Arbidabliu: Infantes Brasileira

Autor(a): Magnus R. S. Alexandrino


Volume 1

Capítulo 94: Apadrinhamento

— Por favor, me desculpem... Eu não fui muito sincera com vocês... Eu achei muita coincidência vocês falarem para mim que estão querendo ir para Pando, assim eu uni dois objetivos em um só.

— Desculpe, mas ainda não entendi...

— Elasmot precisa sair de Majorem, ele planeja isso há muito tempo.

— Muito tempo? Quantos anos ele tem?

Odília pensa um pouco, sorri e finge ter esquecido algo.

— É... Bem, minha idade não ajuda muito a minha memória, sabe... Elasmot tem uma “arma secreta” que vai ajudar vocês, e em troca vocês terão que acompanhá-lo, levá-lo com vocês, mas não se preocupem com os cuidados, proteção e tudo mais, tudo ficará por conta do guardião do estábulo, aquele homem que acabou de falar que irá servi-los, será por pouco tempo.

Doug olha preocupado para Júlio e Odília pede:

— Pensem, por favor, é importante... Elasmot volta neste instante e mostra a arma secreta para vocês, assim vocês entendem melhor do que eu estou falando, pode ser?

— Sim, pode sim.

— Ótimo, então, por favor, entrem por ali, eu preciso ver uns detalhes antes de vocês partirem.

Júlio e Doug seguem o caminho que Odília falou e, no caminho, Júlio diz:

— Se isso acontecesse em Sodorra, eu ficaria muito desconfiando, mas de alguma forma eu não tenho má impressão com tudo isso, me parece tudo muito autêntico e sincero.

— Verdade! Normalmente temos alguma intuição ou receio, e dessa vez tudo indica que estamos indo para o caminho certo.

— Mesmo assim, vamos ficar em alerta.

Júlio e Doug são abordados por Elasmot, que está saltitante e animado.

— Já terminei a primeira parte...

Elasmot está usando um cinto grande com alguns itens, entre ferramentas diversas e alguns frascos. Ele também está com um cabo chamativo, um bastão especial, feito de madeira escura, com algumas protuberâncias pontudas pelo corpo; em uma das pontas do bastão, está entalhada uma mão humana com a palma aberta e com os dedos juntos e, na outra ponta do bastão, uma mão aberta em forma de garra com os dedos separados.

Nesse bastão, Elasmot amarrou uma trouxa com suas roupas na ponta.

— Agora vamos ver Eohippus!

— Eohippus? É um cavalo?

— Sim! Nossa! Você é inteligente! Você deve ser o primeiro que acerta só em saber o nome dele... Júlio, certo?

— Isso...

— Devo chamar de “senhor” ou “mestre”?

— Não, não... Não precisa de formalidade...

— Certo, Julião! E você?

Doug acha bonito o gesto do menino e pede:

— Eu sou Doug, se quiser você pode me chamar de padrinho.

— “Padrinho”? O que é isso?

Doug sempre admirou a relação de um padrinho com o seu apadrinhado, e vê essa oportunidade de tentar ajudar e inspirar uma criança, na qual ele já sente boas vibrações, e que também necessita de tutela temporária. Doug se aproxima, se abaixa para a altura de Elasmot e diz, de uma forma chamativa.

— Padrinho é aquele que cuida da criança quando os pais dela estão distantes, mas mesmo com os pais por perto, o padrinho ajuda a cuidar dela como outro membro da família.

— Padrinho também dá presente e brinca?

— Sim, bastante.

— Então é alguém legal!

— Sim!

Elasmot pega na mão de Júlio e Doug e os leva para fora. Ao longe eles já veem uma área restrita só para um cavalo, os dois se espantam, e Doug pergunta:

— Blanco!?

Elasmot exclama alto:

— Eu já li isso!

— Você conhece Blanco?

— Sim! É a história de um cavalo gigante e forte! Diziam que era um Cavalo “Eleti”, Elite?... Electi!

