Volume 1
Capítulo 30: Tomada de assalto: Parte 1
Os aeroplanos Beyaras cortavam o céu noturno.
A cidade de Jillar se estendia abaixo, suas ruas mal iluminadas pelas lanternas esparsas. As grandes embarcações deslizavam silenciosas sobre os telhados como predadores. Suas sombras longas varriam os becos e praças da cidade adormecida.
Dentro de um dos aeroplanos, Aelia caminhava pelo corredor estreito. Seus olhos atentos passavam por cada soldado e paladino a bordo. O som de metal contra metal ecoava enquanto os guerreiros ajustavam armaduras e conferiam suas armas.
As lanternas mágicas presas às paredes lançavam sombras duras sobre rostos fechados. A tensão era palpável, e o ar parecia carregado de expectativa.
Jessiah estava sentado próximo ao centro, com o corpo curvado sobre um mapa detalhado. Seus olhos não piscavam enquanto analisava as rotas.
Aelia interrompeu o silêncio com voz firme:
— Lembrem-se: os aeroplanos não vão pousar. Eles permanecerão nos céus até concluirmos a missão em terra.
Os soldados assentiram sem dizer palavra. Ninguém parecia disposto a quebrar o clima concentrado.
Aelia aproximou-se de Jessiah, seu olhar fixo e resoluto.
— Não vão pousar... Qual vai ser a estratégia dos Beyaras? — perguntou ele, ainda focado no mapa.
— Assim que Caelinus saltar, ele bloqueia as rotas de fuga. — respondeu Aelia com calma. — Nós forneceremos suporte em terra. Vocês descem diretamente no centro da vila.
Jessiah ergueu o olhar, surpreso.
— Vocês vão descer também?
— Vamos destacar parte dos soldados para auxiliar Caelinus com os bloqueios — disse Aelia. — Os demais permanecerão aqui e proverão suporte com as balistas. Setenta e duas de cada lado.
Ela fez uma pausa antes de completar:
— Se houver resistência, neutralizaremos as posições hostis imediatamente.
Jessiah apertou o punho. O peso da responsabilidade parecia maior agora.
— Entendo... — murmurou. — Mas e os aeroplanos? O plano permanece?
Aelia suspirou, sem perder a firmeza.
— Sim. Sobrevoaremos a área o tempo todo. Se algo fugir do controle, reagiremos imediatamente. Estamos em contato constante.
Jessiah assentiu. Seus olhos, embora cansados, refletiam determinação renovada.
— Então vamos em frente. Sem falhas.
Conforme os dois aeroplanos singravam os céus, a madrugada avançava lentamente. A cidade de Jillar desaparecia no horizonte, suas luzes diminuíam até sumirem por completo. O silêncio da noite era quebrado apenas pelo som constante e trêmulo das velas, que pulsavam como pulmões gigantes.
Após um longo tempo de voo, uma explosão rompeu o ar. Uma luz intensa destacou-se no meio da escuridão, vindo do chão.
Aelia, sentada ao lado de Jessiah, ficou alerta. Seu corpo enrijeceu e os olhos se arregalaram.
— O que foi isso? — Sua voz tremeu, surpresa e assustada. — Estamos sendo atacados? Como souberam da missão?
Ela se levantou de súbito, os dedos já buscando a espada. Jessiah, porém, colocou a mão em seu ombro com calma.
— Fique tranquila, Aelia — disse ele, com gentileza. — Não é um ataque. Estamos sobrevoando a Vila das Grávidas.
Ela franziu o cenho.
— Vila das Grávidas?
Jessiah assentiu, um suspiro pesado escapando de seus lábios.
— É um lugar onde levam as grávidas de Jillar que podem estar contaminadas pelos druidas. Eles implantam uma semente nelas, que simula uma gravidez comum. Mas, no parto...
Ele hesitou, escolhendo as palavras com cuidado.
