Intangível Brasileira

Autor(a): Richard P. S.


Volume 1

Capítulo 20: O Valor da magia

Kilian se ajeitou na cadeira, tentando processar a informação.

— Um gigante do gelo? — repetiu Kilian. Seu corpo recuou por um momento.

Cara de Prancha, com uma risada estrondosa, deu um tapa no ombro de Nariz de Batata. — O garoto nunca viu neve, imagina um gigante de gelo! — Ele se inclinou sobre a mesa, os olhos brilhando de excitação.

— O problema não é esse — disse Kilian, se recompondo. — Gigantes de gelo devem ser poderosos. Como vocês estão tão... Assim?

— Não se preocupe, garoto. — disse Cara de Prancha, dando um tapa no ombro franzino do garoto. — Já matamos uns quantos.

Kilian franziu a testa. — Tudo bem, só não entendi uma coisa ainda: Não faz sentido matar um gigante só por matar. Tem que ter algum motivo. Vocês querem algo dele, não é?

Nariz de Batata deu um sorriso malicioso por baixo do seu bigode. — Nariz de Batata deu um sorriso malicioso por baixo do bigode. — Olha só, seu anão borra-botas... o garoto é esperto. Sim, estamos atrás de algo específico. Um lingote.

— Um condutor mágico? — Kilian repetiu, cada vez mais confuso. — Que tipo de lingote? Eu sei que existem fórmulas secretas para forjar Zig-Resil e até Albastrógeno. Então é isso que vocês vão tentar forjar?

Os anões se entreolharam, logo depois caíram na gargalhada, enquanto Maya balançava a cabeça, esboçando um sorriso discreto.

— Zig-Resil e Albastrógeno? — riu Nariz de Batata. — Isso aí é quinquilharia, garoto. Não, estamos atrás de algo muito mais valioso.

— Mais valioso?

— Estamos falando de Purgeno, rapaz. — completou Cara de Prancha.

Kilian, que estava com o corpo apoiado sobre as costas de uma cadeira, quase caiu ao ouvir isso.

— Um lingote de Purgeno? — perguntou, os olhos arregalados de surpresa.

Maya olhou para ele com uma sobrancelha levantada. — Sim, por que tanto espanto?

— Vocês sabem o que se pode fazer com isso? — Kilian perguntou, a voz tremendo de excitação. — Dá pra forjar equipamentos extremamente poderosos!

— É claro, garoto. E por que você acha que a gente tá nessa luta? — disse Cara de Prancha, soltando uma gargalhada.

— Ouvi dizer que só os campeões letnicianos das famílias mais ricas têm equipamentos desse tipo de material. — Kilian falou, acenando levemente.

Isso é verdade, pequeno — confirmou Nariz de Batata, virando uma caneca de cerveja num único gole. — No mercado, um lingote desses deve valer cerca de dez mil peças de ouro.

— Sim, ouvi falar sobre isso. — disse Kilian, com a empolgação latente em sua voz. — É como uma lenda entre o pessoal do Vale.

Cara de Prancha, percebendo a reação de Kilian, deu um tapa amigável em seu ombro. — Vejo que você já conhece e entende o valor dos condutores mágicos. Estou começando a gostar mais ainda de você, garoto.

Nariz de Batata se levantou, ainda sorrindo. — Eu também gostei de você. Vamos, idiota! Temos que sair pra comprar algumas coisas. — disse ele ao outro anão. — Maya, cuida bem do garoto. Ele vai te fazer companhia por enquanto.

Enquanto os anões deixavam a taverna, o som das botas ecoava pela madeira velha. Kilian ficou para trás, sentado à mesa com Maya.

Ela não disse nada. Também não o olhou. Virava as páginas do livro com a tranquilidade de quem já o tinha lido mil vezes.

A luz das velas tremulava nas paredes, criando sombras dançantes. Maya, no entanto, parecia presa em outro mundo.

Kilian observava a cerveja girar no ar, suspensa em uma esfera líquida quase perfeita. As bolhas estouravam na superfície, puxadas por algo invisível.

Desviou o olhar para os dedos de Maya. Eles se moviam com precisão automática, como se nem notassem o que faziam.

Ela parecia imersa no livro. A testa franzida, os lábios comprimidos numa linha fina.

A taverna estava cheia de vozes, pratos e canecas. Mas ao redor dos dois, tudo soava como silêncio.

Ele se inclinou, curioso. Queria entender como aquela magia funcionava.

Seus olhos seguiam o movimento da cerveja, o rosto aceso por um brilho de fascínio.

A leveza dos gestos de Maya o intrigava — como se aquilo fosse banal para ela, um reflexo.

