Volume 6
Capítulo 3: Nosso Volume Lendário
Qual terá sido o primeiro mangá que li, eu me pergunto? Aconteceu quando eu era tão jovem que nunca poderei ter certeza, por mais que me venham à mente possíveis títulos. Tudo o que lembro com carinho é o quanto eu me deixava absorver por ele.
Na sala de estar da minha casa havia apenas uma estante, e nela só repousavam enciclopédias empoeiradas e antologias literárias que eu jamais vira sequer fora de suas caixas — não havia mangá algum. Minha primeira experiência com eles veio graças à minha tia, irmã da minha mãe. Ela vivia numa casa de aço, tosca e feia, mas lá dentro havia estantes altíssimas, abarrotadas de livros — e cerca da metade eram volumes de mangá de todas as épocas.
Isso virou uma rotina diária para mim. Eu largava minha mochilinha em casa ao voltar da escola primária e ia direto para a casa da minha tia, onde lia mangás até chegar a hora de voltar para o jantar. Sempre que eu aparecia, minha tia — o completo oposto da minha mãe — sorria, me afagava a cabeça e dizia.
— Olha só, a maníaca por mangás, a Maya-chan, está aqui de novo!
Depois disso, me deixava à vontade. Pensando bem agora, provavelmente ela colocava os mangás com cenas impróprias nas prateleiras mais altas, fora do alcance dos meus braços de criança.
O ponto de virada aconteceu quando eu estava na terceira série. Pelo que consigo lembrar... eu acabara de terminar Fênix, de Osamu Tezuka. Talvez tivesse sido Wild 7 ou Toward the Terra, mas enfim, eu lia, com os olhos grudados nas páginas como sempre, quando minha tia apareceu de repente e me ofereceu um lanche.
Eu comia pouco naquela época, então ela normalmente evitava me dar algo que pudesse atrapalhar meu apetite para o jantar. Mas naquele dia, haviam lhe dado uma melancia de ótima qualidade, e ela quis que eu experimentasse também.
— Você também devia comer um pouco de melancia, Maya-chan — disse ela.
Sinto-me mal em dizer isso, mas não me lembro em nada do sabor. O que realmente ficou gravado foi algo que ela comentou, distraidamente, enquanto fazíamos o lanche.
— Livros são estranhos, não acha? Não importa quem você seja. Pensar que qualquer um pode escrevê-los...
Não faço ideia de onde surgiu esse pensamento dela. Talvez quisesse dizer que, embora dirigir carros ou operar máquinas exigisse licença, escrever um livro era algo que qualquer pessoa podia fazer. Mas com aquela frase, algo incrível me iluminou.
Entendi... Não há razão para que alguém como eu não possa desenhar mangás.
No instante em que percebi isso, as comportas se abriram, e comecei a desenhar naquela mesma noite. Eu nunca desgostara de desenhar, e além disso, quase sempre tirava a nota máxima nas aulas de arte. Estava certa: eu também podia desenhar mangá!
Quanto tempo levou para essa confiança desmoronar, eu me pergunto? Dez minutos? Quinze? Hoje, olhando para aqueles desenhos horríveis, não consigo deixar de chorar. Na época, foi tão frustrante, tão doloroso... As palavras "Não era para ser assim" vinham à minha boca entre os dentes cerrados.
Murmurei uma maldição contra mim mesma enquanto as lágrimas caíam sobre o papel, até que, por fim, meu desejo se solidificou num último grito de frustração.
Desde aquele dia, continuo desenhando sem parar.
A revista mensal de mangá La Shin era originalmente publicada como volume extra da também voltada ao mesmo público Shin Soh. O nome vinha, ao que parece, da onomatopeia japonesa para "muito silêncio", mas o conteúdo acabou sendo bem diferente.
Enquanto Shin Soh era voltada principalmente ao shounen, La Shin tinha um caráter mais neutro — ou, em outras palavras, parecia acolher qualquer pessoa, de qualquer idade, desde que gostasse de mangá. Havia várias revistas por aí que poderiam ostentar sem vergonha a frase "Para todos os amantes de mangá!", mas La Shin não se restringia a um nicho em específico e tampouco publicava coisas difíceis demais para o leitor médio acompanhar.
Mesmo que eu não tivesse sempre tempo ou dinheiro para comprar todas as revistas de mangá do mês, nunca deixava de adquirir a edição mais recente de La Shin, sem falta, todo dia 18, data de lançamento.
Como muitas outras, La Shin aceitava submissões de mangás e oferecia também um prêmio para estreantes chamado Prêmio Novo Mundo. Era concedido quatro vezes por ano e, além da obra vencedora — publicada naquela edição —, outros vinte ou mais candidatos recebiam menções honrosas acompanhadas de breves comentários.
O dia 18 de fevereiro caiu num domingo terrivelmente frio. A neve caía sem descanso, soterrando a cidade, quando eu segui em direção à livraria Kobundo, ao lado da estrada, com o cachecol cobrindo minhas orelhas e o corpo inteiro protegido por roupas contra o frio. Nem eu queria estar fora de casa em um dia tão propenso a acidentes, mas afinal era pela edição mais nova de La Shin. E ainda que eu comprasse cada número mês após mês, isso não significava que eu tivesse de fazê-lo exatamente no dia do lançamento.
Mas o caso era que a edição de março era diferente, especial.
Avancei passo a passo pela neve que me chegava aos tornozelos e, depois de uma caminhada que levou cinco vezes mais do que o normal, finalmente cheguei à Kobundo. Respirei fundo o ar quente do interior, sentindo-me aliviada, e cuidadosamente sacudi cada parte da roupa para tirar a neve. Só depois de ter certeza de que não molharia nenhum livro é que fui até a prateleira das revistas.
Do ponto de vista dos resultados, todos os meus esforços tinham sido em vão. A edição mais recente da La Shin ainda não havia chegado. Segundo o funcionário da loja, as entregas às vezes adiantavam ou atrasavam um dia quando a data oficial de lançamento caía num domingo. Não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso, então só me restava voltar para casa arrastando os pés.
No dia seguinte, depois da escola, consegui que uma amiga me cobrisse na biblioteca e saí do campus o mais rápido que pude, sem passar nem pelo Clube de Pesquisa de Mangá nem pelo Clube de Clássicos. Corri o mais depressa possível pelas calçadas já limpas de neve e, por fim, irrompi dentro da Kobundo. Peguei um exemplar da La Shin, amarrado com cordão plástico para impedir que alguém lesse antes de comprar, apertei-o contra meu peito acelerado e fui até o caixa.
Já tinha visto a atendente que estava lá antes e, com a voz doce de sempre, ela me perguntou.
— Quer uma sacola?
— Sim, por favor — respondi, engolindo em seco, nervosa.
— Quer que eu corte o cordão para você?
Meu rosto ficou em chamas enquanto imaginava o que ela deveria estar pensando de mim. Mas sua expressão não mostrava nada de especial, então respondi.
— Quero, sim.
Ela pegou uma tesoura e fez exatamente isso.
Saí da loja com a sacola e imediatamente tirei a revista de dentro. Provavelmente não havia muitas pessoas que começavam a ler sua compra no mesmo segundo em que saíam da livraria. Embora um pouco preocupada em ser vista por alguém conhecido, folheei as páginas.
14º Prêmio Novo Mundo: "O Contra-ataque do Tanuki", de Mamoru Mamiana.
Nunca tinha ouvido falar dele. Espero que seja bom.
Passei a olhar as outras menções de destaque. Cada uma delas vinha acompanhada de um único painel publicado na revista, mas nenhum deles me parecia familiar... Em outras palavras, o meu não havia sido escolhido.
Ergui os olhos para o céu de inverno, claro e frio; o ar que escapou do meu longo suspiro se transformou em branco.
Prêmios de participação foram para... Ichitarou Tasaka, MILULU, Kinsuke Shouda, Satou Georgia, Kaoru Yajima, Kazuru Ihara, Enma Haru...
— O quê...?
Um som estranho escapou da minha boca. Um homem que entrava na loja lançou-me um olhar de canto, mas não senti nem um pingo de vergonha.
— N-Não... é possível...
Kazuru Ihara! A Ilha com a Torre! Foi publicado! Minha história, com meus desenhos, publicada sob meu pseudônimo na edição de março da La Shin!
Fechei a revista e, trêmula, voltei a abri-la uma segunda vez. Talvez fosse algum engano, pensei. Talvez, ao abri-la de novo, o conteúdo mudasse.
Mas não mudou.
*
Era uma segunda-feira ensolarada de maio quando fui à biblioteca da escola depois do término da chamada matinal. Eu fazia parte da Sociedade de Mangá, do Clube de Clássicos e do Comitê da Biblioteca e, embora normalmente só trabalhasse lá às sextas-feiras, a segunda era o dia em que treinávamos os novos recrutas que haviam entrado em abril, então achei que cuidar dos livros devolvidos era o mínimo que podia fazer.
Guardei todos sem problema, mas ainda restava algum tempo no dia. Pensei que seria uma boa ideia passar pela Sociedade de Mangá, mas acabei indo até o fim do quarto andar do anexo especial, em direção ao Clube de Clássicos.
Ao deslizar a porta da sala de Geologia, fui recebida de imediato por vozes alegres e familiares.
— Ei, Mayaka! Chegou em boa hora. Vem ver isso.
Ver o Fuku-chan no centro da sala, acenando para mim, fez minha boca se curvar num sorriso sem que eu percebesse.
Todos os veteranos estavam presentes, mas parecia que os calouros não tinham vindo naquele dia. Satoshi Fukube e Eru Chitanda — Fuku-chan e Chi-chan — estavam sentados lado a lado, olhando um panfleto aberto sobre a mesa. Oreki estava mais afastado, numa cadeira próxima à janela, fitando o lado de fora com expressão azeda.
— É mesmo? O que é?
Larguei minha bolsa em uma mesa próxima e me aproximei dos dois. Chi-chan ergueu o panfleto para que eu pudesse ver, o rosto iluminado por um sorriso radiante. Na capa lia-se: "Resultados do Concurso de Resenhas de Livros da Cidade de Kamiyama".
— É de quatro anos atrás, mas eu o encontrei por acaso enquanto arrumava meu quarto ontem. Abri por curiosidade e me deparei com um nome inesperado — disse Chi-chan.
Ela virou as páginas com seus dedos delicados, e eu li o conteúdo:
Primeiro lugar: "Minhas Opiniões sobre Blue Bird, de Ami Kojima".
Segundo lugar: "Minhas Opiniões sobre Salamandra, de Jirou Miyama".
Terceiro lugar: "Minhas Opiniões sobre Corra, Melos!, de Houtarou Oreki".
Quatro anos atrás... isso significava que estávamos no 6º ano.
— Mayaka-san, você estava na mesma turma que o Oreki-san, certo? — Perguntou Chi-chan.
Certo. Por mais lamentável que fosse, eu tinha estado na mesma classe que ele durante todo o fundamental e o ginásio, então lembrava vagamente que ele havia ganhado um prêmio em algum concurso de resenhas. Mas nunca tinha lido o texto dele. Nem fazia ideia de que estava registrado naquele panfleto.
— Melos, hein. Não parece algo sobre o que o Oreki escreveria.
— Ah, qual é, Mayaka. Você realmente acha que o Oreki escolheria uma história sobre amizade desse jeito? Provavelmente foi um tema que deram para ele — disse Satoshi.
Chitanda ficou pensativa por um instante e depois comentou.
— Quando eu estava no 7º ano, tenho quase certeza de que precisei ler O Pequeno Rei Dezembro, de Alex Hacke, para o relatório de férias de verão.
Agora que ela falou nisso, acho que eu também tive de ler o mesmo. Nós três fixamos os olhos em Oreki ao mesmo tempo. Ele desviou o olhar, mas acabou cedendo ao silêncio, soltando um pequeno suspiro antes de se virar novamente para nós.
— Era um dos livros recomendados da biblioteca... Além disso, era curto.
Ah. Fez sentido se esse era o motivo. Fuku-chan abriu um sorriso cheio de malícia, claramente se divertindo com a situação.
— Enfim, Mayaka. Essa resenha é uma verdadeira obra-prima, viu. Me emocionou de verdade; dá pra imaginar facilmente que foi escrita pelo Houtarou do 7º ano.
Chi-chan assentiu com a cabeça e acrescentou, animada.
— Eu também fiquei fascinada. Nunca conseguiria escrever algo assim.
O jeito como os dois falavam me deixou um pouco curiosa também, mas achei melhor confirmar com o próprio Oreki antes.
— Posso ler?
Ele me encarou com uma expressão amarga e insatisfeita, mas respondeu.
— Não é como se esse panfleto fosse meu.
Em vez de simplesmente dizer "Não quero que leia", ele se limitou a constatar que aquilo era informação pública, ainda que não gostasse do fato, e deu a entender que não podia dizer não... Juro, ele nunca muda.
Agradeci a Chi-chan e peguei o panfleto feliz das mãos dela.
Minhas Opiniões sobre Corra, Melos!
Houtarou Oreki
Li Corra, Melos!. Foi interessante. Fiquei feliz que Melos tenha conseguido salvar Selinúcio. Também fiquei feliz que o rei Dionísio tenha mudado de coração. Achei que seria bom se essa mudança durasse bastante tempo.
Na verdade, não havia necessidade de Melos correr desde o começo. Sua aldeia e o castelo ficavam a apenas dez li chineses de distância — ou quarenta quilômetros nos dias de hoje —, então, mesmo caminhando, levaria apenas cerca de dez horas. O motivo pelo qual Melos correu no início foi para se forçar a cortar os laços com sua casa. Quando já estava suficientemente longe da aldeia, voltou a andar normalmente.
No entanto, havia duas razões pelas quais ele precisou correr com todas as forças no final da história. A primeira foi que a ponte havia sido levada pelas chuvas fortes do dia anterior. A segunda, e mais urgente, foi que ele foi atacado por bandidos. Embora estivesse completamente cercado, conseguiu derrotar pelo menos quatro deles e escapar. Achei que ele era muito forte. Uma pessoa normal não conseguiria fazer isso. Mas, como Melos ficou exausto e acabou adormecendo, precisou correr para chegar a tempo.
