Arbidabliu: Infantes Brasileira

Autor(a): Magnus R. S. Alexandrino


Volume 1

Capítulo 06: Destituição

Percebendo que já está na hora de sua reunião com o regente, Onilda arruma seus pertences em cima de sua cama, facilitando para levá-los depois, ela respira fundo, muda um pouco seu semblante triste e sai a caminho da fortaleza onde o regente a espera.

O tempo ainda está nublado, com uma garoa fraca, no percurso até a fortaleza e até ao salão principal, Onilda se lembra de tudo que passou na ilha e pensa em alguma forma de negociar sua permanência em Pronuntio.

Mesmo perdendo a esperança e com o pessimismo tomando sua mente, ela tem um bom pressentimento e comenta para si mesma, já em frente do grande portão do salão de Rícardus:

— Curioso... Até agora há pouco eu me senti sem esperança... Mas agora sinto como se algo bom estivesse acontecendo ou como se fosse acontecer... Que sensação é essa?

Onilda se sente mais revigorada e informa para os guardas:

— Por favor, avisem que Onilda Roser já está aqui para vê-lo.

Os guardas a cumprimentam e abrem o portão.

— Ele já a espera.

Entrando no grande salão, Onilda vê Rícardus sentado em um trono atrás de uma grande mesa de madeira maciça; a mesa está bagunçada com vários papéis, livros, copos, sujeira e restos de comida, indicando que Rícardus estava ocupado nos dias anteriores e procurando algo.

— Finalmente esse dia chegou?

Onilda vê que Rícardus está hostil como o de sempre. Ao falar com ela, seu modo arrogante a deixa brava, mas ela dissimula o possível para não mostrar ser afetada pela má educação dele.

— Desculpe, mas eu posso ajudá-lo em algo?

— Sim, pode, e vai!

Rícardus pega um pergaminho, levanta e se aproxima de Onilda.

— Pronuntio agradece seus serviços, mas não há mais a necessidade de pessoas como você aqui.

— Pessoas como eu?

— Mulher, intrometida, velha, feia e que se acha mais esperta que os outros.

— Como se atreves a me ofender assim?

Rícardus responde aumentando seu tom de voz.

— Calada! Eu sou o Regente de Pronuntio, e ordeno a sua expulsão dessa ilha!

Onilda por um momento pensa em atacá-lo com magia, Rícardus percebe e diz, ainda falando alto e encarando-a.

— Isso seria fabuloso, anda, faça!

Onilda sabe que é uma escolha ruim, por saber que dará mais motivo para que ele aja contra sua vida. Ela se afasta de Rícardus e diz calma.

— Engano teu, eu não ia fazer nada...

— Esperta... Não quero perder mais o meu tempo com você, sairá sozinha ou precisa de ajuda para ser levada até a primeira barca?

— Antes eu queria saber quem cuidará dos meus...

— Você não tem direito de saber de nada! Nada!

— Mas não se trata de mim, e sim...

— Basta! Já disse que não quero perder mais o meu tempo com você...

Um guarda entra correndo no salão e diz preocupado:

— Senhor, senhor!

— O que é agora?

— Meu Senhor, me desculpe interromper, mas você tem uma visita urgente.

— Urgente? Diga àquele “Musou” que ele nunca será bem-vindo aqui.

— Não é ele, meu senhor.

O grande portão se abre por completo e dele entra uma mulher. Ela é atraente, aparência de uma humana de cinquenta anos, estatura média, peso apropriado à sua altura, pele clara meio azulada, cabelos curtos e brancos, e olhos pretos.

Ela está usando um vestido escuro com um sobretudo pequeno, grosso, uma estola e, em sua cabeça, um diadema de ouro; em seu pescoço tem um colar com uma concha de náutilos dourados como pingente. Rícardus fica surpreso ao ver essa mulher. Onilda fica sem reação e questiona.

— O que há?

