Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 29: Experimentos

Largamos o biodemônio na enfermaria e eu tinha certeza que chegamos onde Croc estaria. 

Os indícios eram claros, estouravam em clareza. 

Assim que abrimos a porta da enfermaria, barulhos de diversos animais reverberaram pela base de Nevi.

Não eram barulhos amigáveis. Um simples mugido de tarasca se transformou em um pedido de socorro. 

Alguns deles gritavam em dor, outros tentavam falar em rouquidão, outros poderiam ser um perigo para mim ou qualquer um que se aproximasse.

Tive até receio em deixar Sisa abrir a próxima porta para nos levar até Croc, pois, dependendo de qual animal avistássemos, poderíamos morrer de dó ou entre mastigadas.

A única opção no momento era investigar o que acontecia por aí, então entramos na toca de Box.

De imediato, quase perdi a esperança de salvar Croc. 

Box não tinha apenas animais roubados. Na minha frente, havia uma floresta inteira escamada, um zoológico particular feito em vertical com o único intuito de torturar ou fazer experimentos de tortura.

Dentro de cilindros transparentes, diversas plantas lutavam para sobreviver. Uma delas até esticou a mão dela para tentar sair dali no vidro.

Tudo de vegetal eram experimentos estranhos, pelo menos naquela sessão.

Havia um buraco no centro de tudo e dava para ver outros experimentos abaixo.

— É. Aquele botijão de gás ambulante tem um gosto diferenciado. — Esmael parou do meu lado.

— Aquilo é um rosto? — Mirei com o dedo tremendo para uma flor.

— E feio ainda por cima — disse Bila.

Membros humanos fundidos a plantas, animais com partes vegetais, vegetais vivos por toda parte. Esse tipo de coisa existia, mas os experimentos de Box eram assustadores.

Não havia uma Sisa ou um arrozfálo para alegrar o ambiente. Para todos os lados que eu olhava, meu estômago embrulhava.

Nem sei se eu queria salvar os seres na minha frente, ou apenas dar um fim na dor deles. Choravam em agonia e dava até para sentir um cheiro de podridão saindo pelas brechas das prisões.

— Se não quiser ver um Croc sabor alface, acho bom descermos logo — avisou Esmael, apontando para uma plataforma capenga.

— Tomará que essa plataforma aguente — falei com bastante receio. 

— Se aguenta uma hipopótama como aquela baixinha sem vergonha, nós não seremos problemas.

Seguimos até a plataforma. Era semelhante àquela que tinha na maldita cúpula do Palatino, mas talvez quem descia por ela sofresse mais do que meus pais sofreram.

Me senti sendo amassado para baixo quando pisei em uma marca de mordida na plataforma. Foi pior ainda quando vi arranhados perto do controle dela.

Tomará que não tenhamos problemas ao descer nela, muito menos de voltar nela.

Infelizmente, nada era tranquilo em Inferno.

Todos nós subimos na plataforma e Sisa manuseou o controle para nos abaixar.

Do andar das plantas, eu enxerguei um breu abaixo de nós, então não fazia ideia de quantos andares teríamos que o Croc poderia estar, mas descobri a resposta no meio da descida da plataforma.

Blink!

Um sentimento parecido com adagas perfurando meu peito veio, assim como o barulho de espinhos pegando fogo.

O breu abaixo de mim foi completamente iluminado, e estava longe de ser por causa de sensor de proximidade ou por nossa vontade.

— Quem está aí? 

— Teu pai, aquele corno. 

— Deixa de graça, Dou. Tem alguém descendo para baixo.

— Relaxa, Menio. Ela vai demorar alguns minutos ainda. Eu ficaria preocupado mesmo era se o elevador descesse com ela de uma vez. Meu rabo dói só de pensar no que a Nevi faria.

— Nosso rabo. 

— Dá última vez foi foda. Mas relaxa, não tem ninguém no elevador. Olha direito. Apenas um bug de rotina.

— Já, já ele sobe para cima. 

Deu para ver as duas figuras, eram dois reptilianos. O fã de pleonasmo era Menio, o outro era Dou. 

Ao pular, ser arremessado por Esmael, não percebi direito a cor dos dois, porém, atrás de um amontoado de tecidos onde cai, deu para ver. 

Menio era azul, enquanto Dou era amarelo.

Ainda bem que não perceberam ninguém pulando da plataforma. Pelo menos até o momento.

O andar como um todo era um campo minado de coisas para nos denunciar.

Peles de animais, novas armaduras orgânicas, membros de animais, novas armas, sacos gástricos, bombas prontas para estourar na nossa cara. 

Dou e Menino estavam combinando diversas coisas naquele andar. Armas letais, brinquedos que arrotavam, tinha de tudo e mais um pouco.

Duvidei que a maioria funcionava, pois tudo parecia uma pilha de lixo. Até o arsenal de Bila era mais organizado.

Um passo em falso e, pronto, eu derrubaria bombas fedorentas. 

