Intangível Brasileira

Autor(a): Richard P. S.


Volume 1

Capitulo 23: A ira do colosso de gelo

— Os garotos desistiram — disse Garrik, lançando os paus de fogo primo para Kilian. — Então eu comprei isso para você.

Kilian os pegou, ajustando-os junto com os outros fardos. — Obrigado, Garrik.

— Bem, parece que estamos prontos então. — Nariz de Batata comentou, olhando para Kilian com um sorriso encorajador.

Cara de Prancha deu um tapinha na cabeça de Kilian. — Vamos lá, garoto. Temos um gigante pra matar.

O grupo começou a caminhar pela neve espessa, a cada passo exigindo esforço considerável. A alta camada de neve sobre o vale congelado não ajudava, tornando a progressão ainda mais difícil. A nevasca ao redor rugia, dificultando a visibilidade e transformando o terreno num desafio constante.

— Caramba! Caminhar nessa neve é pior que nadar num pântano! — disse Cara de Prancha, sua voz quase engolida pelo vento.

Nariz de Batata concordou com um resmungo, enquanto lutava para avançar.

Kilian era o que tinha mais dificuldade em manter o ritmo. O desconforto era enorme, apesar da proteção mágica.

Garrik, na frente, voltou-se para verificar o grupo. — Cara de Prancha, cuidado com a visibilidade.

— Pode deixar. Vamos, Kilian, se um de nós se perder aqui, já era. Nevasca de merda!

— Eu posso fazer uma pergunta? — Kilian tentou fazer sua voz soar mais alta do que o assobio do vento. — É sempre assim?

Nariz de Batata bufou. — É! Às vezes. Hoje não tá muito bom não. Se eu soubesse que ia ser assim, tinha ficado na taverna!

— Você queria ficar na taverna, seu traseiro de bugbear bêbado? Temos que tocar as coisas! Ou quer que aqueles letnicianos venham roubar nossa caça de novo? — perguntou Cara de Prancha com um resmungo irritado.

— É verdade, tinha até me esquecido daqueles sacripantas. — concordou Nariz de Batata. — Então, garoto? Continue! O que aconteceu depois que você chamou o Nilego de tucano.

Kilian continuou a contar o que aconteceu entre ele e Nilego até os eventos que culminaram na situação atual.

— E tu, Cara de Prancha? Qual foi a última braba que tu te meteu?  — perguntou Nariz de Batata, tentando aliviar o ambiente.

— A última vez? — Cara de Prancha se perguntou, enquanto apalpava sua barba congelada.

Um estalo seco ecoou quando um pedaço dela se quebrou.

— Ah, minha barba! Minha barba quebrou! — disse ele, incrédulo, segurando o pedaço congelado na mão.

Nariz de Batata explodiu em gargalhadas, mesmo com o vento gelado chicoteando o rosto.

— Bem feito! — debochou. — Quem manda vir pra cá com uma barba desse tamanho?

A conversa continuou, alternando entre histórias e desabafos curtos sobre a vida.

Maya, ainda emburrada, caminhava em silêncio. Seus olhos se mantinham fixos no horizonte, sem dizer uma palavra.

A nevasca uivava ao redor deles, tornando cada passo um desafio constante.

Aos poucos, as imensas paredes de gelo começaram a se afastar, revelando uma planície branca e aberta. A transição foi repentina — deixaram os paredões estreitos para trás e adentraram uma extensão quase infinita de neve.

O céu, coberto de nuvens cinzentas, parecia mais próximo, pressionando-os com seu peso mudo. O vento, embora ainda forte, já não uivava com a mesma fúria.

— Finalmente, os paredões acabaram — comentou Garrik, a voz abafada pela distância e pelo frio.

A planície congelada se estendia como um mar branco. Algumas árvores secas, cobertas de gelo, pontilhavam o cenário. Arbustos baixos e congelados surgiam aqui e ali, com folhas pálidas brilhando sob a luz fraca.

O terreno era traiçoeiro. Havia trechos de neve fofa, buracos ocultos e blocos de gelo escorregadio.

Kilian espirrou mais de uma vez. Mesmo com a magia de proteção, o frio ainda se infiltrava.

Cara de Prancha e Nariz de Batata tropeçavam, praguejando entre um passo e outro.

— Essa nevasca de merda, nunca melhora — rosnou Cara de Prancha, esfregando as manoplas uma na outra.

