Intangível Brasileira

Autor(a): Richard P. S.


Volume 1

Capítulo 28: A operação no Vale

— Esses jardins já foram um paraíso de flores... — murmurou Gorbolg, sua voz quase engolida pelo rugido das velas dos aeroplanos. — Agora, só sobrou terra batida.

O cheiro de cera e verniz tomava o lugar do perfume das pétalas. O chão, antes fértil, agora estava duro e marcado por âncoras. Com a armadura reluzente e a capa vermelha, Gorbolg caminhava de cara fechada.

— Setenta e oito anos... — resmungou. — Desde que Mestra Ledígia e uns aventureiros trouxeram notícias de um levante druida. Eles vieram dessas terras... dos Amberridle. Que ironia. Hoje, isso aqui virou ancoradouro e campo de treino.

Os olhos do paladino seguiam atentos as mudanças ao redor. Estátuas dos antigos senhores Amberridle estavam cercadas por caixotes militares. Ao tocar uma delas, sentiu o frio do metal oxidado.

No pátio, uma jovem treinava com espada. Seus golpes metálicos ecoavam firmes e ritmados. Gorbolg observou, em silêncio.

— Aelia! — gritou uma voz. — Mantenha a guarda alta!

Um homem se aproximou. As condecorações reluziam sobre a armadura, e a capa azul balançava às suas costas.

— Mestre Gorbolg — cumprimentou, os olhos verdes fixos na garota que treinava.

— General Vanlasnor — respondeu Gorbolg, sem tirar os olhos da jovem.

— Minha filha. — Vanlasnor encolheu os ombros com orgulho contido. — A guerra não a poupará por ser quem é.

— Ninguém está isento — respondeu Gorbolg.

O general assentiu. — Sábias palavras, Mestre Paladino. Mas não creio que tenha vindo até aqui só para tomar um chá de alvorecer.

Gorbolg permaneceu em silêncio.

— Vamos. Podemos discutir melhor no meu escritório.

Caminharam juntos pelo castelo. As tapeçarias verdes e amarelas dos Amberridle ainda decoravam as paredes, agora desgastadas ao lado de mapas táticos e planos de batalha. Nos corredores, o som dos passos apressados e das conversas militares preenchia o ar.

— A opulência deu lugar à estratégia — comentou Vanlasnor, indicando as mudanças ao redor.

— Os Amberridle foram sábios ao ceder suas terras — respondeu Gorbolg, enquanto passavam por soldados em treinamento. — Se tivessem negado, teríamos uma guerra civil, e os druidas destruiriam o que restasse.

Vanlasnor não respondeu.

Chegaram à porta do escritório. O general a abriu, revelando um espaço adornado com símbolos típicos dos Beyaras: A força pelos números. As paredes exibiam estantes repletas de livros, pergaminhos e armas cerimoniais.

— Então, Mestre Paladino — disse Vanlasnor, puxando uma cadeira para Gorbolg. — Encontraram alguma pista sobre o distrito evacuado?

Abriu uma garrafa de vinho.

Gorbolg se sentou, firme.

— Temos um problema. Bem debaixo dos nossos narizes. — Seus olhos vermelhos fixaram-se no general. — Os druidas estão envenenando nossa população de forma sistêmica.

— Isso vem acontecendo desde o levante. O que há de novo?

Gorbolg tirou alguns papéis da bolsa e os espalhou sobre a mesa.

— Recebemos a denúncia de um dos nossos. Traficantes estão se escondendo no Vale do Suplício. Estes documentos listam cada um deles. E acredite, são muitos.

Vanlasnor pegou os papéis. Percorreu a lista com o olhar, analisando nomes e acusações.

— Entendo. Mas isso é função dos paladinos. A nós cabe proteger a cidade. Por que não executam as sentenças?

Gorbolg bufou, a mão verde passando pelos cabelos.

— Um deles, chamado Doo, está tentando estabelecer um poder paralelo. Por ora, usa violência contra outros catadores. Mas isso é só o começo.

— O Vale fica fora dos muros. Está fora da nossa jurisdição, Mestre.

Gorbolg se levantou, apoiando as manoplas sobre a mesa com força.

— Vai deixar uma célula inimiga se formar no nosso quintal?

Vanlasnor franziu a testa.

— Um momento. Não estávamos falando de catadores de lixo?

— Entenda bem, general — disse Gorbolg, a voz exaltada, o dedo apontado. — Esses homens não estão só vendendo drogas. Eles estão matando nosso povo em nome de uma guerra por procuração.

— E por acaso já não estamos em uma guerra fria, Mestre Paladino? E o que aconteceu na semana passada? — retrucou Vanlasnor. Apesar da diferença de tamanho, sua voz competia com a do meio-orc.

— Isso é diferente! Olha esse Doo! — exclamou Gorbolg, a voz subindo de tom. — Esse cara está montando um exército. Uma horda de arruaceiros! O que você acha que vai acontecer quando eles surgirem e atacarem seus soldados e meus paladinos, armados até os dentes com itens mágicos?

