Volume 1
Capítulo 31: Aprendizado
Sabe qual a pior sensação de ter uma criatura sanguinária debaixo de mim e Esmael? Não saber de onde virá a dentada.
Debaixo com certeza, mas de qual lado ela pularia nas nossas cabeças?
Eu não ficaria para descobrir e, se tinha outra coisa que eu tinha certeza, era que o Aprendizado sabia da nossa posição.
Esmael talvez conseguisse fugir dele correndo, porém eu não. Minhas pernas eram curtas.
A minha única salvação no momento era apostar em uma ideia maluca.
Maluquice era o nome do zoológico de Box, então peguei uma cadeira que estava por perto e taquei na cabeça do mamute que nós recebeu.
Ela estava morta, mas reagiu ao estímulo e começou a fazer um barulho alto. Nem sei como era possível sem garganta, porém Box era uma caixinha de surpresas.
Pensei que meu encontro pessoal com o Aprendizado demoraria ou sequer aconteceria. Eu errei.
Crac!
O chão lamacento em minha volta abriu uma fenda próxima dos meus pés. Dela saiu o Aprendizado.
Ele pulou sobre a minha cabeça. Por um momento, fiquei mais branco que as gelatinas de nevasca.
Para meu alívio ou apenas o atraso da morte iminente, a criatura avançou na cabeça de mamute.
Tive dó dela, pois o Aprendizado abriu seu estômago e começou a mastigar a carne morta como se fosse chiclete.
O mascote de Box era bem mais assustador pessoalmente do que na projeção do templo dos Oberons. Era um bug da vida biológica.
Apressei Esmael para sairmos dali o mais rápido que poderíamos.
— Corre até o joelho estourar — avisou Esmal ao me puxar pela corda amarrada a nós dois.
— Nem precisa dizer — falei ativando o nitro.
Se ficarmos, o bicho mastiga até não sobrar nada, se fugirmos, talvez tenhamos alguma chance de sobrevivência.
Além de termos que sair da presença do Aprendizado, teríamos que achar o Croc nesse meio tempo. Tomará que Bila também esteja indo para a mesma direção.
O ambiente que estávamos poderia ser como a pele da criatura, qualquer parte que nós tocássemos ele sentiria nossa presença.
Tomará que o chiclete de mamute dure por algum tempo.
Enquanto durasse, eu correria com Esmael para o mais longe possível.
Pelo menos desta vez eu tinha a direção que Croc provavelmente estaria.
A não ser que ele tivesse um irmão gêmeo, chegaríamos logo onde ele estava.
Infelizmente, primeiro teríamos que passar por uma zona perigosa.
A cabeça de mamute não era a única da espécie.
— Vamos dar a volta — Esmael me puxou pela corda que estávamos ligados.
— Não vai dar tempo. O Aprendizado está vindo.
O chiclete de mamute não durou, pois pedras afastadas de nós começaram a mexer, ou seja, o Aprendizado estava atrás de nós.
Chegaria rápido e a única forma de seguir em frente sem ir de ralo era passar pelos mamutes.
As feras estavam tranquilas comendo mentoais de cor roxa.
Quando começamos a correr para perto delas, elas mudaram.Os mamutes vieram direto para mim.
Eles iriam amassar a minha carne para facilitarem a digestão do Aprendizado.
— Foi bom te conhecer, cabelo de coqueiro — falei enxugando algumas lágrimas.
— Eles não querem nos pegar. Continua correndo sem medo e repare melhor na tromba deles.
Na tromba dos mamutes, ramificações vermelhas estavam se mexendo. Quase iguais aos laços de Bila, porém eram mais finos.
Eram as mesmas ramificações que controlavam as pessoas trabalhando na base de Nevi.
Os mamutes de Box eram uma mente coletiva.
Para quem não sabia o que era uma mente coletiva, eu aprendi bem na prática, principalmente ao lembrar que taquei uma cadeira na cabeça de um deles e acabei de sentenciar um hospedeiro à morte.
Com certeza a mente coletiva iria fazer Maverick à moda mamute, pois eram diversos corpos compartilhando uma mente e sabiam do que fiz.
Quando percebi o meu erro, as minhas pernas bambearam e a minha velocidade de corrida diminuiu.
— Desculpe caso eu tenha sido rude com você, Esmael. Acho que não vou sobreviver desta vez. Vê se cuida do Elideus por mim. — Parei por um momento de cabeça baixa.
Os mamutes estavam perto demais. Dava para ouvir seus passos como se estivessem sendo gerados por um fone de ouvido parasital de última geração.
Crac!
Aprendizado abriu outro buraco e pulou direto na minha cabeça, mas não conseguiu me atingir.
Esmael me puxou pela corda e eu voei direto para suas costas, longe da criatura. Por enquanto eu continuava imorrível até morrer.
Mas não foi apenas o xenoprago que me salvou.
O bando de mamutes passou por mim e atingiu o bicho de estimação de Box com suas presas.
