Volume 4

Prólogo

——Ano 2XXX, Hospital Kasukabe. Quarto 708.

A última vez que ela falou com o pai foi no Outono, quando tinha 11 anos. Ela podia ver o céu azul-índigo e o mar de seu quarto particular no hospital. Seu pai, que estava perdido havia anos em seus muitos anos de viagem— Kasukabe Koumei, havia subitamente surgido diante dela, trazendo um vasto número de histórias para ela, como se as mesmas fossem souvenires.

— …Um animal com bico de águia e corpo de leão?

— Sim. É o que chamamos de Grifo. Eles são corajosos, fortes e também extremamente orgulhosos. Eles são os reis dos céus e da terra, afinal. Com suas enormes asas e membros poderosos, que eles utilizam para cruzar o céu, são certamente as criaturas mais majestosas que existem.

Seu pai falou em voz baixa, de memória, enquanto olhava para o céu azul-índigo com um olhar distante. Surpreendentemente, ele fez uma visita vestindo um terno formal. O pai de quem ela se lembrava estava sempre usando roupas esfarrapadas, mas aquela era uma visão bastante refrescante. Bem alto, mas uma pessoa de estatura adequada, seu pai contou suas histórias de maneira calma, enquanto ficava sentado com uma postura ereta ao lado de sua cama. Insatisfeita por não ser capaz de compartilhar essas memórias com o pai de que tanto se orgulhava, ela balançou as pernas para frente e para trás devido ao mau-humor, enquanto murmurava ansiosamente,

— …Eu também quero encontrar um Grifo!

— O quê?

— Eu quero fazer amizade com um Grifo, e ter a chance de voar nas costas dele… Eu quero sair e ver o mundo como você fez, pai.

As palavras que saíram da boca dela tinham um tom tão forte que até o surpreendeu. No entanto, era um desejo vão. Mesmo tendo nascida em uma era que se dizia ilimitada para a humanidade, ela foi diagnosticada com uma doença terminal e deixada naquele hospital. Embora soubesse que estava sendo egoísta, ela não podia deixar de revelar seus sentimentos. Mesmo que ela fosse com o pai, suas pernas, que mal podiam se sustentar por si mesmas, certamente acabariam atrapalhando seu pai também. Para ela, que estava presa dentro um quarto de hospital completamente branco, o mundo exterior do qual seu pai falava era… um lugar cheio de perfumes e cores vivas, era como um paraíso para ela. Entretanto, seu pai, que não mostrava quaisquer sinais de perturbação diante de seu egoísmo, estreitou seus olhos com gentileza e falou baixinho,

— …Entendo. Então isso realmente deve ser obra do destino.

— Eh?

— You, eu vou confiar isso a você. É algo que você irá precisar mais que qualquer outra coisa neste momento.

Após dizer isso, seu pai tirou um pingente, que até então estava escondido pela camisa, e o colocou ao redor do pescoço dela. Na ponta do pingente havia uma peça esculpida em madeira, a qual ele colocou em suas mãos e disse,

— Se você tiver esse pingente com a inscrição da árvore genoma, ele deve se mostrar útil quando você encontrar um Grifo.

— …Esse pingente?

— Se você tiver esse pingente, qualquer animal vai… humm—

Seu pai parou no meio da frase e olhou na direção do Gato Cálico, que estava aproveitando a luz do sol em um cesto próximo a janela. Enquanto o gato bocejava com um grande “Nyaa”, seu pai casualmente o pegou e o atirou na direção de You.

— Fugyaaa!?

— O… o quê!

O Gato Cálico soltou um grito devido ao ato repentino, mas conseguiu aterrissar em segurança. Ela caiu para trás após receber esse ataque corporal em pleno peito e bateu a parte de trás da cabeça. Inconscientemente, ela estufou as bochechas para o pai e estava prestes a protestar—

— Mes-mestre! O que foi isso assim do nada!?

— Eu joguei você.

— Mas é óbvio que eu não estava perguntando isso, seu idiota!! Quero saber por que foi que você me jogou!!?

— Para marcar você.

— É mesmo? Cale essa droga de boca, seu idiotaaaaa!!!

O Gato Cálico sibilou com raiva e seu pelo se eriçou. Um olhar fingindo ignorância apareceu no rosto de seu pai. Enquanto ela segurava a madeira esculpida em seu pingente, sua boca ficou aberta enquanto ela ouvia a conversa entre os dois.

— …Cálico?

— Yo, o que você deseja, Ojou?

— …Você sabia falar a língua humana?

— Hum?… Oooh!!? Agora você também pode falar comigo!?

Surpreso, o Gato Cálico respondeu em dialeto de Kansai. Ouvir o Gato Cálico falar pela primeira vez a deixou confusa, mas quando seus olhos e braços começaram a tremer, ela abraçou o gato com todas as suas forças.

— Incrível! Estou falando com você, Cálico!

— Sim. Este é o poder do pingente que foi dado a você. Se o mantiver por perto, você será capaz de falar com todo tipo de animal… mas essa não é a única coisa que isso pode fazer.

Seu pai estendeu as mãos, levantando-a da cama e colocando seus pés no chão. Ali, ela ficou chocada pela segunda vez. Suas pernas, que até então não eram capazes de suportar seu próprio peso— tão fracas quanto eram, estavam agora suportando seu corpo.

— …Você está brincando comigo…!?

