Infinity World Brasileira

Autor(a): Infinity World


Volume 1

Capítulo 13: Lírio de Ferro

Além do corredor estreito, havia apenas escuridão. Mesmo com a tocha crepitante nas mãos de Greg, a luz parecia morrer poucos passos adiante.

As paredes, feitas de pedra antiga, guardavam umidade suficiente para deixar o ar frio e carregado de cheiro metálico. Filetes de água escorriam por fissuras estreitas, reunindo-se em poças rasas que refletiam a chama trêmula.

Sombras se alongavam e encolhiam a cada passo, acompanhando o movimento dos dois. O estalar da madeira se misturava ao gotejar constante. O teto, baixo o bastante para impor cuidado, ostentava manchas escuras, vestígios de fuligem ou mofo que se confundiam com rachaduras profundas.

Suu-Yuky seguia um pouco atrás, atento a cada reentrância da parede e a cada ruído que não fosse o da água ou de seus próprios passos. O chão, irregular, guardava vestígios quase invisíveis: poeira remexida, um risco de lama seca, como se alguém tivesse passado correndo.

No fim do corredor, a passagem se abria para uma escada estreita, feita do mesmo bloco cinzento. Os degraus eram gastos e abaulados, denunciando séculos de uso. Acima, a escuridão parecia exalar um ar mais frio, quase gelado, que descia e envolvia os dois.

Greg ergueu a tocha, tentando forçar a luz a alcançar o topo.

— Só resta essa — a voz saiu baixa, perdida no eco curto que se dissolveu no corredor.

Suu-Yuky não respondeu. Apenas inclinou o queixo e iniciou a subida.

Os dois começaram a subir. Cada degrau parecia exigir mais força do que o anterior.

Greg sentia a palma da mão suar dentro do cabo áspero da tocha, e a outra, que agora segurava o revólver, tremia quase imperceptivelmente. O frio das paredes parecia infiltrar-se pelos ossos, mas o suor nas têmporas ardia.

Suu-Yuky mantinha os punhos fechados. Os passos eram contidos, quase silenciosos, mas o corpo inteiro denunciava a prontidão: ombros erguidos, respiração curta, olhar sempre adiante. Um mau pressentimento, pesado e insistente, se aninhava no estômago de ambos, e a cada passo parecia subir pela espinha, apertando o ar no peito.

A luz vinda do topo crescia aos poucos, filtrada por um brilho amarelado e trêmulo. Com o avanço, começaram a vislumbrar fragmentos do salão: primeiro, um piso de pedra polida e manchada; depois, grades grossas embutidas nas paredes, algumas retorcidas; e, no centro, um círculo de correntes presas ao chão.

Mais alguns degraus e a figura surgiu. Primeiro, as botas, gastas e manchadas. Depois, o joelho apoiado de forma relaxada. Por fim, o corpo inteiro, afundado em uma cadeira de ferro de encosto alto. O homem estava sentado de lado, perna cruzada, tragando um cigarro com uma calma quase insultuosa. A fumaça subia em espirais lentas, desaparecendo no ar frio da masmorra.

Atrás dele, penduradas no teto por ganchos enferrujados, estavam dezenas de lamparinas desgastadas, todas acesas, projetando uma iluminação irregular que criava sombras que dançavam pelas paredes — e todas as luzes pareciam convergir para o centro, onde ele estava.

Greg e Suu-Yuky pisaram no salão. O homem soltou a fumaça pelo canto da boca, e um sorriso estreito apareceu. Sua voz quebrou o silêncio com uma tranquilidade perturbadora:

— Sentiram, não foi? Então respondam... quem mandou vocês?

Suu-Yuky não precisava que Greg dissesse nada. O homem à frente — chapéu preto de abas largas lançando sombra sobre os olhos, perna cruzada, cigarro entre dois dedos — tinha uma presença que se impunha antes mesmo de abrir a boca. Não era pelo corpo relaxado ou pela forma preguiçosa de tragar a fumaça; era pelo jeito como todo o salão parecia se organizar em torno dele.

Mesmo as lamparinas penduradas pareciam conspirar para iluminá-lo mais que ao resto do espaço.