A mulher se aproxima e questiona:

— Você deve ser Rícardus Deformem, correto?

— Sim, um momento, por favor... Onilda, nós já terminamos, você pode sair.

A mulher abre um sorriso ao ouvir o nome e diz, apertando a mão de Onilda.

— Você é Onilda Roser? Prazer em conhecê-la.

Onilda fica sem graça e questiona, enquanto cumprimenta a mulher.

— Obrigada, mas já nos conhecemos?

— Não, ainda não...

Rícardus interrompe a conversa das duas.

— Minha senhora, eu estava terminando um assunto importante com ela; se não for incômodo, ela precisa ir.

— Ir? Mas temos muito que conversar ainda.

Onilda estranha a mudança repentina de humor de Rícardus, ele trata a mulher como se fosse uma divindade, é claro seu desconforto ao se colocar abaixo de uma mulher, mas ele se esforça ao máximo para esconder isso.

— Minha senhora, temos muitos mestres...

— Eu sei disso...

Essa mulher olha ao redor e comenta, demonstrando chateação por Rícardus:

— Você foi informado que entregaria seu posto, e é assim que você deixa esse lugar?

— Me desculpe. A senhora chegou mais cedo do que o previsto.

— Previsto? O previsto era você ser o mínimo competente a seguir ordens simples.

Onilda fica com seus olhos arregalados, sem conseguir esconder seu espanto e até apreço com tudo que está acontecendo. Rícardus começa a demonstrar seu ódio e mau humor, e a mulher diz com tom de ameaça:

— Se você realmente sabe que eu sou uma Electi, dotada de grandes poderes, saberá que falsidade não funciona comigo, regente.

— Não me entenda mal.

— Eu não entendo, eu sei! Não leio sua mente, mas sinto as emoções e às vezes até os corações dos que me rodeiam, sinto pena de pessoas como você... Saia!

— Me desculpe, mas eu sou o regente...

— É verdade, você gosta de informações mais claras e formais... Rícardus Deformem! Eu, Úrsula Vaness, o retiro do cargo de regente de Pronuntio, pois agora essa ilha tem uma rainha e uma senhora.

— Você não pode!

Os olhos de Úrsula ficam calmos, diferentes do tempo ao lado de fora, que demostra ficar furioso, trovões cortam os céus acima da fortaleza, uma ventania forte abre as janelas do salão e derrubam os itens da mesa de Rícardus. Onilda comenta baixo, ao sentir a presença de Úrsula, alguém com muitos poderes, que pode moldar o ambiente ao redor facilmente, além da energia que há nele.

— Ela tinha escondido sua aura... Não acredito! Uma Electi da terceira geração aqui.

O poder de Úrsula afeta por um breve momento os nervos, corpo, mente e a alma de Rícardus, um grande medo toma seu corpo, e ele se afasta.

— Me desculpe me exaltar assim.

O clima volta ao normal com o corpo de Rícardus, Úrsula sorri e diz, se aproximando dele.

— Não há problema, a verdade às vezes nos afeta de formas negativas, mas preciso dizer que Pronuntio agradece seus serviços, mas não há mais a necessidade de pessoas como você aqui, nunca mais.

A frase de Úrsula entrou como uma faca na moral de Rícardus, que a reverencia, agradece e caminha até a saída do salão; no caminho faz um sinal suspeito para um dos guardas, ele acena com a cabeça e, ao sair, se depara com Úrsula novamente. Onilda se assusta ao ver como ela se locomoveu ou se teleportou para lá. Úrsula olha para os guardas e para Rícardus e diz.

— Havia me esquecido, minha guarda pessoal já está a caminho, você pode levar os seus homens com você, presente de Pronuntio pelos seus “ótimos” serviços.

Rícardus fica por um momento sem reação, se sentindo derrotado, e Úrsula questiona:

— Algum problema? Você precisa de ajuda para sair do meu castelo?

— Não... Não, senhora...

