Volume
Capítulo 18: Rebelião.
— Ta vivo? — perguntou Hayakaz, tentando tirar o ar mórbido que pairava sobre eles.
Com um passar rápido de olhos, Hayakaz percebeu que os outros prisioneiros já não estavam mais ali, o fazendo suspirar em agradecimento.
Ele então usou retirou outro pergaminho de cura, aparentemente o último, e o utilizou em Garrik, regenerando todas as suas feridas.
— Hayakaz? — disse Garrik, com os olhos mal abertos se acostumando à claridade. Mesmo suas feridas sendo regeneradas, elas pareciam terríveis, como se fossem feitas por lanças.
— Só um segundo. Ja acabo aqui e a gente desce o cacete naqueles dois!
— Hayakaz, chega. — Garrik afastou o pergaminho de seu corpo, com um olhar mórbido em seu rosto.
— Como é o papo? Eu até entendo o seu orgulho, mas não querer ser curado é um pouco demais.
— Eu aceitarei minha execução — sussurrou Garrik, abaixando sua cabeça.
— Como?! — perguntou Hayakaz, incrédulo com o que ouvira.
— Eu me cansei de tudo isso… Eu cometi crimes demais, meus pecados não podem ser expiados.
— Do que você tá falando? Nós somos demônios, é óbvio que temos pecados!
— Não, Hayakaz. O que eu fiz vai muito além disso…
Garrik começa a contar uma história, reunindo todas as suas forças para tal: Quatrocentos e cinquenta anos atrás, Flammendorf alcançava seu ápice de poderio militar, tendo o maior número de combatentes com magia de fogo. Mas, ninguém poderia prever o que viria a acontecer, o nascimento daquele que carregaria o maior pecado de todos apenas por existir.
Uma lenda era passada de geração em geração, formando a base de ideais do povo de Flammendorf: Aqueles que habitam o círculo de fogo celestial prestam o calor de seus corpos para seu Deus com muita honra e fervor, mas quando aquele que portar o espelho mais oposto ao fogo celestial nascer, uma desgraça imensa caíra sobre o mundo, transcendendo as barreiras do real e do imaginário. Para aqueles que seguiam as regras com muito fervor, esta lenda era tratada como absoluta, atravessando todas gerações desde a sua criação. Mas graças a ela, o pequeno elfo hidromante foi exilado de seu povo, tratado como a personificação da tragédia durante longos 100 anos.
Ao passar dos 100 anos, uma grande rebelião se formou, Flammendorf sempre foi extremamente rígida com as regras e punições, levando diversos elfos ao cárcere quase eterno. Seu líder nunca saiu de seu posto, pois nunca sequer chegou a envelhecer. Tudo isso se aglutinou em uma enorme revolução, liderada pelo jovem hidromante amaldiçoado a carregar todos os pecados de sua comunidade, Garrik.
A revolução foi tão sangrenta quanto pôde, corpos e mais corpos estirados às ruas, as pessoas tinham medo de saírem nas ruas e serem postas no meio de um confronto. Os exércitos pressionaram os rebeldes com toda a força possível, os pondo em xeque em questão de cinco anos, já os rebeldes, avançavam fervorosamente, atacando e em seguida recuando, para logo repetirem o ciclo, ao menos até o fatídico dia.
O sol terminara de banhar as florestas com sua luz, forçando os rebeldes a recuar para as matas, onde tinham a vantagem de seu quartel não ser do conhecimento do exército. Em segundos, todos estavam reunidos, Garrik ao centro, discutindo e organizando suas tropas para o dia de amanhã. A esperança brilhava como um poderoso sol, iluminando a alma de todos que lutavam por uma situação melhor, porém, em segundos, toda a esperança se esvaiu de todos eles, junto com suas vidas. Uma imensa chuva de flechas flamejantes desceu do céu, como uma onda de fogo avassaladora, todos corriam de um lado ao outro, buscando refúgio nas árvores, que rapidamente carbonizaram junto aos refugiados, obliterando os rebeldes em segundos. Naquele dia, a última visão de Garrik fora o que mais o assustara: seu irmão mais novo, Sebastian, montado em um cavalo portando o brasão do exército.