Melos não tinha nada de valioso consigo. Desde o começo dizia: "Não tenho nada comigo além da minha vida", e isso provavelmente era óbvio só de olhar para ele. Então, o que os bandidos queriam, afinal? Eles mesmos responderam essa pergunta. Quando Melos disse: "Não tenho nada comigo além da minha vida", os bandidos replicaram: "É justamente essa vida que queremos!" Ou seja, eram menos bandidos e mais assassinos. Assassinos fracos, é verdade. Quanto a quem ordenou a tentativa, o próprio Melos disse: "Nesse caso, deve ter sido o rei", ao que os assassinos não responderam. Achei muito bom da parte deles não traírem seu cliente.
A questão é: será que Melos estava certo ao supor que tinha sido o rei quem mandara os assassinos atrás dele?
Não acho. Por mais que se possa pensar em quem quisesse a morte de Melos, o único que certamente não podia ser era o rei.
O rei Dionísio não confiava em ninguém, então jamais acreditou que Melos realmente voltaria. Foi justamente por pensar que isso não aconteceria que ficou tão chocado ao vê-lo retornar, o que causou a mudança em seu coração. Não havia como alguém que não acreditava no retorno de Melos também mandar assassinos para tentar impedir esse retorno.
Então, quem os mandou? Quem teria ficado feliz se os assassinos tivessem conseguido matar Melos?
Vamos imaginar o que teria acontecido se a emboscada tivesse dado certo. Sem Melos chegar antes do pôr do sol, Selinúcio teria sido executado, e o rei teria exclamado, com expressão triste: "É exatamente por isso que não se pode confiar nas pessoas."
Se depois encontrassem o cadáver de Melos, espalhar-se-ia que o rei executara um homem mesmo quando o que deveria chegar fora morto por salteadores. Embora seus súditos pudessem temê-lo, no fundo também criticariam essa decisão. Se o corpo de Melos fosse escondido e nunca encontrado, o rei continuaria acreditando que ele fugira, como esperava. Teria perdido sua chance de acreditar nas pessoas e prosseguiria com as execuções, destruindo ainda mais o país por dentro.
Ou seja, se Melos tivesse sido assassinado, o país sofreria de qualquer maneira. Pensando assim, a pessoa que mandou os assassinos devia ser alguém que não queria que o rei se transformasse contra todas as probabilidades com a chegada de Melos, conquistando o apoio do povo. Quando Melos de fato voltou, aposto que essa pessoa deve ter urrado por dentro.
Além disso, quando Melos corria de volta ao castelo, encontrou um homem chamado Filóstrato, discípulo de Selinúcio. Mesmo sem a execução ter acontecido ainda, ele disse a Melos: "Você já está atrasado! Por favor, pare de correr!" Filóstrato não parecia nem um pouco querer salvar Selinúcio. E não era seu discípulo?
É provável que ele também tenha sido enviado pela mesma pessoa que contratara os assassinos, para ao menos tentar convencer Melos a desistir antes que chegasse ao castelo.
No livro estava escrito: "O rei Dionísio não podia confiar em ninguém." Acho que essa desconfiança tinha fundamento. O rei tinha inimigos. Mas agora, por causa do incidente com Melos, seria ainda mais difícil para ele descobrir quem eram. Para jogar o rei contra seu povo, quem quer que tivesse mirado em Melos provavelmente continuaria a explorar essa desconfiança até o fim.
Fiquei feliz que o rei Dionísio tenha mudado de coração. No entanto, depois de terminar Corra, Melos!, achei que essa mudança talvez não fosse durar tanto tempo.
Levei a palma da mão à testa.
— Oreki...
Eu não fazia ideia de que ele tinha entregue uma resenha assim. Olhei para ele de novo e vi que já estava virado para o outro lado outra vez. Posso imaginar o quanto devia ser difícil ter algo que você escreveu quatro anos atrás lido bem ao seu lado daquela forma.
Fuku-chan, que em algum momento tinha se aproximado de mim, disse animado.
— O que mais me impressiona é que isso representou a Escola Kaburaya no concurso e ainda ganhou um prêmio, mesmo que em terceiro lugar. Sinceramente, eu sempre achei que, quando se tratava de resenha escolar, todo mundo escrevia só o que achava que o professor gostaria de ler, e não o que realmente pensava. Percebi que estava errado! Esse tipo de coisa também pode ser muito bom!
— Acho que geralmente não funciona assim. Nosso professor de japonês no 7º ano era Hanashima, não era? Ele era meio... excêntrico — respondi.
Eu ainda conseguia me lembrar bem dele. Estava sempre insistindo em dizer: "Não há necessidade de pensar na intenção do autor."
Tenho quase certeza de que ele continuava assim: "Eles provavelmente estavam pensando em algo indecente de qualquer forma. Mesmo que tenham escrito uma frase enquanto pensavam "Só quero ficar bêbado e dormir logo", ainda podemos analisar essas frases e extrair significados delas. Isso é a linguagem. Por exemplo, Matsuo Bashô escreveu: "Os meses e os dias são viajantes eternos, e os anos, indo e vindo, companheiros andarilhos semelhantes." Se olharmos para esse trecho com honestidade e sem preconceitos, podemos ver que Bashô não considera os anos como algo que simplesmente passa, mas como algo que vai e volta. Essencialmente, isso aponta que Bashô era um viajante do tempo."
...É, ele era realmente um professor estranho. Se estivéssemos falando do Hanashima, não teria dificuldade em acreditar que ele mesmo tivesse enviado a resenha do Oreki.
— Fico imaginando o que aconteceu com o rei Dionísio depois disso. O que você acha, Oreki-san? — Perguntou Chi-chan.
Oreki respondeu brevemente, com as bochechas um pouco coradas.
— Quem sabe.
Virei o panfleto e percebi algo.
— Ei, Oreki. O seu foi bem longo, não foi?
— Hm? — surpreso, ele me lançou um olhar.
— Os outros são um pouco mais curtos. O seu não está no limite máximo de caracteres?
— Ah, isso. — Um sorriso incerto surgiu no rosto carrancudo de Oreki. — Eu achei que dizia que a resenha tinha de ter mais de cinco páginas, então escrevi exatamente cinco. Mas na verdade era no máximo cinco páginas. Foi péssimo porque, mesmo tentando fazer só o mínimo necessário, acabei fazendo mais do que devia. Estava até pensando em cortar umas partes depois.
— Cortar trechos depois de terminar não parece exatamente fazer "o mínimo necessário" — retruquei, resignada. Satoshi assentiu profundamente.
— Eu entendo o que você quis dizer, no entanto. Se fosse eu, talvez também cortasse algumas partes.
Não fazer o mínimo necessário justamente para fazer o mínimo necessário? Isso faz sentido para você? Essa pergunta deveria estar estampada no meu rosto quando me virei para olhar Chi-chan, mas ela parecia tão confusa quanto eu. Fazia sentido, afinal.
Como alguém poderia entender o que eles estavam falando?
Nossos garotos eram estranhos de tantas maneiras. Trocamos olhares e rimos baixinho.
Bom... Olhei meu relógio e me levantei da cadeira. Não podia passar tanto tempo ali.
— Vai embora, Mayaka? — Perguntou Satoshi.
— Não, tenho que passar na Sociedade de Mangá. Faz tempo que quase não vou.
Enquanto dizia isso, percebi que a expressão do Fuku-chan escureceu um pouco. Assenti uma vez, tentando mostrar que ficaria bem, e peguei minha bolsa.
Desde o festival cultural do ano passado, a Sociedade de Pesquisa de Mangá da Escola Kamiyama estava em frangalhos.
Por conta de vários incidentes que aconteceram justamente na época do festival, as duas facções do clube — os que queriam tentar desenhar mangá (fossem experientes ou não) e os que não queriam, preferindo apenas ler — passaram a se ver como inimigas. Eu achava que era algo bem simples, sinceramente: se você quer desenhar mangá, desenhe; se só quer ler, então leia. Mas, a essa altura, nenhum dos lados se importava mais com mangá.
Não havia sinal de melhora.
Eu também tinha parte da culpa. Antes, a facção dos leitores era muito, muito maior, e os desenhistas não tinham escolha a não ser esperar nas sombras. Durante o festival cultural, porém, uma garota da facção dos leitores derrubou água suja em mim, que era da facção dos desenhistas, e isso fez o resto do grupo sair da toca, furioso, acusando os outros de terem ido longe demais.
Claro, a garota podia até não gostar de mim, mas pessoalmente acho que foi só um acidente. Naquele momento, entretanto, o que eu pensava já não importava.
Quando começou o novo semestre e terminou o período de recrutamento dos calouros, algo aconteceu que mudou a situação entre as duas facções. Kouchi-senpai, a verdadeira líder do grupo dos leitores — apesar de desenhar mangás maravilhosos sem deixar os outros saberem —, deixou o clube mais cedo do que o esperado para os veteranos.
No início, os desenhistas viram isso como uma vitória, mas logo ficou claro que a presença dela era como uma represa; nada de bom surgiu de sua ausência. Quando ela ainda estava por perto, muitas vezes as provocações eram apenas indiretas ou insinuadas. Agora, em maio, insultos diretos entre os lados já tinham virado cena comum. Eu até aceitaria isso se ainda fosse uma discussão motivada pelo próprio mangá, mas tudo começava sempre com frases como "você é irritante" ou "para de se achar".
Na primeira sala de preparação, usada pela Sociedade de Mangá, a facção dos leitores se agrupava na frente, enquanto a dos desenhistas ficava ao fundo. Como havia uma porta de cada lado da sala, também essas eram divididas entre as facções. Eu sabia que todos me viam como representante dos desenhistas, mas aquilo me parecia tão ridículo que eu acabava usando a porta que estivesse mais perto. Acho que isso também parecia uma provocação para o outro lado.
Naquela segunda-feira, depois da escola, sentei no meu lugar de sempre, junto à janela, e comecei a anotar ideias no caderno para o próximo mangá. Ultimamente eu só vinha escrevendo histórias ambientadas no Japão moderno, então talvez não fosse uma má ideia mudar um pouco e pensar em algo fora da minha experiência cotidiana.
Com isso em mente, escrevi palavras aleatórias que iam surgindo na cabeça — coisas como "computador a vapor", "relógio gigante (muito gigante)", "cozinhador automático de ovos usado pela cidade inteira" e assim por diante.
De repente, uma sombra caiu sobre a página. Levantei os olhos e me deparei com uma aluna do segundo ano, Asanuma-san, parada diante de mim.
— Tem um minuto?
Eu não escondia o fato de estar planejando um novo mangá, afinal estava na sala da Sociedade de Mangá, mas fechei o caderno por hábito.
— Claro. O que foi?
— É o seguinte. Eu queria conversar com você sobre uma coisa — disse ela, num tom um pouco baixo.
Asanuma-san tinha o rosto fino, olhos estreitos e uma voz levemente aguda. Também desenhava mangá, provavelmente há bastante tempo, já que seus traços eram rápidos e seguros, como quem estava acostumada. Eu ficava com uma pontinha de inveja às vezes, porque era muito mais lenta, mas ao mesmo tempo pensava que talvez seus mangás fossem mais felizes se ela tivesse um pouco mais de cuidado.
Embora eu tivesse me desentendido com Kouchi-senpai durante o festival cultural, foi Asanuma-san quem assumiu a liderança da facção dos desenhistas depois disso. Se tivesse que adivinhar, diria que era porque ela queria transformar a Sociedade de Mangá — um lugar onde até pegar uma caneta atraía olhares gelados — num ambiente em que qualquer um pudesse desenhar à vontade. Era algo que eu jamais conseguiria, já que sempre evitava lidar com pessoas assim e preferia criar mangás segundo minhas próprias regras. Não pude deixar de admirar a determinação dela.
Asanuma-san foi direta.
— Vou autopublicar um mangá. Queria pedir a sua ajuda.
Olhei em volta imediatamente para ver se alguém estava por perto, mas parecia que ninguém estava prestando atenção. A ideia nem tinha me passado pela cabeça. Claro, eu já tinha publicado meu próprio mangá de forma independente, mas nunca tinha feito parceria com a Asanuma-san antes.
— Um mangá... de que tipo?
Asanuma-san também lançou um olhar furtivo pela sala de preparação, como eu havia feito, e respondeu em tom amargo.
— Do jeito que está indo, a gente vai acabar tendo só artigos de opinião de novo no festival cultural deste ano. Entrar para o Clube de Mangá e não poder escrever mangá é completamente estúpido, de qualquer forma que você olhe. Nesse ponto, é melhor a gente mesmo fazer um. Você não concorda?
— Você quer dizer criar um clube separado?
Ela balançou a cabeça.
— Não é isso. Não faria sentido... O que estou dizendo é que a gente escreve um volume em segredo, usando o selo do Clube de Mangá da Escola Kamiyama, e depois vende nas férias de verão. Assim, poderíamos mostrar que é possível criar mangá no clube — aliás, esquece isso. A gente mostraria que o clube é, essencialmente, para criar mangá.
Não consegui afastar a sensação de que ela estava dizendo algo perigoso. Se ela usasse esse ataque surpresa para impor sua opinião no clube, transformando isso em uma vantagem para a ala dos desenhistas, não seria praticamente um golpe de estado?
Embora fosse verdade que a situação deprimente do clube durava o tempo todo. Nunca tinha me ocorrido que simplesmente desenhar um mangá poderia ser usado como ataque contra a ala dos leitores. Pensando melhor, acho que dava para entender como o simples ato de criar um mangá já pareceria uma provocação no estado atual do Clube de Mangá... Quem eu queria enganar? "Acho que dava para entender" é o eufemismo do século. Era óbvio que pareceria isso. Talvez eu tivesse sido ingênua demais até agora.
— Quem mais vai participar? — Perguntei.