— Electi, isso! Era um cavalo com capacidade mental de um ser humano.

— O quê?

— Ele pensava igual à gente, pessoas.

— Sim, sim, verdade, ele fala com nossos pensamentos... Eohippus não fala com o pensamento, mas ele entende o que a gente fala, vou mostrar para vocês.

Eohippus é um cavalo preto com crina branca e longa, em sua testa tem pequenos chifres parecendo espinhos retos, seus cascos e pernas são mais grossos e maiores do que o comum; esse cavalo é da raça dos Grandes Animais, ele não é tão grande quanto sua raça, mas seus ossos e músculos são mais firmes e fortes do que o comum.

Mesmo sendo pequeno comparado a outros Grandes Animais, Eohippus tem espaço para levar consigo até quatro pessoas em suas costas, diferente de um cavalo comum. Ele não está usando nenhuma sela ou traje de batalha como os outros cavalos da cidade, e mantém uma visão selvagem e independente. Eohippus parece hostil, mas Elasmot comenta:

— Ele parece bravo, mas ele não é bravo, antes batiam muito nele, então ele ficou assim, mas ele não é bravo, ele é manso... Cheguem mais perto.

Por entender a grandeza de tal animal, Júlio e Doug reverenciam Eohippus antes de se aproximar, lembrando-se do conto de Blanco, que leram quando mais jovens.

— Ele é incrível.

Eohippus vê e se sente boas intenções em Júlio e Doug, então passa a tratar os dois com afinidade. Elasmot abraça Eohippus e fala com ele como se fosse um irmão mais velho.

— Eohippus! Esses são Julião e o outro é meu padrinho Doug!

Eohippus surpreende Júlio e Doug com pequenos gestos que indicam que ele realmente entende o pequeno Elasmot, que volta a falar com eles.

— Iam dar o nome dele de Argo, mas ele não gostou... Teve “Ventania”, “Flecha no Alvo”, “Cavalo de Fogo” e muitos outros, e nada de ele gostar, sempre resmungava... Ele ficou um bom tempo sem nome...

— E quem deu o nome “Eohippus”?

— Esqueci... Esqueci o nome dela... Mas eu me lembro dela sim! Ela é uma mulher bonita, muito legal e engraçada, tudo que ela faz dá errado, eu sempre dizia que ela é azarada... Ale... Abe... Lexia... Mas ela ama animais e me ensinou algumas coisas quando trabalhou aqui.

— Legal...

— Vamos aprontar Eohippus para a nossa viagem!

Enquanto eles preparam Eohippus para a viagem, Doug questiona:

— E seus parentes, alguns estão aqui na cidade?

— Não, eu quase não me lembro deles, mas devem estar bem.

— Eles estão vivos?

— Sim! Falaram que eles foram para um lugar feliz, mas esse lugar não aceita crianças, mas teve gente que falou que morreram, então não sei dizer.

Júlio e Doug sentem que é um assunto delicado para se falar com uma criança, então Júlio conduz o assunto para outro ponto.

— Mas você já é um menino grande, sei que sozinho consegue fazer muitas coisas.

— Sim! Aprendo sempre uma coisa nova de adulto.

— Você brinca também? E seus amigos aqui na cidade?

— São poucos, os estudos levam as coisas de uma forma muito firme, eu acho estranho, às vezes me sinto mal-humorado com a escola daqui... Por isso eu quero ir para Pando!

— Então é por isso?

— Não, Não! Tem mais... Lá parece ser um lugar muito legal para crianças e adultos também, e por que vocês querem ir para lá?

— Nós ouvimos falar muito bem de lá também e queremos conhecer.

— Que incrível! Vai ser nossa primeira vez em Pando, vai ser muito legal! Uma surpresa para nós três! Não, nós quatro, porque Eohippus também nunca foi, e ele quer ir com a gente, não quer, Eohippus?

Eohippus relincha, fazendo com que Júlio e Doug riam e percebam que como a inocência e a motivação de uma criança podem mover e tocar os corações de gente e bicho ao mesmo tempo. Elasmot vê que se esqueceu de algo e comenta.

