Arbidabliu: Infantes Brasileira

Autor(a): Magnus R. S. Alexandrino


Volume 1

Capítulo 61: Jane Publik I

Manhã, 1 setembro 1590 – Império de Cristal. Sodorra

“Eu sou Meena Viridi, membro dos Infantes de Pronuntio, hoje eu estou em um dia muito crucial para a missão do meu grupo. O Império de Cristal é muito poderoso e hostil, qualquer movimento errado eu posso ser morta sem excitação ou questionamento. Por ser a única mulher do grupo, eu acabo ficando com um peso maior do que deveria e ainda mais em um território machista e ignorante como esse, sinto que cada tempo que eu passo nesse lugar eu fico mais mal-humorada e fria com alguns sentimentos, o equilíbrio entre razão e emoção não é mais o mesmo. Conversas, boatos, ações e até a comida daqui parecem me influenciar de alguma forma. Hoje é um bom dia para avançar o plano e assim sair o mais rápido possível de Sodorra.”

Meena está no segundo nível de Sodorra, esse nível tem como prioridade a área militar do Império: quartéis, barracas, barricadas e campos de treinamentos diversos, com alguns lotes ocultos no subterrâneo para outros fins. Os espaços a que ela tem mais acesso são tavernas e casarões, para que os homens se divirtam ou descansem ao seu gosto.

“Mesmo acostumada com essas roupas mais femininas que o Império atribui, eu estou achando um exagero o que o Império impõe às mulheres usar e fazer, sempre roupas curtas e chamativas para seu corpo, além de ter uma dieta regrada para que mantenhamos aparência desejada na visão deles, além da dieta tem exercícios específicos para ficarmos esbeltas, mas não fortes como eles.”

Meena está em um dia sem supervisão e sem tarefa, ela caminha pelo segundo andar, analisando melhor as coisas, na tentativa de investigar toda a área.

“Por ter sido recrutada para ser uma serva-guerrilheira, tenho acesso a muitos lugares comuns, deixo os lugares mais secretos e restritos para os outros averiguarem. Bom que sou subestimada por ser mulher, mas o tratamento é nojento, sendo difícil não tomar a frente e bater em alguns desses vermes.”

Meena põe em prática o que aprendeu em se comportar como uma mulher adequada para o Império, com uma suposta classe, delicadeza, sensualidade e, pessoalmente acrescentando, muita restrição para que não seja forçada a fazer os prazeres comuns dos outros.

“Achava que os homens de Sodorra eram mais bonitos, ou talvez eu esteja associando qualidade interna com a externa e, juntas, façam surgir esses seres repugnantes que são os soldados do Império de Cristal. Pelo que eu ouvi, Xarles parece ser o mais porco de todos eles.”

Meena demostra respeito e submissão por todos os homens, cumprimentando-os e reverenciando os cargos mais elevados, ela finge estar só passeando, mas fica atenta a cada detalhe e conversa paralela. Ela caminha pelas ruas, perto das barricadas, barracas e pelos campos de treinos.

“Os treinamentos deles não são muito diferentes dos demais lugares, com a exceção do uso de técnicas traiçoeiras e que enganam o adversário. Muitos são covardes, mas vejo alguns lutando bravamente e com honra... Consigo me aproximar e avaliar o armamento deles e vejo que são de ótima qualidade, os ferreiros, forjas e materiais usados são ótimos, um dos motivos do Império de Cristal ser tão grande.”

Meena olha para o céu por algum tempo, admira a grandeza do Castelo de Cristal e comenta para si:

— Até o lugar deles é privilegiado pela natureza...

“Localidade perfeita, por isso ele se expandiu para vários reinos e cidades, longe de catástrofes naturais, terras boas para plantio, criação de animais entre várias coisas, pena que o Império de Cristal dominou primeiro esses lugares.”

Meena passa por algumas situações desagradáveis, como algumas passadas de mão inconvenientes, insinuações grosseiras e pedidos de atos sexuais usando gestos obscenos.

“Todo o dia é sempre a mesma coisa, não dá para se acostumar com isso, cada vez mais eu odeio tudo e todos.”

— Desculpe, senhor, estou ocupada hoje!

— Mas sua ocupação é nos servir.

— Eu já estou reservada ao “Irmão Nonuplets”, quer que eu diga para ele que o “senhor” pediu na frente dele?

— Não, não... Pode seguir...

Meena tenta sempre ser simpática, quando possível calada, e se afasta para não gerar discussões.