Ela listou alguns nomes, dobrando um dedo a cada um que mencionava.
— Eu, a Tai, a Nishiyama, a Harigaya... e você. Ainda não perguntei para os outros.
Todos eram da ala dos desenhistas, claro, mas, pelo que eu sabia, Asanuma-san era a única que realmente tinha feito algo substancial. Tai era novata, então eu não sabia muito sobre ela, mas lembro dela dizer que nunca tinha desenhado mangá e que queria praticar no Clube. Nishiyama-san e Harigaya-san eram ambas do segundo ano, e eu tinha quase certeza de que nenhuma delas tinha feito nada além de uma ou duas tiras soltas.
— Elas realmente vão conseguir escrever algo mais longo? — Perguntei.
Asanuma-san riu de leve.
— Duvido, mas não precisa ser longo. Quatro ou cinco páginas já bastam. Sabe, até uma história de duas páginas serve. O importante é envolver o maior número possível de pessoas.
Era meio grosseiro presumir que Nishiyama-san e Harigaya-san não conseguiriam só porque não produziam quase nada no clube. Eu queria muito acreditar que sim. Mas o que Asanuma-san disse mostrava que, para ela, não importava se conseguiriam ou não.
Pensando bem, para alguém focada apenas no resultado, isso nem era surpreendente...
O tom da voz dela suavizou, talvez percebendo o quanto eu estava ficando desconfortável.
— Não vou pedir pra você fazer tudo sozinha. O tema já está decidido, então é só juntar o que conseguir.
Mesmo que ainda fosse cedo demais para alguém amadora como eu ter orgulho do próprio trabalho, queria dizer que meu mangá não era algo que eu simplesmente "juntava" de qualquer jeito. Para alguém como Asanuma-san, que com certeza entendia isso, falar desse modo só mostrava o quanto ela estava desesperada.
Resolvi ao menos perguntar.
— Qual é o tema?
— Vai ser: "Clube de Mangá."
Não consegui evitar um leve gemido. Asanuma-san, porém, falou com mais firmeza.
— Se a gente não fizer algo assim, nunca vai conseguir publicar. Não vou mentir, sei que isso tem uma utilidade imediata, mas se a gente se formar antes de ter a chance de usar o nome do Clube de Mangá da Escola Kamiyama e mostrar isso para as pessoas, nunca mais teremos outra oportunidade. Eu não suporto pensar nisso. Você não sente o mesmo, Ibara?
Eu não estava exatamente empolgada com a ideia de representar o legado do clube ou coisa do tipo, mas se eu conseguisse que uma ou duas pessoas lessem meu trabalho... acho que já ficaria feliz.
— Então? O que acha?
Meu coração estava dividido. Eu realmente não gostava da ideia de meu mangá virar uma ferramenta na guerra entre facções do clube, mas, no fim das contas, tudo se resumia ao simples fato de eu querer desenhar e ser lida. Se tivesse que escolher, talvez nem me importasse tanto com as circunstâncias, contanto que fosse lido.
Talvez vendo uma esperança na minha hesitação, Asanuma-san continuou em tom mais descontraído.
— Se você aceitar, me diga antes quantas páginas vai desenhar.
— Hã? Você quer que eu decida o número de páginas antes mesmo de dar minha resposta?
Não esperava por isso. Eu não tinha muita experiência em trabalhos em grupo, mas era comum primeiro decidir quantos participantes haveria para só então calcular as páginas, e às vezes nem chegavam a se preocupar com isso. Era a primeira vez, pelo menos para mim, que ouvia falar de um grupo que queria definir o número de páginas antes de tudo.
— Sim. Preciso de uma estimativa para o formulário de despesas do clube, afinal.
— Despesas do clube? Não vamos pagar do próprio bolso?
— Não faria sentido pagar com nosso dinheiro. Eu vou falar com o comitê geral sobre isso e conseguir o que for preciso do orçamento do clube, nem que seja no aperto. Mas, para isso, preciso dos números exatos, certo?
Mas... seria mesmo certo fazer isso? O orçamento do clube era para todos, então — no mínimo — a presidente, Yuasa-senpai, teria que estar de acordo, ou então seria praticamente desvio de verba. Além disso, nem acho que o comitê geral fosse o responsável pela distribuição desses fundos.
— Você vai falar com a presidente, é claro. Certo?
Yuasa-senpai quase não tinha nada a ver com as brigas da Sociedade de Pesquisa de Mangá. Ela cuidava impecavelmente das tarefas burocráticas do clube, como formulários de despesas e recrutamento. O plano de Asanuma-san já parecia instável por si só, mas seria sensato envolver a presidente para evitar que a situação piorasse ainda mais.
— É... acho que sim. Vou ter que falar com ela — murmurou, contrariada, quase sem abrir a boca.
Tudo aquilo parecia meio assustador, mas decidi deixar por conta dela. Eu precisava pensar no meu próprio mangá.
— Olha, não consigo decidir agora o número de páginas. Fico feliz com a oportunidade, mas nem sei como trabalhar o tema "Clube de Mangá", muito menos dizer quantas páginas isso vai dar. Vou começar com um rascunho e usar isso como base para o número. Você se importa de esperar?
Ela franziu levemente os lábios.
— Bom, faz sentido, eu acho. Quanto tempo precisa?
Era dia 14. Eu ainda precisava ter ideias e formular a trama. Se fosse só para estimar o número de páginas, o rascunho não precisaria ser tão detalhado, o que significava que...
— Talvez até sexta-feira.
— Certo. Até lá, vou procurar mais meninas dispostas a desenhar.
E então acrescentou: — Mas mantenha isso só entre nós, tá?
*
Meus pais não falavam muito sobre eu desenhar mangá. Nem desaprovavam, nem incentivavam; contanto que eu estudasse bastante, me davam liberdade para fazer o que quisesse no meu tempo livre.
O "contanto que eu estudasse bastante" implicava que eu só estava livre para desenhar mangá nos fins de semana e feriados. Minha mãe e meu pai sempre pareciam um pouco preocupados quando me viam desenhando em dias de semana, então acabei parando de fazer isso. É claro que também tinha outros planos nos meus dias de folga, então eu frequentemente ficava sem tempo.
Asanuma-san me contou seus planos na segunda-feira, e eu precisava dar uma resposta até sexta. Embora fosse verdade que eu ainda não tinha desenhado nada, eu não queria quebrar a promessa implícita com meus pais de não desenhar em casa durante a semana, então decidi trabalhar nisso na escola.
O problema era onde. Eu tinha que manter o esquema da Asanuma em segredo, então não havia como fazer nada relacionado a isso na sala do Clube de Mangá. Queria poder usar a sala de Geologia — onde o Clube de Clássicos se reunia —, mas não queria arrastá-los para dentro da confusão que era o Clube de Mangá. Também não me sentia confortável em usar a biblioteca, já que fazia parte do comitê e seria algo totalmente fora de propósito.
Com todas essas opções riscadas, só restava uma opção. Decidi abrir meu caderno na minha própria sala, a 2-C.
Não posso falar pelos outros, mas, pelo menos para mim, é muito difícil desenhar mangá com pessoas por perto. Principalmente na escola, cercada de colegas de classe, estava fora de cogitação. Tudo o que eu fazia naquele momento era rabiscar ideias, então, para os outros, não parecia mais do que estudo sério. Para reforçar o disfarce, deixei um livro de história aberto ao lado. Era um disfarce tão perfeito que nem Deus nem o Oreki seriam capazes de perceber.
*
Na terça-feira, depois da aula, sentei-me ereta na carteira da sala 2-C, abri o livro de história mundial e comecei a anotar algumas ideias. Era a primeira vez que eu trabalhava com um tema escolhido por outra pessoa, então eu estava um pouco insegura, mas sabia que não era impossível.
Embora Asanuma-san tivesse dito que o tema era "Clube de Mangá", ela nunca especificou que precisava se passar no Clube de Pesquisa de Mangá do Colégio Kamiyama. Um grupo que pesquisa mangá... Entendi. Que tal uma história ambientada no futuro? Num mundo em que a civilização colapsou, um grupo encontra as ruínas de um Clube de Pesquisa de Mangá e tenta descobrir o que aquilo significava.
Será que seria complicado demais?
Rabisquei ideias assim no caderno com meu lápis mecânico, mas meus pensamentos começaram a se dispersar, e percebi que não conseguia me concentrar. O motivo eram duas garotas que ainda estavam na sala. Uma delas era Maki Hani, dona de um nome que soava tão bem que me fazia sempre querer chamá-la pelo nome completo. Apesar de suas ousadas escolhas de cosplay no festival cultural, ela parecia calma e inteligente. Para completar, era membro do Clube de Mangá. No momento, conversava animadamente com algumas colegas sobre as férias de verão.
Eu normalmente não procurava saber todos os detalhes do conflito no clube, mas dava para perceber, só de observar, que Hani-san estava ligada, tecnicamente, à chamada "facção dos leitores".
Mas era claro que nunca os apoiava ativamente, e, quando os dois lados começavam a trocar insultos, ela permanecia calada, mesmo sentada junto aos leitores. Talvez fosse como eu: acabara envolvida em um dos lados, mas achava tudo uma estupidez. Nunca havíamos conversado na sala do clube, mas em sala de aula nossas conversas eram normais.
Eu tinha quase certeza de que Hani-san não contaria nada a ninguém, mesmo que, por acaso, descobrisse o plano da Asanuma. Mas ela poderia perceber que eu estava estruturando o enredo de um mangá só de olhar minhas anotações, e isso seria mais embaraçoso do que qualquer coisa. Então fiquei em estado de alerta constante.
Talvez fosse só paranoia minha, mas quem poderia garantir? Enquanto eu rascunhava e reescrevia ideias sem parar, de repente ergui os olhos. Hani-san estava de costas para mim, conversando animadamente como antes.
— Qual é, não acredito! Nosso time de beisebol é horrível.
Ouvi-la dizer isso, entre outras coisas, mostrava que estava envolvida na conversa, mas por que eu não conseguia me livrar da sensação de estar sendo observada? Mesmo que descobrisse que eu estava montando o enredo de um mangá, qual seria o sentido de me vigiar de longe?
...Mas havia algo em Hani-san que me incomodava.
Ela era muito próxima de Kouchi-senpai, que havia abandonado o clube. Não era aquele típico relacionamento de veterano e calouro que se via nos clubes. Eu já tinha reparado diversas vezes que conversavam com naturalidade, como velhas amigas. Kouchi-senpai também era muito popular entre as meninas, então a relação das duas era assunto recorrente.
Pelo que ouvi por alto, pareciam morar perto uma da outra e brincar juntas desde crianças. Talvez ela estivesse me observando como amiga da líder da facção dos leitores, desconfiada de que eu pudesse ser a instigadora de um golpe da facção dos desenhistas? Bom, não podia descartar totalmente essa possibilidade, mas soava como algo tirado direto de um mangá. Se não fosse isso, então eu realmente não sabia.
Por que ela estaria me observando?
Enquanto eu pensava nisso, Hani-san olhou o celular e se levantou para sair da sala. Acho que era tudo coisa da minha cabeça, pensei, envergonhada.
*
No dia seguinte, porém, Hani-san permaneceu novamente na sala após o fim das aulas e, justamente quando comecei a desconfiar, ela começou a me encarar. Só havia três garotos conversando sobre futebol, ela e eu. Enquanto me esforçava em minhas anotações, ela lia um livro em silêncio. A pressão aumentava, mas eu precisava terminar o rascunho rápido ou não conseguiria cumprir o prazo.
Talvez fosse diferente do método de outras pessoas, mas, quando eu desenhava mangá, sempre começava pelos diálogos. Precisava escrever primeiro para captar bem como cada personagem falaria e o que diria em cada situação. Não tinha certeza se esse método era eficiente — na verdade, geralmente acabava encurtando as falas depois, quando as colocava nos balões, então provavelmente não era... Mas não havia o que fazer. Escrever o rascunho na escola já era embaraçoso o bastante; se eu adicionasse falas, seria insuportável.
Depois de dois dias pensando, finalmente escrevi a primeira fala do enredo. Eu não estava muito empolgada com o tema, mas, conforme escrevia, a história avançava surpreendentemente bem.
Pensei na crítica que recebi da La Shin. Um autor profissional participa da seleção do Prêmio Novo Mundo e escreve comentários curtos para os vencedores dos prêmios de participação em diante. Quem fez isso dessa vez foi Yutaka Niiro, e seus comentários para mim foram:
"Ponto forte: ritmo do clímax. Ponto ok: arte. (Você consegue!) Ponto fraco: as falas eram muito longas. Você está melhorando cada vez mais, então boa sorte na próxima submissão!"
Eu nunca tinha ouvido falar de Niiro antes de ler aqueles comentários, mas, no dia seguinte, gastei toda a minha mesada comprando vários volumes dele. Mesmo antes disso, eu já tinha noção de que minhas falas longas eram meu ponto fraco, então passei a revisar com muito cuidado quais palavras cortar e quais eram realmente eficazes enquanto preenchia o caderno.
Eu estava completamente absorvida nisso quando uma voz me chamou de repente.
— Maya-cchi.
Era Hani-san. Levantei os olhos e percebi que os garotos já tinham saído; só restávamos nós duas. Ela não me olhava, mas fixava o celular na mão. Fechei o caderno com naturalidade e respondi.
— O que foi?
Ela ergueu o rosto e me encarou, sem expressão alguma.
— Descobriram o plano da Asanuma.
Não havia motivo para fingir surpresa — e, na verdade, nem era tão inesperado. Asanuma-san dissera que era segredo, mas estava claramente pedindo ajuda a qualquer pessoa que parecesse promissora, então era só questão de tempo até que a verdade viesse à tona. Nesse sentido, acho que Hani-san realmente estava me observando desde o começo.
— Entendi.
Com o segredo exposto, provavelmente não poderíamos mais usar o orçamento do clube para o mangá. Mesmo desde o início, já havia um problema em depender da presidente para conseguir os fundos. Reunir dinheiro apenas entre os envolvidos parecia uma solução mais sensata e talvez fosse melhor ter feito isso desde o começo.
