Volume 1
Capítulo 7: O distrito evacuado: Parte I
O distrito evacuado estava deserto e silencioso. A poeira levantada pelo vento girava ao redor de sinais de abandono. Pedaços de tecidos balançavam em varais esquecidos, enquanto pequenos destroços, que antes eram parte das vidas das famílias locais, agora estavam espalhados pelas ruas vazias. A sensação de algo inacabado pairava no ar, como se a qualquer momento o caos pudesse recomeçar.
Três silhuetas se moviam ágeis pelos telhados.
À frente, uma figura de pele azul com listras metálicas laranja liderava o grupo. Cabelos brancos com pontas de cor semelhante às suas listras caíam sobre suas orelhas de raposa, que se mexiam ao menor som. Ele vestia apenas uma calça, seu corpo atlético e marcado estava exposto à brisa noturna. Apesar da missão, um sorriso despreocupado pairava em seus lábios.
— Acham que vamos encontrar esse tal arauto druida primeiro? — perguntou, antes de olhar ao redor com leveza.
— Se dermos sorte, sim. — disse o jovem rapaz ao lado, seu peitoral de aço refletia a pálida luz das luas. Ele segurava com firmeza sua espada de lâmina dupla, enquanto os seus olhos azuis exploravam o ambiente com uma calma quase gélida.
A terceira integrante do grupo, uma jovem de cabelos negros e olhos castanhos, usava um manto amarelo e preto. Seus movimentos precisos exalavam autoridade, e uma concentração intensa dominava seu semblante.
— Precisamos ser cautelosos. Um druida com esse nível de poder não vai ser simples de lidar. — disse ela, a voz serena.
— Não precisa ser tão drástica, Sybel. — O jovem de pele azul sorriu, seus olhos brincavam com um toque de desafio. — Já pensou? Se fizermos isso direito, posso acabar na Grande Academia de Campeões Letnicianos.
O jovem de armadura lançou lhe um olhar, mantendo a postura firme. — Impossível. — Ele balançou a cabeça levemente. — Você, um semi-humano sem linhagem, na Academia de Campeões?
— Vai saber, Yodama. — O sorriso de canto que surgiu nos lábios do rapaz combinava com o brilho de provocação em seu olhar. Ele piscou para a mulher. — Já pensou se eles deixam essa preciosidade azul e laranja escapar para os Neo Adhunas?
Yodama soltou uma risada baixa, seus lábios quase imperceptíveis se curvaram antes de retomarem a seriedade. — Continue fazendo essas piadas e talvez algum superior te ouça. — Ele lançou um olhar ao horizonte. — Este ataque custou vidas demais. Não estamos aqui para brincar.
— Certo, certo. — disse o rapaz, entre um suspiro, depois de rolar os olhos com um exagero teatral. — Mas alguém precisa manter o ânimo, certo? Missão perigosa, mais divertido.
— Só espero que essa "diversão" não nos custe caro também. — disse Sybel, enquanto seus olhos afiados pousavam rapidamente sobre o semi-humano antes de voltar a varrer os arredores.
Eles avançaram pelos telhados com precisão. O rapaz, sempre à frente, se movia com toda a sua agilidade felina, enquanto os outros dois mantinham uma postura mais reservada, atentos a cada som.
O silêncio se estendeu até que o guerreiro quebrou a pausa.
— Falando de origens, Fenik... você nunca contou como foi parar aqui.
A pergunta veio sem rodeios, mas com uma curiosidade contida.
Fenik sorriu, um brilho travesso nos olhos.
— Ah, isso?
Ele parou por um instante, suas orelhas alertas, e olhou para trás. — Fui sugado por um portal.
— Portal, é? — Sybel o fitou por um momento, um sorriso de leve se formou em seus lábios. — Deve ter sido duro pra você.
— É... — O sorriso dele alargou-se, e ele riu baixinho. — O maior problema de todos foi tenta arrumar um encontro.
Ele se agachou, e examinou com cuidado algumas pegadas sobre na laje de pedra, os olhos estreitados.
— Sempre quis ser um guerreiro, Yodama? — Fenik perguntou de repente, sem desviar o olhar daquele suposto rastro.