“Vi uma mulher reagir agressivamente frente a essas ações desses vermes, e ela foi apedrejada até a morte, preciso me conter para não gerar confusão e comprometer meus companheiros.”

Até na refeição Meena é importunada, mas, quando a situação fica mais constante e estressante, ela resolve ir para um casarão próprio para mulheres.

“Bom que tem um lugar para se refugiar de tudo isso, tem mulheres que nem saem dessa casa com medo do que possa acontecer.”

O casarão das mulheres é grande, mas é o menor comparado aos dos homens e escravos, ele é bem arrumado e limpo, tudo foi feito, limpo e é cuidado pelas mulheres que vão ali, sempre revezando as tarefas, para não sobrecarregar a todas.

Só homens de alto nível hierárquico podem entrar no casarão e, quando entram, devem ser tratados como reis.

— Boa tarde, como estão hoje?

— Bem...

— Sorte que temos esse lugar, hoje eu fui muito perseguida.

— Infelizmente a maioria de nós é...

Meena é abordada por uma senhora de estatura baixa, que ajuda a administrar o lugar. Essa senhora é reservada e empática.

— Mas não se engane, menina, às vezes vêm homens aqui também.

— Sério? Não vi isso ainda.

— Diminuiu muito a frequência depois que o Império vem tendo “problemas”.

— Problemas? Que tipo de problemas?

Duas mulheres altas, mal-humoradas, falam com tom bravo para a senhora.

— Pare com esses boatos que você ouve dos escravos.

— É tudo ideia da cabeça deles, você acredita nessas histórias sem noção?

A senhora faz um gesto, pedindo desculpa e sai da sala, Meena fica intrigada e questiona as mulheres:

— Eu já ouvi tantas coisas que pareciam estranhas se mostrando possíveis e reais, que não duvido que ela possa ter ouvido algo importante.

— Você acha mesmo? Veja o que já cansamos de ouvir aqui.

Meena presta a atenção nos boatos, há alguns que ela já ouviu desde que chegou a Sodorra, mas finge surpresa em todos os fatos; outras mulheres se empolgam também e contam coisas que ouviram, ou falam suas opiniões em um determinado assunto.

— Existe um clã secreto dentro do Império de Cristal, que quer domá-lo.

— Quem não quer isso? Boato inútil...

— Não é inútil, mas é tolice, pois tem vários comandantes que querem o Império para si, vejam os irmãos Brow.

— Cuidado com essas acusações.

— Não tem nenhum capanga deles aqui, ou tem?

— Irmãos Brow? Eu prefiro os irmãos Nonuplets... Como eles são lindos.

— Sim, mais bonitos que os irmãos Brow e mais sexies também!

— Mas os Nonuplets são cargos abaixo dos Brow, só por isso eles não têm chance.

— Mas podem subir de cargo, é só querer...

— Ou trapacear e subir às custas dos outros.

— Vocês acham que o perigo está dentro do Império? Eu acho que está em Libryans, ela tem muito poder para colocar o Império no chão.

— Não tem não, senão, já teria feito!

— Ela nem é tão poderosa assim, são mulheres que comandam aquele lugar, poder requer pulso firme masculino para liderar.

— Temos um “Homem” dentro da casa das mulheres? Ou só uma mulher machista?

— Olha como fala, sua idiota!

— Caladas!

— Queria ver uma mulher herdar Sodorra, iria surpreender a todos!

— Uma mulher herdar tudo isso aqui? Impossível!

— Não acho, eu ainda torço que uma mulher forte mate Xarles e assuma esse lugar.

— Se eu pude escolher, que seja cortando a cabeça dele, assim não terá dúvidas da morte ou tentativa de curá-lo.

— Vocês abusam da sorte, guardem essas vontades e desejos para si!

— Voltando! Eu acho que tem muita coisa acontecendo longe da visão do Império, como as cidades e vilas da costa.

— Vocês as acham um perigo? Jamais, eles podem fugir quando quiserem para as ilhas dos Electi ou para o Antigo Mundo.

— E quem você sugere?

— Fácil, o Clã de Pando.

— Os “Ivos e Adéas” da Floresta?

— Sim! Tem muito mistério naquela floresta, você já ouviu as histórias dos massacres que eles já fizeram? Eles têm poder...

— Pode ser tudo boato, se eles fossem mesmo assim, eles seriam até hoje.

— Concordo, só ouso dizer que são pacíficos e prósperos.

— O Império também é próspero!

