Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 30: Andar Animal

Finalmente me juntarei aos meus pais novamente. Não vejo a hora de comer os bolinhos de chocolate que a minha mãe fazia.

Será que dá para fazer comida no outro mundo? Se tiver um no caso. 

O bolinho de chocolate deve ter gosto de nuvem com casca de árvore se tiver.

Tomará que os alimentos do mundo dos mortos sejam pelo menos mais gostosos que os pratos bizarros de Esmael.

Caso ele sobreviva à queda, dedicarei algumas décadas à arte da culinária para mostrar como se faz um prato de verdade.

Fará falta ouvir os xingamentos de Esmael, mas algum dia eles voltarão.

— Não vejo a hora de ver a minha linhagem inteira — falei.

— Sinto muito garoto, mas você está mais perto de ir pra casa do caralho do que de outro mundo. — Eram os xingamentos do cabelo de coqueiro.

— Você também morreu! Que legal! Quero dizer, que ruim! Esse mundo é meio gelado, né? — assoprei e estava gelado.

— Eu sei. É meio estranho ter gelo em Inferno. — Esmael levantou meu rosto para uma direção.

Cai na realidade que ainda estávamos vivos, mas longe de estarmos seguros.

Caímos em uma coisa que nunca vi na vida. Era da cor de um gelo e tinha uma superfície gelatinosa.

Me levantei desesperado na hora, pois poderia ser um animal ou monstro infernal, mas estava longe de ser. 

Era apenas um bloco de gelotina. 

— Que nome ruim, hein!

— E eu sei lá o nome dessa porra gelada? Também nunca vi, mas acho que sei como sobrevivemos à queda.

Com certeza, ficamos inteiros por causa da gelatina. Entretanto haja gelatina.

Era um material totalmente novo para mim e Esmael. Tomará que Bila também tenha visto a novidade.

No meio da fumaça negra, eu só enxergava alguns metros além do cadarço do meu tênis que estava tremendo de frio.

Ela não estava perto de nós. O pior era que não podíamos gritar seu nome, pois não sabíamos quem ou o que poderia nos ouvir.

Por enquanto, terei que me contentar com a sorte de ter eu e Esmael vivos.

— Ficar aqui em cima vai congelar até a rodela do rabo. Vamos ver se aquela pirralha tá por perto e decidir a merda que está por vir. Mas antes tenho que garantir que você não vai fugir… 

Esmael tirou a arma de gancho que eu tinha e amarrou o cabo dela em minha volta. Eu e ele ficamos ligados.

Aceitei a amarração por livre e espontânea pressão, então saímos de cima do bloco de gelotina e colocamos o pé no chão. 

O solo era lamacento e estava cheio de pedaços de folhas. Estávamos em um pântano, ou seja, ambiente favorito de Croc.

O nosso transporte poderia estar por perto. Outras criaturas também, na verdade, já estavam.

Ao dar passos para direções estranhas, ouvi um tilintar de ferro batendo um no outro. Depois, apenas barulhos de brigas de animais. 

Também dava para sentir um cheiro de dejetos no local. Era um zoológico versão Box. 

A cada passo que dávamos, teríamos que ter cuidado. Se não fosse pela fumaça, seria fácil ser cuidadoso.

— Acho uma boa ideia seguirmos o som. Talvez dê para confirmar se a sua namorada foi devorada ou só bateu o coco mesmo.

— Ela não tá morta! Nem é minha namorada, sem noção!

Eu presumia que Bila estava viva. Era provável que ela tivesse caído em uma das gelotinas, gelatinas de nevasca soa melhor.

A minha preocupação mesmo era com os animais em minha volta, pois me deparei com o primeiro deles.

Um macaco com furos na orelha e rabo de cobra pousou no meu ombro. Ficou parado.

Esmael não falou nada, nem sequer se mexeu. Entendi o motivo ao olhar entre uma vegetação de Neuromelos prontas para serem colhidas.

Um bicho esguio e espinhoso estava pendurado entre os galhos da árvore, porém ele era muito longo.

Longo o suficiente para fazer um círculo com seu corpo entre eu e Esmael.

A qualquer momento ele poderia pular em nós. Na verdade, só não fazia porque percebemos a sua fraqueza.

Ele não tinha olhos, bocas, nem nada aparente. Era quase uma corda com cerol de vidros pontiagudos.

Havia marcas de cicatrizes no lugar de onde era para ter os órgãos normais.

Era obra de Box e, se ficássemos parados talvez a criatura passasse reto.

Foi o que aconteceu. Ela sumiu entre a névoa negra. O chão chegou a afundar por onde passou.

— Temos que achar a Bila e o Croc rápido. 

— Concordo. Não quero virar bolsa de couro para aquela cobra.

O macaco no meu ombro pulou no chão e correu para uma direção aleatória.

Do jeito que ele estava tremendo e suando no meu cotovelo, talvez quisesse ir a um lugar com água.

