Volume 1
Capítulo 16: A exuberância do andar de cima
Nilego saltou — apenas o bastante para agarrar a borda da caçamba. Seus olhos encontraram os de Kilian por um instante, como se implorasse por uma reação. Kilian permaneceu parado, o coração acelerado, mas sem fazer nada.
O momento se arrastou até que Darin e Imaniul perceberam a inércia de Kilian e correram para puxar Nilego. Com esforço, eles o ergueram para dentro, enquanto Kilian desviava o olhar.
— Valeu — murmurou Nilego, ofegante, sem encará-lo, a tensão ainda evidente.
— E você, ajuda da próxima vez! — reclamou Imaniul, depois de lançar um olhar para Kilian.
— Tá... — respondeu Kilian, enquanto se acomodava ao lado dos outros, sem saber o que dizer.
Todos se sentaram sobre os fardos dos paus de fogo primo e encostaram-se, relutantes, na madeira suja. Enquanto isso, O aeroplano lixeiro começou a subir e logo se distanciava do Vale. Ao redor, as luzes das outras aeronaves pontilhavam o céu escuro, eram como vaga-lumes em direções diferentes.
— Aí! Esses paus de fogo primo devem valer uma fortuna se gente recarrega, né? Imagina o que dá de fazer com o dinheiro — Darin quebrou o silêncio enquanto vigiava os outros aeroplanos, como se procurasse por algo.
— Fortuna? — retrucou Nilego. — Isso deve valer umas três ou quatro peças de prata cada.
— Ah é! Se for três peças de prata cada, já dá uma ótima grana! Imagina, trinta peças de ouro! Vou comprar uma roupa nova que eu vi no mercado! — disse Imaniul, sua voz arranhada se destacava contra o vento, incapaz de falar baixo, enquanto seus olhos também seguiam o movimento dos aeroplanos.
— Eu vou usar esse dinheiro pra montar um negócio e sair dessa vida de catador — acrescentou Darin, a voz cheia de ambição. Ele ainda olhava atentamente ao redor, seus olhos fixos nos aeroplanos que se moviam em direção à cidade.
Imaniul olhou para Kilian com os olhos estreitos. — E você? O que vai fazer com o seu dinheiro?
Kilian deu de ombros e desviou o olhar para o horizonte, onde as luzes da cidade começavam a surgir. — Não sei.
— Acho que vou até trabalhar vendendo lamparinas — acrescentou Darin.
Imaniul riu, enquanto cutucava Kilian de leve. — Relaxa, cara! Conta aí! Ninguém vai rir de você.
— Eu não sei. — insistiu Kilian. — É tudo muito recente pra mim pensar.
Darin, ainda com os olhos atentos, não participou da brincadeira.
— Aí, pessoal. Precisamos encontrar o aeroplano com a insígnia Quangra. Eu deixei uma marca. Ele vai passar por baixo de nós daqui a pouco.
— Você já tinha pensado em todo o golpe, hein, Darin? — Imaniul comentou, mas havia uma ponta de respeito em sua voz.
O aeroplano subia, e o deserto vermelho se estendia abaixo deles, imenso e silencioso. O vento frio aumentava a tensão. Ao longe, as luzes da cidade tremeluziam como faróis.
— Acha que vai ser fácil? — perguntou Nilego, com os olhos na paisagem abaixo.
— Difícil, mas sem escolha — respondeu Darin, com um leve sorriso no canto da boca.
Nilego bufou, sem discutir. — Tá.
— Olha uma vela marcada com um "D". Pintei mais cedo — Darin explicou. — Nada que você não dê conta.
Kilian, afastado da conversa, vasculhava o céu em silêncio. Darin permanecia focado. Imaniul vigiava tudo, curvado sobre a borda, tenso.
— Rápido e discreto — alertou Darin, ao quebrar o silêncio mais uma vez. — Não podemos chamar atenção.
Os quatro jovens se debruçaram sobre a borda e observaram a frota de aeroplanos lixeiros cruzar por cima e por baixo deles. O vento gelado cortava seus rostos. Trocaram histórias curtas para aliviar a tensão.
— Eu e Caelinus vimos um tigre gigante sair de um portal no distrito evacuado! — disse Kilian, em tom de bravata. — Bem na noite em que aquelas árvores todas surgiram!
— Um tigre gigante? Ah é! Que tamanho? — Imaniul riu. — Que tipo de coisa você anda tomando, Kilian?
— Ué? E por que não? — perguntou Darin. — Esses portais já trouxeram coisa de tudo quanto é canto mesmo.