— Não estou. Se você possuir esse pingente e entrar em contato com todo tipo de animal, seu corpo ficará muito mais forte do que é agora. Você não apenas poderá sair deste hospital, mas também poderá ir à escola ou sair pela cidade por conta própria, sem problemas.

Dizendo isso, seu pai a soltou. Ela não foi capaz de suportar muito mais tempo e logo caiu de volta na cama.

— …Se eu for amiga de mais animais, vou poder andar mais?

— Sim.

— Posso ser amiga de um Grifo também?

— …Bom, eu me pergunto quanto a isso. Se você poderá ou não se tornar amiga de um Grifo depende apenas de você. E se você encontrar um, não se aproxime dele sem uma determinação clara. Eles são altamente espirituosos e orgulhosos. E se mesmo assim você estiver determinada a fazer amizade com um e se colocar em pé de igualdade, deve dar tudo de si… mesmo que isso signifique sua vida.

Seu pai hesitou e a encarou bruscamente. Mesmo que fossem apenas palavras de aviso, elas tinham um grande peso.

— Pai, você colocou sua vida em risco para fazer amizade com um Grifo?

— Humm? Bo-bom… acho que não posso negar isso. No meu caso, no entanto, foi mais uma luta até a morte do que um duelo amistoso… Não, parando para pensar nisso, eu fiz algo bem idiota. A ponto de chegar a enfrentar o Draco Greif com minhas próprias mãos eu devia estar muito bêbado, ou talvez apenas tenha sido muito precipitado…

— ?

A voz de seu pai foi se transformando em um sussurro enquanto ele falava. Sua voz, que já era baixa, tornou-se ainda mais difícil de ouvir. Ela sabia que isso era um hábito de seu pai quando estava escondendo algo inconvenientemente, mas mesmo assim deixou passar.

— De todo modo, cuide bem dos seus amigos. Quando você viver no mundo lá fora, eles serão seu tesouro mais precioso.

— …Foi o mesmo para você, pai?

— Sim. Se eles não estivessem lá por mim… eu provavelmente não estaria aqui hoje.

Seus distantes olhos encaravam o sol poente. Olhando para aqueles olhos, ela pensou consigo mesma. Se, no futuro, ela fizesse amigos, eles seriam mais importantes para ela do que qualquer outra coisa.

— Está começando a escurecer. Eu devo ir em breve.

— …Entendo. Nesse caso, eu te acompanho até a entrada.

Ela finalmente se tornou capaz de andar. O mínimo que ela podia fazer era levar o pai até a entrada do hospital, então ela se levantou sem muita firmeza, mas seu pai pareceu um pouco perturbado e a deteve, de modo que ela acabou desistindo. Seu pai desajeitadamente bagunçou seus cabelos e, então, estreitou seus olhos pacíficos.

— A próxima vez será daqui a dois anos. Eu irei buscá-la em uma noite de lua cheia.

— …Eh?

— Com esse pingente, seu corpo ficará muito mais forte do que é agora. Então, eu prometo a você. Na próxima vez, eu definitivamente viajarei com você.

Seu pai fez a ela esta promessa com um tom enfraquecido em sua voz, e saiu— Ela estava sozinha no quarto de hospital, completamente em silêncio. Ela pensou sobre a promessa do pai inúmeras vezes enquanto segurava gentilmente o seu pingente.

Com esse dia em mente, ela passou seus dias trabalhando para cumprir sua promessa. Começando com o Gato Cálico, ela formou vínculo com vários animais, acumulando encontro após encontro para se fortalecer. Seu corpo, que até então não era nem mesmo capaz de andar, se tornou capaz de correr em menos de um ano. Para ela, que tinha passado metade de sua vida em um quarto de hospital, fazer amizade com animais era refrescante e divertido. Ao contrário, era muito mais difícil brincar com outras pessoas de sua idade. As pessoas ao seu redor e as outras garotas da sua idade não acreditavam em sua história, e quando ridicularizavam seu pai e as histórias dele sobre os Grifos, houve momentos em que ela chorou de frustração. A partir de então, ela passou a fazer contato apenas com animais. Mesmo se fizesse amigos humanos, ela teria que se despedir deles em apenas dois anos. Sendo assim, seria melhor não fazer amigos humanos desde o começo. Assim, ela ergueu um muro para se proteger das pessoas ao seu redor.

Ao longo dos meses, ela se distanciou da sociedade e, finalmente, afastou-se de seus parentes, passando a viver rodeada por nada além de animais. Apesar disso, ela não se importava. “Na próxima vez, eu definitivamente viajarei com você”. Só de pensar nessa promessa, seu coração se enchia de calor.

——Passando os meses seguintes dessa forma, logo dois anos se passaram e ela cumprimentou o dia prometido. A brisa da noite soprou com força enquanto ela ficava no centro do jardim, abraçando o Gato Cálico e secando as grandes lágrimas que desciam por seu rosto. “Eu irei buscá-la em uma noite de lua cheia”. Aquela deveria ser uma noite de lua cheia. Mesmo que apenas para essa noite prometida, tinha que ser lua cheia. Passando a décima quinta noite, o céu estrelado que deveria receber uma lua cheia— estava um pouco nublado, e a lua da décima sexta noite estaria sorrindo. A promessa não pôde ser mantida.

…Seu pai nunca voltou para buscá-la.

 



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