Rícardus chama os guardas e, enquanto eles se agrupam para sair, Úrsula adverte.

— Lembre que está tratando com uma Electi agora, Rícardus, uma “mulher” Electi. Cuidado com suas emoções, pois poderão ser as últimas.

Rícardus e seus homens saem da fortaleza a caminho das docas, para voltarem ao Grande Continente. Onilda ainda está sem saber o que fazer ou como se sentir e, antes de falar algo, Úrsula usa magia, colocando uma cadeira para as duas sentarem e diz:

— Sente-se, sinto que está nervosa.

— Não... Sim... Desculpe-me...

— Por que está se desculpando?

— Eu não entendo... Estou perdida.

— É a sua primeira vez com um Electi?

— Sim, sim!

— Entendo, não é nada e mais... Bem... Vamos entender juntas, certo?

— Certo... Tu és uma Electi! O que fazes aqui?

— Como já era esperado, Rícardus não contou nada para ninguém... A partir desse ano, Pronuntio, Amor Mei, Affectus, Et Affectio, Matri Meae, Amici Mei, Vir Meus, Nunc, Ego Sum, Aeterna serão independentes e lideradas pelos dez Electi da terceira geração. Como essas dez ilhas cercam o Grande Continente e têm fácil acesso a outros lugares do “Antigo Mundo”, são os melhores lugares para que os Electi da atualidade fiquem, assim também diminui o domínio que o Império de Cristal está tendo fora de suas terras no Grande Continente.

— Entendi... Peço-lhe perdão por não saber como agir à frente de tua presença, uma Electi.

— Não precisa se desculpar, não há nada de especial. Mesmo sendo uma Electi, quero ser próxima da população aqui de Pronuntio. Você, como uma educadora, sabe que nós, Electi, não somos ídolos, mas, sim, representantes do único, nosso criador.

— Certo... Não sei se a senhora me permite, mas eu queria saber como ficará a minha situação; no caso, a situação de todos, alunos e mestres.

— Inicialmente ficará como está, vou ter uma reunião em breve com todos os mestres e chefes de família aqui da ilha, para entender melhor como estão às coisas, pois os relatórios do antigo “regente” não devem refletir a realidade ou os interesses reais e mútuos da população que aqui vive.

— Com certeza.

— Eu também preciso mudar essa fortaleza, reformar para algo à altura de uma mulher, como um castelo.

— Um castelo?

— Sim, você verá, com meus poderes irei adiantar esse processo.

— Então eu continuo como mestra aqui da ilha?

— Mas é claro, sim. Eu tive uma conversa recente com o líder de Coniuro e me encontrei com um mestre de magia chamado Maxmilliam, ele me adiantou algumas informações daqui da ilha, soube que não só você, mas outras mulheres são oprimidas por essa cultura que vem do Império.

— Sim, infelizmente...

— Isso me motivou a vir mais cedo do que o esperado, e vejo que foi uma ótima decisão.

— Sim, senhora.

— Mas não se preocupe! A partir de hoje, oito de março, nós, mulheres, independentemente da raça, classe, costumes e gosto, nós seremos respeitadas com dignidade e igualdade, pois somos tão capazes quanto qualquer outro ser da criação.

— Então posso tomar esta data como algo especial?

— Sim, mas só para lembrar o dia em que começou uma nova fase, pois nós somos grandes todos os dias a partir de hoje, graças a mulheres como você também.

— Muito obrigada!

Onilda se emociona e abraça forte Úrsula que, mesmo surpresa, corresponde ao abraço, logo Onilda se lembra da formalidade que deveria ter perante uma autoridade e se afastando se desculpa.

— Me desculpe! Deixei minha emoção falar mais alto, eu não deveria ser tão invasiva.

Úrsula ri e diz, puxando Onilda para mais um abraço.

— Você não foi invasiva, minha cara, eu fico feliz que você esteja contente com essa mudança.

— Claro! É incrível ver uma mulher, tanto como Electi tanto como a nova rainha de Pronuntio.