Hani-san suspirou, resignada, enquanto me observava.
— Maya-cchi, você tá até calma demais, não acha? Pelo jeito, a coisa vai ficar feia.
Olhei para o celular em suas mãos. Devia ter recebido alguma mensagem. Algo feio... eu tinha uma ideia do que ela queria dizer.
— Aconteceu alguma coisa no Clube de Mangá?
Ela assentiu, o rosto se contorcendo em uma careta cansada.
— Parece que estão infernizando a vida da Asanuma. Bom, era bem óbvio que fariam isso...
Quando ela disse "óbvio", estaria se referindo ao resultado inevitável de alguém tentar agir pelas costas de todos, ou estaria expressando simpatia pela determinação da Asanuma, mesmo sabendo que a facção dos leitores ficaria furiosa? Eu não tinha como saber. Na verdade, nem sabia ao certo onde eu mesma me posicionava.
— É... acho que sim — concordei, enquanto guardava o caderno na mochila. Hani-san pareceu surpresa.
— Vai embora? Melhor se manter distante disso...
Fiquei feliz por vê-la preocupada comigo, considerando que quase não conversávamos, mas, sabe... O que eu podia fazer?
— Não é como se eu já tivesse decidido ajudar no livro dela, mas também não consigo simplesmente ignorar.
Hani-san deu uma risadinha e respondeu.
— Entendi. Desculpa, mas eu vou com você.
O fato de Hani-san, integrante da facção dos leitores, estar indo significava que ela não queria que eu me juntasse ao lado que estava sob ataque e acabasse abalando o equilíbrio atual. Ela provavelmente disse "desculpa" já pensando nisso.
— Maya-cchi, vamos trocar nossos números de celular. Se acontecer alguma coisa, eu te mando uma mensagem.
Assenti e tirei meu telefone da bolsa.
*
A sala do Clube de Mangá ficava no segundo andar do prédio principal, na primeira sala de preparo. Minha sala, a 2-C, ficava no terceiro andar do mesmo prédio. A caminhada não era longa, mas, para falar a verdade, eu me arrastei até lá. Será que era mesmo possível apressar o passo para um lugar onde eu sabia que seria recebida aos gritos? Hani-san me seguiu de perto nesse estado.
Finalmente chegamos ao clube e, quando deslizei a porta, comecei a me arrepender de não ter corrido. Bastou um olhar para perceber que tudo já tinha acabado. Asanuma-san, Harigaya-san e Tai estavam cercadas por um semicírculo de meninas. Tai chorava de forma lastimável, e Asanuma-san fitava os pés, em silêncio, suportando tudo. Bem diante delas estava a veterana Shinohara-san, com os braços cruzados. Ao me ver entrar, ela me lançou um sorriso debochado.
— Ibara, é? Estava esperando a gente terminar antes de aparecer? Bem esperta da sua parte.
— Não é isso. Eu só não sabia de nada.
— Sei… — zombou, antes de virar-se orgulhosa e apontar para as três meninas em silêncio à sua frente. — Então deixa eu te explicar, já que você chegou atrasada. A gente sabe de tudo. Vocês estavam planejando roubar o dinheiro do clube para fazer o livrinho de vocês e depois expulsar quem não soubesse desenhar mangá. Sério, quão baixo vocês conseguem descer?
Depois que Kouchi-senpai deixou o clube, Shinohara-san assumiu, mais ou menos, como líder da facção dos leitores. Talvez fosse assim que ela via o plano, mas estava claramente exagerando.
— Você está completamente enganada. A Asanuma-san só queria criar um mangá sem que o Clube de Mangá atrapalhasse. Ela disse que ia pedir autorização à presidente, Yuasa-senpai, para usar o dinheiro do clube. Não chame isso de roubo.
— A presidente? — repetiu Shinohara-san, e um sorriso enorme surgiu em seu rosto. — Ela já saiu do clube. Precisava se concentrar no vestibular, pelo visto. Você não sabia?
— O quê...?
Olhei ao redor, procurando pela Yuasa-senpai. Ela não estava ali. Aliás, nenhum dos veteranos estava.
— Então era isso… — murmurei apenas para mim mesma.
Bem quando Asanuma-san tentava tomar a iniciativa com o mangá, Shinohara-san e as outras já tinham garantido a saída da neutra Yuasa-senpai, deixando a presidência vaga para assumirem. Nessa época do ano, quando os veteranos costumavam abandonar os clubes, não havia nada de estranho nisso. Ontem ou hoje, sem dúvida, a presidente tinha se retirado sem que eu percebesse. E eu aqui, preocupada em decidir se devia ou não desenhar no Clube de Mangá…
O que diabos eu estava fazendo?!
Vendo minha expressão hesitante, Shinohara-san continuou sem pestanejar.
— E o que você quer dizer com "atrapalhar"? Está praticamente se descrevendo. Você age toda superior, rindo de quem não sabe desenhar mas quer entrar no clube, e aí faz cara de vítima quando pedimos para você não agir sozinha. Chega de palhaçada. A gente só quer se divertir com o que acha legal. Só por dizermos que gostamos de mangá, nossos pais e professores já nos tratam como idiotas. E agora temos que passar pela mesma coisa dentro do clube também?!
Os olhos de todas as meninas ao redor de Asanuma-san se fixaram em mim. Eram olhares frios e ressentidos. No silêncio que se seguiu, dava para perceber que todas concordavam com as palavras de Shinohara-san — e desprezavam tanto a mim quanto a Asanuma-san.
Eu nunca as tratei como idiotas. Tudo o que eu queria era desenhar mangá. É claro que nunca pedi desculpas por saber fazê-lo, mas também nunca olhei de cima para quem não sabia.
Será que isso era mesmo verdade?
Seria possível que, sem perceber, alguma parte mesquinha de mim tivesse transparecido? Talvez uma frase ríspida, uma atitude impaciente?
Não, calma. Eu nunca pensei nada disso. Saber desenhar mangá é só mais um talento. Não é diferente de saber se balançar nas barras ou decorar todas as eras da história do Japão. Pode ser importante para a pessoa, mas sempre achei ridículo se gabar disso para os outros. Não pode começar a duvidar de si mesma, Mayaka.
Precisava me controlar diante daqueles olhares gélidos. Por ora, era melhor ir devagar e entender o que aconteceria a seguir.
— Então? Quem é a nova presidente?
Os olhos de Shinohara se arregalaram, surpresa.
— Você não sabe?
Aquela resposta deixava claro que devia ser alguém que eu conhecia. Não havia chance de ser a própria Asanuma-san, certo? Então Shinohara-san ergueu o braço e apontou para mim.
— Eu...?
— Claro que não. Atrás de você.
Virei-me.
Ali estava minha colega de classe, uma garota que parecia tímida — embora não fosse —, que havia entrado depois de mim. Era Hani-san. Ela levantou a mão em um gesto de leve desculpa, enquanto eu ficava paralisada.
— Desculpa, Maya-cchi. Não foi fácil te contar. — Então se aproximou de Shinohara-san e perguntou: — Eles aceitaram?
— Tudo.
— Ótimo. Então conte para a Maya-cchi.
Provavelmente estavam falando de algo como os termos de rendição. Com uma postura mais calma que antes, Shinohara-san começou a explicar.
— Decidimos antes de você chegar.
— Imagino que não podemos mais desenhar mangá — comentei.
— Se quiserem, não vamos impedir.
Fiquei surpresa com a resposta e, sem pensar, olhei para Asanuma-san. Mas sua expressão permanecia apática. Parecia haver mais nos termos do que aquilo.
— Esse mangá de vocês provavelmente vai fracassar mesmo. Apesar de acharem que são incríveis, até agora só a Ibara fez alguma coisa de verdade. Façam o que quiserem. Que tal até ajudarmos a preencher o formulário de despesas do clube? Se não conseguirem terminar, vamos rir de vocês. E ainda terão que assumir a responsabilidade por desperdiçar o orçamento e sair do clube.
Ela então baixou o dedo indicador e colocou a mão sobre o peito.
— No caso improvável de conseguirem fazer algo que preste… bom, parabéns. Aí deixamos vocês ficarem com o clube e criamos um só para nós, para fazermos o que quisermos.
Então era isso. Chegou a hora.
Eu já suspeitava fazia um tempo, mas parecia que o abismo entre as duas facções tinha se tornado profundo demais para ser reparado. Ao retirar dinheiro para fazer o mangá, o clube acabaria se dividindo em dois.
Hani-san juntou as palmas das mãos, trazendo-me de volta do transe.
— Tenho certeza de que você entende onde isso vai dar, Maya-cchi. Desculpa por toda essa confusão. Vamos fazer o que precisa ser feito agora.
Shinohara-san puxou um pedaço de papel e o balançou na frente de Asanuma-san.
— Quanto ao formulário de despesas do clube, na verdade já preenchemos um. Já temos nossas assinaturas e até conversamos com o orientador do clube. Agora é com você para escrever o valor e a finalidade, Asanuma-san.
Ao ouvir seu nome, Asanuma-san finalmente ergueu o olhar e encarou o formulário com cansaço, mas no final balançou a cabeça devagar.
— Eu não sei quanto vai custar. Ainda não decidimos a quantidade de páginas…
— Ah, para com isso! Não se preocupe com isso! Se não for suficiente, a gente faz outro. Vamos colocar 10.000 ienes. O importante é começar! — respondeu Hani-san.
Como se fosse atraída pela voz animada dela, Asanuma-san se aproximou das duas, trêmula, e pegou o formulário. Shinohara-san ainda segurava uma caneta pronta e também a entregou. Asanuma-san olhou para a caneta com cautela, mas, no instante em que ia começar a escrever, todo o seu corpo congelou, como se algo a segurasse.
— O que foi? Medo demais? — provocou Shinohara-san, e eu senti algo como um lampejo de raiva passar pelos olhos de Asanuma-san, que imediatamente começou a escrever.
Eu apenas observei tudo isso, incapaz de raciocinar direito. Sabia que havia algo estranho em toda a situação, mas não conseguia pensar com clareza. Talvez fosse informação demais para processar de uma vez. Finalmente, uma única pergunta começou a se formar na minha consciência: por que Hani-san estava com tanta pressa para preencher o formulário de despesas do clube? O que mudaria se o preenchêssemos? Conseguiríamos trabalhar no nosso mangá? Não, esse não era o problema…
O que Shinohara-san tinha dito antes? Eu pensei desesperadamente, a mente cheia de pensamentos confusos, tentando me lembrar das palavras. Tenho quase certeza de que foi algo como:
"Vamos fazer vocês assumirem a responsabilidade pelos fundos que desperdiçaram e fazer vocês saírem do clube."
— Espera!
Disparei isso rapidamente para impedir Asanuma-san, mas ela já havia terminado de preencher o formulário naquele momento. Ela se virou, atordoada, ao me ouvir, mas Hani-san imediatamente puxou o formulário debaixo da palma da mão dela.
Havia apenas um jeito de impedir que o Clube de Mangá se dividisse em dois: teríamos que desistir dos planos de criar o mangá — ainda em estágio de desenvolvimento — e prometer aos outros que não faríamos algo assim por conta própria no futuro, conciliando com eles no processo. Agora que havia um formulário de despesas do clube envolvido, no entanto, não poderíamos mais usar a desculpa de que o mangá nem tinha sido começado. Mesmo que não tocássemos um único iene, eles ainda poderiam nos acusar de "desperdiçar o dinheiro do clube" e impedir qualquer reconciliação.
Nunca odiei de verdade a facção dos leitores. Quero dizer, eu nem me considerava realmente uma integrante da facção dos desenhistas, afinal. Mas, dessa vez, as táticas deles foram simplesmente cruéis. Se quisessem dividir o clube desde o início, poderiam ter saído silenciosamente ou até mesmo dito para Asanuma-san e eu sairmos diretamente. E, ainda assim, estavam fazendo tudo isso para tentar nos humilhar o máximo possível.
Olhei para Hani-san, mas ela já não estava mais me encarando. Colocou cuidadosamente o formulário na bolsa e saiu da sala com um simples.
— Tá bom então, boa sorte com tudo. Vou buscar a assinatura da professora agora.
Se eu corresse atrás dela agora, desse um tapa na cara dela e pegasse o formulário da bolsa, conseguiria salvar o clube?
…Acho que só pioraria as coisas.
Na sala recém-silenciosa, tudo que eu conseguia ouvir eram os soluços silenciosos da caloura, Tai, até que ela finalmente começou a falar, esquecendo-se de quem estava ao redor.
— Eu sinto muito, senpai. Me desculpe mesmo!
*
Por que eu desenhava mangá, afinal?
Naquela quarta-feira, depois da escola, vi Asanuma-san encurralada por Shinohara-san e as outras, com a expressão quase sem vida. Mesmo assim, quando perguntei se queria abandonar o projeto, ela respondeu de forma clara: "Não."
— Se terminarmos o mangá, Shinohara-san vai sair. Está tudo bem pra você?
Não adiantava nem perguntar isso. Se não terminássemos, seríamos nós as obrigadas a sair. Era uma situação de perder-perder. Enquanto ouvia, Asanuma-san começou a sorrir de maneira rígida e respondeu:
— Perfeito para mim. Se ela está disposta a nos expulsar, então está tudo certo retribuir o favor.
Eu não desenhava mangá para expulsar Shinohara-san do Clube de Mangá. Embora, se você me perguntasse por que eu fazia isso, eu não conseguiria dar uma boa resposta.
É tão estranho. Até ontem, eu achava que sabia o motivo.
Mesmo assim, os preparativos para o mangá continuaram como planejado.
A história estava praticamente pronta, e na maior parte, os diálogos também, e ainda assim, não importava quantas vezes eu revisasse, eu não conseguia me satisfazer com o que havia feito. Sentia um estranho déjà vu — provavelmente porque a história basicamente falava sobre mim —, mas parecia que eu não estava aproveitando o processo de criação. Claro, se eu recusasse desenhar o mangá até aperfeiçoar a história perfeita, provavelmente estaria nisso por mais dez anos. Minha única opção era jogar com as cartas que me foram dadas.
