O Inferno de Pandora Brasileira

Autor(a): Kamikaze


Volume 0

Capítulo 1: Primeira Sinfonia

1842(A.C)

Numa noite iluminada pelo brilho das estrelas, como muitas outras, uma mulher corria desesperadamente por sua casa, localizada numa pequena propriedade rural perto das fronteiras da antiga Grécia crescente.

Sua respiração estava pesada e ofegante, seu rosto estava pálido e seus olhos transpareciam medo. 

Ela parou diante da porta de um cômodo no sótão e a abriu usando a chave em seu colar. Ao entrar, deparou-se com um livro em cima de um pedestal sobre um círculo mágico brilhante que exalava uma luz carmesim. 

Era um livro grande de capa preta e detalhes vermelhos. Nela estava escrito: Clave Maior de Acádia.

Com pressa, ela pegou o livro, fazendo com que o círculo mágico se apagasse e saiu do cômodo às pressas. Ela desceu as escadas e correu pelos corredores para chegar à sala principal, do outro lado da porta que estava em frente a ela.

Ao abri-la, Catarina entrou na sala e deparou-se com sua filha de dez anos, parada e trêmula, enquanto se escondia atrás de uma cadeira e seu marido tentando fechar as janelas da casa desesperadamente enquanto ainda era possível ver bolas de fogo que eram lançadas por catapultas a quilômetros de distância, rasgando o céu noturno em um enorme brilho.

— Catarina, pegue Pandora e se esconda, rápido! — gritou Pedro.

O rapaz fechou as duas janelas e começou a procurar por sua espada.

Percebendo que Pedro estava prestes a sair, Catarina não conseguiu segurar os seus temores e então gritou:

— Para onde você vai?! — perguntou Catarina, com uma expressão assustada.

— Vou manter aqueles desgraçados longe daqui — disse Pedro, enquanto prendia sua espada na cintura.

— O quê?! Não! Se você sair, eles vão te matar!

— E o que você quer que eu faça? Se eles chegarem até aqui… — o homem engoliu seco e continuou. — Não quero nem imaginar o que eles fariam com vocês.

Catarina cerrou os dentes. Ela não conseguia achar palavras para tentar convencê-lo a ficar, talvez por que no fundo, ela sabia que Pedro estava certo.

Pedro era um rapaz maduro. Embora seu rosto transparecesse o contrário, ele era corajoso e determinado. Ele estaria disposto a oferecer sua própria vida se fosse necessário para proteger sua família.

Sua filha, percebendo o clima pesado no ambiente, se intrometeu.

— Você vai voltar, não é, papai? — perguntou Pandora.

Pedro se aproximou de Pandora, abaixou-se e beijou a sua testa. No mesmo momento que seus lábios tocaram na pele lisa de Pandora, uma explosão foi ouvida vindo de perto dali.

— Vou sim, querida. Eu prometo! — disse Pedro, estendendo o seu dedo mindinho com um olhar confiante.

Pandora fez o mesmo e assim, eles firmaram uma promessa. 

O silêncio da noite foi tomado pelos gritos de desespero e lamentos enquanto o barulho dos ventos foi substituído pelo som das espadas colidindo entre si.

Pedro abraçou sua filha. Catarina começou a chorar e abraçou os dois. Por um momento, foi como se tudo tivesse desaparecido e restassem apenas os três como se fossem um só.

Pedro levantou-se, beijou a sua esposa e disse:

— Eu te amo muito —  disse ele com os olhos cheios de lágrimas enquanto suas mãos tocavam as bochechas de Catarina.

— Volta pra gente, por favor! — Catarina abraçou ele tão forte, que a camisa de Pedro esticou.

— Darei o meu melhor! 

Ele se levanta, faz um cafuné nas duas e vai em direção à porta. Antes de abrir, ele parou e ainda de costas para as duas, disse:

— Vou proteger vocês, nem que custe a minha vida!

