Volume 1
Capítulo 98: A Dama de Cristal II
— Nós entendemos que os humanos são muito falhos e precisam de controle, restrições para que não façam mal a si mesmos e aos outros ao redor, esse controle é bem distante do controle que o “rei” tem hoje, ele é desumano e ingrato com todos. Nós do clã apreciamos e agradecemos tudo, por isso faremos o possível para manter tudo bem, sem que os humanos interfiram tanto. Hoje temos vários reinos, onde cada um faz o que bem entende com seu povo, território, aliados, povos neutros e até inimigos. Queremos traçar uma linha para todos, sem que exista, por exemplo, um império maior em que todos podem mandar ou coagir outros a seguir suas vontades.
Meena e Rupert acham interessante esse ponto de vista do clã, dando confiança para Scarlett, que conta mais alguns detalhes de cada lorde e as cidades do Império, mostrando que ela tem convivência e contato com todos eles.
Rupert confirma as informações com o que ele ouviu ao longo de sua jornada.
— Sim, antes de chegar a Sodorra, nós já sabíamos e suspeitávamos de alguns desses lordes que você citou.
— Agora vocês têm certeza disso... Tem outro detalhe importante que eu sei que irão perceber mais cedo ou mais tarde; então vou lhes dizer agora, eu sou uma das mais rigorosas, os outros tendem a ser mais pacíficos e sempre vão a passos mansos em direção aos objetivos. Eu gosto de algo mais rápido e geralmente tomo caminhos mais curtos, atalhos para o sucesso.
— Também gostamos de algo assim.
— Perfeito. Khan me falou um pouco disso e mais detalhes que se encaixam perfeitamente com meus futuros planos, pensem, não, melhor! Vejam...
Scarlett usa o poder do seu anel escuro, dele sai uma aura branca que envolve toda a sala, esse poder conecta as mentes dela e as de Khan, Meena e Rupert, que veem exemplos visuais das próximas palavras dela.
— Imaginem um mundo onde não há preconceitos, onde todos nós seremos iguais e equilibrados, paz em tudo e em todos, longe de pecados e banhados em virtudes, tudo isso removendo algo que gera confusão e ódio aos seres... A “diversidade”. Vejam como todos seriam em um mundo onde todos fossem iguais.
Através da magia, Scarlett mostra cenas de pessoas, cidades, reinos e o mundo onde todos os seres são uma única raça: mesmos traços faciais, biótipo corporal, cabelos, olhos e tudo que compõe o visual do ser; todos esses seres vivendo sem criticar a forma de vida, roupa ou aparência do outro.
Um mundo sem traições, interesses superficiais entre outras coisas que um mundo diverso pode causar. Rupert e Meena ficam desinteressados com tudo isso, vendo grandes desvantagens e sentindo um pouco de monotonia, mas Scarlett chama a atenção dos dois, ao comparar esse mundo com situações ruins que Rupert e Meena já passaram.
Falta de crédito, moral, amizades e empatia, fazendo com que ambos sintam antigas sensações da infância e adolescência, ocasiões constrangedoras e chatas que viveram na época de seus treinamentos e a vivência longe de seus pais. As intenções desse mundo ficam mais claras para os dois, ao perceberem possíveis vantagens de um mundo assim.
“Mesmo monótono, seria mais pacífico... Seguro... Eu viveria em um mundo assim... Acho que muitos gostariam de viver em um mundo sem disputas por coisas pequenas e até coisas simples...”.
Ambos refletem a favor dos planos de Scarlett, que sorri, por sentir que está conseguindo o que quer.
— Vejam, Rupert e Meena, voltem um pouco no passado de vocês e vejam como seria se tudo fosse “igual”... Equilibrado...
A magia cria uma espécie de sonho perfeito para ambos, que vivenciam emoções boas e atrativas, substituindo as emoções conturbadas e ruins que tiveram na época.