— Onde? Só em criação de armas. Eu ouvi dizer que o Império está desenvolvendo insetos altamente venenosos e amaldiçoados, capazes de exterminar cidades em pouco tempo como uma praga extremamente forte.

— Eu ouvi isso também, mas o Império já deve estar em ação, em pouco tempo ouviremos falar desse “ataque biológico”.

— Outra coisa que o Império faz e cria são traidores e desertores.

— Isso tem em todo lugar, não viu os que traem seus reinos para se unir ao Império?

— Mas acho que o Império perde mais.

— Mais quem?

— Veja o tanto de soldados que são enviados para os lordes! Muitos dos mais experientes e fortes não ficam mais aqui em Sodorra.

— Nem precisa, ela é rodeada de reinos e cidades bem equipadas.

— Isso que eu estou falando, e, se eles se voltarem contra Sodorra, ela ficará só.

— O Império é muito mais que números de homens... Novamente, cuidado com quem vocês falam essas coisas.

— Veja Gon, ele desertou.

— Irrelevante... Mas você me fez lembrar aquele que foi morto na praça para todos verem, alguém se lembra disso?

— Faz muitos anos, mas essa história é bem famosa aqui. A morte do lorde Rícardus Deformem, “o caçador de veados”.

— Não ouvi falar dele.

— Sério? Rícardus foi um lorde importante no Império, mas o plano principal dele, de dizimar os Descendentes de Ivo e Adéa, foi um fracasso.

— Por quê? Seria tão bom essa raça ser extinta...

— Rícardus falava isso também, e olha o que houve com ele.

— Mas por que o Império não é contra esse povo também?

— Sim, mas alguns integrantes do Império são dessa raça, não dá para evitar, qualquer um pode nascer assim, não é uma “raça” específica, suas burras.

— Vai começar de novo com as ofensas?

— Então não falem besteiras! Voltando... Rícardus usou muito aquele “detector de Ivos” e parece que detectou alguém que mora no castelo de cristal, isso causou revolta porque todos os Descendentes de Ivo do Império recusam o que são e os seus iguais e se mantêm em sigilo; com essas revelações, Rícardus acabou sendo morto.

— Morto não, ele foi massacrado, morto na praça na frente de todos, os gritos doíam os ouvidos de quem estava perto, ele morreu lentamente e com muita dor.

— Estranho, ele era poderoso e tinha muitos seguidores, certeza que teria revolta com a morte dele.

— Mas não teve nada, só houve silêncio e todos seguiram com suas vidas depois.

— Ninguém contestou? Então quem o matou dessa forma tão brutal?

— Isso eu não lembro bem... Talvez aquele...

“Elas mais discutem do que informam, mas os boatos repetidos devem servir de algo, seria bom se eu soubesse mais sobre o castelo de cristal, as mais velhas devem saber de coisas mais centradas e objetivas.”

Todas param para comer e beber algo, muitas são chamadas para servir nos refeitórios dos soldados ou até para servir os soldados como eles bem quiserem. Meena nota que algumas mulheres são intolerantes e questionam sempre o porquê de sempre serem inferiorizadas e tratadas como objetos.

“Minha cabeça dói com tantos problemas que elas fazem, como que essas ainda não entenderam que aqui devemos seguir regras, elas deveriam saber que estão no Império de Cristal, não em Libryans, onde toda mulher é importante, essas chatas deveriam se colocar no devido lugar e obedecer.”

Outras mulheres são enviadas no lugar das que estão brigando pelos seus direitos, o que leva Meena a refletir um pouco mais.

“As mulheres daqui são bem divididas, algumas acostumadas com a rotina e a vida que o Império de Cristal impõe, e outras moralmente afetadas e desanimadas, mas seguem as ordens para que não sejam punidas. Poucas como essas que estão aqui brigando pensam que podem lutar contra o poder do Império de Cristal e fazer alguma diferença.”

Meena se afasta da discussão e caminha até uma janela, nela vê uma parte ampla do segundo nível de Sodorra.

“Até que existe diversidade aqui em Sodorra, vejo várias mulheres trabalhando em muitas áreas disponíveis e diferentes classes sociais também. Aldeãs, servas e classes guerreiras, apesar de que as guerreiras são raras, algumas são usadas como assassinas em missões secretas, aproveitando o fato de que o inimigo não espera uma mulher agindo em nome do Império, e a maioria é convocada a servir nos reinos onde os lordes do Império comandam... Interessante, esses lordes têm uma ótima visão de mundo, graças a eles as mulheres estão tendo mais opções, essas charlatonas deveriam ser gratas. Isso sim!”



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