Para isso não acontecer, me movia com cuidado. Sisa também, Bila nem tanto, Esmael…

Kaboom!

— Foi sua hemorróida, Menio? 

— Não foi não. Pega uma arma com a mão.

Eles foram direto para a minha direção e não poderíamos utilizar a plataforma de nenhuma maneira.

Lutar com eles seria uma estupidez maior ainda. No máximo poderíamos dar uma madeirada na cabeça deles para nocauteá-los.

Algo como suas facas e armas penduradas em seus corpos me dizia que seria uma péssima ideia encarar Dou e Menio de frente.

Era hora de distrair mais uma vez a gangue de Nevi. 

Pelo menos teríamos um leque maior de explosões dessa vez. E seria eu que ajudaria.

Sem avisar ninguém, vi o que ativou a explosão da pilha atrás de mim e lancei em outros objetos orgânicos explosivos: uma batata doce, sensível e explosiva.

Kaboom!

Sisa me olhou querendo fincar seus espinhos em mim, pois estava se preparando para enfrentar os reptilianos, mas minha estratégia funcionou.

De relance, percebi que foram para a distração. Na verdade, ainda bem que foram. 

A criatura da motosserra partiu para cima de nós rapidamente na sala anterior, mas Dou e Menio eram mais ágeis. 

Senti um vento de arrancar meu coração pela garganta quando arrancaram.

— Por aqui — Esmael me puxou pela manga.

Nos afastamos dos dois o quanto pudemos e seguimos para uma parte menos bagunçada do local. 

Paramos em um arsenal de armas prontas para serem utilizadas, ou pelo menos testadas. O motivo de estarmos ali era simples.

Se houvesse outra forma de descer ao próximo andar, não seria cair nele de peito aberto, mas sim descer por onde as cargas vão.

Na mesa onde Dou e Menio trabalhavam, uma carcaça de um animal estava desmembrada e conectada a diversos cabos. 

Alguns dos cabos eram de energia, outros de conexões orgânicas. Um deles poderia vir a calhar para nós.

A carcaça estava debaixo de um guindaste estabelecido no andar. Poderíamos pegar uma carona com o cabo para baixo.

“Nada pode ser perfeito por aqui. A comida tem que se mexer, as plantas são malucas, tem gente doida pra todo lado…”, resmunguei comigo mesmo, pois não conseguiríamos deixar aquela mesa intacta.

Logo removemos os ganchos que seguravam a superfície onde a carcaça estava e colocamos eles perto do buraco do andar de baixo.

Não dava para ver nada.. Os espinhos flamejantes estavam acesos, mas a questão dessa vez não era a escuridão.

— Garoto, você vai na frente — mandou Esmael, me dando um cabo com gancho. — Segura, reza bastante e seja feliz.

— Nem a pau. Tudo lá embaixo é fumaça.

— Não se preocupe, o chão está perto dessa vez. Que eu saiba não tem nenhum andar mais abaixo de nós e os sons de animais tão altos.. — Ele parou para pensar um pouco. — Apesar de que mudou bastante coisa da última vez.

Ao perceber nosso desentendimento, Sisa jogou os ganchos bem no nosso peito. Eu e Esmael iríamos descer juntos dessa vez.

E teria que ser rápido.

A explosão que eu fiz desencadeou pipocos sequenciais. Daria para montar uma orquestra com tanto barulho.

Como todo o show, a reação em cadeia acaba algum dia.

Kaboom!

— Lá se foi a última. Devo ter limpado a sujeira desse lugar — afirmei segurando no gancho.

— Concordo. Mas comemore depois. Vamos meter o pé logo — falou Bila.

Sisa se posicionou perto do guindaste e ela nos mandaria para baixo.

Eu e Esmael estávamos prontos para sermos puxados, então fomos erguidos facilmente.

Ficar acima do chão nunca foi uma boa ideia e quando fui colocado em direção à fumaça, enfatizei isso ainda mais.

Sisa nos desceu no meio da fumaça, de cor negra, e não dava para ver mais nada do andar de onde estávamos.

Apenas vi uma chifrudinha vindo na minha direção. Não tão calma, para falar verdade, ela estava rápida, muito mais rápido do que estávamos, muito mais.

— ME SEGURA!!! — gritou Bila.

— EU TE PEGO — falei desesperado.

Bila saiu do outro andar, mas não por um gancho. Ela pulou em minha direção.

Estendi minha mão de imediato e tudo virou uma câmera lenta. Seus dedos peludos conseguiram encostar na minha palma e até consegui sentir minha mão fechando-se, mas eu não forte o suficiente para segurá-la.

Meu braço saiu do lugar por um instante ao tentar puxá-la e ela sumiu no meio da fumaça. Nem eu, nem sequer Esmael, a alcançaria a tempo.

O silêncio tomou conta da sua voz. 

Eu também a acompanharia, pois o meus cabos se estouraram e aumentei a velocidade de queda.

Não sei o que aconteceu, mas eu culparia todos que mataram Bila na minha outra vida ou na minha atual se eu sobrevivesse.



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