando de maneira estranha.

A rocha era incomum, não só pela sua habilidade em flutuar, mas também pela aura mágica que emanava dela. Enquanto a água se movia ao redor, o pequeno pedaço de pedra mantinha uma posição estável, desafiando todas as leis naturais conhecidas.

— Esta não é uma rocha qualquer — murmurei para mim mesmo, estudando-a com mais atenção. — Ela possui propriedades mágicas que a tornam capaz de flutuar.

A magia parecia pulsar de dentro da rocha, uma força invisível que a sustentava sobre a superfície da água. Era algo raro e intrigante, algo que não deveria existir no mundo comum, pelo menos era o que eu achava.

Decidi que precisava de um pedaço dessa rocha mágica. Com cuidado, retirei um fragmento da pedra flutuante, observando o brilho sutil que emanava do interior da rocha. O peso leve e a sensação etérea do pedaço me confirmaram que não era um objeto ordinário.

— Vou guardar isso comigo — declarei, colocando o fragmento em um compartimento seguro. — Quem sabe que outros segredos essa rocha pode revelar?

Com o pedaço de rocha mágica guardado, não podia ficar ali, pois não queria ser pego novamente por outra correnteza. Continuei minha jornada, com a mente cheia de perguntas sobre os perigos que ainda estavam por vir.

— Então é isso. Lá vamos nós, entrar de novo nesse maldito Vale de Thuda. Ele parece testar as pessoas ao extremo; estou sentindo isso desde a primeira vez que pisei nele.

— Mas, parando pra pensar, isso tá me moldando cada vez mais...

A sensação de perigo iminente era como um peso nos meus ombros, aumentando a tensão a cada passo. As árvores pareciam se fechar, com os galhos entrelaçados bloqueando a pouca luz que a tempestade permitia passar. A chuva batia contra meu rosto, misturando-se com o cansaço que sempre tentava me dominar.

O silêncio da floresta era apenas interrompido pelo som da chuva e dos trovões distantes; era sufocante. A cada passo na lama, eu sentia como se estivesse sendo observado, como se olhos invisíveis seguissem cada movimento meu.

"Preciso sair dessa lama..." pensei, sentindo o nervosismo crescer. Sabia que continuar naquele lugar por muito tempo poderia ser perigoso. A floresta, que já era ameaçadora, parecia ainda mais hostil sob a tempestade e o solo lamacento.

De repente, algo se moveu no canto da minha visão. Parei bruscamente, com o coração disparando, e virei a cabeça para tentar identificar o que era. Mas tudo o que vi foram sombras dançando entre as árvores, distorcidas pela chuva e pela escuridão. Apertei o punho da minha espada, preparado para qualquer coisa que pudesse surgir do negrume.

— Estou ficando paranoico...— sussurrei, os olhos percorrendo o ambiente ao meu redor, tentando captar qualquer sinal de perigo. 

Após algum tempo, a chuva começou a enfraquecer, mas a sensação de perigo não diminuiu. Foi então que, à minha frente, avistei uma pequena área, um terreno mais elevado e livre da lama que dificultava minha respiração. Ali, talvez eu pudesse descansar um pouco, recuperar minhas forças e avaliar minha situação.

Com passos lentos e cuidadosos, aproximei-me do local, mas o desconforto em meu peito só aumentava. O ambiente parecia suspeito demais, como se algo tivesse afastado toda a vida que ali poderia existir. O ar estava pesado, como se algo estivesse me esmagando de todos os lados possíveis.

— Tem algo errado aí... — sussurrei para mim mesmo, sentindo um arrepio percorrer minha espinha. Mas, antes que pudesse reagir, o chão sob meus pés começou a ceder, como se algo estivesse escavando por baixo da terra.

— Merda! — gritei, tentando pular para trás, mas já era tarde demais. O chão sob meus pés cedeu abruptamente, e eu fui lançado para baixo. A queda foi vertiginosa e incontrolável; antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, colidi violentamente com o fundo do buraco. Uma dor aguda e penetrante irrompeu em ondas intensas, invadindo cada fibra do meu corpo.

Quando finalmente consegui abrir os olhos, o relâmpago que iluminou o buraco revelou a cena aterrorizante: o chão estava coberto por uma camada espessa de ossos fragmentados, restos de criaturas que haviam caído ali antes de mim. O brilho intermitente dos raios lançava sombras sinistras, criando um cenário de pesadelo à minha volta.

— Que maldição é essa? Não há apenas ossos de criaturas; vejo também algumas ferramentas e ossos humanos. É possível que muitos exploradores tenham tido destinos trágicos ao cair nesse buraco — disse ele, apavorado com a vista ao seu redor.

O som de algo se movendo na escuridão ecoou ao meu redor. Eu sabia que não estava sozinho ali. Enquanto tentava me erguer, minhas mãos tatearam o chão frio e úmido, encontrando algo inesperado. Era uma superfície metálica, fria e escorregadia, que se movia lentamente sob o toque dos meus dedos.

