Arbidabliu: Infantes Brasileira

Autor(a): Magnus R. S. Alexandrino


Volume 1

Capítulo 20: Coração de Mãe

— Ouvimos o que os inimigos querem falar... Eu ouvi que a floresta é mágica e que ajuda todos os seus “irmãos”.

— Irmãos?

— Sim! Eles tratam todos que são iguais a eles como irmãos, e eles os protegem.

— Nunca ouvi falar... Mas por que você está falando disso?

— Só estou chateada, todos que já morreram poderiam ter ido para Pando... E lá eles poderiam ter sido felizes no lugar da dor e morte...

— Nosso amado chefe não aceitaria isso.

— Eu sei... E você, aceitaria?

— É uma raça selvagem; se eles ajudam os seus iguais, o que seria dos diferentes? Nós... Morreríamos ao levar seus “Irmãos”, e se vingariam do que já fizemos aos outros. Péssima ideia sua.

A chuva piora, e as duas se preocupam mais com seus filhos. Por sorte logo aparecem os guerreiros e os meninos sãos e salvos.

— Ikatu! Ikatu!

— Yawara, meu filho!

As duas correm e os abraçam, ainda com a chuva caindo e trovões amedrontando a todos. Depois de agradecer aos guerreiros, cada um segue para a sua cabana para se aquecerem, secarem e se alimentarem.

— Você me deixou preocupada!

Aíka percebeu que os guerreiros estavam hostis e nervosos quando entregaram Yawara, ela acha que houve algo ruim durante ou no término da busca e então decide observar seu filho, até que o aborda de uma forma amigável.

— Filho, sabe que eu não puno você quando você sai pela floresta.

— Não fomos longe.

— Eu sei, eu sei, mas me conta o que aconteceu.

— Ikatu e eu fomos nadar e brincar, a gente brincou na água, brincamos nas árvores e, quando começou a chover, a gente viu Tupã.

— Quem?

— Tupã, mãe.

— O homem do trovão?

— Sim, ele é alto, forte e tem uma coroa de penas coloridas.

— Vocês foram atacados?

— Não! Ele conversou com a gente e disse que somos o “Aisu” um do outro.

— Aisu? Já ouvi isso antes, o que é filho?

— Amor, mãe, ele falou muitas verdades: que vamos passar por coisas difíceis, que mamãe ama a gente, que a gente se gosta muito e ficaremos juntos por muito tempo.

— Me conta mais sobre o que ele falou e o que vocês dois fizeram.

Yawara tem onze anos e possui muita inocência. Aíka conversa bastante com ele para entender o que realmente aconteceu nessa ida comum ao rio; no final da conversa, Aíka percebe e acredita que Yawara e Ikatu conversaram com algum ser mágico, e esse ser conversou e os protegeu da chuva forte que transbordou a água do rio, além de outros acidentes pela floresta.

O que fez Aíka temer foi saber que Yawara testou sua curiosidade e descobrimento pessoal, beijando Ikatu, e que provavelmente foram vistos pelos guerreiros de Jurupari. Aíka fica com dificuldades para dormir, pensando no destino de seu filho.

Lembrando-se da conversa com Moésawa, ela vê o destino de seu filho sendo igual ao de vários outros “filhos da floresta amarela” em sua cultura, passando por rituais dolorosos para que se livrem desse sentimento categorizado como abominável em razão do qual muitos se matam ou são mortos, por insistirem em serem o que são.

O dia passa tanto por sua mente, que Aíka acaba sonhando com Tupã, tudo é bem real e místico. Ao vê-lo, ela se ajoelha e pede:

— Senhor que tudo criou! Homem da luz! Morador do sol! Peço que me ajude.

— Aíka Atuká, o que aflige sua alma?

— Meu filho, ele está correndo perigo, ele é uma abominação.

— Você tem certeza disso?

— Sim... Não! Mas todos acham isso, então não importa o que ele é...

— Todos? Só vejo você pedindo minha ajuda, Aíka, o que você pensa?

— Penso? Eu penso que... Eu quero que todos vejam meu filho como ele é, igual a eles.

— Certo, e se ele não for igual a “eles”?

— Então eu quero ajudá-lo! Curá-lo!

— Ajudá-lo e curá-lo podem ser caminhos diferentes, Aíka. Você está querendo fazer mudar e transformar, sem saber o que seu filho realmente é ou quer.

