Intangível Brasileira

Autor(a): Richard P. S.


Volume 1

Capítulo 22: Ao encontro do limiar

Garrik observou os três novos membros e, depois, olhou para o restante do grupo. Seu sorriso, antes radiante, foi substituído por um olhar duro e calculista. 

— Vocês até podem ir — disse ele, a voz grave ressoando pelo espaço —, mas certamente morrerão. 

Os jovens se entreolharam. Olhos arregalados, mãos trêmulas — o medo era evidente. Um silêncio tenso pairou no ar até que Darin, engolindo seco, se adiantou. 

— Aceitamos. 

Um sorriso satisfeito cruzou o rosto de Garrik.

— Muito bem. Cada um de vocês receberá cinco moedas de ouro. Nesse caso, os que sobreviverem, é claro. 

O brilho nos olhos dos jovens mudou de medo para avidez. As bocas se entreabriram, esboçando sorrisos incertos. 

Maya suspirou, exasperada. — Mais desses caras… — murmurou.

Os anões soltaram gargalhadas barulhentas, seus risos ecoando pelo teatro abandonado. 

Garrik, ignorando a reação de Maya, prosseguiu: — Sendo assim, agora precisamos refazer os planos. 

Ele desenrolou mais uma vez o mapa no chão de madeira, bem ao lado do portal. Ele apontou para o local onde o gigante do gelo fora avistado. — Sabem por que esses portais surgem aleatoriamente na cidade e ninguém faz nada a respeito? — perguntou, observando os jovens.

— Sim. — Imaniul acenou com a cabeça. 

— Então conte-nos. — disse Garrik.

— Na verdade, eu não sei. — disse Imaniul, baixando a cabeça. 

Garrik continuou voltando-se para Darin e Nilego. — E vocês dois?

Kilian levantou a mão. — Eu sei, Caelinus me contou.

Nilego soltou um suspiro irritado. — Claro, Caelinus e suas histórias de merda pra crianças…

— Cala essa boca, tucano desgraçado! — Kilian retrucou, cerrando os punhos.

— Ah é? — disse Nilego quando se levantou, com os punhos prontos para desferir um soco.

Os anões se levantaram, seus punhos sob manoplas também prontos para bater. — Olha aqui, seu tucano de merda. O garoto aqui é nosso convidado de honra — rosnou Cara de Prancha. 

— Se não tá gostando, a porta é logo ali — completou Nariz de Batata.

Garrik assentiu. — Concordo com os anões, Nilego. Kilian é um membro do grupo, vocês estão só nos prestando um serviço. Se maltratar meus colegas…

Contrariado, Nilego baixou os olhos, a mandíbula tensa. — Desculpe — murmurou, sua voz mal se fazendo ouvir.

Após o incidente, Garrik voltou-se para Kilian. — Então, sabe mesmo?

Kilian respirou fundo. — Caelinus é um paladino, então ele me ensinou muita coisa. Ele me contou tudo sobre Jillar, os Santos e a batalha contra Latrixx. O resultado foi a Terra dos Portais, com a nossa cidade no centro. Por isso, não dá para saber onde nem quando um portal vai surgir.

Garrik arqueou uma sobrancelha, concordando com um aceno. — Muito bem, Kilian. E esse portal aqui é mais um desses. Ele nos levará para muito longe de casa. Se ele se fechar, poderemos levar anos até conseguir voltar.

Ele olhou fixamente para cada um.

— Portais são instáveis, suportam apenas um número limitado de travessias, e calcular isso é impossível. Pode ser que, até quando o cruzarmos, metade do grupo fique de um lado e a outra metade do outro. Bem, vocês sabem, ainda querem ir?

Os jovens, ainda nervosos, trocaram olhares antes de responderem em uníssono: — Sim.

Garrik apresentou o mapa, indicando um ponto específico. — Aqui é onde surgiremos ao atravessar o portal. Nosso objetivo é trazer o gigante para perto desses paredões de gelo, estão vendo? Dois de vocês ficarão de cada lado. Atirem na cabeça do gigante, especialmente na nuca, que é seu ponto mais vulnerável.

Garrik, de súbito, ergueu seu olhar para os quatro novatos. — Estão entendendo?