— O que é isso? — murmurei para mim mesmo, a respiração acelerada. A sensação de algo vivo e metálico tocando minhas mãos fez um arrepio percorrer minha espinha.

— O quê? Essa coisa se mexeu rápido após eu tocar. Não dá pra ver direito; a visão aqui é limitada, mesmo com os relâmpagos lá fora. Que droga!

Tentei me mover com cautela, ciente de que qualquer som ou movimento poderia atrair a atenção do que quer que estivesse escondido na escuridão. 

"Não pode ser..." 
"Não pode ser..." 
"Não pode ser..." 

Olhei ao redor, tentando encontrar uma maneira de subir, mas o buraco era profundo e as paredes, feitas de pedras e terra, estavam molhadas e escorregadias. O som metálico se aproximava cada vez mais, e o pavor começava a tomar conta de mim.

"Que saco! Esse buraco parece mais uma caverna subterrânea, e a única saída é por onde eu entrei. Não estou afim de me aprofundar ainda mais nesse lugar..."

Meus dedos se fecharam ao redor da espada, a única arma que eu tinha para me defender. O que quer que estivesse na escuridão sabia que eu estava ali e não me deixaria sair facilmente. Tentei respirar fundo, lutando para controlar o pânico que ameaçava me dominar.

"Preciso manter a calma e pensar em uma maneira de sair daqui antes que seja tarde demais..."

O som se intensificou ainda mais, e agora eu podia ouvir algo a mais: uma respiração pesada, quase animalesca, como se a criatura estivesse captando meu cheiro e se preparando para atacar. Minhas mãos suavam, dificultando o aperto na espada, mas eu não podia demonstrar fraqueza. Qualquer sinal de medo poderia ser a minha ruína.

"Eu... eu não vou morrer aqui. Não tenho muitas opções. Preciso enfrentar o que quer que seja, ou acabar sendo devorado..."

"Pior que lá em cima eu pelo menos poderia correr, me esconder, tipo em um buraco. Mas estou no buraco, hahaha, então não vai rolar..."

Em instantes, um brilho tênue surgiu, refletindo na lâmina da minha espada. Era como um par de olhos, frios e calculistas, me observando das sombras. O ar ao meu redor parecia ainda mais denso, como se a própria presença estivesse tentando me sufocar cada vez mais.

Naquele momento, eu estava sendo observado, sendo analisado. Eu era a presa, e o caçador estava à espreita, tentando achar uma forma de me pegar. Pelo menos, era essa a sensação que estava no ar.

— Quem está aí? — gritei, tentando fazer minha voz soar firme, mas o medo fazia meu tom vacilar. Não houve resposta, apenas o som de garras arranhando o chão de pedras, e o som se aproximava lentamente.

Então, sem aviso, a criatura avançou. Era rápida, mais do que eu poderia imaginar, e tudo que vi foi um borrão de escuridão vindo em minha direção. Instintivamente, levantei a espada, preparando-me para o impacto.

"Poxa! Essa falta de iluminação tá me atrapalhando muito. Não posso usar outras magias; vai ter que ser no instinto mesmo......"

O choque foi brutal. O impacto me jogou contra a parede do buraco. Senti minhas costas arderem de dor, mas não soltei a espada. Após o impacto, recobrei a postura. Em meio ao caos, consegui desferir um golpe, sentindo a lâmina cortar algo sólido. Um grito gutural reverberou pelo buraco, seguido por um estalo metálico.

Mas a criatura não recuou. Pelo contrário, o ataque a deixou ainda mais feroz. Em meio à escuridão, vi garras afiadas cintilando, e mal tive tempo de desviar antes que uma delas acertasse meu ombro. A dor foi lancinante, mas eu sabia que não podia parar.

— Não vai conseguir me pegar! — gritei, usando toda a minha força para empurrar a criatura para longe. Consegui abrir um espaço mínimo, apenas o suficiente para me reposicionar, e aproveitei o momento para desferir outro golpe, mirando diretamente nos olhos brilhantes que me observavam.

A lâmina encontrou meu alvo, e o grito que se seguiu foi ensurdecedor. A criatura se contorceu de dor, recuando. Sabia que tinha conseguido ganhar algum tempo, mas não podia ficar ali para ver se ela voltaria. Precisava sair daquele buraco antes que fosse tarde demais.

"Toma, sua maldita! Dá pra perceber sua angústia. Ela é astuta, tá usando a falta de iluminação para me atacar..."

"Essa é a brecha pra começar a escalar esse buraco. Tenho que ser ágil antes dela voltar..." pensou ele, enquanto começava a cravar a faca na parede e subir.

Com muito esforço, comecei a escalar as paredes escorregadias, usando a dor como motivação para continuar subindo. Cada movimento era um desafio, mas a vontade de sobreviver era mais forte. As garras da criatura arranhavam o chão abaixo de mim, e eu sabia que ela estava tentando me alcançar. No entanto, eu não iria parar tão cedo.

 


 



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