Ao terminar seu conto, Garrik desabou em lágrimas. Um calafrio atravessou o corpo de Hayakaz no momento em que viu Garrik, o mais rígido e antigo lorde demoníaco, em uma posição tão vulnerável.
— Por minha culpa… sniff, sniff… todos eles morreram!
— Garrik…
— Por favor… sniff, sniff… eu só quero apagar toda essa… — Antes que Garrik pudesse terminar, Hayakaz estapeou seu rosto, o trazendo de volta a si.
— Garrik, me escuta! — falou Hayakaz, cerrando os dentes. — Você não pode apagar o passado. Eu não me importo se você é ou não amaldiçoado por causa da sua magia! O importa é se você vai ou não olhar pro passado e seguir em frente!
— Falar é fa… — Hayakaz o estapeou novamente.
— Não me interrompa, orelhudo de merda! — Garrik acenou com a cabeça e permaneceu em silêncio. — Eles não morreram por sua culpa, eles morreram porque tinham a mesma causa que você. Eles lutaram e morreram por um mundo sem lágrimas e tristeza, um mundo de liberdade! E daí que você quebrou regras? Você já esqueceu o que aconteceu com a filha do Hexoth? Ela também aceitou seu destino, e ela não fez nada além de nascer! Se você lutou para salvar aquela garota, então lute pra salvar a si mesmo! — Hayakaz terminou dando uma cabeçada em Garrik, o acertando também com seus chifres de carneiro.
“Lutar… por mim mesmo?”, pensou Garrik, caindo de costas pelo empurrão da cabeçada. “Era isso que eles queriam?”
— Então? Você vai lutar ou não, seu narcisista? — Hayakaz estendeu o pergaminho de cura para Garrik, oferecendo seu último aviso.
Garrik fechou os olhos por alguns segundos, pensando nas palavras que viria a dizer:
— É óbvio, bola de pelos!
Não muito longe, Hexoth segurava Crimsembell e Sebastian ao mesmo tempo. Recuando e atacando rapidamente para evitar gastar energia demais e ser mais pressionado do que já estava.
“Esse idiota ta demorando demais! Ta dando palestra agora?”, pensou Hexoth, já cansado do combate monótono.
Rapidamente, uma flecha esquivou das defesas de Hexoth, chegando muito próxima de atingi-lo, quando uma flecha de água cruzou o campo de batalha e levou a flecha flamejante com ela.
— Argh… Finalmente! Vocês dois demoraram demais! — provocou Hexoth, já respirando com dificuldade.
Hayakaz e Garrik surgiram de cima de alguns destroços, Garrik com suas pistolas em punho e Hayakaz com sua transformação oniromante ativa.
— A gente teve uns imprevistos, mas tamo de pé! — Hayakaz abriu um enorme sorriso, vitorioso.
Garrik mirou seu olhar em Sebastian e saltou para o lado de Hexoth.
— Sebastian — começou Garrik — sua lealdade às regras nos custou caro. Nossa família foi destruída por um código que não tem piedade. Você não consegue enxergar além disso?
— Não quero ouvir isso de um criminoso — respondeu ele, empunhando seu arco de fênix.
Garrik cerrou os punhos, apertando suas pistolas tubarão, e então deu alguns passos à frente e disse: — Eu lidarei com Sebastian. Mas, Hexoth, Hayakaz, nossa prioridade é o Crimsembell.
Os três acenaram com a cabeça, entendendo a divisão imposta por Garrik, e logo foram para seus lugares. Hexoth e Hayakaz pressionaram Crimsembell, o afastando dos outros dois, que logo começaram a trocar seus disparos.
Garrik, ágil como uma correnteza, lançava suas flechas d'água com maestria, mas Sebastian, habilidoso e ágil como uma fênix, desviava de cada ataque com uma destreza inigualável.
— Eu detestei seu novo visual, irmãozinho! — provocou Garrik.
— Esses tubarões são meros peixinhos! — retrucou Sebastian.