— Ótimo, então vou precisar que você me ajude em três coisas.

— Claro! O que a senhora precisa?

— Primeiro, mudar o cronograma de algumas aulas, quero que haja alteração e uma dedicação maior nos treinos que vieram do Império, algumas que envolvem artes de guerra traiçoeiras e nocivas.

— A senhora quer focar nestes treinos?

— Sim, mas de forma teórica, a mudança será tirar a prática desses métodos e colocá-los na teoria. Todos devem estudar como o Império age para saber se defender dele e de outros que usam essas artes.

— Interessante.

— Preciso que ajude meus auxiliares a agendar e preparar a minha reunião com todos os comunicadores da ilha.

— Pode deixar comigo!

— E outro ponto importante... Fiquei sabendo, logo quando cheguei, sobre uma injustiça, eu preciso que você liberte um prisioneiro.

Os olhos de Onilda enchem-se de lágrimas novamente, e ela mesma diz:

— Opofrelse?

— Sim...

A felicidade de Onilda é imensa, ela reverencia e agradece a Úrsula que, em pouco tempo, já conquistou seu coração e admiração. Onilda corre para libertar sua fiel amiga Opofrelse e em seguida a preparar tudo que Úrsula pediu.

— Finalmente serão tempos de paz e prosperidade.

Depois de dois dias, uma grande reunião é feita, chefes de famílias, mestres, grandes comerciantes, sacerdotes e altos cargos hierárquicos de Pronuntio estão reunidos à frente da Fortaleza, que já está passando por grandes reformas para se tornar um majestoso castelo.

— Incrível!

— Está ficando bom mesmo.

Onilda está na primeira fileira à frente de uma grande sacada, onde Úrsula aparece e faz seu pronunciamento inicial; usando magia, ela faz com que sua voz seja ouvida por todos.

— Agradeço a presença de todos para essa solenidade importante... Eu sou Úrsula Vaness, Electi que ajudará Arbidabliu em várias questões mágicas, ambientais e até sociais... Hoje me torno Rainha de Pronuntio e a Electi da Água. Essa fortaleza se tornará Divine, o castelo que acolherá mais guerreiros, mestres, sacerdotes e aldeões que auxiliarão a população da ilha. A partir de hoje, toda desigualdade que antigos “profetas” impuseram está anulada!

A voz de Úrsula tem um poder de persuasão e tranquilidade, que conforta a mente de todos, deixando-os esperançosos com o futuro.

— Outras raças, mulheres, idosos, Descendentes de Adéa e Ivo, entre outros, agora são bem-vindos, e, juntos, deixaremos Pronuntio a caminho do “Desejo de Deus”!

Úrsula também comenta sua jornada e planos que envolvem os outros Electi, deixando clara a importância de todos os seres nesse processo. No fim da reunião, Úrsula pede para se reunir individualmente com cada um, para saber mais detalhes de tudo. Antes de entrar e se reunir com o primeiro, ela aborda Onilda e pede:

— Onilda, por favor, eu peço que a partir de hoje você dê mais atenção ao Ray.

— Ray? Algo especial?

— Não sei ao certo, mas tenho um mau pressentimento com a ida de Ynascar para o Grande Continente.

Onilda fica preocupada e, ao ver que Úrsula também demostra esse sentimento, ela responde:

— Sim, senhora, eu farei o possível.

— Sei que não é algo muito bom, mas, além dessa “atenção”, quero que você o deixe preparado para possíveis perdas.

Onilda esconde sua tristeza, mas Úrsula faz sinal com a cabeça, indicando vivenciar e compactuar com a tristeza que Onilda está sentindo, imaginando que Ynascar, pai de Ray, pode morrer em uma batalha contra o Império de Cristal, e lembrando que Ray já perdera a mãe ainda criança.

— Entendi... Farei tudo ao meu alcance.

— Sei que isso é o bastante. Obrigada.



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