Quando Pedro abriu a porta, a paisagem de destruição foi revelada para eles. Suas plantações estavam ardendo em chamas e ao horizonte, era possível ver a casa do vizinho da família, também caindo aos pedaços.

Pedro passou por ela e antes de fecha-la, acenou enquanto dizia:

— Vejo vocês mais tarde! — Com um enorme sorriso estampado em seu rosto.

E então, ele fechou a porta.

Catarina levou sua filha para o seu quarto, trancou-se dentro do cômodo e apagou as velas. O silêncio do quarto era assustador mas era frequentemente interrompido pelo ruido das explosões que vinham de longe.

— O papai vai voltar, mamãe?

— Vai sim, ele nos prometeu… — respondeu Catarina, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas.

Elas ficaram escondidas enquanto os tambores da guerra soavam e os rangidos das espadas eram ouvidos por algumas horas. Até que ambas pegaram no sono. 

De repente elas acordam com o barulho da porta do quarto sendo derrubada.

Dois soldados gregos invadiram o local e tentaram capturar Catarina, mas, ao ser agarrada por um deles, a mulher pegou um dos seus jarros e quebrou na cabeça do soldado enquanto se depatia.

O soldado enfureceu-se e começou a puxar os cabelos de Catarina enquanto ela gritava.

Pandora ficou horrorizada com tudo que estava acontecendo bem na frente dos seus olhos. Sem se conter, a garota partiu para cima do soldado em um ataque de fúria, mas logo foi imobilizada pelo segundo soldado.

— Para onde você pensa que vai, maldita? — disse o soldado enquanto tapava a boca de Catarina.

O soldado começou a tocar nos seios de Catarina enquanto murmurava sobre ela não poder fugir.

— Ei, o que você tá fazendo? Tá ficando maluco? — disse o segundo soldado enquanto gargalhava.

Pandora que estava sendo pressionada ao chão pelo outro soldado, teve suas mãos amarradas. Ela só conseguia observar a cena com ódio em seu coração. Ela ainda tentava se debater para escapar das mãos do soldado e ajudar sua mãe, mas suas mãos amarradas para trás faziam ela sentir dor ao se mexer.

— O quê?! O patrão nos mandou junto dos soldados do império para lutar em guerras que nem são nossas. Nos mandou para arriscarmos as nossas vidas só para ele poder comprar os melhores escravos por um preço barato, e a gente não pode nem se divertir um pouquinho?

O soldado, ainda pressionando Catarina contra a parede, estava começando a tirar sua armadura com uma das suas mãos para poder violá-la. Até que um homem adentrou pela porta. Ele tinha cabelos compridos, pele branca e usava uma armadura preta. Por cima da armadura, uma capa da mesma cor quase camuflava-se na escuridão da noite.

— Pelos deuses, Yuri! — gritou Heitor, com uma expressão de raiva. — Controle-se, você sabe muito bem que o patrão não aprova essas atitudes. Por acaso está querendo morrer?

— Não, senhor! Perdão, senhor! — respondeu o soldado, enquanto soltava a mulher.

— Vamos logo, amarrem-nas e as levem para fora. Vamos juntar todos os prisioneiros de guerra e escolher os mais úteis.

— Entendido, senhor! — respondeu Yuri. — Vocês duas ai! Andem e peguem algumas roupas, coloque em uma bolsa e vamos!

Enquanto Heitor e as meninas deixavam a residência, sua visão foi atraída por uma imponente harpa que se encontrava no canto da sala. Com seu olhar atento, ele percebeu que Pandora, ao passar pelo instrumento, lançou-lhe um olhar profundo, como se fosse um adeus melancólico ao seu brinquedo mais querido, ao mesmo tempo em que seus dedos se moviam levemente, mesmo , como se ainda estivessem dedilhando as cordas. Catarina, por sua vez, permaneceu imóvel e indiferente ao magnífico instrumento, sem demonstrar qualquer sinal de admiração ou curiosidade.

Hum… Já tenho uma ideia do que fazer com você — pensou Heitor, com um sorriso no rosto.