— E você, garoto, como tá aguentando? — perguntou Nariz de Batata.

Kilian tentou sorrir, mas saiu fraco.

— A proteção ajuda, mas ainda assim é desconfortável. O que me preocupa é o que vamos...

Ele parou no meio da frase.

Ao longe, contra a vastidão branca, uma sombra colossal surgia entre os flocos girando ao vento. Cada passo daquela coisa fazia o chão vibrar, como se algo antigo despertasse do sono.

O uivo do vento ficou mais forte, como se o próprio vale reagisse à aproximação da criatura.

— Vocês estão vendo aquilo? — A voz de Kilian se perdeu na ventania, mas o medo nela era inconfundível.

Os anões congelaram. Os olhos arregalados, sem piadas agora.

Até Maya deixou escapar uma expressão de apreensão.

Garrik, sério, seguiu o olhar de Kilian. Seu rosto endureceu.

— É ele. O gigante.

A criatura avançava com lentidão, mas com propósito. Cada passo ecoava, firme, na imensidão gelada.

E o silêncio ao redor parecia se curvar diante da sua presença.

— Merda... — murmurou Nariz de Batata, apertando o cabo da arma com força. — Maya, prepara a Beth Louca!

— Caramba... — sussurrou Kilian. Um calafrio percorreu sua espinha. Respirou fundo, tentando controlar o ar que escapava em nuvens curtas. Seus olhos, no entanto, permaneciam fixos no gigante ao longe. — Matar essa coisa vai ser pior que...

Garrik estreitou os olhos, firme. — Em frente! — Ele se virou para Kilian, o rosto rígido, passando um aviso silencioso. — Mantenha os olhos abertos e a mente focada. Depois disso, Nilego vai parecer brincadeira.

O gigante de gelo emergiu da nevasca como um colosso.

Cada passo fazia a terra vibrar sob o peso esmagador. Sua altura superava as torres mais altas de Jillar — parecia que uma montanha havia ganhado vida.

À luz pálida da tarde, seu corpo reluzia com uma brancura translúcida. Era como gelo vivo. Veias azuladas, como rios congelados, serpenteavam sob sua pele, pulsando com a fúria do inverno.

Os músculos, rígidos como blocos de mármore, ondulavam a cada passo. Seus braços imensos terminavam em garras afiadas, prontas para despedaçar tudo ao redor. A cada movimento, o estalo do gelo se espalhava pelo vale.

Seu rosto parecia uma máscara de fúria talhada em gelo. Os olhos, duas chamas azuis, cintilavam com malícia antiga. Dois chifres curvados emergiam da testa, o vento uivando ao redor deles.

Do queixo pendia uma barba de gelo, cujos fios cristalinos brilhavam como vidro à luz cinzenta do céu encoberto.

De repente, o gigante se agachou.

Cravou as garras na terra congelada e, com um puxão brutal, desenterrou uma rocha enorme, coberta por neve e raízes. O som de estalos e rachaduras preencheu o ar.

A pedra reluzia com brilho gélido.

Ele a ergueu com facilidade, como se fosse leve, preparando-se para usá-la como arma.

— Rápido, seu anão bunda mole! Ele vai nos transformar em panqueca! — gritou Cara de Prancha, os olhos arregalados diante do monstro.

— Se um certo alguém tivesse pernas mais compridas! — retrucou Nariz de Batata, enquanto os dois anões se aproximavam de Maya, que segurava uma bolsa de couro nas mãos.

— Rápido, não temos muito tempo! — exclamou Maya, estendendo uma bolsa para eles.

Os dois anões vestiram um par de manoplas, uma em cada mão. Em seguida, enfiaram-nas dentro da bolsa e puxaram uma corrente repleta de farpas, com um gancho em cada extremidade. Era tão grossa quanto as cordas que prendiam os aeroplanos no ancoradouro de Jillar.

— Ah, se não é você, Beth Louca — bradou Cara de Prancha, um sorriso se formando por debaixo da barba. Nariz de Batata apenas assentiu, concentrado.

Lá à frente, com a rocha colossal erguida sobre os ombros, o gigante finalmente lançou o projétil na direção do grupo. O som cortou o ar como um trovão distante, anunciando destruição.

— Soltem a corrente! — gritou Garrik. — Todos pro chão!