— ...não nasce um bebê. Nasce uma semente. E ao contato com o ar, ela explode, matando a mãe e tudo ao redor.
Aelia levou a mão ao rosto, horrorizada. Apertou a alça da cadeira como se tentasse se firmar.
— Isso é... isso é monstruoso.
Jessiah permaneceu em silêncio. Deixou que a informação se acomodasse na mente dela.
Por fim, ele falou:
— Tive uma amiga. Uma paladina. — Sua voz soava mais baixa. — Ela se apaixonou por um homem... descobriu depois que ele era casado. Engravidou e foi expulsa de casa, rejeitada por todos.
Aelia o encarava em silêncio.
— A Ordem, na época comandada por Mestra Ledígia, acolheu ela — continuou Jessiah. — Deram-lhe um aposento aqui na sede. Todos esperavam... o pior.
Ele passou a mão pelo rosto, como se tentasse apagar a lembrança.
— Quando chegou o tempo do parto, ela explodiu. O homem, o romance, tudo era alucinação causada pela semente. É parte do ciclo. Faz a vítima duvidar da própria realidade.
Aelia desviou o olhar para a janela. O horror se misturava ao pesar.
— Isso poderia acontecer com qualquer uma...
Jessiah assentiu levemente.
— Penso nisso o tempo todo. Tenho medo... medo pela minha filha.
Aelia piscou, surpresa.
— Você tem uma filha?
— Jessica — respondeu ele, esboçando um sorriso contido.
O silêncio caiu de novo. Apenas o som suave das velas preenchia o espaço entre eles.
A escuridão do céu dava lugar ao contorno sinistro do Vale do Suplício. No horizonte, as montanhas de lixo começavam a se destacar. Pilhas de resíduos formavam colinas irregulares e fétidas, cercadas por estruturas enferrujadas.
Aelia observava pela janela com o cenho apertado.
— É aqui que vamos começar? — perguntou, a voz carregada de desgosto.
— Sim — disse Jessiah, sem hesitar. — Perfeito para traficantes.
Ele apontou para um ponto entre os morros de detritos.
— Caelinus deve saltar ali. É onde convergem as rotas de fuga. Nós vamos descer logo depois, naquela aglomeração de casebres.
Os aeroplanos começaram a voar em círculos. A névoa da madrugada misturava-se ao cheiro de podridão que subia do vale.
— Todos prontos? — Jessiah se levantou e olhou em volta. — Precisamos ser rápidos. Sem hesitação.
Aelia verificou a armadura, ajustou as correias e conferiu o cabo das armas. O coração disparava no peito.
— Esperamos o sinal de Caelinus — disse ela, firme.
No outro aeroplano, Caelinus fazia os últimos ajustes em sua armadura. Seus olhos passavam atentos pela tropa reunida ao redor.
— Confiram seus equipamentos! — ordenou. — Um erro pode custar a vida!
Ele murmurou para si, enquanto apertava as correias do peitoral:
— Espero não te encontrar aqui, Kilian...
Os soldados se alinharam em frente à porta lateral do aeroplano. Um homem robusto, de armadura escurecida e ombros largos, aproximou-se com passos firmes.
— Prontos, senhor — anunciou ele.
Caelinus ergueu um pequeno frasco contendo um líquido cintilante. A luz mágica refletia no vidro, projetando reflexos sobre as armaduras.
— Para quem não conhece, isso é uma poção de Queda Suave. Bebam antes de saltar.
Os guerreiros obedeceram sem hesitar. O gosto amargo foi rapidamente substituído por uma estranha sensação de leveza.
Caelinus abriu a porta do aeroplano. O vento frio entrou em rajadas, e a vastidão do Vale do Suplício se revelava abaixo.
— Nossa missão é bloquear todas as saídas do vale — declarou, firme. — Dividam-se e cubram cada rota. Ninguém deve escapar.
Ele apontou para os paladinos e depois para os soldados Beyaras.