— Seria lindo...
A magia de Scarlett mergulha os dois ainda mais no sonho, deixando-os distantes das conversas externas, Khan recebe uma mensagem na porta e comunica a Scarlett:
— Minha rainha, temos uma invasão.
— A coruja veio entregar meu pedido?
— Sim!
— Ótimo. Tudo está andando bem... Diga para os magos não intervirem e que esse assunto continue oculto para os demais.
— Certo.
— Mais uma coisa, Khan.
Scarlett olha para Rupert e Meena e pede para Khan:
— Aproveite que você irá sair e traga-me isso.
Scarlett entrega um item para Khan, que, ao vê-lo, esboça medo.
— A senhora tem certeza?
— Sim, você mesmo falou que não posso medir esforços, pois eles são bons, então eu preciso do melhor.
— Como quiser, Majestade.
Khan sai para cumprir os pedidos de Scarlett, que ronda a sala, pensando um pouco em seus planos. Em seguida ela se senta, encerrando a magia mental de Rupert e Meena.
— O que acharam?
Meena está encantada com tudo e elogia:
— Isso é muito bom, gostei muito.
O humor e a forma de falar de Meena mudam um pouco, sendo mais inocente e empática que antes. Rupert ainda está cauteloso, mas admite estar interessado no plano de Scarlett.
— Gostei, parece um ótimo lugar para se viver, mas é viável?
Scarlett fica séria e diz preocupada.
— Vocês foram bem treinados e estudaram bem sobre o poder de Arbidabliu, vejam que, com o passar dos tempos, o poder, a magia que Arbidabliu dá e disponibiliza para nós está ficando cada vez menor.
— Já nos disseram isso antes.
— Sim! Pois é verdade, chegará uma época em que não teremos Electi ou grandes feiticeiros para nos ajudar ou “curar” o mundo para eles machucarem de novo. Precisamos criar uma forma de retardar isso ou, como esse meu plano propõe, viver em paz sem a necessidade de grandes poderes regendo a vida.
— Mas, e nós, que não somos dessa “raça nova”?
— Viveremos, é claro! Todos nós morreremos um dia, o que eu quero é que não seja mais gerado esse ser mortal falho, que sempre nasce e gera guerras.
Scarlett ri e comenta:
— Entendi... Você acha que, por criar uma nova raça, nós iremos exterminar as outras? Não se preocupe, pois ninguém irá morrer, mas não podemos mais deixar que a “praga” se multiplique mais.
Rupert sente um desconforto com isso e opina:
— Entendi, mesmo assim, eu acho arriscado, muitos terão que se sacrificar...
Meena interrompe Rupert e contesta:
— Sempre estivemos sacrificando coisas, Rupert, você não viu isso no seu passado agora?
— Sim, mas...
Scarlett interrompe os dois.
— Aguardem!
Ela oferece alguns biscoitos e bebida, e diz de uma forma calma:
— Vou contar algo para vocês, espero que isso os inspire... Eu já fiz um grande sacrifício em minha vida antes para seguir com esse objetivo. Eu me chamava Margaret Wind antes de me casar com o “rei”, essa mudança foi importante, pois eu tive que morrer como Margaret para nascer Scarlett, pois essa nova vida coloca em risco aqueles com quem eu já vivi, e eu não posso ser refém do passado, tenho que sacrificar e esquecer certas coisas para focar no futuro, entende?
Meena e Rupert estão refletindo sobre o que Scarlett está falando, e ela reforça.
— Meena, soube que existe uma joia de família sua aqui em Sodorra.
— Sim...
— É um exemplo do que eu estou falando, precisamos esquecer o passado, morrer e nascer de novo, não ter mais que lidar com aquele passado com mágoas ou sentimentos que nos prendem a emoções antigas ou até já esquecidas. Deixem de se responsabilizar pelo que passou... Vocês precisam se sacrificar também, esse é o passo mais importante.
