Intangível Brasileira

Autor(a): Richard P. S.


Volume 1

Capítulo 27: Incursão à luz do condutor púrpura: Parte 2

Kilian pulou para dentro da carcaça. O cheiro forte e metálico do sangue encheu, mais uma vez, suas narinas. Cara de Prancha estava inclinado sobre o tubo espinhoso do gigante. O anão examinava a substância à luz intensa. Garrik, do lado de fora, aguardava com interesse.

— E então? — Kilian perguntou, inclinando-se para ver melhor.

Cara de Prancha levantou um frasco com um líquido turvo.

— Falhou — disse ele, sem qualquer traço de desapontamento. — Não tem nem o que aproveitar.

Kilian franziu a testa.

— O que vamos fazer agora?

Cara de Prancha guardou o frasco falho e começou a limpar suas ferramentas.

— Ainda dá para fazer um Zig Resil. Só conseguimos extrair esse condutor dos ossos dos fêmures dele — explicou. — Não vamos sair de mãos vazias. Quanto ao Purgeno, vai ficar pronto hoje.

O sol acabava de nascer. Sua luz fria e pálida se espalhava pela planície gélida. Cara de Prancha se levantou da carcaça do gigante, esticando as costas enquanto limpava as mãos na roupa ensanguentada.

— Finalmente pronto. — Ele se espreguiçou. — Esse trabalho me deixou louco de fome.

— Eu posso imaginar — disse Kilian, enquanto ajudava o anão a recolher suas ferramentas. — Afinal, você passou a noite toda nisso.

— Sim — respondeu o anão, entregando mais ferramentas sujas para o garoto. — Coloque ali no balde. Aliás, a noite e o dia anterior. Mas isso não é nada pra um anão.

— É verdade. — Depois de colocar as ferramentas ensanguentadas no balde, Kilian seguiu o anão em direção ao acampamento. — Eu conheço muitos anões.

— Tá de brincadeira comigo? — perguntou o anão assim que chegaram perto da fogueira.

— Ordem dos Paladinos — disse Kilian, tentando abaixar o tom de voz em respeito aos que dormiam.

— Ah, sim. Tinha me esquecido. — O anão olhou para a fogueira, onde uma panela meio cheia de sopa estava ao lado das brasas.

Nariz de Batata e Maya dormiam profundamente. Cara de Prancha e Garrik se sentaram perto da fogueira, enquanto o anão comia a sopa na própria panela. Kilian permaneceu por perto, atento à conversa.

— Então, agora faltam seis, certo? — perguntou Garrik, enquanto pegava um pedaço de pão.

Cara de Prancha assentiu, mastigando.

— Sim, seis. Mas precisamos de alguns dias para nos recuperar. Duas semanas de descanso seriam o ideal.

— Faz sentido. Esse ritmo está acabando com todos.

— De qualquer jeito, tenho que fazer os Zig Resil também. Essas porcarias, além de não valerem nada, ainda demoram.

— É verdade. Agora, com Kilian no grupo, aproveito esse tempo para treiná-lo em magia. Assim, quem sabe, quando eu voltar para a minha terra, vocês não tenham um mago decente no grupo?

Cara de Prancha deu uma olhada rápida em Kilian antes de responder:

— Ele tem potencial. Não entendo dessas coisas de mago, mas... acho que vai precisar de muito treino.

Garrik sorriu.

— Eu sei. Mas acredito que ele vai se sair bem. Agora, sobre o Purgeno... você precisa de algum adiantamento?

Cara de Prancha balançou a cabeça.

— Esses combates são difíceis e imprevisíveis. Não há garantias de que tudo corra bem.

— Em outras palavras, você só quer receber no final do serviço, certo?

— É. Se desse pra matar um dragão negro adulto, já daria um lingote inteiro. Mas você sabe: um dragão... é um dragão.

Garrik suspirou.

— Sim, é verdade. Pelo jeito, matar gigantes é a forma mais rápida mesmo. Quando terminarmos aqui, vou contatar Aleron para localizar outro.

Cara de Prancha terminou sua sopa e soltou um arroto sonoro.

— Bom plano. Agora vou dormir um pouco. Acordem-me quando for hora de continuar — disse, acomodando-se num canto da gruta. Logo depois, já roncava alto.

Kilian e Garrik permaneceram acordados, cada um em silêncio, contemplando o crepitar da fogueira e o som do vento preenchendo a gruta.

Garrik levantou-se e, com um murmúrio seguido de um movimento rápido das mãos, conjurou mais lenha para a fogueira.

Kilian observou, fascinado.

— Isso é convocação, não é?

Garrik sorriu, assentindo.

— Sim, é. Vejo que você é bom em decorar as coisas.

— A Maya já tinha me explicado isso. — Ele se acomodou mais perto do fogo, estendendo as mãos para a fogueira. — Sobre o treinamento... como vai ser?

Garrik recostou-se, também estendendo as mãos em direção às chamas.