Vanlasnor se levantou de repente. Suas mãos apertaram a mesa enquanto encarava Gorbolg. O ar ficou pesado, as respirações dos dois preenchendo o silêncio.

— Pensando bem, você tem razão, Mestre — disse Vanlasnor, após uma pausa. — Se demorarmos para agir, as perdas serão grandes...

Ele desviou o olhar e caminhou pela sala. Depois de observar os quadros de seus antecessores, quebrou o silêncio:

— Qual é o seu plano?

Gorbolg soltou um longo suspiro antes de se levantar também.

— Quero que sua companhia cerque o vale — disse com firmeza. — Suspenda a coleta de lixo por um dia. Os aeroplanos lixeiros não entrarão nem sairão. Preciso dos seus homens no ar, enquanto nós levamos a justiça por terra.

Vanlasnor coçou o queixo, pensativo.

— Acho que cessar a coleta de lixo é um pouco demais. Seria trabalhoso negociar com os Quangras e os demais. Mas creio que um destacamento de aeroplanos já pode pôr os olhos nos céus para vocês.

— Sim. E, uma vez que subir num aeroplano lixeiro sem permissão será invasão de propriedade, não será contra a lei usar a força.

— Tudo bem. Já temos tudo combinado, então. Esta semana, enviarei um emissário com os preparativos e o contrato de incursão — disse o general, caminhando em direção à saída.

— Combinado. Aguardo sua comitiva — respondeu Gorbolg, também se retirando.

Mestre Gorbolg atravessou os portões da Sede dos Paladinos de Jillar. A construção dominava a paisagem com colunas de pedra e portas de ferro, sólidas como os ideais da Ordem. Acima dos arcos, sombras elegantes projetavam-se sobre os pátios internos.

Dentro, o ar era fresco e o som abafado. Tapeçarias com cenas de batalhas antigas e símbolos da cidade cobriam as paredes. A luz suave das janelas altas tingia o corredor de dourado.

Gorbolg ajustou a capa sobre os ombros, seus passos ecoando no chão de mármore. No caminho, cruzou com uma descendente dos féericos de cabelo azul, debatendo estratégias com um halfling barbudo.

— Se cruzarmos pelo desfiladeiro, teremos vantagem no terreno elevado — dizia o halfling, enquanto desenhava um mapa no pergaminho.

— Mas se houver tempestade de areia, ficamos expostos — retrucou a descendente dos féericos, estreitando os olhos.

Gorbolg apenas assentiu com a cabeça, passando por eles sem interromper a discussão.

Mais adiante, um meio-orc duelava com um anão. Os machados se chocavam com força ritmada, arrancando faíscas a cada golpe. Gorbolg observou os movimentos com interesse.

— Boa forma, Grum. Melhorou o giro do pulso — comentou, num tom breve, antes de seguir adiante.

O meio-orc sorriu de lado.

— Mérito do anão, mestre!

Gorbolg continuou passando por salas de treinamento e bibliotecas. Estudiosos mergulhavam em tomos antigos, e o ambiente pulsava com disciplina e história viva.

Por fim, avistou Caelinus em um dos salões. O paladino, cercado por anões, gargalhava com uma piada contada por um deles. Ao notar Gorbolg, ergueu a mão em saudação.

— Mestre Gorbolg! — disse Caelinus, ainda sorrindo. — Veio até nós, ou as paredes da Sede finalmente pareceram aconchegantes?

Gorbolg esboçou um sorriso contido.

— Quando o problema é grande, a sombra da pedra parece menos fria.

Acenou de volta e se aproximou do grupo, pronto para se juntar à conversa.

— ...e aí eu disse: “Essa mina é minha!” — concluiu um dos anões, provocando gargalhadas quase histéricas.

— Parece que cheguei na hora certa. Caelinus, posso falar com você um momento?

O paladino se virou, ainda rindo. — Claro, Mestre Gorbolg. O que houve?

— Queria parabenizá-lo pela sua iniciativa investigativa. Graças à sua denúncia sobre o Doo, do Vale do Suplício, nós — junto com os Beyaras — vamos deflagrar uma operação ainda esta semana.

Caelinus franziu a testa, confuso. — Denúncia? Mas eu não fiz nenhuma denúncia, Mestre...

— Boa piada, Caelinus. Mas, falando sério, seu trabalho foi exemplar.

Caelinus manteve o olhar intrigado. — Podemos conversar em particular?

— Claro. Vamos tomar um chá, no meu escritório.

Os dois caminharam pelos corredores. No trajeto, cruzaram com outros dois paladinos: um humano e uma centaura, ambos em meio a uma conversa animada.

— Mestre, Caelinus — cumprimentou o humano, com um aceno respeitoso.

— Jessiah — chamou Gorbolg. — Depois que eu terminar com ele, preciso falar com você.

