Volume 1
Capítulo 28: Enfermaria
Enfermeiras com bisturis na mão podem ser assustadoras, mas a criatura que Esmael acordou era pior.
Eu não sabia ao certo se era uma criatura ou um soldado de Nevi. A única certeza que eu tinha era da horrorosidade daquilo, pois era um biodemônio vermelho com duas serras elétricas nos braços ao invés das mãos.
Nada de bíceps ou tríceps, apenas randandandan.
Se eu tinha dúvidas se as serras funcionavam, elas foram respondidas quando ele partiu para cima de todos as enfermeiras e médicos do local.
Talvez ele tenha esquecido o time que ele jogava, pois não perdoou ninguém em seu caminho.
A criatura partiu duas pessoas no meio e correu atrás das outras.
Já vi cenas piores, como o evento da Bomba de Pragas, mas mesmo assim meu estômago revirou com tanto sangue espirrando nas câmaras Tino.
— Agora não tem como chegar no merunio sem fazer barulho — falou Bila, escondida atrás de uma das câmaras Lino.
— Temos que seguir em frente, então teremos que passar por aquele troço de um jeito ou de outro. Me empresta algumas latas? Distrair ele vai ser melhor do que lutar — pediu Esmael.
— Tenho algo mais útil.
A fauna mostrou uma bola de carne para nós. Era uma de suas engenhocas. Usou ela para distrair alguns biodemônios quando a conheci.
Poderia funcionar bem. A enfermaria era grande o suficiente para contornarmos a criatura.
Teríamos que ser rápidos, pois a criatura estava fazendo suas últimas vítimas.
Restavam apenas duas pessoas tentando lutar contra a criatura. Uma delas estava afastando o biodemônio com seu braço modificado com diversos utensílios de cirurgia, enquanto a outra arremessava tudo que via para se defender.
A criatura, no entanto, parecia uma tarasca desenfreada. Mesmo com sua magreza, aguentava os golpes e ia para cima.
Movimentava as serras para cortar tudo que via pela frente.
Quando os últimos sobreviventes ficaram rentes às paredes, tiveram suas cabeças arrancadas ao mesmo tempo pelo biodemônio.
Era uma sorte e tanto dela não nós ter visto ainda.
— Pode parar de comer a pipoca e lançar a bola? — avisei para Bila.
— Tudo no seu momento — respondeu ela dando soquinhos na bola de carne.
Ela passou a engenhoca para Esmael e ele a jogou em uma direção segura para prosseguirmos.
Depois que a bola de carne caiu no chão, ela caiu em lágrimas, pois um choro de bebê ecoou por toda sala.
Bua!
Obviamente, atraiu a criatura.
Foi a minha deixa para correr até a próxima porta do local, mas fui obrigado a parar no meio do caminho por uma atitude diferente do biodemônio das serras elétricas.
— Filha? — espantou-se a criatura, com uma voz rouca.
Ao invés dela sair cortando as câmaras do meio e correr para a Babymondega, o que eu esperava que aconteceria, ela caminhou.
Enquanto ela dava passos, os barulhos de choros aumentaram mais ainda, mas não foram apenas da bola de carne.
A criatura caiu em prantos.
Com sua voz rouca, ela berrava em desespero. Um desespero que vi apenas nos olhos do meu pai, antes dele ser morto.
— Cadê você? — Suas serras nem giravam mais.
A bola caiu atrás de uma câmara, então demorou um pouco para ser achada pela criatura, mas quando a achou ouvi um barulho de um pisão e das serras elétricas voltando a funcionar.
— Desgraçados!!! Cadê a minha pequena? — Dirigiu-se o olhar para mim.
Estávamos perto de outra porta do local, prontos para sairmos, mas o biodemônio mirou seus olhos fundos diretamente para aquela região.
Não devíamos ter parado para observá-lo, ficamos expostos por besteira. Suei mais, porém longe de ser uma cachoeira.
Mesmo tendo nós localizado, a criatura não poderia fazer nada contra nós. Ele não nos alcançaria nem em cima de uma tarasca.
Sisa abriria a porta para o próximo local e fecharíamos a saída da enfermaria na cara do biodemônio. Ela começou a fazer isso de imediato.
A oberon colocou sua mão direita dentro do scanner de acesso e a entrada mudava sua cor aos poucos.
De vermelho, ela mudou para amarelo, porém voltou para a cor sanguinária de uma vez.
Virei uma cachoeira de preocupações, assim como todo mundo em minha volta.
Arg!
Randandandan!
Sisa não conseguiria abrir a porta, pois debaixo de suas pernas e perto da entrada, estavam duas coisas: seu braço jorrando seu sangue amarelo e um disco de serra elétrica jogado de longe.
De imediato, ela colocou sua outra mão no cotoco e caiu de joelhos no chão. Consegui ouvir um de seus dentes quebrando pela sua tentativa de conter o sofrimento.
A poça de sangue aumentava cada vez mais, seus grunhidos também.
Eu tinha que agir logo, então tirei minha jaqueta e fui de imediato em direção ao cotoco dela, porém fui puxado pela manga.
— Você precisará mais da sua jaqueta regenerativa do que a Sisa. Um pouco de fotossíntese ou sei lá o que e ela fica novinha em folhas.
— Ela está chorando de dor!
— Mas vai aguentar. Se quiser ajudar, dê uma daquelas frutas medicinais para ela e utilize essa enfermaria, enquanto coloca a outra mão dela na porta.
— Não vai dar! Aquele cara tá vindo pra cá!