Tupã se aproxima e com gesto pede que Aíka fique de pé. Mirando em seus olhos, Aíka vê seu filho olhando para ela, triste e machucado. Ela se afasta, e Tupã diz:

— Muitos já nasceram com dificuldades visíveis e invisíveis, e eles foram mortos por não terem condições de sobreviver, você; Aíka, achou injusto que outros decidam quem é qualificado para viver ou morrer, você foi contra aqueles que acham que os diferentes vivos sujam o solo em que todos vivem.

— Sim, a morte de inocentes que mancha nossa terra...

— Sim, você sempre apoiou e viu que seres diferentes são de propriedade da natureza e que tudo foi feito com seu propósito e significado.

— Sim...

— Então por que com seu filho é diferente? Por que aqueles que são como ele têm que ser subjugados e inferiorizados? Se, no fim, “esses” diferentes tiverem culpa de algo, todos eles pagarão no vale das sombras e não pela mão daqueles que também pecam.

— Mas como convencer aqueles que são contra?

— Todos aqueles que têm amor em seu coração e o seu criador em mente, aceitarão o amor como a ação mestra.

— Não entendo... Eles não vão aceitá-lo, irão matá-lo.

— Então esses não têm amor em seus corações; quando não há amor, há ódio vestido de bondade, bondade falsa e corruptiva...

Aíka se lembra de um dizer de sua família, Tupã teria falado a Tibira em um momento decisivo em sua vida:

— Se aproxime da criação, se afaste do mal, aqueles que não têm amor estão longe da criação e devem estar distantes de seu coração, pois criação é amor e, quanto mais próximo dela, mais próximo do criador você estará.

Tupã sorri e diz.

— Ñane Ramõi Jusu Papa...

Aíka acorda no dia seguinte, mais calma e espiritualmente melhor, ela se sente mais sábia e com uma visão mais ampla do mundo.

— Preciso manter a mente aberta, sempre fui assim e não posso deixar nada de ruim atrapalhar meu julgamento...

Aíka age normalmente, mas com mais atenção nas coisas, ela ainda aborda Yawara para saber se realmente não foi um mal-entendido.

— Sim, mãe, eu vejo Ikatu diferente dos outros...

— Mas ele não é como você, você não pode fazer isso.

— Somos iguais, mãe, Tupã disse isso... Somos Aisu.

Aíka coloca o amor do seu filho acima de qualquer coisa; agora ela vê claramente a pureza e as boas intenções que ele sente e quer ter, longe de maldade ou perversão, buscando só carinho e cuidado com quem ama. Sentimento justo e comum entre qualquer amor. Aíka percebe e aceita que ser diferente não significa ser contrário ao bem, mas ser outra forma de ser bom.

— Eu te amo, filho.

Todos da aldeia arrumam e consertam os estragos que a tempestade causou e seguem com suas vidas normalmente. Aíka não acha sua amiga e a vê, momentos mais tarde, no retorno do ritual Datura, que foi feito em Ikatu. Moésawa está triste e desamparada, Aíka corre até ela e a abraça forte.

— O que aconteceu? Ikatu está bem?

Ikatu vem logo atrás, deitado em uma carroça. O menino está sujo, fraco e pálido. Aíka ajuda Moésawa a levar Ikatu para sua tenda e a cuidar dele. Ao entrarem na cabana, Aíka percebe que a toxina Datura usada no ritual deixou Ikatu muito debilitado e com perda de memória.

Não identificando nenhuma das duas, ele tenta fugir delas, mas, por ele estar fraco, elas conseguem segurá-lo e a acalmá-lo; logo Yawara entra e se preocupa com seu Ikatu, chamando-o de uma forma carinhosa.

— Aisu, está bem?

Ikatu demonstra felicidade e mais vigor ao ver Yawara que, além de lembrar-se dele, acaba sendo recíproco no carinho.

— Aysu! Onde você estava?

Moésawa e Aíka estranham por Ikatu perder a memória e ainda lembrar-se do Yawara. Aíka teme que seu filho possa correr perigo e o tira de lá.

— Precisamos sair.

— Mãe, não!

— Sem tempo para explicar, por favor, escute a mamãe.