Nilego revirou os olhos. — Claro que isso é mentira. Acha que vamos cair nessa? E quem matou o tigre gigante?
— A parte mais doida vem agora — disse Kilian, ainda debruçado sobre a borda. Os olhos buscavam o aeroplano entre a frota que retornava para a cidade. — O Caelinus lutava com ele. Eu cheguei com uma viga de construção. Acertei bem nas costelas. Depois, o Caelinus terminou o serviço.
— Ah tá! — Nilego falou de supetão, irritado. Ele se afastou da borda da caçamba e encarou Kilian. — Caelinus não mata nem cachorro. Quem dirá um tigre gigante.
Kilian se virou bruscamente, o rosto vermelho.
— Não quero dizer nada, Nilego, mas isso foi um dia antes dele te dar uma surra e deixar seu pai com a cola no meio das pernas.
— Ei, ei! Parem com isso! — disse Darin, sem desviar os olhos do céu.
— Continua procurando, Kilian — disse Imaniul, depois de empurrar o ombro dele na direção da borda. — O marcado vai nos levar direto pros Quangra. Pro dinheiro.
— É um bostinha mesmo — rosnou Nilego.
— Vai se danar, tucano de merda.
Nilego deu um passo à frente, seu maxilar travado. — Como é que é?
Kilian se virou, os olhos fixos. Pegou um pau de fogo primo entre os fardos e apontou para o peito de Nilego.
— Dá mais um passo — disse, firme.
Nilego parou e encarou o objeto com desprezo. — Isso aí nem funciona.
— Quer pagar pra ver?
O silêncio caiu pesado. Por um instante, nenhum dos dois piscou.
Imaniul se colocou no meio, afastou os dois com os braços. — Chega. Se querem se matar, vão espera a gente sair desse lixo.
— Tucano de bosta — murmurou Kilian, ao se afastar.
Nilego bufou, mas não respondeu.
— Ei, ei! — resmungou Darin. O olhar dele ia e voltava entre os dois.
— Olha! — gritou Imaniul, no momento em que apontava para uma vela com um "D" marcado em tinta. — É aquele!
Darin ergueu os braços. — Alta mão! Esse é o nosso.
— Incrível! Nunca estive na parte dos Quangras antes! — disse Imaniul, com os olhos brilhando.
— Então é isso. Vamos ajeitar tudo — disse Darin, ao ver o aeroplano marcado se aproximar.
— Essas coisas seguem rotas fixas. Ninguém vai nos esperar — disse Imaniul.
Darin pulou para o outro aeroplano e começou a puxar os fardos. Imaniul passou um por um.
— Difícil pegar um desses — comentou Imaniul. — Eles sempre despejam o lixo do alto. O dos Adhunas, então... nem dá pra tentar.
— Vamos lá, Kilian. É agora! Joga o fardo! — gritou Darin, com um sorriso malicioso.
Kilian e Nilego observavam em silêncio. O vento cortava os rostos, e as velas tremiam acima deles.
— Segura aí. Vou avisar quando for a vez de vocês pularem — gritou Darin do outro lado.
Kilian franziu o cenho. Os olhos desconfiados acompanharam os gestos rápidos de Darin e Imaniul.
— Tá sentindo? — murmurou Nilego ao lado, a voz baixa e tensa. — Eles não vão avisar.
Kilian olhou de canto de olho para Nilego, surpreso por concordarem em algo. Nilego evitava o olhar dele, mas a tensão entre os dois saltava aos olhos.
— É, mas achei que você não ia ouvir — sussurrou Kilian, ao medir a reação dele.
— Ei, tá longe demais! — gritou Nilego para os dois. Depois se voltou para Kilian. — Não vai achando que eu tô de boa. Ainda vou te dar uma surra. Mas se a gente não fizer nada, os dois vão deixar a gente aqui.
O silêncio entre eles se quebrou com o barulho dos fardos ao cair do outro lado. O tempo apertava. Nilego se inclinou. Os olhos calculavam a distância entre os dois aeroplanos, cada vez maior.
— Espera um pouco, Nilego! — chamou Imaniul, sem quebrar o disfarce.
— Tá vendo? Pula primeiro — disse Nilego, ao soltar o ar dos pulmões. — Você é mais leve. Eu vou logo atrás.
Kilian hesitou por um segundo. Observou o vazio entre as bordas. O vento cortava o rosto. O balanço do aeroplano tornava o salto mais arriscado a cada instante. Olhou para Nilego, que se preparava em silêncio.