Sem se dar conta, ele aproximou-se mais.

— Como você faz isso? — Kilian quebrou o silêncio, a voz baixa, quase como se temesse interromper o encantamento.

Maya levantou os olhos do livro, avaliando-o por um momento antes de responder. Seus dedos mantiveram o controle sobre a esfera flutuante, que continuava girando lentamente.

— Isso? — Ela inclinou a cabeça para o lado, os olhos semicerrados. — É só uma manipulação de levitação arcana. — Sua voz carregava um tom de desdém controlado, como se não visse motivo para explicar algo tão básico.

Kilian assentiu, mas manteve o olhar fixo na esfera de cerveja, uma ruga de concentração formando-se em sua testa. — Parece complicado, mas quando você faz, tudo parece simples. — A leveza em seu tom contrastava com a seriedade da situação.

Maya ergueu uma sobrancelha, como se estivesse prestes a rir da ingenuidade dele, mas voltou a mergulhar no livro, dando de ombros.

— É. Nunca vi ninguém fazer isso de tão perto. — Ele deu mais um passo para frente, os dedos coçando como se quisessem imitar os movimentos dela.

Ela fechou o livro com um estalo, suspirando pesadamente. — Talvez seja porque você nunca teve acesso ao conhecimento adequado. — Havia um leve sarcasmo em sua voz, mas seus olhos brilharam com algo além de impaciência. — Magia é vasta e variada, muito mais do que você pode imaginar.

Sentou-se ao lado, os olhos fascinados, o sorriso leve no canto da boca. — E você já nasceu sabendo isso ou teve que aprender? — Kilian inclinou-se, agora observando seus dedos com mais atenção.

— Nascer sabendo? — Um sorriso surgiu em seu rosto, mas logo desapareceu, substituído por uma expressão tensa, quase irritada. — Nasci com magia divina, isso sim. Já a arcana... essa exige estudo, disciplina. — Havia uma ponta de orgulho na forma como disse "magia divina", mas também algo que soava como uma cobrança interna.

— Ah, tá explicado. — Kilian deu um tapinha suave no ombro dela, como se fosse uma brincadeira, mas a mão foi rapidamente retirada quando Maya o fuzilou com o olhar.

Ela se afastou ligeiramente, erguendo o queixo. — Não entendeu nada. A magia divina está no meu sangue. Já a arcana... essa sim exige estudo, disciplina. Não é como afanar uma carteira por aí. — Seu tom se tornou mais frio, a tensão entre eles crescendo conforme ela o encarava.

Ele riu de leve, mas seu olhar logo suavizou ao notar a seriedade dela. — Entendi... — Um silêncio pairou entre os dois; os sons abafados da taverna preenchiam o espaço.

Por um momento, ambos ficaram imersos em seus próprios pensamentos, sem trocar uma palavra. Kilian observava Maya em silêncio, o semblante dela mais relaxado agora, enquanto voltava a folhear seu livro.

Ele soltou um suspiro leve, como se tentando quebrar a distância entre eles. — Queria poder aprender também. — A frase escapou de seus lábios quase sem pensar, mas seu olhar permaneceu fixo na esfera flutuante, agora imóvel no ar.

Maya parou de folhear o livro, erguendo uma sobrancelha em ceticismo. — Você? — O canto de sua boca formou um leve sorriso desdenhoso, embora seu olhar não fosse de completo desprezo, mas de desafio.

Kilian deu de ombros, olhando para as próprias mãos.

— Talvez eu não saiba muito agora... Mas posso aprender, não posso? — Sua voz carregava uma determinação tímida, como se colocasse à prova algo mais profundo do que simples curiosidade.

Maya o estudou por alguns segundos em silêncio. Fechou o livro, desta vez sem o estalo irritado de antes.

— Aprender não é só querer. É preciso disciplina... e um bom mentor. — Seus olhos escureceram, como se lembrasse de algo pessoal. — Mesmo com potencial, nada será fácil.

Kilian sorriu de canto, determinado.

— Me explique. Estou disposto a tentar.

— Isso vai ser uma perda de tempo — resmungou ela. — Mas, já que quer aprender, vamos falar sobre as escolas de magia. Existem oito categorias principais.

Com um gesto da mão, a cerveja flutuante se transformou em um cubo perfeito.

— Isso é evocação. Manipulo energia para levitar e moldar o líquido dessa forma.

Kilian franziu a testa.

— Evocação...

— Essa escola envolve a conversão de energia mágica em formas físicas: fogo, eletricidade, gelo... — explicou. — É força bruta, canalizada.