— Vai ser intenso, Kilian. Vamos focar em controle, canalização de energia e técnicas de combate. Vamos descobrir o quão grande é o seu potencial — e o quanto ele precisa ser lapidado.

Kilian acenou com a cabeça, absorvendo as palavras.

— Então o Purgeno que tá sendo feito é pra você?

Garrik olhou para as chamas, um sorriso suave nos lábios. — Não. Estou para casar. Quero usar o condutor para fazer uma joia — pode ser uma tiara, pulseira, brinco... ainda não tenho ideia.

Kilian abriu um sorriso, impressionado pela gentileza e cuidado de Garrik. — Isso é incrível. Sua futura esposa vai amar.

O cansaço o dominou aos poucos, e seus olhos começaram a se fechar. As histórias do mago, com o tom baixo e suave, ainda ecoavam, mas já distantes.

Ao notar Kilian se entregando ao sono, Garrik sorriu. O garoto se aproximou do fogo, e o crepitar das chamas o embalou em um sono tranquilo.

***

Kilian despertou em um ambiente diferente. Aconchegante, iluminado por uma luz suave que entrava pelas janelas de vidro.

Ele piscou, tentando se ajustar à claridade. Quando olhou ao redor, notou Garrik sentado em uma cadeira próxima. O mago o observava com tranquilidade.

— Onde estamos? — perguntou Kilian, esfregando os olhos.

— Imaginei que fosse perguntar — respondeu Garrik com um sorriso. — Conjurei esta casa dentro da gruta. Já que vamos ficar aqui por mais um tempo.

Kilian observou o lugar, fascinado. No centro, um fogareiro com chaminé aquecia o ambiente, com uma panela de sopa fervendo sobre ele. No canto, Maya estava concentrada em seu livro, fazendo uma bola de neve flutuar no ar. Nariz de Batata, como sempre, mexia algo na panela, e o cheiro irresistível de comida tomava conta do espaço.

O garoto olhou ao redor como se procurasse por algo.

— E o Cara de Prancha? — perguntou, enquanto se levantava.

— Ainda está dormindo — respondeu Garrik, relaxado em sua cadeira, apontando para um canto onde o anão roncava como um dragão adormecido.

Kilian apertou os lábios e olhou para baixo.

— Foi culpa minha o Albastrógeno ter falhado...

— Bobagem, garoto — Nariz de Batata interrompeu a conversa enquanto mexia a sopa. — Essas coisas são assim mesmo. Das quatro vezes que tentamos, duas deram certo, e agora duas deram errado.

Kilian arregalou os olhos.

— Então vocês já conseguiram nas outras vezes?

Garrik assentiu.

— Sim. Eu comprei todos. O pessoal até usou o dinheiro para melhorar seus equipamentos.

— Entendo... — disse Kilian, observando Maya, concentrada em sua prática mágica. Do mesmo jeito que quando a conheceu — porém agora, uma bola de neve flutuava elegantemente ao seu redor.

— Garrik, quando vamos começar meu treinamento?

O conjurador olhou para ele, avaliando seu estado.

— Mais adiante. Você ainda está muito debilitado.

Kilian soltou o ar, e o silêncio voltou a preencher a cabana, interrompido apenas pelo som rítmico da respiração pesada de Cara de Prancha, que ainda dormia profundamente. Seus olhos acompanhavam a luz que mudava de posição à medida que o sol traçava seu caminho pelo céu.

De tempos em tempos, ele observava Nariz de Batata mexer em suas panelas ou Maya mergulhada em seus estudos.

Finalmente, quando a luz do dia começou a enfraquecer, Kilian fechou os olhos, permitindo-se relaxar um pouco. Não sabia ao certo quanto tempo havia passado, até que sentiu um toque no ombro. Ele abriu os olhos lentamente e viu Cara de Prancha ali, o anão sorrindo com um brilho nos olhos.

— Hora de pegar o Purgeno e guardar tudo, garoto. Quer vir? — perguntou o anão, enquanto a cabana se envolvia nas sombras da noite, iluminada apenas pelas chamas baixas do fogareiro.

— Tem certeza? — perguntou Kilian.

— Ué? Não quer mais aprender a extrair os condutores?

— Até queria. Mas...

— Tá, então vamos de uma vez — disse Cara de Prancha, enquanto vestia seus casacos de pele. — Depois tem um monte de ferramenta pra limpar.

Kilian esfregou o rosto e sorriu, a empolgação espantando qualquer vestígio de cansaço.
— Claro que sim! — Ele rapidamente se levantou, vestiu-se e seguiu Cara de Prancha para fora.

O ar da gruta estava fresco e úmido. A luz fraca que saía da cabana atrás deles era a única iluminação. Eles subiram pela encosta de rochas até a carcaça do gigante, que, apesar de familiar, ainda era uma visão monumental no meio da escuridão.