— Não se preocupe. Irei colocar aquelas serras dentro de um lugar que ele não vai conseguir coçar mais.
Pensando que eu era um cabide, Esmael tirou sua jaqueta e pela primeira vez, pelo menos em Linfruntes, eu vi o que ele usava por baixo: um colete a prova de balas cercado de seringas verdes prontas para serem aplicadas.
Sem usar nada, sua aparência mudou ainda mais.
Suas pupilas se afinaram como as de répteis e seus músculos começaram a fribar até o pescoço.
Naquele momento, surgiu mais uma criatura, ou o começo dela, assustadora na enfermaria.
Esmael estava pronto para arrancar a cabeça do biodemônio. Até salivava ou olhá-lo, mas antes de se deleitar, aplicou uma seringa de forma brusca no pescoço.
— Aí! — gritei.
Depois daquilo, ele partiu para cima do biodemônio. Rasgava tudo no seu caminho com socos e pontapés.
Jogava mesas para cima, espalhava papéis e dispositivos para diversos lados. Um caos completo.
Do outro lado, era a mesma coisa. O biodemônio partiu desenfreado para cima de Esmael, porém apenas com uma serra elétrica.
Quando os dois se chocaram, houve uma explosão sonora de crânio e Randandandan!
A minha curiosidade de ver Esmael em combate foi embora assim como a metade da sua cabeça.
O biodemônio ficou e prendeu a serra elétrica entre os olhos de Esmael, porém nada estava perdido.
— Hahaha! Que sensação boa… — Com a boca cheia de sangue, o xenoprago riu do seu inimigo e cuspiu pedaços de seu corpo na cara dele.
Esmael não morreu com aquilo. Pelo contrário, ficou mais vivo do que nunca.
Ajoelhado devido ao impacto, ele se levantou e socou o biodemônio bem na cara. A criatura da serra elétrica voou longe.
Senti até um cheiro dos fios da serra se soltando, talvez fosse as veias do biodemônio. Fediam a afiação queimada.
Mesmo detonadas, funcionavam, então a criatura voltou para cima de Esmael, porém eu não pude acompanhar muita coisa ao não ser o xenoprago utilizando os utensílios do cadáver de um dos médicos e judiar, rasgar e perfurar a carne do biodemônio.
Minha virada de rosto foi por causa de Sisa.
Eu e Bila demos uma das frutas medicinais para a biodemônia e amenizamos o sangramento com o auxílio de Sisa.
Nem perdemos tempo e fomos para a porta, mas não poderíamos entrar de imediato.
Se o suor já impedia o reconhecimento de alguns dispositivos antigos, sangue de um desmembramento estragaria qualquer possibilidade de conseguirmos mudar a cor da porta para verde.
Tive que pegar um papel de algodão de uma bancada derrubada e enxugar tudo, com um pedaço de ferro amarrado.
Se eu colocasse a mão ali, talvez o buraco de reconhecimento achasse ruim e arrancasse meu braço fora.
— Vamos! — apressei.
Eu dei suporte a Sisa para andarmos e Bila colocou o braço restante no buraco. Desta vez, não havia perigo de alguma motosserra voar em nós.
De costas, eu via apenas as costas de Esmael mexendo devido sua respiração pesada. Ele estava coberto de sangue e dentes de motosserra fincados na pele.
Mas estava longe de estar ferido ou algo do tipo. O sangue não era dele. Todas as suas feridas se regeneraram ao ponto dos dentes fincados saírem sozinhas.
Depois que ele colocou a jaqueta de volta, eu poderia falar que nem sequer lutou ao não ser pelo resultado deixado no seu adversário.
O biodemônio da serra elétrica estava quase soltando fumaça pela boca de tanto desgaste corporal. Completamente obliterado, porém aparentemente quem era de Inferno era resistente.
— Salvem minha filha, por favor. — Com as últimas forças dele, ele segurou o pé de Esmael com suas pernas.
Ao ouvir as palavras, o xenoprago teve uma reação estranha, pois parou e olhou profundamente para a criatura.
— Mave… Frepe, corre aqui com uma daquelas frutas — gritou apressado.
— O quê? — Larguei Sisa com Bila, a porta já estava aberta.
— Me ajuda a colocar ele em uma câmara.
— Você destruiu ele e as câmaras.
— Não todas, tem uma naquele canto.
Esmael levou o biodemônio até a câmara Tino. Estava intacta, porém velha como as outras e um pouco diferente das que eu conhecia.
O painel dela estava alterado. Novas opções, novos reconhecimento de raças, porém ainda precisava de algo para funcionar, descobri o que era quando Esmael cortou a palma da minha mão e a colocou em um tubo de sangue.
— Qual seu problema? — perguntei chutando a canela do xenoprago.
— Sua filha reclama que nem meu parasita? — Esmael colocou o biodemônio na câmara e me ignorou.
— Não — negou o biodemônio.
— Deve ser uma boa menina. Infelizmente, não posso salvar ela porque estou com obrigações para um caralho, mas você pode procurar ela quando acordar de novo. Picote tudo no seu caminho.
— Ok. — De uma vez, a câmara foi fechada e eu já não via mais a criatura.
— Você tem sérios problemas. SÉRIOS. Por que raios aposentou o cara para salvar ele depois? — reclamei.
— O braço de Sisa, como ela está? — perguntou, antes de perceber minha pergunta. — Tá falando pra dentro? Fala direito, pois não entendi porra nenhuma que você perguntou.
— Esquece. Vamos salvar o Croc logo.