Ela moveu os dedos, e o cubo se desfez, formando um escudo de pequenos hexágonos.

— Aqui temos abjuração. Cria barreiras e proteções. Funciona compactando a energia mágica em uma estrutura capaz de resistir a ataques físicos ou mágicos.

Sem pausa, o escudo virou uma seta, flutuando diante deles.

— E isso?

— Parece uma bússola. Está apontando para o norte — arriscou Kilian.

Maya assentiu.

— Correto. Adivinhação. Ela revela o que está oculto, orienta, prevê. Eu também poderia transformar essa esfera em uma bola de cristal para enxergar lugares distantes.

Mais um gesto, e o líquido ganhou um novo tom.

— E agora?

— Vinho? — Kilian arqueou as sobrancelhas.

— Transmutação — respondeu ela. — Altera a natureza das coisas. Aqui, transformei a cerveja em vinho. Desde que se mantenha o equilíbrio de massa e energia, quase tudo pode ser alterado.

Ela ergueu a esfera com os olhos fixos no líquido avermelhado. Um aroma adocicado e levemente etéreo pairou no ar.

— Esse cheiro... — Kilian iniciou, mas um bocejo interrompeu sua fala. — Você está tentando me fazer dormir? — perguntou, sentindo o cheiro doce invadir suas narinas.

Maya sorriu, sem mostrar os dentes. — Adivinhou. Magias de encantamento afetam as emoções e a mente das pessoas, podem até induzir sentimentos específicos como medo, amor ou confiança.

Logo depois ela fez o vinho apodrecer, como se tivesse ficado anos exposto à ação do tempo. Um cheiro fétido de vinagre tomou conta do ambiente.

— Necromancia. Magia que lida com a morte, manipulando entropia e energia vital.

Com um último gesto, Maya fez o vinho desaparecer.

— Magias de convocação movem objetos ou criaturas de um lugar para outro, criando portais ou dobras no espaço-tempo para facilitar o transporte instantâneo.

Maya fez a esfera de vinho reaparecer e a jogou em Kilian, que se encolheu, mas nada aconteceu.

— Magias de ilusão manipulam a luz e a percepção visual, criando imagens e sensações que não correspondem à realidade. — Observe com atenção. Não há vinho, só uma imagem.

Kilian sorriu, impressionado. — Então, essas são as oito escolas de magia?

— Exato. Para aprender cada uma delas é necessário muito estudo.

Kilian franziu a testa, a confusão estampada em seu rosto. — Para ser honesto, não entendi muito bem o que é o quê... — Ele coçou a cabeça, ainda tentando assimilar as informações. — Mas mesmo assim, eu vou tentar.

Maya suspirou, apesar da leveza em seu olhar. — Tudo bem. Não esperava que alguém como você entendesse tudo de uma vez. Vamos começar do início e seguir devagar.

Kilian assentiu, determinado. — Seria ótimo começar assim.

Maya pegou uma nova caneca de cerveja sobre a mesa e a trouxe para perto, fazendo o líquido se transformar em uma esfera. — Primeiro, evocação. Pense nisso como canalizar energia pura. Imagine a energia mágica como uma força que você pode moldar em fogo, gelo ou eletricidade. Está vendo?

— Sim, entendi. — Kilian respondeu, olhando para uma caneca de leite. Ele repetiu seus gestos, imitando as palavras com atenção. Uma energia rosada envolveu sua mão direita, fazendo o leite de outra caneca ao lado flutuar.

— Consegui! — disse Kilian vendo o leite flutuar no ar.

Maya arregalou os olhos, incrédula. — Essa energia rosada...Tem alguma coisa errada. Pare! — ela ordenou. 

— Por quê? — ele perguntou, enquanto transformava a esfera de leite em cubo, pirâmide, cilindro e outras figuras geométricas.

Antes que Maya pudesse reagir, a esfera estourou no ar, espirrando o líquido por todo o rosto, cabelo e peito dela. Por um instante, o tempo pareceu hesitar.

O leite escorria lentamente pelas pontas dos fios. A expressão de Maya oscilava entre perplexidade e raiva, enquanto um rubor subia do pescoço até as bochechas. O silêncio da taverna parecia mais denso ao redor deles, como se até os sons se curvassem à tensão no ar.

Kilian recuou ligeiramente, o sorriso nervoso sumindo conforme percebia o tamanho do estrago. Os punhos dela se fecharam devagar. Os lábios tremeram.

Era como se Maya estivesse tentando conter algo muito maior do que um simples acesso de fúria.

— Kilian... — A voz saiu baixa, firme e estranhamente controlada.

Controlada demais.

 

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