Todos assentiram. Darin se adiantou. — Devemos atirar quando o gigante estiver de costas, focado na dupla do outro lado. Assim, ele nunca vai chegar em um lado, sempre se distraindo com os tiros do outro.

— Exatamente. Gigantes do gelo são violentos, mas não muito espertos — Garrik sorriu. — Alguma dúvida?

Os jovens trocaram olhares, mas ninguém se manifestou.

— Certo. — Garrik continuou. — Darin e Imaniul ficarão no paredão à esquerda. Kilian e Nilego, na direita. — Ele fez uma pausa, a expressão séria. — Não atirem antes que ele esteja no lugar certo. Organizei assim para que tenham maiores chances de sobreviver.

— Garrik, não seria bom alertar eles sobre a tempestade de gelo? — perguntou Maya.

— Bem lembrado. — Garrik concordou. — Nunca fiquem perto demais do gigante. Eles podem desencadear uma tempestade de gelo violenta, caso se sintam ameaçados. E ela pode matar instantaneamente.

Com um gesto final, Garrik fechou o mapa e se pôs de pé. Ele fitou cada um deles com seriedade no olhar. — Isso é tudo. Preparem-se!

Os jovens se entreolharam, nervosos.

— É hora. — Ele levantou as mãos e murmurou palavras antigas, uma luz suave envolvendo cada um deles. — Esta é uma proteção contra o frio. Vai impedir que morram por causa do clima.

Os anões foram os primeiros a atravessar o portal.

— Vê se não vai acertar a panturrilha ao invés do joelho de novo, seu animal de tetas — disse Cara de Prancha sacando um tacape imenso, maior que ele.

— E tu, vê se não vai ser arremessado que nem merda de novo, seu sacripanta — retrucou Nariz de Batata, sacando um machado de lâmina dupla com um tamanho desproporcional.

Maya seguiu logo atrás, sua postura firme e resoluta. Em seguida, Kilian respirou fundo antes de também atravessar.

Quando apenas Garrik e os três jovens restaram, ele falou novamente, sua voz suave. — Vocês podem ir.

Enquanto as palavras de Garrik ressoavam, os jovens permaneciam imóveis. Garrik, percebendo a expressão nos olhos deles, se aproximou, sua voz gentil. — O que aconteceu?

Darin olhou para o chão, a voz trêmula. — Eu... eu não sei se é boa ideia, Garrik. Minha família depende de mim.

Imaniul apenas balançou a cabeça, as mãos trêmulas e a garganta seca. Incapaz de falar, ele apenas olhou para Garrik, com um olhar de pavor.

Nilego, visivelmente pálido, engoliu em seco. — Na verdade, nós não viemos da superfície para isso. Queríamos só vender os paus de fogo primo. E se essa proteção falhar? É só um erro e estaremos mortos...

— A vida de aventureiro não é para qualquer um. Entenderei se desistirem. É melhor do que perder a vida. — disse Garrik com um suspiro.

Os jovens ficaram em silêncio, suas expressões de conflito evidentes. Na teoria, era simples. Mas tomar a decisão, na prática, era o mais difícil.

***

Assim que Kilian atravessou o portal, um choque gelado percorreu seu corpo. Ele encolheu os ombros, puxando o casaco para junto do peito.

O calor seco da cidade sumiu, substituído por um frio cortante.

O vale ao redor parecia uma prisão congelada. Dois paredões de gelo se erguiam dos dois lados, refletindo a pouca luz em feixes ofuscantes.

Era como um corredor de cristal infinito.

O vento uivava. A neve rodopiava ao redor do grupo, dançando em círculos violentos.

Kilian ergueu o braço, tentando proteger o rosto. Mesmo com o casaco, sentia o frio morder sua pele como lâminas invisíveis.

— Então isso é neve? — perguntou, a voz abafada pelo rugido do vento.

— Sim! — respondeu Cara de Prancha, gritando para ser ouvido. — E dessas bem brabas!

Kilian tentou seguir em frente. Cada passo era um esforço, afundando na neve espessa e movediça.

Escorregou uma vez, quase caiu.