Os anões deixaram a corrente cair na neve, com um estrondo metálico. Maya se jogou no chão, abraçando a bolsa de couro. Kilian, ainda em choque, obedeceu por instinto e se escondeu atrás de uma pequena elevação no terreno.

Garrik ergueu as mãos, murmurando palavras antigas. No instante seguinte, a rocha colidiu com uma barreira mágica invisível. A magia explodiu o pedregulho em fragmentos, lançando estilhaços por toda parte.

Cara de Prancha foi atingido por pedaços menores. Uma lasca se cravou em seu ombro, justo na fenda da armadura. O anão grunhiu de dor.

Nariz de Batata levou um corte no rosto. O sangue escorria pelo bigode espesso, mas ele permaneceu de pé.

Maya conjurou um escudo sagrado no último segundo, mas o impacto foi brutal. A rocha rompeu a barreira mágica como se fosse vidro e a atingiu entre o braço e a lateral do rosto. Ela caiu na neve, pressionando a mão sobre a região ferida.

Kilian foi o único a sair fisicamente ileso. Mas o medo o prendia no chão, as pernas pesadas como chumbo.

Garrik, ofegante após o esforço mágico, olhou ao redor. — Todos bem? — perguntou, com a voz trêmula.

Cara de Prancha soltou uma risada curta, apesar da dor. — Mais ou menos... vou precisar de ajuda aqui.

Uma pedra pesava sobre sua perna.

Nariz de Batata limpou o sangue do rosto com as costas da mão e assentiu. — Essa foi fraca! Agora damos o troco!

— Kilian, é a sua vez, corra! — gritou Garrik.

As palavras o tiraram do transe.

Kilian correu.

Avançou pelo flanco do gigante, contornando-o a uma distância segura, como se orbitasse um corpo celeste. Lutava contra a altura da neve e a falta de força nas pernas. Estava mais lento do que esperava, quando se imaginava pronto para o combate.

O gigante de gelo rugiu, mas o ignorou. Sua massa colossal se voltava contra o restante do grupo.

— Ele está chegando, Maya. Rápido! — gritou Cara de Prancha, a voz carregada de preocupação.

Maya se levantou. Um filete de sangue escorria de sua testa. Com um gesto contido, conjurou uma magia silenciosa. Uma luz suave envolveu suas mãos, curando os ferimentos dos anões — e os dela.

— Agradeço! — disse Nariz de Batata, empunhando o machado enquanto aguardava o colosso.

Garrik estendeu as mãos, entoando palavras arcanas. Uma aura brilhante cobriu cada membro do grupo. Kilian sentiu a energia correr por seu corpo. Seus passos ficaram mais firmes, mais rápidos.

— Agora a merda fede pro teu lado! — berrou Nariz de Batata, firme no lugar.

Kilian, afastado do monstro, puxou dois paus de fogo primo. Ativou-os.

Dois disparos cruzaram o ar. Um se perdeu na nevasca. O outro atingiu o ombro do gigante — e explodiu parte de sua carapaça cristalina.

— Acertei!

O gigante respondeu com um salto poderoso. Tentou pisotear os anões.

O impacto foi devastador. O solo se rompeu, neve e pedras voaram em todas as direções.

Cara de Prancha foi atingido por detritos, mas usou os braços protegidos pela armadura para conter o dano. Ainda assim, a pancada o deixou preso, uma rocha esmagando sua perna como um animal ferido diante do predador.

Nariz de Batata, mais ágil, deslizou pela neve até se esconder numa fenda entre rochas molhadas pelo gelo.

— Esse maldito é rápido demais! — gritou Cara de Prancha, tentando remover a pedra da perna.

— Maya! — gritou Kilian ao vê-la cair.

Um estilhaço acertou sua cabeça. Ela tombou na neve sem emitir um som.

— Droga! — exclamou Garrik. Ele ergueu os braços, invocou a magia e se lançou aos céus.

— Ele fugiu? — resmungou Nariz de Batata, com os olhos voltados para o alto.

— Não... — disse Cara de Prancha, preso no chão. — Ele não olhou pra ele. Tá olhando pra mim.

O gigante virou o corpo. As garras se ergueram, prontas para dilacerar.

— Merda... — murmurou o anão. Ele puxou a perna, mas a pedra a mantinha presa.
Nada por perto. Nenhuma arma. Nenhum escudo. Só ele e a sombra do monstro.

— Será esse... o meu fim? — sussurrou, com a voz embargada.

O colosso avançou. O braço desceu.

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