O campo de batalha era como uma dança mortal, onde as flechas de água e fênix se entrelaçavam no ar. Garrik, determinado, buscava acertar Sebastian, mas este parecia ser um alvo inatingível.
— Você realmente acredita nessas regras que matam todos que são contra?! — perguntou Garrik, enquanto desviava das chamas de Sebastian.
Sebastian ficou em silêncio por um segundo, repensando suas escolhas. — As regras regem o mundo. Certas ou erradas, não é meu dever definir isso. — Sebastian canalizou uma enorme flecha em seu arco, sabendo que Garrik nunca conseguiria se esquivar de tal poder. — Hölle!
Garrik abaixou seu arco, aceitando o que estaria por vir, e disse: — Você quer perder tudo de novo?
Enquanto carregava seu ataque, Sebastian começou a reviver memórias de sua infância. Flashbacks de dias ensolarados e risos infantis ecoavam em sua mente. Lembranças de um tempo em que eles eram irmãos, antes das regras rígidas e do caminho que cada um escolheu seguir.
As palavras ecoaram em seus ouvidos, penetrando sua armadura emocional. — As regras não adiantam se os regrados estiverem mortos — disse Garrik, com uma intensidade que fez Sebastian pausar por um momento.
Sebastian, em meio à batalha, viu o vazio que as regras haviam deixado em sua vida. Ele percebeu que, mesmo seguindo cada norma com devoção, o resultado foi a destruição de tudo o que ele amava. Ele perdeu todos que amava. Uma compreensão dolorosa o envolveu.
Em um instante de clareza, Sebastian apagou sua flecha flamejante e baixou seu arco. Ele olhou nos olhos de Garrik, compartilhando um entendimento mútuo. As diferenças que os separavam foram substituídas por uma nova compreensão.
— Eu… não quero perder mais ninguém… As regras não valem nada se não houver vida para seguir. — declarou Sebastian, selando sua decisão com determinação.
— Sábia escolha…
Hexoth e Hayakaz continuavam dando tudo de si contra Crimsembell, o afastando sempre que ele se direcionava até Garrik e Sebastian.
— Jovens às vezes são tão insistentes. Sumam daqui, Flammenkämpfer! — disse Crimsembell, lançando uma chuva de socos na direção dos dois, que desviavam com muita dificuldade.
Rapidamente, Crimsembell surgiu em frente a Hayakaz, pronto para perfurar seu estômago com seu punho, mas sendo parado por duas flechas ao mesmo tempo.
A lua testemunhou a reviravolta na batalha, enquanto Garrik e Sebastian, uma vez adversários, agora lutavam lado a lado contra uma ameaça maior. A dança das flechas, antes cheia de rivalidade, tornou-se uma coreografia coordenada de esperança, forçando o ancião a recuar.
— Sebastian! Você ousa nos trair?! — perguntou Crimsembell, incrédulo.
— Você que traiu todos nós, matando todos aqueles que iam contra você… — respondeu ele, preparando outra flecha.
— Tsc! Mais um idiota…
A arena pulsava com a energia intensa da batalha. Garrik, Sebastian, Hexoth e Hayakaz se uniram, formando uma frente unificada contra o ancião, que mesmo com seus ataques quase explosivos, estava sendo forçado a recuar. Era uma sinfonia caótica de magias, espadas e flechas, cada movimento calculado para desafiar o inimigo comum.
Garrik, com suas pistolas, lançava ataques precisos, enquanto Sebastian, com seu arco, complementava com chamas ardentes. Hexoth brandia sua espada com maestria, não poupando pontos cegos, enquanto Hayakaz desferia golpes poderosos com suas garras e cascos, sobrevoando a arena.
Após uma série frenética de socos desferidos por Hayakaz, ele se afastou rapidamente, fazendo um sinal de mão para Garrik. O arqueiro não hesitou, disparando suas balas de água com precisão contra Crimsembell. — Disparo Marinho!
Os projéteis atingiram o ancião, forçando-o a recuar momentaneamente. Este breve respiro foi aproveitado por Hexoth, que, com um gesto hábil, invocou sua magia sombria. Um rugido ecoou pelo campo de batalha enquanto a katana de Hexoth se envolvia em sombras sinistras, criando uma aura ameaçadora.
