Indulgência Brasileira

Autor(a): Excamosh


Volume 1

Capítulo 26: Crânios

Ser sorrateiro na toca de Nevi estava sendo pior do que eu esperava, pois eu tinha que utilizar as minhas habilidades de ninja ao máximo. Até meu sapato estava chorando de tantos pulos que eu estava dando.

Para não sermos detectados, nós estávamos atravessando a toca de Nevi pulando entre construções em formato de crânio, entrando entre vielas com fedor de corpos mortos, hackeando globos oculares e despistando pessoas aleatórias.

Fiquei surpreso com a minha capacidade de não emitir sons, mas ficar calado nem sempre funcionava para não sermos detectados.

No alto de diversas casas e prédios, xenopragos e biodemônios estavam armados. Vigiavam diversas vielas e escadas laterais dos crânios, formato das construções.

Sisa atordoava eles com seus espinhos por trás. Ela era capaz de se esticar e disparar os dardos bem no pescoço.

— Só está desmaiando eles, né? —  cochichei no ouvido de Bila.

— Pergunte aquele cara que caiu do décimo andar quando foi atingido por um dardo. — Bila me estendeu a mão.

Estávamos subindo um prédio, então peguei sua mão para chegar ao último andar de uma escada quebrada. 

— Olhem para aquela bagaça. — Esmael apontou para baixo em direção ao centro da cidade.

— Tá pior do que estava. Misericórdia! — assustou Bila.

— Calma aí. Quero ver também. — Cheguei à beirada da cobertura do prédio. 

Não sei qual era o hype de colocar coisas marcantes no centro de locais em Inferno, mas a surpresa dessa vez me fez tremer igual vara verde.

Crânios precisavam de um corpo e ele estava onde Esmael apontou. 

Sem um pescoço e cabeça, uma construção gigantesca em formato de esqueleto deitado nos esperava. Ao contrário dos crânios, o esqueleto estava coberto por músculos rodeados de espinhos alaranjados como os de Sisa. Era os restos de um esqueleto rockeiro vegetariano bem protegido e pontiagudo.

— Box e Nevi moram nesse esqueleto desprezível. Pelo que eu me lembre, acharemos o Croc no joelho — falou Esmael.

— Não sei não. Esse esqueleto parece ser grande o bastante para caber um merunio em qualquer lugar. Eu mesmo quando fugi fiquei perdida lá dentro. — Bila balançou a cabeça.

— Tenho certeza que ele estará no joelho. É lá que Box guarda suas caixas especiais

Ao perceber as palavras, Sisa fechou os punhos e queria estender seus braços até o esqueleto o mais rápido possível. 

Tive medo do que ela seria capaz de fazer com Box se algo negativo acontecesse com o Croc; também receio do que aquela hipopótama poderia fazer ao ver seu novo pet sofrer um sequestro reverso.

O quanto antes chegássemos ao merunio, menos chances do meu primeiro receio se tornar real. 

Havia apenas mais um prédio entre nós e o esqueleto, então estamos perto do nosso destino. 

O problema dessa vez era que não tinha nenhuma viela escura, nem escada e muito menos pontes das obras de reforma da toca de Nevi para chegarmos ao edifício. 

O que separava ele do nosso crânio era uma rua ainda movimentada com pessoas em bares. Haviam bebâdos o suficiente para nos ver atravessá-la. 

Sisa também não seria capaz de se esticar para formar uma ponte também. Os seus fios eram longos, mas frágeis. 

Se alguém tivesse uma ideia, eu estava pronto para ouví-la, pois eu não fazia ideia do que fazer a não ser descer do prédio e atravessar a rua na cara e coragem.

— Pensei que tivesse uma ligação entre prédios por aqui, mas não tem — falou Esmael. — Foda-se, hora do improviso. Quem aqui consegue usar uma tirolesa?

Todo mundo levantou a mão, mas eu não era todo mundo. Minha mãe gostava de relembrar esse fato, principalmente nos brinquedos radicais de Paraíso.

Minha mão ficou abaixada como de costume e Esmael soltou um dos seus sorrisos que eu detestava. Ele abriu a boca o suficiente para eu começar a suar frio.

— Não vem com loucura logo agora — avisei apontando a minha nova arma de gancho, pego no arsenal de Bila, para Esmael.

— Esperto. Já sabe do que se trata. — Esmael riu.

Em menos de um minuto, ele começou os preparativos para atravessarmos o prédio. 

Havia uma plataforma que ligava os dois prédios, mas não era no nosso, então tínhamos que chegar no outro crânio. E o xenoprago me usaria para ativar ela.

Ele pegou a arma da minha mão e mirou em uma pilastra do outro prédio. Assim que ele apertou o gatilho, o gancho agarrou a pilastra. Estava preso.

— Eu não vou conseguir fazer tirolesa. 