— Paladinos, cobrem a entrada principal e as rotas do norte. Beyaras, bloqueiem as saídas do sul e oeste.
— Vamos lá, Thainor — disse ele, acenando para o homem robusto.
Thainor liderou os soldados até a beirada. Saltou sem hesitação, seguido por sua tropa.
Caelinus observou-os planando suavemente, a poção amortecendo a queda. Respirou fundo e virou-se para os demais.
— Agora é a nossa vez!
Saltou do aeroplano, os braços abertos, o vento açoitando seu rosto. Os paladinos o seguiram, um a um, até tocarem o solo.
Assim que pousaram, formaram fileiras. A posição era estratégica, e os homens aguardavam ordens.
— Avancem! Bloqueiem todas as rotas! Preparem-se para enfrentar qualquer inimigo!
O vale estava mergulhado em silêncio. Apenas os aeroplanos lixeiros ressoavam ao longe, como fantasmas metálicos.
Caelinus sentia a tensão no ar. A menor falha podia arruinar toda a missão.
Pegou seu comunicador — uma pequena esfera de cristal — e falou:
— Thainor, qual é a situação no sul?
A resposta veio firme.
— Tudo tranquilo até agora, senhor. Estamos mantendo a vigilância.
— Ótimo. Mantenham a formação. Não podemos dar chance de fuga.
Com todos em posição, a operação teve início. Caelinus observava atentamente o desenrolar, comparando a movimentação com o mapa em mãos.
Conferiu novamente a lista de criminosos fornecida por Neren. Dentre os nomes, alguns estavam marcados em vermelho.
Então, o cristal em sua mão vibrou. Uma voz ansiosa preencheu o espaço:
— Senhor, pegamos Tharim Fieropugnus. Estava fugindo. Disse que desconfiou dos aeroplanos.
— Excelente. Interroguem-no. Descubram onde ele ia e o que sabe. Se a informação for útil, já podem julgá-lo.
Sem perder tempo, Caelinus ergueu a mão. Uma luz vermelha disparou ao céu — o sinal para Jessiah e Aelia.
— Mantenham suas posições. Até o segundo sinal, ninguém avança — ordenou pelo comunicador.
No céu, Jessiah avistou o sinal. Ajustou a armadura, os olhos fixos no horizonte.
— Vamos lá.
Aelia estava ao seu lado, já com a poção em mãos.
— Como é que vocês, paladinos, dizem mesmo? — perguntou ela, com um leve sorriso. — "Que a Luz esteja com você"?
Jessiah riu.
— Não, não dizemos nada disso.
Ambos saltaram.
O vento os envolveu em queda livre. A escuridão logo foi cortada por flechas, virotes e disparos de paus de fogo primo. Riscos vermelhos e dourados cruzavam o céu.
Jessiah viu um dos seus homens ser atingido.
— Elric! — gritou, ao ver o sangue manchar o ar.
Outro soldado, Zurok, foi alvejado no peito e despencou sem controle. Jessiah desviou por pouco de um projétil.
— Aelia! Dê o sinal!
Ela ergueu o braço e disparou um novo sinalizador, desta vez de cor azul. Os aeroplanos reagiram imediatamente.
As balistas, apontadas para a origem dos disparos, retalharam as casas com estilhaços de aço. As setas atravessavam telhados e paredes, transformando os casebres em ruínas.
Jessiah pousou entre os escombros. Viu corpos estirados e gritos ecoando pelas vielas. Alguns moradores fugiam em pânico. Outros, entorpecidos, mal reagiam.
— Jessiah, disparos à esquerda! — alertou um soldado.
— Aelia! Subam e verifiquem os restos das casas destruídas!
Aelia assentiu e subiu com parte da tropa mista. Entre os destroços, encontraram corpos, escombros e sangue.
Encostado a uma parede sem telhado, Elric lutava para manter os olhos abertos. Uma poça escura se espalhava sob ele.