Yawara fica confuso e se despede de Ikatu, que fica triste ao ver a única pessoa de quem tem lembranças afastar-se dele. No caminho até a sua cabana, Aíka e seu filho são abordados por Jurupari, que os encara com desdém o tempo todo.

— Aíka Atuká e Yawara Atuká, precisam de algo?

— Não, chefe, estamos bem.

— Yawara se recuperou da chuva de ontem? Ouvi falar que ele não estava “agindo normal”.

— Ele está ótimo, obrigada por se preocupar com minha família.

— Esse é o dever do chefe, fazer o possível para o bem de todos, sempre fazemos isso.

— Sim, chefe.

Aíka sente maldade nas falas de Jurupari e corre para pedir ajuda de alguns amigos, a maioria deles fala que está ocupada e nem ouve seu problema ou como podem ajudar. Dois mais fiéis respondem e explicam que já sabem que Yawara tem um sentimento confuso e estranho pelo filho do chefe, e que qualquer um que ajudar será desafiado, causando mais mortes.

Aíka esconde ao máximo o perigo que seu filho está correndo e pensa em formas de agir; ela pensa em um discurso para mobilizar amigos e o povo da aldeia, mas muitos pensamentos negativos e medos vêm a sua mente, chegando até ao ponto de planejar um atentado contra a vida de Jurupari.

— Se esse demônio morresse, seria tudo mais simples...

Aíka também se lembra de que há outros na aldeia que também têm ódio contra os “Filhos de Ivo” e que vilas e aldeias aliadas também são hostis contra esse povo, ela rapidamente se lembra do que Moésawa comentou anteriormente sobre o clã que vive na Floresta de Pando.

— A floresta amarela... Sim! Isso pode ser uma boa ideia... Ou a única.

Aíka espera o cair da noite para arrumar algumas coisas a fim de tirar seu filho da aldeia, nesse tempo ela decide contar a verdade para ele.

— Filho... Isso que você sente pelo Ikatu é diferente para os outros da aldeia, então você não pode dizer nada para ninguém daqui.

— Por quê?

— Eles não entendem que você é bom, e que Ikatu também é bom.

Yawara fica com medo e questiona triste.

— Eles acham que a gente é ruim? Fala para eles que não somos ruins, mãe.

— Eu sei, filho, mas eles não vão escutar... Não agora, então a gente precisa sair, tem um lugar que pode te ajudar. Lá eles sabem que você é bom.

— Onde é, mãe?

— Na floresta amarela, é um lugar mágico e grande.

— Parece bonito, a gente vai morar lá?

— Você, sim, eu vou levar você para lá.

— Só eu? E você? Ikatu e a tia Moé?

Aíka faz o possível para não chorar e desabar em tristeza na frente de seu filho e pede com a voz trêmula.

— Confia na mamãe, vamos, e lá a gente vê o que pode fazer.

Yawara concorda com sua mãe e a abraça forte.

— Fique sempre comigo, mamãe, você sabe que eu sou bom.

Aíka arruma tudo e segue com seu plano, ela consegue uma carruagem que é pouco usada e vigiada para fugir. Ao preparar a carruagem com o cavalo, ela é abordada por um guerreiro que a proíbe.

— Chefe diz que você não pode sair.

— Por quê?

— Não pode! Deve ficar a cumprir com sua obrigação... O seu filho precisa de cura.

Aíka impede que o guerreiro avise aos outros, se aproximando dele e explicando seu ponto de vista.

— Veja, eu e ele vamos embora e não voltaremos mais, ninguém vai ficar manchado ou com medo, eu e meu filho estaremos longe, não terá problemas para ninguém.

— Não, a responsabilidade é das nossas terras, não pode sujar outras.

Aíka tem acesso a alguns venenos e toxinas e usa isso no guerreiro; ela é ferida, mas consegue impedir que ele chame ajuda e o imobiliza. Ela esconde o homem desacordado e coloca seu filho na carruagem. Aíka também conhece um pouco de magia e usa o que sabe com seu conhecimento de sua própria aldeia, para conseguir sair sem que os vigias a incomodem, mas, para surpresa de Aíka, a sua melhor amiga aparece no seu caminho no meio da estrada de terra.

 — Tem alguém ali... Moésawa?

Aíka fica apreensiva por ver sua amiga impedindo seu caminho, mas, pelo respeito, ela não a ataca e se aproxima para conversar.

— Moésawa, amiga, por favor, não impeça!



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