— Corte Sombrio! — exclamou Hexoth, liberando a katana agora imbuída com as trevas. A lâmina cortou o ar e foi arremessada em direção a Hayakaz, que se preparava para o próximo movimento. A katana coberta de sombras voou em um arco preciso, encontrando-se nas mãos hábeis do nyancaller.
Num movimento fluido, Hayakaz avançou contra Crimsembell, combinando a katana com seus próprios punhos. Um golpe de cima para baixo, cortando com a katana impulsionada pela força de seus punhos. — Técnica em Conjunto: Lobo de Guerra! — gritou Hayakaz, enquanto a fusão de ataques atingia Crimsembell com uma força avassaladora.
A explosão que se seguiu foi magnífica, iluminando a noite com um espetáculo de poder. Os três lordes, sincronizados em seus movimentos, criaram uma sinfonia de destruição que abalou o campo de batalha. No entanto, a resiliência de Crimsembell se manifestou quando, mesmo após a explosão, ele emergiu, demonstrando uma resistência formidável.
— As regras estão acima de tudo no mundo! Sucumbam ao verdadeiro poder! Coração Angelical!
O elfo rapidamente foi coberto em chamas, com sua aparência se metamorfoseando: com a pele agora avermelhada, uma auréola surgiu em sua cabeça, seu cabelos amarelaram, seus olhos enegreceram completamente e um par de asas brancas emergiu em suas costas.
Os quatro lutadores foram empurrados para trás, incapazes de lidar com a intensidade crescente do confronto.
Hayakaz recebeu diversos socos flamejantes em seu estômago, sendo arremessado contra os destroços, Hexoth foi esmagado contra o chão pelos pés do ancião, demonstrando sua superioridade, Sebastian teve seu arco destruído e foi arrastado pelos escombros, causando ferimentos que desafiavam sua regeneração e desfizeram sua Maldição Desperta. Garrik rapidamente foi imobilizado pelo ancião, que agora tinha debaixo dos pés. Um a um, todos foram derrotados, cada um incapaz de resistir à força aprimorada do ancião.
O desânimo começou a pairar sobre eles quando, de repente, o ancião, em sua arrogância, começou a proferir palavras cruéis:
— Vocês não passam de tolos… Achando que podem desafiar regras que permaneceram por milhares de anos. Suas esperanças não passam disso, apenas esperança! Vocês são incapazes de vencer essa guerra, os Lordes demoníacos não passam de três pirralhos com o ego inflado!
A ira acendeu uma chama nos olhos de Garrik, que, mesmo diante da derrota iminente, retrucou com determinação: — Melhor ser um pirralho que sabe o que é a liberdade, do que um velhote que não consegue liderar sem usar o medo e a força!
A resposta provocou a fúria do ancião, que, com sangue em seus olhos, se preparava para infligir um golpe fatal a Garrik.
“Eu não vou morrer aqui!”, pensou Garrik, usando suas últimas forças para erguer uma pistola tubarão.
No entanto, antes que o golpe de Crimsembell pudesse ser desferido, Sebastian saltou corajosamente na frente de Garrik, assumindo o impacto destinado a seu companheiro. O ato heroico de Sebastian, embora ferido, salvou Garrik de uma morte certa.
— Sebastian!!! — A raiva brilhava nos olhos de Garrik enquanto ele observava seu irmão caído ao chão. Um poder antigo e desconhecido começou a pulsar dentro dele, uma maldição que ele tinha evitado por tanto tempo. Em um momento de desespero, Garrik permitiu que seu verdadeiro poder despertasse.
A transformação foi instantânea. Garrik estava envolto em uma aura de água, seus olhos brilhando em um forte vermelho carmesim. O ancião, momentaneamente atordoado pela reviravolta, agora estava diante de um Garrik totalmente diferente, tomado pela ira e pela dor da perda. A batalha estava longe de acabar, e o destino dos quatro estava prestes a mudar.