Ao chegarem ao local onde os destiladores estavam montados, Cara de Prancha se agachou e começou a mexer com familiaridade nas peças metálicas. Kilian observava atentamente, tentando entender o que ele fazia.

— Viu isso aqui, garoto? — Cara de Prancha começou a falar, sem tirar os olhos do que fazia. — Este aqui é o estabilizador de fluxo. Ele garante que a energia do Purgeno não se dissipe antes de solidificarmos a pedra. Se eu não regular isso direito, a coisa pode evaporar em minutos.

Kilian assentiu, inclinando-se para ver melhor. O anão continuava ajustando os mecanismos com destreza, enquanto pequenas faíscas de luz roxa dançavam pelo ar.

— Agora, aqui — disse Cara de Prancha, pegando um pequeno funil de vidro ligado a tubos finos de metal —, usamos este condensador. Ele transforma a energia instável do Purgeno numa forma que podemos manipular sem explodir nada. Só que não dá pra fazer de uma vez só. Temos que ir de décimo em décimo, pra garantir a pureza.

Após alguns minutos de ajustes e silêncio tenso, uma pedra pequena, de um roxo profundo e quase violeta, começou a brilhar intensamente. Kilian prendeu a respiração, maravilhado.

— E aqui está — Cara de Prancha levantou a pedra, segurando-a entre os dedos calejados. — Um Purgeno. Na verdade, uma décima parte dele. Cada vez que fazemos isso, conseguimos só um pedacinho.

Kilian o observou abrir uma pequena maleta de couro com dez espaços organizados para guardar as pedras. O anão colocou cuidadosamente a pequena pedra em um dos compartimentos. Agora, quatro dos dez espaços estavam preenchidos.

— Quando tivermos todas as dez partes, teremos um Purgeno completo. E então, poderemos usá-lo em algo grande — disse Cara de Prancha, com um sorriso de satisfação.

***

Entre quatro paredes de pedra, um escritório imponente exibia escudos e espadas. Eles celebravam feitos heroicos, a Lei e a Ordem. O teto abobadado reforçava a grandiosidade do ambiente.

Atrás da mesa, um meio-orc de pele esverdeada repousava em silêncio. Estava coberto por uma armadura surrada e uma capa escarlate. Seus olhos vermelhos permaneciam fixos na porta fechada.

Refletiam uma inquietação silenciosa. A cada menor movimento, as vestes se agitavam com leveza.

As portas se abriram. Um garoto, vestido como um mendigo, entrou com passos rápidos. Ele parou diante da mesa e inclinou a cabeça em um cumprimento contido.

— Neren — a voz do meio-orc ecoou pelo salão —, como foi a missão?

Neren se endireitou, sua postura tensa. — Mestre Gorbolg, investiguei a denúncia do paladino Caelinus na região dos Quangras. O homem chamado Doo... ele não está traficando drogas para os druidas, mas está envolvido em outra coisa.

A expressão de Gorbolg endureceu. Ele cruzou os braços, e a capa arrastou no chão quando se recostou na cadeira.

— Explique — sua voz saiu firme, cortante.

Neren respirou fundo. — Doo controla o lixo do Vale do Suplício. Ele impede outras pessoas de acessarem os itens que encontram para sobreviver. Usa violência quando necessário.

Gorbolg apertou os lábios, e o silêncio pesou no ambiente. Seus dedos tamborilavam levemente na madeira da mesa, como se processassem cada palavra.

— E as grávidas explosivas? Você sabe que os druidas estão sequestrando mulheres e implantando sementes nelas. No parto, elas explodem, matando tudo ao redor. — Gorbolg inclinou-se para frente, os olhos vermelhos faiscando. — Ele tem alguma coisa a ver com isso?

Neren hesitou por um instante, os ombros tensos, antes de balançar a cabeça. — Não encontrei evidências diretas de envolvimento de Doo. Mas os traficantes dessas sementes estão se proliferando. A situação é crítica.

Gorbolg deu um soco na mesa; o estrondo reverberou pelas paredes de pedra. Os objetos em cima da mesa tremularam. Ele se levantou de repente, com passos pesados, andando de um lado para o outro.

— Caelinus agiu por impulso — disse Gorbolg, parando subitamente e encarando Neren. — Mas acertou em parte. O caos está ali, sim.

Neren assentiu rapidamente, mantendo os olhos fixos no chão.

— Prepare o relatório completo: nome por nome — ordenou Gorbolg. Logo após, o meio-orc voltou a se sentar. — Hoje, me reunirei com o general Vanlasnor. Amanhã, os paladinos farão uma incursão no Vale. Não podemos deixar isso continuar.

Neren fez um movimento rápido de concordância e saiu.

— Neren. — Gorbolg o chamou de volta com um tom mais grave. — Bom trabalho.

O garoto congelou por um instante antes de dar um leve aceno com a cabeça, os lábios se contraindo em uma tentativa de sorriso. E então, sem mais palavras, virou-se e deixou o escritório.

— Amanhã esse Doo terá uma visita surpresa.

 

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