Algo estava errado. Um instinto antigo, o mesmo que gritava segundos antes de uma lâmina ser desembainhada, percorria a espinha de Suu-Yuky. Mas esse peso era diferente do monstro e lobos que já enfrentara — não havia a selvageria imprevisível de uma fera, e sim uma intenção fria, meticulosa, como quem já decidira sua morte.

— Então... não vão responder? — o homem soltou a fumaça pelo canto da boca, estudando-os semelhante a quem avalia uma mercadoria suspeita.

Mesmo com a mente fervilhando, Suu-Yuky deu um passo à frente, engolindo seco.

— O carregamento de ferro que vocês roubaram... devolvam! — a fala saiu firme, mas carregada de desprezo.

O canto da boca do bandido se curvou, quase rindo.

— Ferro? Vocês invadem minha casa, deixam um dos meus homens sangrando no chão... por ferro? — o tom era de genuína indignação, como se não conseguisse acreditar que um motivo tão banal justificasse tudo aquilo.

Greg avançou um passo, ficando ombro a ombro com Suu-Yuky, e deu dois tapinhas no ombro dele com um sorriso enviesado.

— Meu amigo aqui só quer o ferro de volta. Eu, por outro lado... vim buscar a cabeça do seu líder. — a pausa foi curta, afiada. — Ou melhor... vim buscar a sua, Donavan.

Ao ouvir seu nome, Donavan inclinou o queixo, estudando Greg por um instante antes de cuspir no chão. O som seco ecoou no salão.

— Caçador de recompensas... sempre achei o cheiro de vocês pior que carcaça podre.

— E eu sempre achei que escória como você fede antes mesmo de apodrecer — retrucou Greg, com um meio sorriso ácido

— Cuidado com a língua, garoto — Donavan estreitou os olhos, apagando o cigarro na própria bota. — Sua coragem não vale de nada no túmulo.

Greg deu um passo adiante, a voz baixa e carregada de ironia.

— Não se preocupe... você não vai viver pra ver o meu túmulo.

Suu-Yuky acompanhava cada segundo daquela troca, mas não estava ouvindo apenas as palavras. Algo, na forma como Donavan permanecia calmo, incomodava. Era como se ele estivesse aguardando por aquele encontro há muito mais tempo que eles, consciente do desfecho antes mesmo de ele chegar. Greg mantinha a mão firme no revólver, mas Suu-Yuky sentia um peso crescente no peito, uma certeza inquietante: aquela arma era insuficiente diante daquele homem.

Donavan então se levantou.

A cadeira de ferro que o sustentava começou a se desfazer, escorrendo como cera derretida até formar uma massa líquida negra. O metal flutuou, serpenteando no ar até se moldar em torno do braço direito dele como uma couraça viva.

Ele os fitou, voz grave e sem pressa:

— Acreditem... eu estava disposto a negociar. Mas vocês acabaram de perder esse privilégio.

O metal escorria lentamente pelo braço de Donavan, formando uma couraça viva que parecia pulsar com sua respiração tranquila. Do outro lado, Suu-Yuky e Greg ainda tentavam digerir o espetáculo sombrio da transformação do ferro quando uma sensação sutil começou a tomar conta do salão.

No chão, pequenas partículas de poeira dançavam, tremelicando como se estivessem em um leve zumbido. Suu-Yuky percebeu, no canto do olho, as finas fissuras da pedra vibrando — um movimento quase inaudível, mas que crescia de maneira inconfundível.

O ar ficou denso, carregado de uma tensão palpável que fez o cabelo na nuca de Greg arrepiar. Um som baixo e estranho começou a se formar, um rangido metálico que parecia sair das próprias paredes, parecia que o ferro aprisionado estivesse se contorcendo, exigindo liberdade.

As correntes — aquelas mesmas presas no chão e retorcidas nas paredes — começaram a pulsar juntas, emitindo um zumbido agudo, penetrante. O som cresceu até se tornar um grito estridente, cortando os ouvidos dos dois.

Até as lamparinas penduradas no teto, antes imóveis, começaram a derreter lentamente, gotas incandescentes caindo sobre o chão, evaporando em um chiado sibilante. O ar se encheu de um cheiro acre de metal queimado e ozônio.