Comecei o rascunho do mangá na quinta-feira, depois da escola. Embora o orçamento já estivesse praticamente definido, não dava para fazer um livro com apenas 10.000 ienes, então o plano original de definir a quantidade de páginas com antecedência não mudou. Mais precisamente, Asanuma-san odiava a ideia de alterar seu plano original para se adaptar à situação imposta por Hani-san. Além disso, eu sinceramente nem sabia se conseguiria escrever algo bom o suficiente para publicar no livro de Asanuma-san até fazer o rascunho.
Embora fosse um pouco desorganizado, os preparativos para o rascunho incluíam dividir as páginas em quadros e depois adicionar balões de fala antes de começar a desenhar as imagens. Agora que estava nessa etapa, tanto minha sala quanto a biblioteca estavam fora de questão, e eu também não queria preocupar meus pais fazendo em casa. Desenhar na sala do Clube de Mangá quase certamente seria visto como eu desafiando a facção de leitores, então a única opção que me restava era a sala de Geologia do Clube de Clássicos. Eu realmente queria manter o Clube de Clássicos fora do drama do Clube de Mangá o máximo possível, mas, bem, não era a primeira vez que eu usava a sala de aulas para desenhar mangá.
Fuku-chan foi o único que apareceu desta vez. Normalmente eu ficaria nas nuvens com isso, mas hoje eu tinha uma missão, e parecia que ele também estava ocupado com seu próprio trabalho.
— Opa!
— Oi.
Essa troca de sorrisos foi tudo o que aconteceu, e eu me sentei em uma mesa um pouco afastada e tirei meu caderno. Fazer o rascunho no papel próprio de mangá normalmente era o ideal, porque facilitava muito a execução do desenho, mas como o papel era grande, difícil de carregar discretamente e — acima de tudo — caro, optei por fazê-lo em um caderno normal.
Era hora de começar.
Quase como se cada traço fosse uma oração, comecei cuidadosamente a desenhar os quadros.
Que fique interessante.
Eu sei que ainda sou iniciante, mas estou me esforçando ao máximo.
Muito do mangá que li antes de você era tão interessante.
Você deveria conseguir ser o mesmo. Por favor…
As estações continuavam sua lenta transição da primavera para o verão. Uma brisa tranquila entrava pela janela aberta. As linhas que desenhei sem régua ficaram retas, e os círculos que fiz sem compasso ficaram suaves. Com a aparência simples do elenco da história, cada um com apenas olhos circulares no formato de bonecos de chuva, agora eu decidiria como tudo se desenrolaria.
Acabei cometendo alguns erros. Sem pensar, comecei o rascunho no mesmo caderno que continha os diálogos que planejei anteriormente. Eu costumo fazer tudo em um caderno só, pois odeio ter que carregar vários pela escola. No início, isso não atrapalhou muito, porque eu tinha uma ideia clara de como queria começar a história, mas ao chegar na terceira e quarta páginas, comecei a precisar folhear o caderno para checar os diálogos com mais frequência. Realmente estava se tornando um incômodo; da próxima vez, vou separar o planejamento e o rascunho em cadernos diferentes.
Enquanto meu erro atrasava um pouco as coisas, continuei avançando. Infelizmente, à medida que avançava, a sensação de inquietação que senti quando Asanuma-san me deu o vago tema "Clube de Mangá" cresceu lentamente a cada página. No entanto, a ideia de que essa história poderia ser usada para expulsar Shinohara-san do clube nunca passou pela minha mente.
Quando chegava a esse ponto, eu esquecia de tudo, exceto o mangá. Provavelmente tudo voltaria à minha consciência no segundo em que minha mão parasse de se mover.
Continuei desenhando, folheando minhas anotações para conferir os diálogos, quando recebi uma mensagem. Abri minha bolsa e olhei o celular. Era de Hani-san, surpreendentemente, e a mensagem tinha apenas uma frase curta.
VENHA O MAIS RÁPIDO QUE PUDER.
Se Hani-san enviou, então provavelmente algo aconteceu na sala do Clube de Mangá, e ela queria que eu fosse até lá. Eu imaginei várias possibilidades do que poderia ter acontecido, e nenhuma parecia boa. Não conseguia parar de imaginar a possibilidade de uma briga ter acontecido e alguém ter se machucado. Levantei-me imediatamente, fazendo um barulho alto ao arrastar a cadeira.
— Ah! Você me assustou! — ouvi de longe.
Ele não foi o único assustado. Eu tinha esquecido completamente que ele estava ali.
— Desculpe, alguém me mandou uma mensagem — disse, atrapalhada, como se fosse uma desculpa válida. Fechei rapidamente o caderno sobre a mesa e, pensando "é melhor prevenir do que remediar", acrescentei.
— Cuida disso!
Ele me olhou confuso.
— Você quer que eu olhe?
— Que nada!
— Como assim?
— Quero dizer, cuide disso.
— Cuidar disso?
Acho que seria um pedido confuso para alguém receber de repente. Minhas palavras provavelmente não foram das melhores, mas não tinha tempo a perder. Corri para fora da sala de Geologia o mais rápido que pude.
*
Cheguei rapidamente à primeira sala de preparação, mas nada estava errado.
A facção de leitores estava sentada na frente da sala como de costume, e a facção de desenhistas estava agrupada atrás, todos lendo mangá ou conversando. Não havia o melhor clima, mas pelo menos parecia que nada terrível tinha acontecido.
Shinohara-san estava sentada em uma mesa no centro da facção de leitores, rindo com suas amigas. Asanuma-san, por outro lado, não estava à vista. Talvez ela ainda não tivesse se recuperado da experiência de ontem, ou talvez tivesse algum outro compromisso — não sei. O resto da facção de desenhistas não parecia tão desanimada, então provavelmente não a haviam expulsado da sala.
Eu precisava encontrar Hani-san primeiro. Após vasculhar a sala, percebi finalmente que ela não estava lá. Shinohara-san me notou procurando e perguntou.
— Procurando alguém?
— Ah, é… — respondi.
— Asanuma não está aqui.
Um dos calouros próximos deu uma risadinha.
— Ela provavelmente foi chorar em algum lugar — mas Shinohara-san não se virou para reconhecer o comentário. Eu estava procurando Hani-san, mas talvez não fosse bom falar isso agora. Melhor fingir que estou apenas passando.
— Entendi. Obrigada.
Virei-me e ouvi risadinhas atrás de mim. Não tinha certeza, mas não parecia que Shinohara-san tinha participado.
Se Hani-san não estava na sala do clube, a única outra possibilidade que eu conseguia pensar era que ela queria dizer nossa sala da turma 2-C. Afinal, estávamos na mesma classe, então provavelmente deveria ter assumido isso primeiro. Só para garantir, mandei uma mensagem de texto:
ACIDENTALMENTE FUI PARA A SALA DO CLUBE DE MANGÁ. PARA ONDE DEVO IR?
Afastei-me um pouco da primeira sala de preparação e esperei alguns minutos por uma resposta, mas nada chegou. Achei que seria mais rápido ir lá e conferir por mim mesma, então subi as escadas e fui em direção à sala.
Quando cheguei, no entanto, ainda não consegui encontrá-la. Havia cerca de cinco estudantes na sala, alguns de outras classes, mas todos estavam sentados em suas mesas. Algumas garotas conversavam perto da entrada, então perguntei.
— Ei, vocês viram Hani-san?
— Hani? Estamos aqui há um tempo e não a vimos.
Eu não fazia ideia de que a chamavam de Hani. Honestamente, não combina com sua aparência quieta.
Mas, enfim, algo não estava certo. Se ela não estava no Clube de Mangá nem na nossa sala, eu não fazia ideia de onde ela queria que eu fosse. Eu trabalho na biblioteca, então poderia ser uma possibilidade, mas duvidava muito.
— Você está procurando a Hani?
— Não exatamente. Ela me chamou.
— Para vir aqui?
— Não sei bem. Tudo bem, vou procurar em outro lugar. Obrigada.
Saí da sala e olhei para o celular. Ainda nada. Estava curiosa para saber o que tinha acontecido, mas se não conseguia contato com ela, provavelmente não havia muito que eu pudesse fazer. Eu deveria ter pegado o número dela.
— Acho que é melhor trabalhar no meu rascunho, então.
Caminhei até a sala do Clube de Clássicos, completamente perdida.
*
De volta à sala de Geologia, soltei um pequeno grito.
— Cadê meu caderno?!
O livro que eu tinha deixado em cima da mesa havia sumido. Isso era completamente ridículo! Para onde poderia ter ido?!
Fuku-chan ainda estava sentado à sua mesa, de frente para o trabalho, mas deixou cair o lápis mecânico que segurava quando ouviu minha voz.
— Você... você me assustou. O que houve agora?
Antes de sair, eu pedi para Fuku-chan cuidar do caderno, mas minhas palavras não foram perfeitas. Ele confundiu meu pedido com uma permissão para olhar minhas anotações. Tenho quase certeza de que corrigi a confusão, mas pode ter havido algum mal-entendido.
— Ei, Fuku-chan. Você tem o caderno que deixei aqui?
— Não, não tenho.
— Então onde está? Isso é estranho.
Enquanto revistava minha bolsa, ele falou, um pouco preocupado.
— Hum... por acaso você não foi quem pediu esse caderno?
O sangue me gelou. Levantei a cabeça, derrotada. Não havia nada na expressão dele que indicasse brincadeira.
— Não fui eu.
— Ah. — Ele abaixou a cabeça de repente. — Foi culpa minha. Uma garota veio aqui e pegou o caderno, dizendo que você pediu para ela buscar. Você até me disse para cuidar dele, e eu ainda não duvidei dela.
Então alguém o roubou?
— Quando isso aconteceu?
— Eu estava ocupado com estas coisas, então não tenho certeza... tenho quase certeza de que não muito tempo depois que você saiu.
— Quem faria uma coisa dessas?!
— Eu não a vi direito, mas era alguém que eu não conhecia. Ela entrou apressada e perguntou se suas anotações estavam aqui.
Era Hani-san. Não havia dúvida. Ela me enviou uma mensagem para me atrair para fora e então pegou o caderno enquanto eu estava fora. Nem passou pela minha cabeça que ela poderia ir atrás do meu caderno, então eu o deixei vulnerável.
— Era uma garota de aparência calma. Eu pensei que algo devia ter acontecido, então apontei para sua mesa. Fui um idiota.
Não era culpa dele... Ninguém poderia prever que isso aconteceria. Já houve o caso do meu chocolate ter sido roubado, mas descobrimos quem e por quê rapidamente, então não foi um grande choque. Ele também compensou depois. Mas desta vez era diferente. Abanei a cabeça com força.
— Não é sua culpa, Fuku-chan. Na verdade, sou grata por você estar aqui, porque agora sei quem pegou. Desculpe por gritar quando entrei.
Puxei a cadeira ao meu lado e sentei-me instavelmente.
Hani-san estava na facção de leitores, então estávamos em lados opostos no Clube de Mangá, mas sempre conversávamos normalmente na aula. Não é que eu confiasse nela — a palavra "confiança" é forte demais para nossa relação. Ela nem me contou que tinha sido escolhida para ser a próxima presidente do clube, então provavelmente sentia o mesmo. E ainda assim, ela fez algo assim.
Para me tirar da sala, ela precisou do meu endereço de mensagem do celular. Eu o dei ontem, depois que ela me contou o que estava acontecendo na sala do Clube de Mangá e sugeriu que trocássemos contatos. Então, basicamente, e se ela estivesse me observando e planejando desde então como pegar meu caderno?
Por quê, porém?
Por que ela precisou roubar meu caderno?
Só consigo pensar em uma razão:
Hani-san quer sabotar o mangá da Asanuma-san. Ela armou uma armadilha para mim e enganou Fuku-chan, só porque não queria que eu terminasse o mangá!
Tudo girava na minha cabeça — o conflito inútil entre as facções de leitores e desenhistas, o mangá como arma, o golpe no clube para presidente, e agora esse roubo. Por quê? Por que tudo acabou assim? Por que fui arrastada para o meio disso? Perder o caderno em si não era tão ruim; eu poderia simplesmente reescrever tudo. O que mais doía era que Hani-san o roubou. Não é que eu confiasse nela. Não éramos tão próximas assim. Mas as mentiras!
— Mayaka. Mayaka!
Voltei à realidade. Fuku-chan estava curvado sobre minha mesa, olhando para mim.
— Você está bem? — Perguntou.
Eu queria chorar. Queria soluçar até não aguentar mais e que ele me consolasse, mas ainda era cedo demais para desistir.
Respirei fundo e soltei devagar. Minha mente febril tentava se convencer de que tudo isso era apenas mentira, sonho ou um mal-entendido, mas, infelizmente, eu sabia que não era.
— Parece que esse caderno era realmente importante para você — disse Fuku-chan com uma expressão séria.
— O caderno em si não é... Eu estava desenhando mangá nele, então só não queria que ninguém mais visse.
— Ela roubou um mangá?
Balancei a cabeça. Não era um mangá que tinha sido roubado. Eram apenas as linhas, os pontos da história e parte do rascunho — mas como eu explicaria isso para ele? Enquanto eu permanecia em silêncio, Fuku-chan recuou um pouco e apoiou a mão na mesa.
— Eu vou buscar de volta. Você tem ideia de quem é?
— Tenho certeza de que é alguém que eu conheço, mas... tudo bem.
— Não vou mais dizer que é minha responsabilidade, mas isso realmente me incomoda, e não posso deixar passar. Quem é?
Balancei a cabeça suavemente.
— Não é sua culpa, e as coisas podem piorar se os outros descobrirem... não quero te envolver nisso tudo.