Iniciou-se um combate entre livro de história e mitologia artificial.
Eram 12 mamutes contra o Aprendizado. Pela quantidade, eu pensei que poderia dar uma briga covarde para o pet de Box, porém eu estava enganado.
O Aprendizado era do dobro do tamanho de qualquer mamute do bando e sua barriga parecia algo tirado de um filme de horror ambientado em um laboratório.
A parte debaixo do seu corpo era rasgada e preenchida com dentes parecendo serras a todo vapor.
Ele simplesmente pulou no primeiro mamute que o atingiu e começou a destroçar as costas do animal.
Deu para ver a medula óssea do mamute saindo de sua pele. Não durou muito até ele cair no chão.
O mamute não morreu. Na verdade, o Aprendizado deixou ele vivo porque quis.
— Acho que não é só a Nevi que é sádica — falou Esmael desviando de um mamute vindo na nossa direção.
— O que é sádica? — questionei saindo das costas do xenoprago.
Apesar dos mamutes conseguirem atrasar o Aprendizado, eu não fazia ideia se eles o incapacitariam.
O jeito era encontrar o Croc o mais rápido possível e rezar para que Bila viesse de brinde.
Estávamos correndo para nos reencontrarmos.
Quando chegamos a um local com novos elementos, fiquei até feliz.
Sisa de vez em quando usava remos para manobrar o Croc, então os amarrava na lateral do barco-vivo quando não precisava. Esses remos estavam jogados em um balaio de tábuas perto de mim.
Para melhorar a situação e nos pegar desprevenido, no meio das brechas entre as madeiras, voou um pedaço de gelatina de gelo bem na minha cara.
Consegui pegar a tempo e, quando descobri a origem do arremesso, fiquei com um sorriso no rosto.
— Sobreviveram também? — perguntou Bila.
— Bila! — Corri para abraçá-la, mas tropecei devido estar amarrado a Esmael.
— Sem comemorar por agora. Temos que pegar o Croc e sairmos daqui. Pirralha, viu o merunio que você roubou a carne por aqui? — questionou Esmael olhando para os lados.
— Com certeza, mas já vou avisando que ele não está nada bem. Assim… poderiam estar piores. — Bila coçou a cabeça perto dos chifres.
— Poderi…am? — Esmael levantou uma sobrancelha.
Tive dúvida se o Croc poderia estar sequer vivo ou em que estado ele estaria.
Durante seu resgate, rezei diversas vezes para que ele estivesse bem — e estava.
Amarrado em cada pata, ele se virou para mim, mas não foram apenas dois olhos cegos como de costume.
Desta vez havia quatro olhos e duas cabeças.
— Croc tá com mais de uma cabeça ou é impressão minha? — perguntei encarando as duas faces.
— Deve ser invenção daquela baixinha de uma figa — reclamou Bila.
— Acho que a Sisa gastará mais para alimentar ele e que o nosso conhecido Botis gostará bastante do que contarei a ele. Com duas cabeças ou sem cabeça, temos que sair com o Croc daqui — Esmael falou.
Nós três fomos desprender o Croc. As correntes estavam quase entrando na pele do merunio.
Apertadas, mas longe de serem indestrutíveis.
Utilizando uma turquesa que estava por perto, Esmael conseguiu cortar as correntes aos poucos.
Foi pedacinho por pedacinho e eu tive medo de virar pedacinho se eu me aproximasse demais de Croc.
Aparentemente ele ganhou apenas mais uma cabeça e não mudou seu temperamento, mas vai saber se ele ficou traumatizado no processo.
Talvez não fosse o caso, pois ele sorriu para mim e vi seus olhos brilhando como a lua.
Será uma história e tanto para contar à Sisa. Teremos problemas também para bater um papo com ela.
A única saída que tínhamos era a plataforma que arrebentou. Para piorar, Sisa ficou no andar de cima.
Caso ela não tenha acabado com a raça dos lagartos, deve ter sido presa ou talvez pior.
Uma coisa era certa: Nevi sabia que estávamos em sua base.
Pelo menos dava para solucionar um dos nossos problemas.
— Esmael, você consegue contatar o Meliodes da Sisa? — perguntei fazendo carinho no Croc.
— Impossível. Ela não tem um — Esmael fez uma cara negativa.
— Em pleno… que ano é mesmo? Enfim, como ela não tem um Meliodes?
— Prioridades e, vai por mim, na maioria dos locais de Inferno essa bagaça não funciona direito.
Ótimo, não dava para saber se Sisa ficaria bem.
A única coisa que poderíamos fazer por ela era retirar o Croc do local e nos reencontrar no futuro.
Bila começou a andar de um lado ao outro enquanto eu e Esmael debatemos sobre o que fazer. Ela estava com algo entalado para falar.
Após uma tosse forçada parecendo uma velha bêbada, ela tomou nossa atenção.
— Só tem uma forma de sair daqui e ela vai parecer um pouco estranha. — Bila me olhou e começou a tremer a sobrancelha.