— Já venho! Não deixem Eohippus comer mais, é para guardar para a viagem.

Odília chega, e Elasmot reforça para ela:

— Vovó Odília, ajuda eles! Eohippus não pode comer mais, senão, não vai ter para a viagem.

— Pode deixar! Eu vou ficar de olho.

Elasmot corre, e Odília conversa com Júlio e Doug.

— Um doce de menino, eu vou sentir saudades dele.

— Senhora Odília, me desculpe a curiosidade, mas e os pais dele, o que houve?

— É lamentável, mas aconteceu. Os pais de Elasmot estavam com problemas no casamento deles, então acharam que ter um filho melhoraria tudo, mas não foi o que eles acharam, pois a responsabilidade e as obrigações como cuidar, alimentar... Tudo! Tem que ser para pais unidos, criança não é para unir casais, enfim... Com mais tarefas, o pai de Elasmot fugiu, sumiu no mundo atrás de outra mulher, e a mãe abandonou Elasmot por achar que seria muito trabalho para ela, e que ele teria um destino melhor em outra família.

— Triste... Mas que outra família?

— Ela acha que orfanato é um lugar onde sempre aparecem pais querendo crianças, mal sabe ela que muitos dos orfanatos do Império são preparatórios de assassinos, de trabalho escravo ou coisa pior...

— Ouvimos um pouco disso quando estivemos em Sodorra.

— Me deixa aproveitar e perguntar. Por que vocês quiseram entrar para o Império? Vocês me parecem ser outro “perfil” de pessoa.

— Obrigado, mas é isso mesmo, achamos que o Império poderia nos proporcionar coisas melhores, mas vimos que ele tem outro foco.

— Sim, infelizmente, mas tem aqueles que querem mudar o Império, espero que mude para algo melhor, um dia quem sabe.

Júlio e Doug se lembram de Meena e Rupert, eles torcem positivamente por eles e concordam com Odília.

— Sim, seria muito bom...

— Outra coisa! Elasmot também quer conhecer o orfanato de Pando, tem uma história que contaram para ele, que lá todos são adotados e têm uma família.

— Orfanato em Pando?

— Nunca ouviram falar?

— Não...

— Será que é só uma história?

— Mas pode ser algo mais recente, só ouvimos histórias mais antigas.

Elasmot chega ouvindo um pouco sobre adoção, ele comenta, passando por eles e indo direto em Eohippus, para terminar os preparativos.

— Seria ótimo achar novos pais para mim!

Júlio e Doug se olham, com pena, mas com certo receio do que Elasmot pode esperar, Odília percebe isso nos dois e faz um aparte, com intenção de mostrar mais a mente admirável que é a de Elasmot.

— Vocês dois devem achar que ele não sabe o que “É!” Pando...

Odília se aproxima de Elasmot e indaga:.

— Você lembra que lá você não vai achar um papai e uma mamãe?

— Sei, sei! Lá eles casam em duplas, mamãe e mamãe ou papai e papai.

— Diferente. Você não se importa?

— Não! Pais são pais.

Elasmot fica animado, imaginando quem poderiam ser os seus futuros pais e conta, fazendo vários gestos e lembrando-se de alguns fatos que colaboraram para sua conclusão.

— Alguns amigos da escola têm papai e mamãe, tem outros que têm só o pai ou só a mãe, e outros, igual eu, não têm ninguém; já seria incrível ter só um pai ou só uma mãe, imagine dois papais ou duas mamães? Se eles forem guerreiros, eu também poderia ser um grande guerreiro, ou mágicos, seria incrível eu fazer aqueles fogos coloridos no céu, ou até cuidar dos animais e ter um lugar como esse para cuidar de todos os bichos do mundo!

A animação de Elasmot contagia todos, até Eohippus, que fica agitado com o menino. Odília sorri e fala com Elasmot:

— Muito legal mesmo, mas você sabia que Júlio e Doug fazem parte do povo de Pando?