— Passo? Como assim?
— Eu estou aqui para recrutá-los para o Clã Maslow, não como simples espiões ou soldados, vocês valem muito e precisam de um posto que se adeque ao seu potencial... Eu sei que Pronuntio tem boas intenções com vocês e não tenho dúvidas de que eles reconheçam seus talentos, mas eu quero oferecer mais, pois eu tenho mais a dar.
Scarlett diz tudo isso com olhos admirados, dando moral para Meena e Rupert, que se sentem reconhecidos e apreciados adequadamente.
— Então a senhora tem um plano para nós?
— Sim, mas não agora, primeiro preciso só ter certeza de que posso tê-los como meus “generais”, filhos com os mesmos objetivos e em quem posso confiar cegamente, pois planos importantes que envolvem vidas e nações precisam de confiança e lealdade.
— Entendemos.
— Ótimo!
Scarlett levanta-se, abre os braços e pede, como se fosse abraçá-los:
— Por favor, ajoelhem-se.
Ambos se olham, se questionando sobre essa formalidade, mas obedecem em seguida, depois que Scarlett balança as mãos pedindo agilidade deles.
— Não estão se ajoelhando para um ser, como muitos fazem, mas para uma causa que identificamos como o principal objetivo de nossas vidas...
Scarlett respira fundo, fecha os olhos e ativa o poder de seu anel, que envolve os dois. Ela olha com êxtase e os questiona:
— Vocês estão prontos para morrer? Estão prontos para renascer?
— Sim!
Scarlett fala com ânimo, mais alto e até com tom autoritário.
— Mais uma vez, meus filhos!... Se entreguem à “Dama de Cristal”.
— Sim, senhora!
— Isso... Levantem-se.
Meena e Rupert se levantam e questionam:
— Qual o próximo passo, senhora?
— Eu não gosto que simplesmente obedeçam, eu quero que entendam a necessidade de certas coisas, assim vocês farão sem muito questionamento e até com mais convicção; o que vocês descobriram sobre o Império de Cristal pode atrapalhar os planos do clã, então ninguém pode saber o que foi descoberto aqui... Ninguém...
— Sim, entendemos a importância disso.
Alguém bate na porta, e Scarlett agradece com satisfação.
— Finalmente, estamos sem tempo... Khan?
Do outro lado da porta, Khan responde que trouxe o que ela pediu, Scarlett olha para Meena e Rupert e ordena:
— Virem-se de costas, meus filhos.
Ambos seguem sem entender o porquê, Scarlett se aproxima deles e fala:
— Lembrem se de confiar, preciso que confiem em mim... Khan! Entre.
Khan entra acompanhado de alguém que não se revela, Scarlett olha para esse personagem e acena com a cabeça; em seguida, ela olha para Meena e Rupert e diz:
— Contei tudo a vocês, eu abri meu coração totalmente e agora preciso que vocês façam o mesmo por mim, eu disse que preciso que as informações adquiridas pelos “Infantes” sejam interceptadas, assim sendo... É claro... Eu preciso fazer uma “abordagem” com Júlio e Doug... Antigos colegas de grupo de vocês.
Atrás de Scarlett, junto a Khan, está Brent Rutilismo, o Águia de Sangue, assassino número um do Império de Cristal, ele está ansioso por sangue e um pouco inquieto, Scarlett sabe o que ele quer, e o desejo dele se encaixa com seus planos.
— Meena e Rupert! Que caminho tomou e onde seus colegas foram?
Rupert e Meena ficam paralisados, com vários pensamentos e conflitos em suas mentes. Antes que pensem mais, ou que o bom senso os ajude, Scarlett reforça com um tom mais incisivo.
— “Confiança!” e “Lealdade!”, filhos! Nós precisamos dessa informação agora para aceitá-los e para que “nosso” plano não tenha falhas... Agora me digam! Onde Júlio e Doug estão?