Volume 1
Capítulo 29: Líder inesperado
Caelinus caminhava apressado pelos corredores da sede da Ordem. As paredes de pedra fria reverberavam com o som firme de suas botas, como se cada passo anunciasse a urgência que o dominava.
Os vitrais altos filtravam a luz da manhã, lançando cores suaves sobre os ladrilhos polidos. Paladinos e escudeiros passavam por ele com cumprimentos breves, que não eram retribuídos.
Seus olhos permaneciam fixos à frente, a expressão tensa, o maxilar travado.
Ao virar uma das esquinas do corredor principal, uma voz o alcançou pelas costas.
— Caelinus, espere! — A voz de Jessiah ecoou forte pelo corredor de pedra.
Ele parou, mas apenas por um instante, antes de se virar lentamente. Jessiah se aproximava com passos largos, a barba castanha bem aparada, o semblante sério e determinado. Suas vestes estavam impecáveis, como sempre.
— O que é, Jessiah? Estou com pressa. — disse Caelinus, já retomando o passo.
Jessiah estendeu o braço e segurou-lhe o ombro, firme o bastante para detê-lo.
— Eu vou liderar a missão no Vale do Suplício — disse, sem rodeios. — Mas quero você como meu vice-líder. Você conhece os detalhes da denúncia. Isso é importante.
Caelinus franziu a testa. Um vinco surgiu entre suas sobrancelhas, e o tom de sua voz endureceu.
— Detalhes da denúncia? — repetiu, como se a própria ideia o ofendesse. — Eu já disse que não fiz essa denúncia!
— Eu sei — respondeu Jessiah, sem hesitar. — Mesmo que tenha sido feita com suas credenciais. E sabemos que é impossível para um paladino mentir.
O corredor se manteve em silêncio por um instante. Caelinus desviou o olhar, fixando os olhos na grande porta de saída ao final do hall, onde a luz de fora invadia como um convite à ação.
— Então, você acha que fui eu só porque usaram meu nome? — retrucou ele, a voz ainda carregada de tensão.
Jessiah sorriu de leve, mas seus olhos não suavizaram.
— Não importa quem fez. O que importa é que essa missão precisa de alguém experiente ao meu lado. Tenho alguns pressentimentos ruins.
Caelinus estreitou os olhos.
— Pressentimentos? Do tipo ruim?
— Não exatamente. Só... aquela sensação incômoda de que as coisas não vão sair como o planejado.
O silêncio voltou a pairar. Caelinus levou a mão à cintura, onde repousava o punho de sua espada. Ainda encarava a porta, como se lutasse contra a própria vontade.
Por fim, soltou o ar com força e assentiu, embora a expressão continuasse fechada.
— Certo. Eu aceito — disse ele, secamente. — Mas que fique claro: quando essa missão acabar, não conte comigo para relatórios. Tenho assuntos mais urgentes para resolver.
Jessiah voltou a apertar o ombro de Caelinus com um olhar de gratidão.
— Agradeço, Caelinus. Vamos nos preparar.
Jessiah apenas assentiu, satisfeito, e deu um leve tapinha no ombro do colega antes de se afastar. Caelinus voltou a caminhar, agora um pouco mais devagar, mas sem jamais desviar o olhar da luz à frente.
O dia passou rápido enquanto eles recrutavam os paladinos. Estavam reunidos na sala de estratégia da Ordem, iluminada pelas lanternas mágicas, com o mapa do Vale do Suplício estendido sobre a mesa central.
— Precisamos de cinquenta homens para essa missão — disse Jessiah, o cenho franzido. — Até agora, conseguimos menos da metade.
Ele trocou um olhar com Caelinus, que assentiu com a cabeça.
— Faltam alguns ainda, mas podemos completar o time até amanhã — respondeu, os olhos fixos no mapa à sua frente.
Ao redor, os paladinos convocados aguardavam em silêncio.
— Prestem atenção. Todos vocês foram escolhidos cuidadosamente para essa missão, então espero que todos deem o melhor de si — disse Jessiah, apontando para uma área no mapa. — Nosso alvo são os traficantes. O melhor momento é o amanhecer, quando a maioria das pessoas estará em casa.