Galhos secos se agitavam ao seu redor, como mãos congeladas que tentavam agarrá-lo. A vegetação rasteira, coberta de líquen e neve, parecia sufocar sob o peso do clima.

— Mal posso ver o que tem à frente… — murmurou ele, o vapor saindo da boca e sumindo no ar congelado.

— Isso é surreal — disse entre os dentes. Seus lábios estavam duros, rachados.

Apesar da magia de proteção envolvendo seu corpo, o frio esmagava como um peso invisível.

Respirar doía. O ar queimava suas narinas.

Ele espirrou.

— A magia até protege, garoto — disse Cara de Prancha, batendo no próprio casaco —, mas essas roupas de pele ainda são melhores. A proteção mágica tem tempo limitado. Se se perder por aí... já era.

Kilian olhou para Maya, que caminhava de cabeça baixa contra a nevasca.

— Maya! Essa magia é de abjuração, não é?

Ela apenas respondeu com um olhar breve e impaciente.

— É.

O silêncio que veio a seguir parecia congelado como o ambiente ao redor.

— Garrik e os outros estão demorando — resmungou Nariz de Batata, protegendo os olhos do vento com a mão.

Kilian lançou um olhar para o portal. As bordas do arco mágico ainda oscilavam em energia.

— E se a gente voltasse pra ver o que houve?

— Já esqueceu o que Garrik falou sobre o portal? — retrucou Maya, sem sequer virar o rosto.

— Tem razão… — respondeu Kilian, abaixando a cabeça.

Cara de Prancha e Nariz de Batata trocaram um olhar rápido. O sorriso malicioso de Cara de Prancha não demorou a aparecer.

— Maya está estranha.

— Isso aí é amor — disse Nariz de Batata, soltando uma gargalhada abafada.

Os dois riram juntos, quebrando um pouco a tensão.

— E então, garoto — perguntou Cara de Prancha, dando um tapa leve nas costas de Kilian —, por que aquele babaca do Nilego te odeia tanto?

Kilian esfregou o nariz, ainda sentindo a transição brusca do clima. — Nilego e eu crescemos juntos. Sempre competimos, apesar de ele ser muito mais forte que eu. Então um dia, a gente tava no vale, e ele, de cima do morro, chutou lixo na gente.

— Chutou lixo, é? — Nariz de Batata arqueou uma sobrancelha.

— É. Aí eu chamei ele de tucano, e ele me bateu.

Maya, que estava observando os arredores, finalmente se virou, o olhar frio.

— Então por que cata lixo como um mendigo? — ela perguntou, enquanto o observava de canto de olho.

— Preciso juntar dinheiro para levar Melangie, a pessoa que me criou, em uma viagem antes dela morrer. — respondeu cabisbaixo.

— Estranho. — disse Nariz de Batata. — Você mencionou mais cedo ser filho de paladinos, não é?

— Sim, minha mãe era. Mas morreu no meu nascimento. Então Caelinus e Melangie me criaram.

Nariz de Batata deu uma palmadinha nas costas de Kilian. — Então você é órfão?

— É uma longa história. Mas se quiser eu posso te contar, enquanto Garrik e os outros não vêm.

— Essa eu quero ver. — disse Maya, encarando-o com um olhar de desdém.

Kilian respirou fundo antes de continuar.

— O pai da Melangie, que me adotou, morreu quando eu ainda era muito pequeno... então foi ela quem me criou. Mesmo doente, ela nunca deixou de sorrir pra mim. Caelinus também ajudava, mas sempre foi distante... paladino, cheio de responsabilidades. E quando a doença dela piorou... ele simplesmente se afastou ainda mais.

Ele deu uma risada abafada.

Cara de Prancha cruzou os braços, atento. Nariz de Batata parou de sorrir.

— Eu sei que ela não tem mais muito tempo. Então… essa viagem com o aeroplano é tudo que quero dar pra ela.

Kilian estava no meio de sua história, quando uma luz intensa atravessou o portal, interrompendo a conversa. O brilho pulsante fez todos se virarem. Garrik apareceu do outro lado, sozinho, seus passos firmes enquanto segurava mais paus de fogo primo.

— Garrik? O que houve? — perguntou Cara de Prancha.

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