— Tá bom — respondeu, enfim, com a voz dividida entre relutância e confiança.
Com um impulso, flexionou as pernas e saltou. As mãos agarraram a borda do aeroplano à frente. Darin e Imaniul continuaram com os fardos, fingiram ignorar a cena. Mas Kilian sabia: eles tinham visto.
— Ei, tá longe demais! — gritou Nilego, a voz embargada pelo desespero.
— Calma, ainda não! — disse Imaniul, sem perder a fachada. Um sorriso malicioso escapava pelos lábios.
— Vai! — gritou Kilian, com a mão estendida.
Nilego apertou os olhos. O peito subia e descia. O outro aeroplano se afastava depressa. O medo de ficar para trás estampava sua expressão.
Com o olhar firme, enrijeceu os músculos. Ele recuou até o limite da caçamba. O vento cortava o rosto. Num último impulso, correu.
Saltou. O ar rugiu nos ouvidos. Por um momento, o tempo pareceu parar. O corpo flutuou entre os dois aeroplanos. As mãos avançaram para alcançar a borda da caçamba dos Quangras. Os dedos roçaram o metal frio.
Nilego agarrou a mão de Kilian, as pernas balançaram perigosamente no ar. Os dois se seguraram com força, os músculos rígidos, enquanto Darin e Imaniul, sem escolha, os puxaram para cima.
— Que merda, hein? Vocês quase me deixaram pra trás! — disse Nilego, a irritação estampada no rosto, já acomodado na caçamba.
— Desculpa aí, foi um erro de cálculo — Darin disfarçou com um dar de ombros.
— É, essas coisas acontecem — Imaniul desviou o assunto.
Os dois se ajeitaram na caçamba e retomaram o fôlego. O silêncio durou pouco. O som do vento cortou as velas do aeroplano, seguido de um leve tilintar dos fardos em nova posição. Darin e Imaniul, satisfeitos, terminaram de ajeitar a carga.
Kilian passou a mão no rosto; o suor se misturava ao ar frio da noite. Nilego, ao lado, permaneceu quieto, os olhos presos no céu.
O aeroplano seguiu suavemente pelo céu noturno, distante da agitação recente. Aos poucos, o horizonte revelou o brilho da cidade dos Quangras. As luzes vibrantes pintavam o céu, destacadas contra a escuridão que ganhava força. A metrópole se aproximava.
Na aproximação à massa de terra dos Quangras, cruzaram o porto, onde aeroplanos chegavam e partiam em ritmo constante. A cidade abaixo se revelou imensa. Nas ruas, golens de variados tamanhos e formas circulavam. Cada um exibia detalhes intrincados, distantes dos construtos rudimentares da superfície. Suas estruturas quase sugeriam vida própria.
No porto, aeroplanos de todos os tipos voavam em harmonia ajustada, carregavam mercadorias e transportavam passageiros. A atividade ali parecia incessante. Seres de todas as raças cruzavam os caminhos: humanos, descendentes dos féericos, halflings, anãos e figuras mais exóticas formavam um frenesi vivo.
— Já viu algo assim antes? — perguntou Darin, sem tirar os olhos da cena.
— Nunca. É a primeira vez que eu deixo a superfície — respondeu Kilian, os olhos acompanhavam o movimento. — E você?
— É, já vi algumas vezes — Darin exibiu um sorriso presunçoso. — Mas sempre impressiona, né?
Nilego cruzou os braços e manteve o olhar desconfiado sobre o porto.
— Esses construtos são diferentes, hein? — comentou, quase escondendo a admiração.
— São, sim — Imaniul focou num dos golens mais próximos. — Esses aí parecem até gente.
— Vamos descer agora! — gritou Darin, com o dedo apontado para um telhado logo abaixo.
— Não dá. Estamos alto demais! — disse Kilian, os olhos tentavam medir a distância até o chão.
— E se a gente usar os ganchos de recolha de lixo pra descer? — Imaniul já se adiantava com os ganchos nas mãos.
— Só tem um problema — disse Nilego, com as mãos firmes na borda da caçamba, os olhos voltados pro chão. — Pra recolher os ganchos na mão, só lá de dentro da sala autômata.
— Pois é... o único jeito de baixar o gancho era pela sala autômata — Darin franziu a testa.
— E daí? A gente tem que entrar lá — Kilian decretou.
— Você tá maluco? Aquele cristal de Etherdorium é perigoso! — Imaniul se alarmou.
— "Você tá maluco?" — Kilian debochou, já a caminho da popa. — Deixa comigo. Eu vou!
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