Caelinus analisou as rotas desenhadas com o dedo, traçando possíveis rotas de fuga.
— A vila de catadores fica aqui. Bloquearemos essa saída... e aquela ali. — Apontou. — Esperamos que os Beyaras fechem as outras entradas. Vamos chegar pelo ar, tomar a vila e separar os civis dos bandidos. Interrogamos os suspeitos e capturamos os traficantes. Sem erros.
Jessiah assentiu.
— Dividiremos as equipes. Você lidera os julgamentos e eu cuido dos interrogatórios. Mestre Gorbolg me avisou que o mapa pode estar desatualizado, mas com seu conhecimento do lugar, Caelinus, acho que conseguimos evitar problemas.
Caelinus franziu o cenho, cruzando os braços.
— Quantas vezes vou ter que dizer? Eu não conheço esse lugar e não fiz a denúncia. Paladinos não mentem. Você sabe disso.
Jessiah suspirou e ergueu as mãos, como em rendição.
— Certo, vamos focar na missão.
Ele olhou para a ampulheta no canto da sala e se dirigiu aos demais.
— Por hoje, estamos dispensados. Amanhã retomamos os preparativos.
Os paladinos começaram a se dispersar. Alguns murmuraram entre si enquanto saíam para descansar ou assumir postos de vigília. Outros seguiram em silêncio para as acomodações, exaustos pelo longo dia.
Quando ficaram sozinhos, Jessiah se permitiu um leve sorriso.
— Acho que teremos sucesso dessa vez.
Caelinus demorou a responder. Esfregou o queixo e desviou o olhar.
— Preciso resolver algo em casa.
— Prefiro que fique aqui até a missão — disse Jessiah, firme. — Ainda temos muito trabalho pela frente.
Caelinus soltou um suspiro antes de balançar a cabeça.
— Tudo bem, ficarei.
— Ótimo. Vamos descansar. Amanhã será um dia longo.
***
O sol se punha lentamente, pintando o céu com tons de laranja e vermelho. Kilian mantinha os braços estendidos diante de um montículo de neve, enquanto o vento frio cortava o campo branco ao redor.
— Uma semana já, Kilian — disse Garrik com um tom leve e um meio sorriso. — Não que eu esteja contando. Concentre-se na neve. Deixe que ela te mostre o caminho.
Kilian franziu a testa e encarou a superfície gelada. Um leve tremor percorreu a neve, mas nada se moveu.
— Lembra da estrutura — continuou Garrik, balançando a cabeça devagar. — Água e terra. Dentre os quatro elementos, os únicos tangíveis.
As mãos de Kilian estremeceram antes que ele fechasse os olhos. Lentamente, um pequeno pedaço de neve começou a flutuar, subindo alguns centímetros. Um sorriso discreto surgiu em seu rosto ao moldar o fragmento em uma bola.
— Olha só! — disse Garrik, com um brilho nos olhos. — Agora derreta isso.
A bola de neve começou a derreter, e Kilian sentiu as gotas frias escorrerem entre os dedos.
— Certo. Agora faça isso ficar denso. Sinta o peso — instruiu Garrik, atento, os braços cruzados.
A esfera de água pulsou, compacta e pesada. O suor brotou na testa de Kilian, e seus músculos se tensionaram.
— Mira no boneco de neve. Vai.
Kilian lançou a esfera, mas ela caiu no meio do caminho. Ele soltou o ar, frustrado, enquanto Garrik apenas riu.
— Nada mal. Talvez o boneco esteja com sorte hoje — zombou. — Tenta de novo.
Kilian fez um movimento rápido com as mãos, recriando a bola. Desta vez, a esfera de água foi precisa e atingiu o boneco em cheio. O monte de neve explodiu, voando em todas as direções.
— Aí sim! — Kilian sorriu, vitorioso.
— É assim que se faz! — disse Garrik, dando-lhe um tapa nas costas que quase o derrubou. — Está pegando o jeito.
— Ei, vocês dois! — Maya surgiu de repente, a voz carregada de impaciência. — Nariz de Batata mandou chamar pra comer. Se não forem logo, não vai sobrar nada.
Ela deu as costas sem esperar resposta, marchando a passos largos.
— Melhor irmos antes que o Cara de Prancha resolva guardar tudo só pra ele — comentou Garrik, rindo.