Suu-Yuky sentiu seu corpo ser lançado contra o chão, o equilíbrio perdido em meio ao caos. A respiração ficou rápida e superficial, o coração disparado martelando contra as costelas. O chão tremia com tamanha força que a visão parecia se distorcer, cada passo um desafio quase impossível.

— Que porra é essa?! — exclamou Suu-Yuky, a voz carregada de adrenalina e confirmação, agora sem dúvidas de que sua intuição não o enganara.

Greg reagiu com rapidez instintiva. Seu corpo se moveu antes que a mente pudesse processar o que acontecia — a mão firmou-se no cabo do revólver, sacando-o num movimento fluido e seco. O disparo ecoou pelo salão.

A bala cortou o ar em linha reta, uma tentativa de encerrar o que quer que estivesse acontecendo. Mas, então o projétil desacelerou, como se fosse puxado por uma força invisível. A velocidade diminuiu até que ele flutuou, leve como uma pluma, pairando suavemente sobre a palma aberta de Donavan.

O silêncio tomou a mente de Greg. Sentiu seus olhos se arregalarem, a incredulidade queimando na garganta. A resposta caiu sobre ele como um choque; naquele momento, encaravam algo que desafiava toda lógica que já haviam aprendido a entender.

— Yuky, não avança! — gritou Greg, sua voz quase engolida pelo estrondo crescente.

Mas Suu-Yuky já se movia, impulsionado pela adrenalina e pela urgência, avançando em disparada contra Donavan.

Antes que pudesse sequer ouvir ou processar o aviso de Greg, o salão inteiro se retorceu com um som penetrante, um estalo seco que ecoou como um grito de metal partido.

O salão implodiu, as paredes se fecharam com um estrondo ensurdecedor, esmagando tudo em uma avalanche de pedra e ferro retorcido. O pó levantou-se em nuvens sufocantes, e o silêncio seguinte parecia a confirmação da morte iminente.

Lá fora, a montanha respondeu ao colapso subterrâneo com uma fúria terrena. O solo tremeu e rachou, enviando ondas de choque que balançaram árvores e levantaram nuvens de poeira no ar fino da manhã. Pedras e detritos rolaram morro abaixo, enquanto um estrondo surdo reverberava pelos vales ao redor.

Pássaros silenciaram de repente, e o vento carregou um cheiro estranho, metálico e úmido. O céu parecia mais escuro, como se a montanha tivesse engolido parte da luz do sol.

O baque arrancou o chapéu do rosto de Donavan, fazendo-o girar lentamente pelo ar antes de se perder na penumbra das pedras quebradas. Ele permaneceu imóvel, uma ilha de serenidade no meio da tempestade do salão. As paredes desmoronavam ao seu redor, mas nem um músculo se moveu.

Com um gesto lento e cuidadoso, abaixou-se para pegar o chapéu, os dedos sentindo o relevo frio e áspero do chão estilhaçado. Uma tontura súbita lhe tomou a visão, que vacilou por um instante, enquanto o suor frio traçava um caminho pelo seu rosto. Levantou-se com o chapéu firme na mão, trazendo-o ao peito em um misto de respeito e desafio, cabeça levemente baixa, mas olhar imponente.

— Eu disse... coragem não vale nada no túmulo — sua voz saiu baixa, quase um sussurro, carregada por um peso amargo, mais uma sentença definitiva que uma ameaça.

Ergueu a outra mão, ainda segurando a bala suspensa Seus olhos fixaram-se naquele pedaço de metal que, lentamente, parecia ganhar vida. O contorno rígido e frio foi cedendo espaço a formas suaves, curvas delicadas que se entrelaçavam até que, no silêncio do salão, a bala se tornou uma flor — um lírio forjado em ferro, frágil e letal.

Donavan murmurou, quase para si mesmo, uma despedida estranha, cheia de um significado que escapava aos ouvidos alheios:

— Descanse... onde quer que vá.

A flor deslizou lentamente de seus dedos e repousou no chão de pedra, um símbolo delicado e silencioso entre a dureza do aço e a fragilidade da vida.

Sem olhar para trás, ele virou-se e caminhou para fora do salão, sua silhueta desaparecendo na escuridão, deixando para trás o silêncio que só o fim poderia trazer.

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