— Desde sempre. — disse Yodama, a voz carregada de uma firmeza tranquila. — Sou o único humano numa família de descendentes dos féericos. Era difícil... saber que todos eles vão viver por séculos enquanto eu... não.
Fenik balançou a cabeça levemente, enquanto seus movimentos diminuíam. — Deve ter sido complicado.
— E você, Sybel? Como virou conjuradora divina? — Ele se virou para a jovem, quando mudou de assunto com leveza.
Ela deu um leve sorriso. — Era um caminho óbvio. Você sabe, né? Conjuradores divinos já nascem com o dom — disse ela, também focando sua atenção às pegadas. — Meus pais tinham recursos, então a Academia foi o próximo passo natural.
Fenik se levantou de um salto, seu sorriso reaparecendo. — E aqui estamos, três estudantes Letnicianos, caçando um arauto druida superpoderoso no meio de um distrito abandonado na maior cidade do mundo. Quem diria, hein?
— Foco, Fenik — disse Sybel com um toque de ironia. — Isso não é treinamento.
Fenik riu, mas sua expressão logo se tornou pensativa. Ele olhou para os arredores antes de falar.
— Será que os outros já encontraram o druida e não deram sinal? — Suas orelhas tremeram ligeiramente. — Querem a glória só pra eles?
— Você andou bebendo? — Sybel arqueou uma sobrancelha.
Yodama permaneceu sereno, seu rosto inabalável. — Se tivessem encontrado, dariam o sinal. Ninguém seria tolo de fazer isso sozinho.
— Exato. — disse Sybel, enquanto ainda observava Fenik. — Mas, se formos nós a encontrá-lo... damos o sinal imediatamente ou testamos a força dele primeiro?
A pergunta pairou no ar, enquanto mergulhava o grupo em um breve silêncio. Sybel, em contraste, apertou os lábios, os olhos fixos no caminho à frente. Enquanto isso, Yodama apenas ajustou a empunhadura da espada, os dedos firmes no cabo, enquanto seus olhares passavam de um para o outro, atento às reações.
— Se o encontrarmos — Yodama quebrou o silêncio com uma voz firme — a segurança vem primeiro. Damos o sinal e aguardamos reforços. Não é hora para ambições pessoais.
— Concordo. — Sybel assentiu, seu olhar sério e direto. — Mas, claro, se tivermos a chance de estudar a força dele, isso pode nos dar uma vantagem.
Fenik sorriu de canto, seus olhos ainda brilhavam com um toque de desafio. Ele balançou levemente os ombros, despreocupado. — Então, estamos todos de acordo. Mas, honestamente, eu gostaria de ver do que ele é capaz.
Yodama balançou a cabeça, um sorriso leve surgiu em seus lábios. — Só tome cuidado para que essa sua curiosidade não acabe nos matando, Fenik.
— Relaxa, vou me comportar... um pouco. — Fenik deu uma risada abafada, os olhos já se dispersando para o horizonte à frente, como se caçasse algo no vento.
Eles seguiram pelos telhados, seus passos cada vez mais mesclados ao silêncio da noite. Fenik ia dizer algo, mas parou abruptamente. Seus olhos estreitaram-se, fixos em uma direção distante. Ele levantou a mão, os dedos crispados, o corpo tenso como o de um predador prestes a atacar.
— Yodama, Sybel... ali! — Ele apontou para uma silhueta no topo de um prédio. O ar ao redor parecia mais denso conforme sua concentração aumentava.
Yodama inclinou o corpo à frente, os olhos semicerrados, seus olhos humanos tentavam discernir detalhes da figura à distância. A silhueta continuava difusa naquela penumbra, imóvel.
— Será que é o que estamos procurando? — murmurou, a voz baixa, sem tirar os olhos do ponto.
Sybel olhou de soslaio para Yodama e depois para a figura. Sua postura ficou mais rígida, as mãos levemente tensas. — Devemos lançar o sinal?
Fenik sacudiu a cabeça, enquanto um sorriso brincou em seus lábios. — Calma. Pode ser só um civil ou... mais um daqueles portais de hoje cedo. — Vamos até lá conferir!
Eles começaram a se mover, saltavam de telhado em telhado. Fenik estava à frente, ágil e rápido, mas ao tocar o próximo prédio, ele escorregou levemente, tendo que se equilibrar.