— Acho difícil. O coitado está há dias separando os fêmures para o condutor — disse Kilian, lançando um último olhar para o campo de treino.
Seguiu Garrik com passos céleres pela neve, em direção à casa onde o calor e a comida os aguardavam.
***
Uma semana se passou desde que a missão foi planejada. A madrugada envolvia Jillar em um silêncio incomum. Embora a cidade jamais dormisse por completo, as ruas estavam quase desertas.
Apenas os passos apressados dos paladinos da Ordem quebravam a quietude. Eles finalizavam os preparativos sob a luz pálida das luas. Armaduras tilintavam, ordens breves ecoavam.
— Você acha que ela não é jovem demais para isso? — murmurou Caelinus, ao notar a recém-chegada descendo do aeroplano Beyara.
O brilho lunar destacava seus cabelos negros, soltos e lustrosos, caindo sobre a armadura impecável. Seus olhos verdes, firmes, carregavam uma determinação nítida — mas havia algo de juvenil demais em sua expressão.
— É Aelia Vanlasnor — respondeu Jessiah, sem desviar o olhar. — Filha do General Vanlasnor.
Caelinus franziu a testa. — E o general a envia pra uma missão dessas? Está tentando testá-la... ou se livrar dela?
Jessiah soltou um riso seco, cruzando os braços. — Não se livraria da única filha. Lembra do que aconteceu com o filho dele?
— Só ouvi falar. Eu era novo demais na época pra entender direito.
Aelia caminhava com passos firmes. Seus olhos percorriam o pátio como se memorizasse tudo. Quando parou diante deles, sua postura rígida revelava tanto respeito quanto autoridade.
— Boa noite, senhores — disse ela, a voz firme e clara. — Sou Aelia Vanlasnor. Vim coordenar a operação, conforme o combinado.
Caelinus inclinou a cabeça em cumprimento. — Caelinus, vice-líder da missão — disse, indicando Jessiah com um gesto. — Este é o líder. Estamos prontos. Qual o plano?
Aelia ergueu o queixo com naturalidade. — Meu pai me ordenou seguir à risca as diretrizes da Ordem. Tenho trezentos soldados prontos, caso surja qualquer contingência no teatro de operações.
Jessiah a observou por um instante, analisando seu porte e tom de voz.
— Ótimo. Vamos bloquear as saídas, entrar rápido e capturar os traficantes. Precisamos de precisão. Alguma dúvida?
— Nenhuma — respondeu Aelia, com convicção. — Podemos partir quando quiserem.
Caelinus lançou um olhar ao grupo de paladinos posicionados em silêncio. Todos aguardavam ordens com disciplina. Ele e Jessiah trocaram um aceno breve de entendimento antes de voltarem-se para Aelia.
— Certo — disse Jessiah. — Vamos cumprir nossa missão com honra. Conto com cada um de vocês.
Os paladinos se dirigiram aos aeroplanos. As armaduras reluziam sob a luz mágica dos lampiões, refletindo um brilho quase solene. O embarque era ágil, preciso, como tudo na Ordem.
Caelinus subiu a bordo do primeiro aeroplano. Sua equipe o seguia de perto, com expressões concentradas. Ao lado, Jessiah embarcava no segundo, trocando um último olhar com o colega.
— Lembrem-se — disse Caelinus, já a bordo — esta missão é perigosa. Vamos capturar os traficantes, sim, mas também garantir que ninguém saia ferido por descuido.
— Sem heroísmos desnecessários — acrescentou uma paladina, ao ajustar as correias do elmo. — O Vale do Suplício já teve sangue demais.
Os aeroplanos começaram a subir. Suas velas vibravam com o impulso do vento, enquanto as barbatanas de propulsão giravam em alta velocidade. O som grave das estruturas enchendo-se de magia ecoava pelo pátio.
A cidade abaixo recuava sob a névoa azulada. No alto, o céu limpo deixava as três luas bem visíveis, pairando como olhos atentos. A formação de aeronaves seguia em direção ao horizonte.
E no pátio silencioso que restava, a quietude parecia mais pesada. Como se a própria pedra de Jillar soubesse que aquela missão marcaria o início de algo muito maior.
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