Ao deixarem para trás a casa em chamas, Catarina não pôde conter as lágrimas que rolavam em seu rosto, enquanto seu coração se agitava com uma mistura de medo e incerteza. Ela não sabia ao certo se o corpo que os soldados carregavam era o de seu amado Pedro, mas a tristeza que sentia era profunda o suficiente para doer fisicamente.

Conforme eram levadas ao centro do vilarejo, Catarina e Pandora testemunhavam a destruição que os soldados invasores haviam causado. As chamas consumiam tudo ao redor, e a visão era avassaladora. Em meio ao caos, soldados armados patrulhavam cada canto, enquanto famílias eram arrancadas de suas casas, suas vidas despedaçadas e jogadas ao vento.

Crianças choravam, e mulheres imploravam por suas vidas, mas os invasores não demonstravam piedade. Tudo o que queriam era expandir o território do império, custe o que custasse.

Sem escolha, as mulheres e crianças foram amarradas, incapazes de se mover livremente, enquanto os homens sobreviventes eram cruelmente espancados, deixados fracos e impotentes para não escaparem. Era o fim da liberdade, a triste conclusão de que suas vidas como homens livres havia sido irremediavelmente destruídas.

Após serem capturadas pelos comerciantes de escravos, as jovens foram forçadas a ajoelhar-se no solo áspero e aguardar seu triste destino. Lentamente, um a um, os cativos eram levados pelos mercadores implacáveis.

Após mais de uma hora de agonia, Heitor se aproximou com arrogância, apontando seu dedo para uma das meninas próximas a Pandora.

— Eu vou querer esta aqui.

A garota era a filha do vizinho que teve sua casa incendiada. Ela tinha a mesma idade de Pandora, Seus cabelos vermelhos e curtos dançavam com a brisa enquanto seus olhos verdes não esbolavam qualquer emoção.

Seus olhos mal haviam brilho, afinal, foram esses mesmos olhos que testemunharam seus pais e seu irmão mais velho morrerem em sua frente.

Ela não ofereceu resistência, incapaz de encontrar esperança naquele momento sombrio. Os soldados a arrastaram para uma carruagem simples, coberta com um grande manto branco.

Mas a crueldade de Heitor não terminaria ali, pois ele apontou o dedo impiedosamente para Pandora.

— E essa aqui também.

Os olhos de Pandora e sua mãe se arregalaram em terror enquanto gritavam, mas suas vozes eram abafadas pelas mordaças desumanas que tampavam as suas bocas.

Catarina tentou gritar "Leve-me também!", mas suas palavras foram inaudíveis. No entanto, ela não desistiu e num ato desesperado, tentou atacar Heitor. Infelizmente, seu esforço foi em vão, pois um dos soldados a derrubou com um único golpe na cabeça.

Enquanto a consciência de Catarina escapava, ela só pôde assistir impotente enquanto sua filha era levada para longe dela, rumo a um futuro de dor e sofrimento indescritível.

Minutos após ser colocada entre outros cinco moradores da vila que também haviam sido comprados, Pandora sentiu um solavanco quando o carroceiro chicoteou as rédeas dos cavalos, dando início à jornada incerta.

Ainda em lágrimas, Pandora observou os rostos tristes e imponentes dos outros cativos na carruagem pequena projetada para transportar mercadorias em longas jornadas, que agora estava lotada de pessoas mais do que ela podia contar com seus dedos trêmulos.

Enquanto se acomodava no espaço estreito, Pandora sentiu um peso estranho em sua bolsa de tecido, onde suas vestes de reserva foram colocadas. Ao investigar, ela avistou o livro de sua mãe oculto entre suas roupas. Embora desejasse abraçar o tesouro deixado por sua mãe, Pandora fingiu não notar, mantendo-se em silêncio.

Aceitando seu destino incerto, a garota assistiu o horizonte se afastar lentamente através da abertura traseira da carruagem enquanto os cavalos galopavam impiedosamente, arrastando-a para um futuro misterioso e desconhecido.



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