Eu realmente não deveria ter trabalhado no mangá na sala de Geologia. Olhe só no que deu. Enquanto encarava o chão, ele finalmente disse.
— Mayaka... mesmo assim, eu quero ajudar.
— Eu sei... — respondi.
Fuku-chan ficou olhando fixamente para o espaço, mas finalmente disse.
— Eu sei que talvez não possa ajudar muito, mas me conta o que está acontecendo. Entendo que não seria bom confrontá-la agora, mas vamos tentar descobrir outra forma de recuperar isso para você.
Provavelmente eu esbocei um pequeno sorriso triste naquele momento.
— Você realmente se sente responsável, não é?
— Sim, acho que sim. Mesmo sabendo como as coisas estavam confusas no Clube de Mangá, ainda assim me deixei enganar assim.
Nunca tive a intenção de contar a ele o estado atual do Clube de Mangá. Só não queria que se preocupasse. Engraçado que, agora que praticamente precisava contar tudo, senti uma estranha sensação de paz.
*
Com isso, contei a ele o resumo do que tinha acontecido até agora. Sobre como Asanuma-san me pediu para entrar no projeto dela na segunda-feira. Sobre como o mangá dela ia ser usado como uma ferramenta na guerra de facções do Clube de Mangá. Sobre como eu, para definir o número de páginas, pedi um tempo para organizar as ideias.
Contei como, na terça-feira, senti que Hani-san estava me observando enquanto eu trabalhava no caderno na sala de aula.
Sobre como, na quarta-feira, descobri que o plano da Asanuma-san tinha sido revelado. Sobre como Hani-san se tornou presidente do clube antes mesmo que eu percebesse o que estava acontecendo.
E agora, hoje, sobre como saí da sala por causa da mensagem de Hani-san, levando ao roubo do meu caderno enquanto eu estava fora.
Depois que terminei de falar, Fuku-chan ficou em silêncio, pensativo. Até eu estava tentando organizar tudo na minha cabeça enquanto contava. Finalmente, ele sorriu amargamente e disse.
— Acho que você foi seguida, né.
Eu também penso assim. Até ontem, eu preparava o mangá na sala da turma 2-C, e ainda assim, mesmo mudando hoje para a sala de Geologia, como ela conseguiu me localizar aqui? A única explicação que consigo pensar é que ela me seguiu.
— Se eu tivesse continuado a trabalhar na sala, provavelmente isso não teria acontecido.
— Não tenho tanta certeza — disse Fuku-chan, cruzando os braços. Ele refletiu por um instante e continuou: — Na quarta-feira, você também estava seguindo o que Hani-san disse, certo?
— Sim. Ela me disse que Asanuma-san estava encurralada pelas outras, então fui para o Clube de Mangá. Ela estava dizendo a verdade naquele momento.
— Naquele tempo, imagino que você deixou o caderno na sala, certo?
Será que deixei? Tentei me lembrar.
Embora eu não tivesse desenhado nada ainda, não deixaria meu caderno com a história do mangá sobre a mesa. Tenho quase certeza de que o coloquei na bolsa. Depois disso, provavelmente levei a bolsa comigo para a sala do clube.
Espere, não. Eu planejava voltar à sala, então não foi isso que aconteceu.
— Coloquei o caderno na bolsa, mas deixei a bolsa na sala.
— Isso significa que ela teve a chance de roubá-lo ontem, então.
Entendi. Não tinha pensado nisso, mas ele estava absolutamente certo. E mais: estávamos só nós duas na sala. Tudo o que ela precisava fazer era esperar um pouco depois que eu saísse para o Clube de Mangá e pegar meu caderno — seria simples.
Antes de perceber, murmurei para mim mesma.
— Então por que...
Fuku-chan assentiu profundamente.
— Exatamente isso. "Por que." Por que ela teve que roubar seu caderno hoje?
— Para sabotar o mangá da Asanuma-san, certo? Por que mais faria isso? — respondi, um pouco irritada.
Fuku-chan, no entanto, balançou a cabeça.
— Não tenho tanta certeza disso. Comecei a pensar em algo enquanto você me contava a história. Não parece um pouco com a coisa do Houtarou há um tempo? — disse ele baixinho.
Oreki?
O que ele quer dizer com "há um tempo"?
Fuku-chan e Chi-chan... certo, estávamos lendo o relatório do livro do Oreki. Isso foi bem divertido. Parece que já faz muito tempo. Se lembro corretamente, era sobre "Corra, Melos" e tratava de quem estava tentando impedir Melos de chegar à cidade. Mas não fazia ideia do que havia de similar com a minha situação.
— O que é parecido, exatamente? — Perguntei.
— A parte sobre Dionísio e os bandidos.
— Dionísio é o deus do vinho.
— Ah, é mesmo. Quero dizer Dunamis... na verdade, não, isso é um anjo.
— Sério?
— Acho que é um anjo do poder? Enfim, vamos chamá-lo de rei. Quando ouvi sua história, me lembrei do trecho no relatório do Houtarou sobre o rei e os bandidos.
Na análise dele, tenho quase certeza de que Oreki discordava da teoria de Melos de que o rei teria contratado os bandidos para matá-lo e impedir seu progresso até o reino.
— Como isso se relaciona comigo?
— Lembra do ponto dele? Houtarou escreveu que, como o rei realmente acreditava que Melos não voltaria, não havia motivo para ele tentar impedir seu retorno. Esse tipo de raciocínio é igualzinho a ele. Eu realmente me diverti com isso.
Também sorri.
Ele continuou.
— Então é o que eu penso, pessoalmente. Mesmo que Melos conseguisse chegar ao reino, o rei não perde nada. Provavelmente Melos não voltaria, mas mesmo na chance de uma em um milhão de ele voltar, o rei não estaria em posição de ser realmente afetado. Por isso, mesmo olhando por esse ângulo, fica claro que o rei não foi quem contratou os bandidos.
Faz sentido. Se o rei quisesse continuar acreditando que "não se pode confiar em ninguém" de qualquer forma, e Melos pudesse desafiar essa convicção, eu conseguiria entender como a situação mudaria, mas na história real, tenho quase certeza de que não era o caso.
— Agora, com a sua situação — disse Fuku-chan —, Hani-san parece acreditar genuinamente que não há chance de Asanuma-san terminar o mangá. E o ponto é: mesmo que ele seja concluído com sucesso, acredito que isso não vai incomodá-la nem um pouco.
— Como assim? Se o mangá for um sucesso, então ela e os outros terão que deixar o clube.
— Mas foi Hani-san quem propôs isso, não foi?
Bem, sim, mas...
Fuku-chan coçou a bochecha levemente.
— Tenho ouvido muitas histórias sobre o Clube de Mangá. Agora que ouvi a sua versão também, estou começando a achar que não há mais como evitar que o clube se divida. Toda essa história de perseguição, espionagem e golpe... claramente há algo muito errado nessa situação, mesmo se compararmos com os outros clubes estranhos da escola. Pelo que sei, o Clube de Mangá é um grupo grande, com mais de trinta pessoas, incluindo os calouros. Mesmo que se dividisse em dois, os dois grupos ainda seriam maiores que o clube médio. Acho que o objetivo de Hani-san, como presidente, era justamente possibilitar isso e criar dois clubes "normais"... O que você acha, Mayaka? Estou errado?
Fuku-chan sempre se interessou por várias coisas; não importa o assunto, ele devora tudo o que consegue. Desde que entrou no comitê geral no ensino médio, sinto que ele ficou cada vez mais atento, especialmente sobre procedimentos, organização oficial e intenções verdadeiras das pessoas.
Pegue Oreki, por exemplo.Ele não trabalha bem com os outros, então embora compreenda os conceitos, não entende completamente coisas como máscaras emocionais ou justificativas que as pessoas usam para se proteger. Fuku-chan enxerga tudo isso e, mesmo assim, nunca muda no processo. Acho isso incrível.
Se Fuku-chan diz que não há como salvar o Clube de Mangá, então talvez realmente não haja mais esperança. De fato, as disputas internas já tinham chegado ao ponto sem retorno. Nunca pensei que o clube se sairia melhor se se dividisse, mas não posso dizer o mesmo sobre Hani-san. Talvez ela—
Não, espera, tem algo errado nisso.
— Se fosse assim, não seria melhor ela simplesmente sair do clube sem fazer toda essa confusão? Por que ela não aceitou que estávamos planejando fazer um mangá e usou isso para nos expulsar sem todo o transtorno?
— Não tenho tanta certeza. Se ela saísse sem dizer nada, não pareceria que ela estava fugindo com o rabo entre as pernas? Ela precisa manter as aparências. Por outro lado, se ela quisesse que vocês saíssem do clube, seria praticamente impossível obrigá-las a se demitir apenas pelo fato de quererem desenhar mangá. Se fossem reclamar com o orientador do clube, quem levaria bronca seriam elas — não vocês.
É verdade. Isso seria uma justificativa bem fraca.
— Eu não sei muito sobre isso — continuou —, mas se a condição para vocês é fazer qualquer tipo de mangá, então parece uma tarefa bem fácil, certo?
— Acho que sim, sim. Seria fácil fazer um, se tudo o que precisássemos fosse imprimir em qualquer impressora.
— Se o livro for concluído com sucesso, então Asanuma-san e as outras recuperam a honra perdida e todos se separam em bons termos. Se não for concluído, a culpa é inteiramente do grupo de Asanuma-san, e isso se torna motivo para fazê-las sair do Clube.
Eu entendo o raciocínio dele, mas não consigo ver o que vem depois disso. Comecei a levantar um pouco a voz.
— Mas se isso for verdade — se Hani-san é como o rei na história de Melos — então isso não significa que ela roubou meu caderno sem motivo algum? Se ela o fez por diversão, então isso não seria apenas bullying?
Não estou dizendo que seria aceitável se ela tivesse um motivo, mas se foi apenas por puro despeito, eu não conseguiria ficar parada.
Fuku-chan olhou para o chão e murmurou baixinho.
— Você tem razão. Essa é a parte estranha. Realmente é frustrante... Se fosse Houtarou, ele pensaria em alguma solução, sem problema. Por que ela fez isso? Ela não teria nada a ganhar pegando seu caderno.
De vez em quando, Fuku-chan diz algo ridículo como: "Um banco de dados não pode tirar conclusões." Ele sabe muito sobre diversos assuntos e está sempre por dentro dos últimos boatos, mas acha que, por causa disso, tem dificuldade de encontrar a verdade. Para mim, tudo isso parece que ele já desistiu antes mesmo de tentar.
Mas, agora, ele estava tentando seriamente descobrir a resposta. Em vez de usar seus bordões habituais — coisas como "Não faço ideia" ou "Não há nada que eu possa fazer sobre isso" — Fuku-chan ficou completamente concentrado, dedicando todo o esforço a encontrar a resposta.
Eu também pensava intensamente junto com ele, mas, ao mesmo tempo, não conseguia evitar de observá-lo em silêncio.
Finalmente, ele começou a falar, com uma sobrancelha franzida, algo incomum nele.
— Vamos, com certeza, recuperar seu caderno, Mayaka, mas — um, não sei exatamente por que sinto isso — que tal esperarmos e ver como as coisas se desenrolam?
Falando de forma realista, por mais que Fuku-chan tentasse, e por mais irritada que eu ficasse, provavelmente não haveria como recuperar o caderno hoje, considerando que Hani-san provavelmente já tinha ido embora. Se ela roubou o caderno apenas para me provocar, provavelmente já estava em algum lixo, queimado ou no rio a caminho do mar. Se não, ainda haveria chance de recuperá-lo, mas Fuku-chan queria esperar por enquanto.
— Fico feliz que você esteja confiante, mas por que quer esperar?
Fuku-chan era péssimo para explicar suas ideias claramente.
— Já vi você desenhando seu mangá antes, e tenho quase certeza de que não é como se você não pudesse continuar sem esse caderno, certo? Entendo que está irritada, claro. Eu também não deixaria passar, mas se encararmos isso de forma objetiva, tudo o que você precisa é do tempo para reescrever o que perdeu.
Ele não estava errado. O caderno servia basicamente apenas para a preparação, e só levou três dias para fazer. Tirando minhas emoções de lado, não era nada que eu não pudesse recuperar em mais três dias.
— Nesse caso, talvez o objetivo de Hani-san tenha sido ganhar tempo, não acha? Talvez ela queira fazer algo nesses três dias. Pense: sempre que alguém é sequestrado em um romance policial, as pessoas acabam esperando o contato do culpado primeiro. Vamos esperar e observar como as coisas se desenrolam antes de decidir o que fazer.
— Claro, mas sinto que também seria melhor impedi-la o quanto antes, caso ela esteja planejando algo terrível.
— Sim. Se isso acontecer, eu vou te proteger.
…Era praticamente impossível não me perguntar se ele conseguiria fazer algo assim, mas, por outro lado, pela lógica, também era praticamente impossível que uma parte de mim não confiasse completamente nele.
Assenti resolutamente.
— Certo, entendi. Vou dar um tempo. É melhor se eu não disser nada a Hani-san amanhã?
— Difícil dizer. Tenho a sensação de que ela vai te procurar se tiver algum pedido, mas vai saber. Em momentos como este, gostaria que Houtarou estivesse aqui.
É verdade que, se Oreki estivesse, talvez conseguisse conectar os pontos melhor do que nós.
A questão é que, mesmo assim, nunca desejei que ele estivesse aqui no lugar dele.
Obrigada.
*
Era sexta-feira, 18 de maio. Embora fosse uma data que eu costumava esperar com expectativa, tudo pesava demais na minha mente.
Esqueci o lenço ao sair de casa e acabei chegando à escola mais tarde do que o normal. Embora Hani-san estivesse na sala quando cheguei, ela me ignorou casualmente, como se eu fosse apenas uma pessoa qualquer, mesmo com nossos olhares se cruzando. Eu até poderia agarrar seus ombros e sacudi-la, gritando.
— Me devolve meu caderno!
Mas decidi confiar no conselho de Fuku-chan. Além disso, as coisas só piorariam se eu acabasse machucando-a acidentalmente, então resolvi ficar quieta por enquanto.