— Sim, Mestre — respondeu Jessiah.

— E você, Demine? Como foi a missão? — perguntou Gorbolg à centaura.

— Foi péssima, Mestre — disse ela, enquanto penteava seus longos cabelos. — Só porque eu tenho bunda de cavalo, o senhor adora me enfiar naquelas bibocas druídicas — brincou.

— Vou arrumar uma missão melhor para você na próxima — respondeu Gorbolg com um sorriso. — Vamos, Caelinus.

Após a breve conversa, Caelinus e Mestre Gorbolg seguiram até o escritório do paladino.

— Há uma semana, um construto auxiliar dos Paladinos, presente na região dos Quangras, registrou uma denúncia em seu nome — começou Gorbolg, servindo chá. — Sobre o Doo, do Vale do Suplício, estar traficando drogas em grande escala. Fizemos uma investigação e encontramos vários traficantes e apoiadores dos druidas. Tudo graças a você.

Caelinus balançou a cabeça.

— Mestre, eu nunca estive na região dos Quangras, e nem conheço esse Doo.

Gorbolg franziu o cenho.

— Mas as credenciais eram suas, confirmando sua identidade. Fizemos uma investigação completa. Se não foi você, então quem foi?

Caelinus olhou para baixo, pensativo, antes de responder com firmeza:

— Ah! Eu não acredito... Mestre, tenho uma suspeita.

Gorbolg riu.

— Seja lá quem foi, se tivesse um arco, acertou uma flecha daqui de baixo numa mosca lá nos Quangras. E de olhos fechados. Prepare-se, você vai participar da missão.

Caelinus suspirou, como quem não tinha escolha.

— Tudo bem, Mestre.

Quando Caelinus já se preparava para sair, Gorbolg acrescentou:

— E chame Jessiah Olivie. Ele vai liderar.

Caelinus assentiu e se retirou, pronto para cumprir as ordens.

Já nos corredores da sede dos Paladinos de Jillar, a expressão de indignação ainda marcava o rosto de Caelinus.

Ele caminhava entre tapeçarias e salas de treino, imerso em pensamentos.

Logo adiante, reencontrou Demine e Jessiah, que continuavam a conversa animada.

— Jessiah, o Mestre quer falar com você — disse Caelinus, tentando manter a calma.

— Certo, vou lá agora — respondeu Jessiah. Ele apertou o ombro de Caelinus antes de se afastar em direção ao escritório de Gorbolg.

Demini observou Jessiah se afastar, depois se voltou para Caelinus com um sorriso.

— Então, Caelinus, como vai? O que o Mestre queria?

— Parabenizar-me por algo que, aparentemente, não fiz. Mas deixemos isso para lá. Como foi sua última missão?

Demini riu, enquanto ajeitava seus longos cabelos bem penteados e admirava suas joias brilhantes no reflexo de uma fonte próxima.

— Ah, foi uma daquelas missões horrorosas atrás das linhas inimigas. Sempre uma "aventura".

— E ainda existe algum tipo de civilização por lá?

— É. Encontrei alguns nômades do período pré-levante. Vivem isolados, sem contato com o mundo exterior — até mesmo com os druidas — disse Demini, enrolando com os dedos, de unhas bem cuidadas, uma mecha do cabelo.

Caelinus a observou, intrigado.

— Deve ter sido difícil para você, tendo que se disfarçar.

— Nem me fale! — disse Demini, fazendo uma careta. — Tive que me vestir como um druida, toda esfarrapada. Meus cabelos, minha cauda... tudo uma bagunça. E aquele cheiro! Passei dias sem o meu perfume.

— Imagino que tenha sido um grande sacrifício para você — disse Caelinus, tentando não rir.

— Ai, nem me fale. Mas fazer o quê? É parte do trabalho — suspirou Demini. — Pelo menos conseguimos oferecer assistência àqueles povos e, ao mesmo tempo, colher informações.

Caelinus sorriu, sentindo-se um pouco mais leve.

— Você realmente é indispensável em missões como essa, Demini. O Mestre é sábio em enviá-la.

— Faço o que posso — respondeu ela, piscando com os olhos bem maquiados. — E você, o que foi que houve lá com o Mestre?

— Nada demais.

Demini inclinou a cabeça, curiosa.

— Mas o motivo é por conta daquele burburinho de que você denunciou um grande grupo de traficantes de drogas no Vale do Suplício, certo?

— Pois é, esse é o problema. Eu não fiz isso.

Demini arregalou os olhos, surpresa. — Se não foi você... quem foi?

Caelinus apertou os lábios, o rosto contorcido de frustração. — Um certo alguém usando minhas credenciais. Como ele descobriu?

Demini estreitou os olhos, tentando entender. — "Um certo alguém", é?

Caelinus suspirou profundamente, a raiva evidente nos olhos. — Sim, Demini. Na verdade, estou indo confirmar isso agora. Se eu não o encontrar em casa... ah, eu vou matar o Kilian.

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