Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 27: Corpo

O elevador do prédio médico de Fepis era estranho, mas pelo menos o cheiro de algas com uma pitada de molho melado de carne era gostoso.

Por outro lado, o elevador que pegamos para salvar o Croc fedia a mato queimado e a excrementos de criaturas. 

Estar em 4 pessoas dentro dele apenas piorava tudo, pois ele era pequeno. Esmael teve dificuldades em apertar os botões dos andares sem dar uma cotovelada em Sisa ou em mim.

— Falta muito? — reclamei cobrindo o nariz e vendo números descendo. 

— Para de reclamar. — Bila me olhou de cara fechada. — Toma isso. 

A fauna me deu uma das frutas medicinais que carregavámos. Não eram cheirosas, porém deixavam um 

odor neutro se próximas ao meu nariz.

Tomará que elas também sejam realmente medicinais, pois chegamos ao nosso andar desejado e a porta se abriu.

De imediato, apontei minha arma de gancho para frente. Nenhum sinal de vida.

O corredor estava vazio e as portas do andar estavam completamente abertas. Até me esgueirei por uma delas e não vi nada além de cômodos vazios. 

Ninguém morava ali, pelo menos onde eu estava. Isso talvez explicasse porque as janelas do prédio estavam escuras do lado de fora.

Nem cogumelos bioluminescentes haviam no local. 

— Ou todo mundo está nos bares das ruas, ou não tem ninguém por aqui mesmo. — Bila estava com uma lata na mão, mas guardou.

— Eles correram de medo ao sentirem inconscientemente minha presença. Podemos avançar sem problemas, vamos — minha voz ecoou pelo corredor e um barulho de agarrões também.

Esmael pegou minha arma de gancho e a colocou na minha mão. Fez o mesmo com a lata de Bila e mandou ficarmos alerta o tempo todo.

Não necessariamente estavámos seguros ali. Há qualquer momento poderia aparecer alguém no elevador ou no final do corredor, onde tinha uma porta roxa e altamente blindada de quitina.

Errei, fui moleque em guardar a arma de gancho. 

Em compensação, respirei fundo e fiquei mais focado que nunca. A cada porta que conferíamos com Sisa se esgueirando com seu corpo, eu olhava a nossa retaguarda em seguida.

Apesar de eu não ter muita força ou qualquer atributo que um adulto infernal terei mais do que eu, talvez eu seria a pessoa com o tempo de reação mais rápido do andar. 

Se uma mosca passasse ali, eu avisaria Esmael na hora.

Felizmente, passamos por diversas portas e não aconteceu nada interessante.

— Hora da verdade — Esmael cochichou em frente à porta da ligação entre o prédio e a base de Nevi.

De imediato, Sisa se aproximou da porta para colocar sua mão em um buraco capaz de reconhecer acessos. Quando ela tirou os dedos, uma gosma verde cobria a sua palma. 

Nojento.

Era um sinal que deu certo, pois a porta deu espaço para uma ligação parecida com aquela perto do prédio de Fepis: uma passarela feita de espinhos vermelhos e carnudos.

Dava para ver o movimento abaixo de nós, mas as pessoas nos bares pareciam pouco preocupadas com intrusos.

Eu só ouvia risadas descontraídas e uma música que xingava vinte minorias diferentes. Nada de sirenes de alertas ou gritos de perigo.

Sem nenhum aviso de intrusos, chegamos a outra parte da passarela sem problemas. 

Tinha outro buraco para Sisa colocar a mão e eu me perguntei se realmente não precisava fazer um cadastro prévio para passar dela, pois dessa vez veio uma gosma roxa quando ela tirou os dedos.

Prendi a respiração e comecei a apontar meu gancho para a entrada. Felizmente, Bila me acalmou.

— É apenas uma batida de ponto. Meus pais de vez em quando voltavam com essa gosma para casa e demoravam para tirar ela. — Bila segurava sua lata e quase estourou uma ao apertá-la. As presas à mostra.

Concordei com ela quando a porta da base central de Nevi se abriu. 

Um cheiro de carne de arrozfálo mal cozida saiu da entrada. Talvez fosse apenas um aviso de perigo iminente, já que, ao contrário do prédio vazio atrás de mim, havia pessoas dentro do local.

Estavam em um grande número. Faunos, biodemônios, diabretes, xenopragos e outros cidadãos infernais viraram o rosto para mim.

“Foi bom conhecer vocês.”, Bati no ombro de Bila e olhei com honra a Esmael. “Apesar de você ser um imbécil, você tem aspectos positivos. Da Sisa, nem preciso falar nada, um exemplo de pessoa a ser seguida.”

Enquanto eu estava viajando na maionese, Esmael tomou a frente do grupo, mas ele não era o maior destaque do meu campo de visão.

Sisa e Bila estavam com o pescoço entortado para a direita em séria dúvida. Fiquei da mesma forma ao perceber como estavam as pessoas que tinham nos encarado.