Contar a Asanuma-san sobre meu progresso era ainda mais angustiante do que enfrentar Hani-san. Embora eu tivesse dito que decidiria até sexta-feira se participaria e quantas páginas faria, não consegui cumprir o prazo. Eu tinha o endereço de e-mail dela, mas realmente é preciso fazer esse tipo de coisa pessoalmente. Então, esperei até o almoço e fui até a sala 2-A para falar com ela.
Lá, apenas dois ou três estudantes ainda estavam comendo. O resto já havia terminado e fazia outras coisas. Era meio estranho — embora não fosse contra as regras, achei desconfortável ir a outra sala. Enquanto hesitava na porta, uma garota magra e bonita percebeu minha presença e chamou.
— Procurando alguém?
— Hm, sim. Asanuma-san.
— Ah é? Será que ela está aqui?
A garota olhou rapidamente para trás e encontrou Asanuma-san sentada perto da janela. Caminhou até ela e começou a falar sobre alguma coisa. Ela apontou na minha direção, provavelmente dizendo a Asanuma-san que eu estava a procurando. Assim que percebeu minha presença, a expressão de Asanuma-san escureceu um pouco, e ela começou a andar na minha direção com passos pesados.
— O que houve?
Sua voz estava desanimada — ela também devia estar de muito mau humor. Era horrível dar "pontapé" em alguém assim, mas isso só reacendeu minha raiva contra a pessoa que roubou meu caderno.
— Eu disse que te daria uma resposta na sexta-feira sobre minha decisão, certo?
— Sim.
Enquanto respondia, Asanuma-san começou a olhar furtivamente para os lados. Talvez se sentisse desconfortável falando sobre o mangá na sala ou estivesse apenas cautelosa com alguém ouvindo após o vazamento de seus planos. Vendo-a assim, falei também em um tom baixo.
— Desculpe, você pode esperar um pouco mais?
Suas sobrancelhas se ergueram.
— O quê? Como assim? Não foi você que disse que seria hoje?
Sabia que ela não ficaria feliz, mas não esperava que reagisse tão fortemente.
Já havia decidido que, acontecesse o que acontecesse, não contaria a ela sobre Hani-san ter roubado meu caderno. Não tinha provas, e se os outros descobrissem que era possível, isso poderia alimentar ainda mais o conflito entre as facções do Clube de Mangá. Claro, se eu não conseguisse recuperar o caderno no final, seria como jogar gasolina no fogo, mas por enquanto, ficaria quieta.
— Sinto muito mesmo. Achei que conseguiria terminar até agora, mas o rascunho ainda não está pronto...
Ela suspirou alto e de forma exagerada.
— Certo. Espero que você não esteja planejando desistir.
Havia, compreensivelmente, muito veneno na voz dela.
— Como assim?
— Tai chorou e fugiu, e Nishiyama foi quem nos traiu e contou tudo a todos. E agora você está aqui, dizendo que quer que eu espere ainda mais. Acho natural supor que você também possa estar tentando abandonar o projeto.
Embora ela tenha começado toda a confusão, acho que realmente senti um pouco de pena dela. Deixando tudo de lado, o fato é que não cumpri nossa promessa, e isso era minha culpa. Baixei a cabeça novamente.
— Desculpe.
— Ei, você vai fazer isso comigo, certo?
Eu entendia por que ela estava tão desesperada, mas era um pouco demais.
— Vim aqui para me desculpar com você. Não confia em mim?
Ela suspirou novamente, desta vez de forma mais natural.
— Desculpe, estou só um pouco nervosa.
— Eu também. Tudo bem.
— Então, quanto tempo você precisa?
Eu já estava na metade do rascunho, então, se conseguisse recuperar o caderno até segunda-feira, provavelmente terminaria até terça. Mas, se não conseguisse, teria que começar tudo de novo desde os diálogos. Se trabalhasse no fim de semana, assumindo que não teria o caderno de volta...
— Quarta-feira... sim, na próxima quarta.
Asanuma-san assentiu, com os olhos levemente baixos.
— Entendi. Desculpe, Ibara. Desculpe por tudo ter se complicado...
É verdade que ela organizou tudo, mas eu também fiquei feliz quando soube que teria a chance de desenhar. Não havia razão para ela se desculpar. Sem dizer nada disso, apenas respondi.
— Até mais.
E saí da sala.
Quando voltei para minha própria classe, o intervalo quase havia acabado, e a maioria dos estudantes já estava de volta às suas carteiras. A quinta aula era Educação Física. Caminhei até minha carteira, quase agradecida por poder me exercitar, e de repente notei passos se aproximando. Virei-me e vi Hani-san, sem um fio de preocupação na expressão. Ela começou a falar com uma voz alegre, do mesmo jeito de sempre.
— Maya-cchi, você está livre depois da escola hoje?
Fiquei pensando em como teria respondido se não estivesse emocionalmente preparada. Teria gritado: "Não mexa comigo!"
Ou teria ficado assustada com o que ela queria dizer com isso? Na verdade, nenhum dos dois aconteceu; eu estava até um pouco feliz que a previsão de Fuku-chan tivesse se concretizado. Graças a ele, consegui permanecer calma e respondi.
— Tenho serviço na biblioteca até às cinco. Estou livre depois, se tudo bem. Aconteceu algo?
Por um breve momento, Hani-san me observou atentamente — talvez achando que eu estaria mais abalada —, mas rapidamente voltou a sorrir.
— Desculpe, mas você poderia vir comigo a algum lugar depois da escola?
Inclinei a cabeça de forma pensativa e disse.
— Hm, não estou muito disposta hoje. O que está acontecendo?
— Queria devolver algo, e prefiro fazer isso mais cedo do que mais tarde.
Eu realmente não era boa com essa coisa de "sentir o outro". A cada palavra vazia, minhas bochechas esquentavam mais e mais, e eu mal conseguia conter minha raiva.
— Você tem razão. Quanto antes, melhor. O que quer que eu faça então?
Hani-san assentiu, satisfeita.
— Você conhece aquela loja, Byron?
— A confeitaria ao lado do centro cultural?
— Isso mesmo. Então isso vai ser rápido. Tem um pequeno café de chá lá dentro. Você pode se sentar mesmo que peça só chá — sabia disso? Queria te encontrar lá às 17h30. Está bom pra você?
Posso estar enganada, mas parecia que ela queria fazer algum tipo de "troca de refém" com o caderno. Ela tentou fazer parecer uma conversa de igual para igual, mas na realidade eu estava completamente sem poder. Queria, com dor, virar a situação contra ela e simplesmente recusar, mas me contive e devolvi um sorriso.
— Claro! Mal posso esperar.
— Eu sei, né? Então nos vemos às 17h30.
Embora fosse um encontro que eu costumava esperar, tudo pesava demais na minha mente. O sino tocou, e todas as meninas da classe começaram a se dirigir aos vestiários para se trocar.
*
Saí da escola às 17h05 e, enquanto caminhava rapidamente em direção à loja, muitas coisas giravam na minha cabeça.
Primeiro, sobre como Hani-san veio até mim primeiro, exatamente como Fuku-chan havia previsto. Ele me disse para esperar um pouco, mas bastou apenas um dia para a situação mudar de novo. O que diabos ela estava tentando fazer? Será que ela roubou meu caderno para usar como isca e me fazer encontrá-la? Duvido.
Não éramos especialmente próximas, mas se ela realmente quisesse conversar, eu teria aceitado sem fazer escândalo. Não haveria razão para roubar nada.
Talvez ela quisesse olhar dentro do caderno, para ver exatamente que tipo de mangá Asanuma-san estava fazendo? Se Hani-san tivesse me pedido para mostrar meu caderno, provavelmente eu teria inventado algum motivo para recusar. Quero dizer, é constrangedor. Roubar seria a única maneira dela conseguir isso?
Não, também não acho isso provável. Só porque eu tinha certeza de que seria teimosa e recusaria, não significa que Hani-san faria o mesmo. Para ela, faria mais sentido pedir primeiro. Não haveria razão para usar uma tática tão pesada desde o início.
Começava a parecer cada vez mais que eu estava presa em uma caixa, tentando descobrir o que Hani-san queria, então decidi tentar pensar em outra coisa. Provavelmente acabaria me sentindo horrível quando finalmente me sentasse e conversasse com ela no Byron.
Na verdade, agora que penso, não há garantia de que seríamos apenas nós duas. Não faço ideia de quantas pessoas estarão lá. O que devo fazer se chegar e encontrar o resto da facção de leitura me esperando com tacos pregados, dizendo.
— Então você veio. Acho que podemos te parabenizar pela coragem antes de quebrar sua cabeça!
Bem, provavelmente não seria assim.
Se elas quisessem se juntar para me atacar, seria provavelmente mais fácil na escola, então provavelmente não era isso. Ainda assim, não se limitar a Hani-san sozinha ainda era possível. Queria poder ir com alguém, tipo Fuku-chan, Chi-chan ou Asanuma-san. Não, esse é meu problema, então quero resolver o máximo que puder sozinha.
Como o horário que combinamos era trinta minutos depois do meu turno na biblioteca, não podia passar na livraria no caminho. Eu estava animada — ou melhor, ansiosa — por esse dia há algum tempo, mas não podia pedir para mais ninguém ir comigo.
Eu realmente queria resolver isso o quanto antes, mas 17h30 à tarde era meio complicado para mim. Minha mãe não diria nada mesmo que eu me atrasasse, mas sempre faz aquela cara de desapontamento. Enviei uma mensagem avisando que poderia me atrasar por causa do turno na biblioteca e da reunião do clube, mas queria muito chegar em casa antes do jantar, se possível.
Também não gostava do fato de ela ter escolhido o Byron. Kamiyama é uma cidade pequena, então não há muitas confeitarias de estilo ocidental. O Byron é considerado uma das poucas, e seus bolos sempre são comentados. Quando eu estava no ensino fundamental, meus pais me compravam um bolo do Byron todo ano no meu aniversário, sem falta, e os doces que levamos para a casa da Chi-chan outro dia também eram da mesma loja.
Era difícil pensar em uma loja que Hani-san e eu conhecêssemos e que fosse adequada para estudantes do ensino médio nos momentos de calor, mas eu não queria ter uma conversa tão deprimente em um lugar de boas memórias.
Mas acho que não tinha como evitar. No tempo em que pensei em tudo isso, acabei em frente às paredes brancas e telhados distintos do Byron. Olhei no relógio e eram 17h27. Quase atrasada. Como cheguei rápido, minha respiração estava um pouco ofegante e parecia que estava suando. Respirei fundo algumas vezes e passei o lenço na testa e no pescoço.
Bem, agora que cheguei até aqui, não adianta ficar nervosa. Não me importo se houver leões ou tigres me esperando. Vou bater neles, recuperar meu caderno e ir para casa. Bati levemente nas bochechas e entrei.
Boloses coloridos estavam alinhados nos balcões refrigerados da loja. Era a época do pêssego e quase das flores de cerejeira. Meus olhos percorreram os bolos de morango e chocolate, mas não senti animação. O uniforme da atendente era um vestido preto simples, com detalhe branco na gola, e um chapéu preto combinando; ela parecia quase uma freira.
Com voz tranquila e sorriso, disse:
— Bem-vinda.
— Hm, eu queria usar o café.
— Claro. Fica mais lá dentro.
Eu nunca tinha ido tão longe no Byron antes. Continuei andando por um corredor estreito e pouco iluminado na direção que ela apontou, até me deparar de repente com um espaço amplo.
O teto era alto, as janelas largas, e havia um grande relógio de pêndulo encostado na parede sobre o piso de madeira da sala. Hani-san chamava aquilo de um pequeno espaço, mas parecia mais um salão de eventos. Achei que já era um pouco tarde para o chá, pois mal havia alguém lá. Havia apenas uma cliente — uma garota com uniforme marinheiro, de costas para mim. Ela se virou lentamente, talvez ouvindo meus passos.
— Que bom que você veio, Ibara.
Meu corpo inteiro congelou. Não consegui dizer nada.
Eu disse que não me importava se houvesse leões ou tigres, mas não tinha ideia de que essa apareceria. Era a veterana do ensino médio de Kamiyama, ex-membro da Sociedade de Pesquisa de Mangás, Ayako Kouchi.
Ela sorriu suavemente e continuou.
— Não fique tão assustada. Hani não te disse nada? Ah, não se preocupe com isso. Eu pago a conta — afinal, sou sua senpai!
O conflito entre as facções de leitura e desenho na Sociedade de Mangás começou durante o festival cultural do ano passado, mas tudo realmente piorou quando Kouchi-senpai, líder de fato da facção de leitura, decidiu sair do clube antes dos outros veteranos. Depois que perderam a pessoa que atuava como "tampa" para o conflito, o clube começou a se despedaçar.
E essa pessoa estava bem ali agora, mencionando Hani. Eu não conseguia entender nada e fui tomada de repente pelo desejo de dar meia-volta e sair correndo pela porta. Kouchi-senpai acenou para mim com a mão.
— Não fique aí de boca aberta. Venha e sente-se logo.
Suas palavras eram calmas, mas havia um pouco de tensão na voz. Não parecia que ela quisesse brigar, mas eu não conseguia entender o que a fazia soar assim enquanto me aproximava cautelosamente de sua mesa.
Na frente dela havia uma xícara de chá preto, um bule decorado com flores e um único caderno. No assento vazio ao lado, uma sacola de papel com algo da espessura de uma revista de mangá repousava dentro. Não havia cardápios sobre a mesa redonda, mas a atendente de aparência de freira passou e entregou um para cada uma de nós.
Eu não estava com fome, então pedi apenas chá preto.
Quando ela voltou pelo corredor, Kouchi-senpai e eu éramos as únicas na sala. Lembrei-me subitamente do que Fuku-chan havia dito sobre minha situação ser semelhante ao relatório de livro de Oreki. O próprio relatório sugeria que a pessoa que puxava as cordas não era o rei, e parecia que, no meu caso, havia um manipulador por trás de Hani-san também. Embora eu soubesse que as duas eram amigas próximas.