— Vamos tirar você daqui — disse Aelia, firme, enquanto segurava sua mão. — Um conjurador, rápido!
— Zurok está morto... — murmurou Elric.
— Eu sei — respondeu ela, sem hesitar.
Enquanto os feridos eram retirados, outros soldados limpavam a área. Aelia subia entre a madeira retorcida e a pedra rachada, guiando sua equipe.
Avistou um homem escondido sob uma escada quebrada. Chutou-lhe o peito, fazendo-o cair de costas. Antes que ele pudesse reagir, sua espada já estava encostada em seu rosto.
— Nome. Agora.
O homem tossiu, as mãos erguidas.
— Ranik... eu... só estava dormindo!
— E com esse pau de fogo do lado?
Aelia o manteve sob a mira. Um dos soldados se aproximou com cordas.
— Amarre e leve para triagem. Se for inocente, será solto.
Ela respirou fundo. Ainda haveria muito trabalho naquela madrugada.
— Quem é o líder aqui? — perguntou Aelia.
Ninguém respondeu. Apenas murmúrios desconexos vinham dos poucos que ainda estavam de pé.
— Capitã Aelia — chamou um soldado mais à frente. — Eles não estão colaborando.
— Continue a busca. Precisamos de nomes.
Aelia avançava pelos escombros quando alguns drogados cambalearam em sua direção com agressividade.
— Contenham as ameaças! — ordenou.
Os soldados agiram sem hesitar. Os viciados foram contidos com golpes rápidos e precisos.
No comunicador, a voz de Jessiah soou:
— Aelia, como está a situação aí em cima?
— Uma bagunça. É provável que alguns evasores escapem por baixo.
— Interrogue os cooperativos e mande-os descer. Se houver hostis, elimine-os.
— Positivo.
Jessiah fez um gesto a um soldado Beyara próximo.
— Divida os prisioneiros em grupos. Os que colaborarem vão para aquela casa. Monte uma tenda para os feridos ali. Os violentos... lidem com eles com força proporcional. Não quero baixas do nosso lado.
— Sim, senhor.
A movimentação recomeçou. Os paladinos tratavam os feridos, enquanto os soldados conduziam os moradores pacíficos. Os mais agressivos, no entanto, foram subjugados com dureza. Muitos acabaram mortos.
Jessiah chamou Caelinus pelo comunicador.
— Qual a situação por aí?
— Tudo sob controle. Capturamos Tharim. Ele entregou mais quinze nomes. Precisamos localizá-los. E aí?
— Ainda sob fogo. Aelia está resgatando alguns que caíram atrás da linha. Temos cobertura aérea. Fiquem atentos aos fugitivos.
Enquanto isso, Aelia seguia por entre casas destruídas. Acima, o aeroplano disparava flechas conectadas por correntes que derrubavam estruturas inteiras. Nuvens de poeira e lixo cobriam a visão.
A fraca luz do céu mal iluminava o caos. Gritos, correria, estilhaços. O ambiente era um campo de guerra.
— Continue subindo. Fique alerta para emboscadas — disse Jessiah pelo comunicador.
— Entendido.
Aelia marchava entre os destroços. Um vulto surgiu nas sombras. Um de seus soldados caiu, atingido por um golpe rápido e limpo.
À frente, um homem corpulento limpava a lâmina na camisa de outro cadáver. O sorriso sádico em seu rosto revelava gosto pelo que fazia.
— Acham que podem dominar a gente? — zombou ele. As adagas tilintaram ao se tocarem, gerando um arco elétrico entre elas.
Aelia sacou a espada e assumiu posição. Estreitou os olhos.
— Homens, sigam em frente. Eu cuido dele.
O homem lambeu os lábios.
— Joren Darquator — disse, cuspindo ao chão. — E você vai ser minha próxima.
Aelia nada respondeu. A lâmina erguida era resposta suficiente. Joren avançou.
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