Seria um lugar propício para um Merunio estar. 

O objetivo inicial era achar Bila primeiro, mas ela terá que esperar a chance que surgiu na minha frente.

Seguimos o macaco pela névoa e realmente fomos parar em um lugar com água. Para ser mais exato, paramos em um lago com um holograma de cachoeira.

Sabíamos que era uma cachoeira por causa dos glitchs que aconteciam nela.

Pelo menos a água era real, ou pelo menos era um líquido parecido com água.

Chegando perto do lago, senti um cheiro desconhecido no ar. Uma junção ardente o suficiente para não nos fazer chegar perto da borda d'água.

Poderia ser veneno dentro do lago. Não afetava o macaco, já que ele bebeu dela…

— O macaco está ficando vermelho ou é impressão minha? — perguntei já olhando para onde fugir.

— A água está batizada. Deve ter dado uma briza boa nele — respondeu Esmael.

O macaco poderia apenas mudar de cor, explodir ou ir para cima de nós. Eu não pagaria a fim de descobrir a resposta, então corri para trás de uma gelatina de nevasca.

— Vem logo, Esmael — falei de longe.

— Sossega o cu. Estou tentando ver o que caralhos acontece nesse lugar. 

Paramos de falar e ficamos vendo o macaco ficar mais vermelho até ele parar de beber água. 

Quando terminou de se hidratar, a tremedeira retornou, mas de uma forma descontrolada.

Ele começou a jogar lama para o alto, entrou no rio, foi para a cachoeira e começou a socar o holograma. 

— Ficou maluco — falei despreocupado com a pequena ameaça.

— Puto eu diria. Faz o estilo de Nevi. Terei bastante coisa para falar para Boris, hehe!

Esmael caiu em gargalhadas e deu passos junto de mim para ver se achávamos o Croc no lago.

Sem sinais de nenhum ser a não ser mais macacos e outras criaturas machucadas.

Felizmente não viemos ao lago à toa. 

Após contornarmos ele, deparamos com uma criatura parecida com um mamute. Era apenas uma cabeça na verdade. 

Estava morta, mas pronta para reagir a estímulos de defesa. Descobri ao chutar uma pedra sem querer na tromba dela e ela emitir um som.

Mais uma aberração de Box. Junto da cabeça haviam outros bichos também.

Chegamos em uma parte onde provavelmente a hipopótama transformava seus desejos nojentos em realidade.

Cabeças de mamutes, cobras sem olhos ou bocas, macacos doidos e outras coisas piores estavam enjauladas em uma espécie de laboratório a céu aberto.

Câmaras, equipamentos de cirurgia e contêineres com segredos duvidosos completavam a sensação de dor dos animais.

Mas descobri a pior coisa ao vasculhar uma mesa cheia de utensílios médicos. Tinha um pedaço de carne pulsante e holográfica.

Estava em cima de uma base. Parecia um globo de neve em certa medida.

Eu e Esmael sabíamos bem o que era. 

— Procurei ouro e achei foi diamante. Com isso daqui, nem preciso investigar mais nada. 

Ao lado da carne, havia um Meliodes de mesa. 

Quando Esmael tirou o pedaço de carne da superfície, uma janela de arquivos que estava sendo projetada simplesmente sumiu.

A bola poderia conter segredos de Nevi ou pelo menos um catálogo dos experimentos.

Infelizmente não dava para simplesmente acessar a interface do Meliodes ou comer as informações. 

Da última vez que esqueci a senha do meu Meliodas de mesa e fiz a cirurgia dos meus falecidos olhos de águia, demorou semanas para os técnicos hackearem.

— Apesar dessa bola fedida não funcionar, ainda dá para localizar o Croc por aqui. — Esmael apontou para a interface do Meliodes.

— Não custa tentar.

Havia um pequeno mapa clicável na área de trabalho. Poderia ser uma ajuda que os dois jumentos do andar de cima usavam para se guiar.

Quando acessamos ele, o local parecia ainda mais um zoológico. Tinha ícones de diversos animais. 

A maioria deles, eu não conhecia ainda. Vi apenas em livros como Animais Infernais e a fórmula para a morte.

Alguns deles eu vi pelas ruas ou águas infernais. Tarascas, peixe-arqueiros e merunios.

Para minha felicidade, havia um ícone com a fotinha de cada um deles. Inclusive do Croc.

Era só irmos atrás dele agora. Sabíamos a nossa posição comparada a ele.

Mas havia um probleminha bem grandinho. 

Uma criatura que eu conheci recentemente também estava nos ícones do mapa. Ao contrário das outras, ela se movia.

Se movia rápido demais para falar a verdade. Estava se aproximando da nossa localização.

Na verdade, já estava grudada na nossa posição.

Era o cão de guarda do lugar e também bicho de estimação de Box.

Ferrou! O Aprendizado está debaixo de nós. 



Comentários