— Merda! — Fenik esbravejou, enquanto seus olhos se estreitavam ao olhar para a distância que ainda separava os três da silhueta. — Isso vai levar uma eternidade desse jeito.
Ele acelerou o ritmo, seus pés felinos mal tocavam os telhados enquanto olhava de relance para Sybel e Yodama, que tentavam acompanhá-lo, mas claramente a distância estava os atrasando.
— Se tivéssemos magia de suporte, isso seria muito mais fácil — resmungou, depois de apertar o passo, a frustração cada vez mais crescente. — Isso é tudo culpa daquele Rogard.
— Culpa do Rogard? — Yodama, mantinha o olhar a frente enquanto empregava todo o seu esforço para acompanhar o jovem raposa.
— Sim, culpa dele! — disse Fenik enfático.
Sybel ergueu as sobrancelhas e virou o rosto, tentando esconder um leve rubor. — Rogard não tem culpa nada. Ele só tomou a decisão mais estratégica, Fenik! — retrucou ela, com uma rigidez que beirava a defesa pessoal.
— Estratégia, é? — Fenik soltou uma risada amarga, agora ele acelerava ainda mais os saltos entre os telhados. — Só se parte dela for comer a Camilina depois da missão.
Sybel o encarou, seu rosto vermelho, enquanto a tensão em sua mandíbula era visível. — Não seja ridículo, Fenik!
— E você acha que foi por outro motivo? — Ele deu de ombros, mas o sorriso provocador continuava. — Todo mundo viu. Ele montou pra ele a melhor formação, quase uma equipe letniciana completa, enquanto nós três ficamos sobrando.
Yodama, que até então permanecia em silêncio, falou com um tom mais frio: — A separação realmente foi estranha. Ele ficou com o Ian, um conjurador divino, e com a Camilina, uma conjuradora arcana. Enquanto nós... bem, sendo honesto, somos dois combatentes que poderiam ofuscar seus méritos. Concordo que algo não parece certo.
Enquanto a discussão continuava, Fenik retirou uma pequena poção do bolso e, sem hesitar, bebeu tudo de uma vez. Um brilho mágico envolveu sua pele azulada, depois de realçar as listras laranjas que cintilavam sob a luz das luas.
— Fenik, o que está fazendo? — Yodama apertou os punhos, a tensão visível em sua postura.
— Vou dar uma olhada mais de perto — respondeu Fenik, com um sorriso travesso. — Espero por vocês lá.
— Droga, Fenik! — Sybel gritou, enquanto ele aumentava ainda mais a distância da dupla. — Seu trapaceiro!
Fenik avançou antes que alguém pudesse reagir. Cruzou uma rua larga em um salto poderoso. O ar frio cortou seu rosto, mas ele pousou sem esforço, seus pés mal tocaram o chão antes de dar outro salto, direto para o próximo telhado. Ele olhou de relance para trás, vendo Sybel e Yodama cada vez mais distantes. O sorriso em seu rosto apenas cresceu enquanto cruzava a praça adiante.
Com um último impulso, Fenik alcançou, em um único salto, o topo de um prédio de três andares. Ele pousou suavemente, agachado, enquanto olhou para a figura encapuzada à frente. O vento balançava o capuz do homem. Olhos sombrios o encararam de imediato.
— Finalmente... — murmurou Fenik, com um sorriso presunçoso. — Achei minha promoção.
O druida não se virou por completo, mas sua voz grave cortou o ar. — Vá embora, garoto. Não é tarde demais pra evitar o que aconteceu com os outros.
Fenik estreitou os olhos. Seus sentidos se aguçaram enquanto o druida sacou duas adagas de osso.
— Então eles tentaram mesmo passar a perna na gente, hein? Que bando de covardes... — Fenik disse, o tom sarcástico.
Lá embaixo, Yodama e Sybel ainda estavam longe. Fenik diante da tensão crescente, sorriu.
— Agora fiquei curioso. Quero ver do que você é capaz.
Ele deu um passo à frente, as orelhas atentas ao som das lâminas.
O druida, ainda de costas, não hesitou.
— Você não quer isso, garoto. Já disse! Vai embora enquanto pode.
Fenik riu baixo, enquanto estalava os dedos e se colocava em posição de combate.
— Não faz mal, eu tenho tempo.