Ajoelhadas em um piso de flores pretas e brilhantes, elas mexiam de maneira agressiva em projeções com dados administrativos e bancários.

Elas estavam longe de terem nossa entrada como foco por um motivo claro: galhos roxos se estendiam por toda sala, que tinha junções de ossos e espinhos roxos nas paredes, e eles tinham como destino final as cabeças das pessoas.

Os galhos estavam controlando as pessoas e aumentando o ritmo de trabalho. Ao invés de apenas clicarem nas projeções, as pessoas davam socos.

A área era gigantesca, com escadas, corredores e um amontoado de coisas emboladas como uma almôndega. 

— Se queria uma explicação do porquê não tinha ninguém naquele andar, está tudo explicado. Nevi não parece ser uma fã de dar folga a seus empregados. — Esmael olhou para o lado e uma diabrete vinha com pequenos copos de água na mão.

— Chefinhos, água? — falou ela, enquanto tremia e ela controlada pelo galho enrolado em sua cabeça.

— Não. Siga viagem e você não nos viu aqui — avisou Esmael, afastando-a com cuidado. 

Ué! Por um momento, pensei que tinha alguém falando comigo. — A diabrete simplesmente continuou andando.

— A irmã de alguém aqui tem sérias estranhezas. Se acostumem com o que verão aqui dentro. — Apontou para Sisa.

A biodemônia apenas fez uma cara de indiferença. Talvez aquilo fosse apenas a ponta do iceberg de Nevi. Para descobrir o resto do gelo, teríamos que prosseguir.

Na sala onde eu estava, nenhum gráfico de dinheiro subindo ou descendo nós ajudaria a achar Croc.

Aquelas pessoas teriam que esperar outra oportunidade para serem salvas e vai saber o que aconteceria se desplugássemos os galhos das cabeças delas. 

— Nem pense em salvar elas, senão te deixarei para trás — avisou Esmael.

— Viemos pelo Croc. Apenas isso importa no momento — concordei.

Fechamos nossos rostos para os biodemônios e xenopragos sendo controlados e fomos em direção ao nosso objetivo.

Fomos rápidos para a próxima sala à nossa direita, pois não tínhamos certeza se eram todos os capangas de Nevi que estavam sendo controlados.

Cada vez mais que corriámos, mais o parentesco de Sisa se mostrava útil. Só para sair da sala onde eu estava, ela teve que abrir mais sete portas. 

Inicialmente, eu pensei que as sete portas eram desnecessárias, mas as duas últimas eram importantes na verdade. Elas soltavam um gás amarelo e deixavam minha roupa limpa.

Estavam apenas contendo um potencial dano, pois a nova área que entramos era delicada: enfermaria. Se uma sujeira era perigosa em Paraíso, imagina em Inferno.

Os hospitais de Paraíso tinham uma tecnologia insana e poderiam lidar com qualquer bactéria ou vírus que entrasse, mas as de Inferno não tinham aparelhos da empresa Lino… ou não eram para ter.

— Quê? — Esmael ficou surpreso junto de mim.

Tudo naquela enfermaria era infernal. Paredes de ossos e espinhos, um teto cheio de fungos brilhantes, um piso vermelho regenerativo, mas os equipamentos médicos não eram infernais.

Apesar de eu ter visto aqueles modelos apenas nos livros de histórias, na minha frente, haviam câmaras inclinadas com Lino escrito nas laterais. Estavam enferrujadas e com telas trincadas, mas funcionais.

Elas tinham uma aparência laranja e quem entrasse nelas, ficaria bons meses dentro. Depois de um longo tempo imerso em uma água negra, o paciente seria completamente regenerado de qualquer ferimento em combate.

Serviam apenas para cortes profundos ou colagem de membros se o livro A verdadeira história da medicina da verdadeira humanidade para verdadeiros humaninhos estivesse certo.

O problema era que estavam cheias de água negra, mas sem ninguém dentro delas, pelo menos as que eu enxergava. Geralmente não dá para ver algo dentro de um rio escuro, então descobri que estavam vazias de um jeito bruto.

Ao percebê-las, Esmael ficou que nem um maluco procurando um botão e quando o encontrou, apertou ele com toda força possível.

As câmaras abriram e jorraram água para todos os lados. Fez um barulho danado também.

— Desculpe. Ver a palavra Lino ativa um lado feroz em mim. — Esmal limpava as mãos, pois as sujou no processo.

— Compartilho do mesmo sentimento, mas pode fazer um favor para mim? — Olhei para ele e levantei minha arma de gancho. — Da próxima, tente ser mais silencioso.

A abertura das câmaras chamou a atenção de alguns enfermeiros e enfermeiras. Com ferramentas pontiagudas nas mãos, estavam prontos para adquirir mais pacientes de cortes.

Porém estavam longe de serem o nosso maior problema.

Rrrggg!

Não eram todas as câmaras que estavam vazias.



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