— Você não precisa fazer. Precisa apenas chegar ao outro lado. — Esmael andou em minha volta ainda com a arma de gancho em mãos. — Quando chegar naquele prédio, pressione os botões até a plataforma vir para esse lado. É o básico, não é possível que não consiga fazer.

— Como???

— Assim.

As voltas que ele deu em minha volta fizeram uma reviravolta na minha mente. 

Esmael apertou a corda na minha cintura e eu estava amarrado na arma de gancho. 

Se ele soltasse a arma, eu sairia voando direto para a pilastra. Ele não ia fazer isso, não seria capaz de fazer isso.

Balancei a cabeça fortemente e duvidei, mas, ao ver Bila tacando uma das suas latinhas de fumaça na rua para arrumar uma distração, pedi um capacete de antemão.

— Confiamos na sua capacidade. — Esmael soltou a arma. 

—  NÃOooo…

Sai voando para o outro prédio. A arma de gancho era mais forte do que eu imaginava.

Eu nunca senti uma sensação tão assustadora como aquela. Nem quando cai de um transporte em movimento perto do trabalho dos meus pais. 

Minha saliva foi embora durante o voo até o outro prédio e a minha alma nem comentarei. 

Meu corpo já estava morrendo antes mesmo de chegar perto da pilastra, mas, quando chegou, meus ossos envelheceram uns oitenta anos pelo menos.

Bati de peito aberto no outro prédio e, por ele ser mais alto que aquele onde Esmael estava, antes de chegar nele bati o mindinho na quina da construção.

Amarrado e nocauteado na pilastra, um gosto de cimento e outras substâncias diferentes tomou conta da minha boca. 

O impacto doeu o suficiente para eu não sentir meu corpo por um tempo. A descarga de dor em seguida fez eu morder os dentes por força, mas relevei, pois arrumei um ódio maior para descarregar minha dor.

“Quando eu tiver a oportunidade, você irá se arrepender! Irei te acordar todos os dias às 5 da madrugada, colocarei pimenta na sua refeição…”, direcionei minha dor a Esmael enquanto me desvencilhar da corda da arma de gancho.

Apesar da minha indignação, deixar eles no outro prédio seria uma má ideia, então fui correndo para acessar o painel da ponte entre prédios.

Sem ninguém no alto do prédio e nenhum perigo aparente, virei um DJ para apertar o máximo de botões que eu conseguia.

A ponte foi para frente, voltou, foi para baixo e por fim ela chegou ao outro crânio depois de várias tentativas minhas.

Nesse meio tempo, a distração criada por Bila ainda estava funcionando. Foi só Esmael e Sisa darem uma chegada final na multidão abaixo de nós que eles vieram para onde eu estava.

— Gostou de voar? — retrucou.

— Com toda certeza. — Relembrei que eu estava com o gancho em mãos e atirei no pé do xenoprago.

— Filho de uma…

— Gostou da dor no dedo? Imagina ela no corpo inteiro. Engole o choro e vamos salvar o Croc. 

— Em casa resolvemos as pendências.

Segui mancando para a outra beirada do prédio. Esmael também estava mancando, mas nada que nos impedisse de salvar o merunio de Sisa.

Demorou um pouco para cruzarmos o prédio, que era bem grande, e nos deparamos com mais problemas. 

O corpo, base principal de Nevi, havia diversos buracos que poderiam ser usados como entradas, porém a maioria que eu percebi estavam protegidos.

Haviam biodemônios armados a cada porta ou buraco no teto do local. Para piorar, as entradas estavam com espinhos que pareciam ter vida própria.

Eles vibravam e obedeciam ao comando de apenas pessoas autorizadas. Sem uma permissão de entrada, eles talvez ficariam com o primeiro mosquito que quisesse voar para dentro do corpo.

— Calma, sem ficar em choque. — Esmael estava com uma feição leve. — Tem uma maneira fácil de entrar e ela tem uma cara de cervo.

— Hmmm! — Bila olhou para os espinhos, fechou os olhos bem e voltou a visão para Sisa. — Tem razão.

— Não podemos usar Sisa de isca! — intervi na hora. 

— Calma, Frepe. Ela é uma dos oberon… eu acho que é. Não importa. Aqueles espinhos vão reconhecê-la. Fazem parte da linhagem dela.

Olhei para Sisa e ela apenas fez sim com a cabeça. Ela era a chave para o corpo, então nossa barreira na verdade era apenas chegar até os buracos.

Me esgueirei pela beirada do prédio e vi se alguma ajuda apareceria. 

Uma ligação entre o corpo e o crânio onde eu estava ficava abaixo de nós. Era como uma passarela feita de ossos vestidos de espinhos.

Talvez fosse uma passagem para facilitar a locomoção da gangue de Nevi. E ela por ali que iríamos chegar na base da irmã de Sisa.

— Vamos ter que descer alguns andares — avisou Esmael, apontando para um elevador.



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