— Eles são como eles lá?

— Sim!

Júlio e Doug se espantam e se sentem congelados, pois isso pode gerar perguntas difíceis de explicar. Elasmot arregala os olhos de tanta surpresa e interroga:

— Então vocês são casados?

Doug engasga-se, e Júlio ri alto, envergonhado.

— Não, quase... Talvez, não sei dizer...

— Sempre imaginei e pensei no porquê de todos acharem estranhos dois papais... Se são homens, então um de vocês deve...

Doug fica gelado sem saber o que responder para o menino, e Júlio, se engasgando, interrompe:

— Tem coisas que você não precisa saber.

— Não? Mas eu veria todo dia, não?

— Não! Todo dia... No começo acho que sim, mas você não veria isso.

Odília ri alto e interfere.

— Vocês têm cabeça de adulto, e, como todos julgam mal as crianças, deixe o menino terminar de perguntar. — Diga, Elasmot, o que você quer saber deles.

— Certo, se são dois homens, um de vocês deve ficar para limpar e arrumar a casa, quem faz isso de vocês?

Júlio e Doug sorriem envergonhados para Odília e respondem a Elasmot:

— A gente reveza para não ficar cansativo e terminar rápido as tarefas.

— Incrível! Eu imaginei, então, quando tiver filho, os dois vão cuidar, não só um. Certo?

— Isso! Você é inteligente mesmo.

— E sei, eu sei... Então eu não ligo de ter pais diferentes dos outros, o importante é ter pais... Será? Será que tem como ter duas mamães e dois papais juntos? Quatro! Seriam quatro beijos antes de dormir, quatro presentes e mais quatro pessoas para brincar.

Odília vê que está tudo arrumado e diz:

— Não se anime muito, Elasmot, tem que ter pais para todas as crianças.

— Eu divido! Não sou egoísta...

— Eu sei que não, você é um menino de ouro, e terão muitos querendo adotar você, disso eu tenho certeza... Olha o tempo, meninos, é melhor se apressarem para chegar lá amanhã de manhã ou à tarde.

Júlio e Doug estranham o curto período de tempo e retrucam:.

— Amanhã? Pando é longe...

— Elasmot não contou?

Elasmot se anima e diz.

— Não contei! Mas deixa eu contar, deixa eu!

— Vai lá então.

— Padrinho! Julião! Eohippus é um supercavalo! Ele cria magia que faz ele romper o barulho! Ele corre muito, que nem toca o chão.

Odília gosta de ver a animação de Elasmot e acrescenta:

— Elasmot, com ajuda de alguns homens daqui do estábulo, fez uma sela especial para Eohippus, eu digo que é uma carruagem em cima do cavalo, mas Elasmot não concorda.

— Não mesmo! Carruagens são fechadas, essa sela é aberta, não tem telhado!

— Certo, então mostre para eles como...

Um guarda chega, com um tom preocupado, e interrompe Odília.

— Senhora Odília Tei!

— Eu! O que precisa?

— A senhora está sendo chamada com urgência!

— Qual o assunto?

O guarda olha para os outros e diz sério.

— É confidencial, por favor, me siga.

— Certo... Meninos, então eu terei que me despedir por aqui, vocês vão fazer aquele teste de cavalaria com o cavalo e depois mandem o relatório, e não deixem esse menino chegar perto, não quero ninguém machucado.

Odília dá uma piscada com um dos olhos para eles, indicando simular uma história para despistar o guarda. Júlio entende rápido e responde de prontidão:

— Certo! Enviaremos o relatório o quanto antes, até mais.

Depois que Odília se afasta, o guarda comenta:

— Precisamos nos apressar, pois fui informado de que irão nos encontrar no caminho do palácio.

— No caminho, você não veio de lá?

— Não, a mensagem foi enviada através de magia para a torre de vigia mais próxima.

— Usaram magia para mandar uma mensagem dessas? Isso deve ser muito importante, então, vamos logo.

— Certo!



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