Kouchi-senpai levou a xícara de chá aos lábios e depois a colocou de volta no pires com um pequeno tilintar.
— E então? Como anda a Sociedade de Mangás recentemente?
— Péssimo.
Talvez ela quisesse começar com uma conversa leve, mas não consegui evitar soltar a verdade. Há quanto tempo isso pesava na minha mente?
— Todos estão se insultando e se atacando. Estou completamente cansada disso. Por que você saiu, senpai?
Se Kouchi-senpai tivesse adiado a saída por um pouco mais de tempo, talvez o clube pudesse ter se recuperado antes de chegar a esse ponto. Não a odeio por isso; todos devem ser livres para entrar ou sair do clube quando quiserem. É só que não consigo evitar pensar que foi porque ela saiu que tudo isso aconteceu.
— É, bem… é…
Ela prolongou a resposta e então pegou a xícara para se servir novamente, parecendo tentar evitar o assunto.
Logo depois, a atendente trouxe meu chá preto.
— Recomendo esperar dois minutos antes de beber. Quer açúcar? — Perguntou.
Normalmente eu preferia açúcar no café e chá, mas dessa vez queria algo amargo.
— Não, obrigada.
A atendente saiu da sala mais uma vez. Eu não suportava o silêncio, então fui a primeira a falar.
— Você roubou meu caderno, senpai?
Seus olhos permaneciam fixos na xícara de chá. Ela respondeu.
— É, mais ou menos.
Eu estava prestes a perguntar o porquê, mas havia algo que precisava fazer primeiro.
— Devolve.
Antes de qualquer outra coisa, recusei continuar a conversa até que meu caderno fosse devolvido. Sua expressão parecia estranha, como se forçasse um pequeno sorriso, e ela respondeu.
— Claro — antes de colocar a mão sobre o caderno. — Mas não saia correndo assim que receber.
— Vai me obrigar pegando isso como refém?
— Acho que você está brava mesmo. Bem, não posso te culpar. — Ela soltou a xícara e lentamente se curvou à minha frente. — Me desculpe. Foi tudo minha culpa. Mas eu realmente quero que você me ouça.
Não planejava perdoá-la. Embora, dito isso, eu basicamente não soubesse exatamente pelo quê. Endureci a voz e disse.
— Certo. Ainda não estou exatamente feliz, mas vou ouvir.
— Obrigada. — Ela empurrou o caderno para o meu lado da mesa e continuou: — Eu não olhei dentro.
Assim que o caderno estava em minhas mãos, instintivamente o trouxe e segurei junto ao peito. Queria checar se estava tudo bem dentro, mas isso provavelmente pareceria que eu não confiava no que Kouchi-senpai disse, então decidi esperar. Havia apenas algumas anotações — nada que não pudesse ser substituído — mas assim que coloquei na minha bolsa, o fato de tê-lo recuperado finalmente se tornou real, e senti a tensão esvair do corpo. Eu precisava avisar Fuku-chan quando chegasse em casa para que ele não se preocupasse.
Tomei um gole do chá, devagar, sentindo o calor encher meu estômago de força, e então olhei diretamente para Kouchi-senpai.
— Então? Sobre o que você queria falar?
— Sim. — Seus olhos recuperaram a intensidade original enquanto me encarava. — Ibara.
— Sim?
— Saia da Sociedade de Mangás.
Então era isso.
Parei por alguns segundos e respondi.
— Então você roubou meu caderno para me ameaçar desse jeito?
— Uma ameaça, hein? Eu que estou errada aqui, então acho que não posso realmente contestar isso. — Ela suspirou e abaixou levemente a cabeça, um sorriso fraco nos lábios. — Você está pensando demais. Não é disso que se trata.
Não respondi. Ela olhou para cima novamente.
— Eu soube o que aconteceu com a Asanuma. Uma das garotas que ela convidou desistiu e contou tudo para a Hani. Hani me pediu conselhos, por isso sei mais ou menos o que aconteceu. Ela também me contou que a Asanuma te convidou para participar. Você parecia bem disposta.
Não diria que "bem disposta" era a melhor forma de descrever…
— Contanto que eu possa desenhar mangá…
— Então você não se importa onde? Você deveria se importar, pelo amor de Deus.
Fiquei em silêncio diante de sua firme desaprovação. Kouchi-senpai apoiou o braço direito sobre a mesa e se inclinou um pouco para frente.
— Você realmente tem tempo de sobra para ficar perdendo tempo com esse tipo de coisa inútil? Tudo o que a Asanuma quer é brigar pelo controle do clube — você percebe isso, né?
Quis argumentar que Asanuma-san realmente se importava com mangá à sua própria maneira, mas não consegui. Eu nunca tinha lido o mangá dela, nem sabia que tipo de mangá ela gostava. Pensando bem, acho que nunca sequer tive uma discussão decente com ela sobre mangá. A forma como Kouchi-senpai se expressava realmente me incomodava, no entanto.
— Então por que eu não teria tempo suficiente? Há algo mais que eu deveria estar fazendo em vez disso?
— Você precisa melhorar seu próprio mangá. Se você seguir o plano da Asanuma e trabalhar em algum projeto idiota, basicamente estará perdendo tempo, certo?
Fiquei chocada. Acho que isso não apareceu no meu rosto, mas Kouchi-senpai continuou com paixão, como se pudesse perceber meus sentimentos.
— Nada de bom virá se você continuar trabalhando nisso. …
— A Sociedade de Mangás só está te segurando.
Claro que eu estava ciente do que estava acontecendo. Houve momentos em que imaginei todas as histórias interessantes que poderíamos ter feito se todos não estivessem se atacando — não, estaria mentindo se dissesse que não imaginava essa possibilidade a cada segundo no clube. Mas, mesmo admitindo isso, definitivamente não acho que eles estejam me segurando de forma alguma.
E ainda assim, minha resposta foi tão pateticamente fraca.
— Isso… não é verdade.
Kouchi-senpai percebeu também.
— Você está tentando defender seus amigos? Ou acha que desistir agora significaria abandonar no meio do caminho? Então deixa eu acrescentar uma coisa: assim como o clube não está fazendo nenhum bem para você, você também não está fazendo nenhum bem para o clube. Talvez você não seja a razão principal de tudo isso, mas com certeza faz parte disso.
Ela provavelmente estava falando sobre quando me derramaram água suja durante o festival cultural, resultado da nossa discussão. Claro, isso acabou dividindo ainda mais as facções, mas foi um acidente, e não havia nada que eu pudesse ter feito a respeito.
— Você não faz ideia do que estou falando, né. Nosso time de beisebol é bem fraco. Não concorda?
O assunto mudou de repente, e por um momento fiquei sem palavras.
— É… acho que ouvi algo assim.
— Não é surpresa, na verdade. O Colégio Kamiyama é só uma escola de passagem, então faz sentido que nosso time de beisebol esteja nesse nível também. Situações assim são bem típicas. Agora, e se um gênio esportivo único na geração — do tipo que se destacaria até nas escolas mais fortes — entrasse no nosso time? O que você acha que aconteceria então?
Ela me deu um momento para pensar, e então continuou.
— O resto do time seria inspirado a treinar cada vez mais até finalmente ficarem mais fortes? Que nada. Esse tipo de coisa só acontece em mangá. Nove em cada dez vezes, eles têm plena consciência de seus limites, e o máximo que conseguem é ser um incômodo para o gênio.
Acho que ela estava falando sobre a atual Sociedade de Mangás do Colégio Kamiyama.
— Eu… — comecei com dificuldade — eu não sou nem de longe um gênio único na geração.
— Sim, eu concordo que te chamar assim seria exagero — Kouchi-senpai concordou imediatamente. Mas ela rapidamente acrescentou: — Mas o fato é que você tem a menor faísca, o menor vestígio de genialidade dentro de você. Pelo menos, você é tão talentosa quanto eu.
Eu já tinha lido o mangá de Kouchi-senpai antes.
Chamava-se Bodytalk. Eu achei bom. Muito bom.
— Você é muito melhor que eu — disse.
— Bem, é porque eu sou sua senpai. Olha, ser humilde é bom e tal, mas você precisa começar a se enxergar objetivamente.
Ela levou a xícara de chá aos lábios e fez um som suave enquanto olhava para o chá. A xícara tremeu ligeiramente enquanto ela a segurava, e falou como se sussurrasse.
— Eu… quero me tornar profissional. Eu sou péssima agora, mas quero realmente melhorar.
Ouvir as palavras "eu sou péssima" saindo de Kouchi-senpai assim me fez perder a compostura mental. Muitas coisas aconteceram entre nós, mas isso nunca me fez gostar menos de seu mangá. Ela tem um senso de humor incrível, e sempre que eu o lia em momentos difíceis, me fazia sorrir; e quando eu o lia estando feliz, podia até me deixar pensativa.
— Eu não consegui sair da Sociedade de Mangás — disse — E, assim como você, não consegui desenhar mangá enquanto todos brigavam. Eu não conseguia me impedir de querer ficar, Deus sabe por quê. Eu não conseguia deixar nada para trás.
Ela olhou diretamente nos meus olhos, como se tentasse me convencer de algo.
— Eu realmente me arrependo. Usei dois dos meus três anos no ensino médio naquele lugar.
No silêncio que se seguiu, parecia que ela queria me mostrar que eu também tinha usado um dos meus anos.
Sua mão se fechou em punho.
— Eu precisava desenhar mais. Por isso eu saí. Também tenho talento — pode ser uma faísca minúscula, quase inútil, mas precisava valorizá-lo, não importa o quê.
Valorizar seu talento…
É tão difícil, senpai. É incrivelmente assustador virar as costas para seus amigos assim e começar a colocar toda a confiança nesse talento incerto. É isso que ela está fazendo? É isso que ela quer que eu faça?
De repente, a voz de Kouchi-senpai tornou-se estranhamente alegre.
— Você também deveria sair, Ibara.
— Mas…
— Saia da Sociedade de Mangás e trabalhe comigo.
Fiquei sem palavras. Ouvi direito? Ela continuou sem se repetir.
— Você se lembra de A Corpse by Evening, certo?
Não havia como esquecer. Comprei quando visitei o festival cultural do Colégio Kamiyama como estudante do ensino fundamental; era muito importante para mim. A percepção de que uma estudante do ensino médio podia criar algo incrível assim mudou minha forma de pensar, e me fez entrar na Sociedade de Mangás sem pensar duas vezes ao começar o ensino médio. Claro que agora percebo que deveria ter refletido melhor, pois a autora de A Corpse by Evening na verdade não estava no clube.
Ao mencionar isso, a expressão de Kouchi-senpai pareceu escurecer ligeiramente.
— Foi lendário. Eu nem conseguia ler direito, e isso também te impressionou. Agora é minha vez. Minha… e sua.
Um arrepio percorreu minha espinha.
Ela levantou um único dedo.
— Duas coisas sairão disso. Primeiro, ao contrário de seguir o plano da Asanuma, isso nos dará experiência valiosa a ambas. Pelo que vi, seus diálogos tendem a ficar sobrecarregados porque você tenta dizer tudo. Quanto a mim — como posso dizer — meu mangá não empolga muito as pessoas. Tenho alguns hábitos bem ruins. Mas nós duas definitivamente vamos ganhar algo com isso.
Então ela levantou o segundo dedo.
— Além disso, assim como A Corpse by Evening, isso vai inspirar novos alunos por anos a fio. A Sociedade de Mangás está em estado lamentável agora, mas seremos nós a passar adiante sua tradição.
Ela está falando sério?
— Você vai vender isso no festival cultural?
Ela assentiu.
— Isso mesmo.
Fazer isso provavelmente ia contra as regras da escola, mas havia um problema ainda maior.
— Todo mundo do clube não vai nos odiar se fizermos isso?!
Eu não tinha ouvido nada sobre o fato de que a autora de A Corpse by Evening não fazia parte da Sociedade de Mangás, mas se eu não só saísse do clube, como também vendesse meu próprio mangá no festival, basicamente estaria provocando todos que comprassem livros.
Ela manteve a compostura.
— Por isso estou dizendo que você deveria sair — se você continuar tentando protegê-los, nunca vai conseguir desenhar o que quer. Claro que eles vão nos odiar. E daí? Não é como se fossem nos bater ou algo assim. Na verdade… você acha que poderiam? Ah, bom, um soco não deve ser tão ruim assim.
— Tudo o que eu quero é desenhar mangá, no entanto.
— Já é um pouco tarde para isso. Só por querer desenhar mangá, você já é a estranha, e muita gente já não suporta você. Se você não gosta disso, precisa escolher uma das duas opções: ou você desiste de desenhar ou melhora e cala a boca de todo mundo.
Não é que eu não entendesse; é só que é difícil ouvir algo tão direto assim.
— E, sinceramente — ela continuou — ninguém naquele clube sequer leu os mangás em que você colocou todo seu coração e dedicação. Tudo bem. Tudo bem. Se só pedirmos para alguém vender por nós, ninguém vai descobrir.
Agora que ela mencionou, na Sociedade de Mangás circulavam várias fanfics. Faltavam quatro meses para o festival cultural, e se eu trabalhasse com Kouchi-senpai nisso, o design provavelmente ficaria bem diferente do que eu normalmente fazia, então acho que… talvez até fosse aceitável.
Bebi um pouco de chá para acalmar os nervos.
— Mas isso significa que eu vou ter que dizer para Asanuma-san que não vou ajudá-la… não sei se…
— Se você conseguir? Odeio dizer, mas quando ela estava tentando recrutar pessoas para o projeto dela, estava dizendo que você seria a responsável por compilar tudo.
Isso é novidade para mim.
— Olha, você só está sendo usada. Ainda vai ser leal à Asanuma depois de tudo isso?
Acho que eu já sabia vagamente que era o caso, mas pensando no almoço de hoje, não poderia simplesmente virar as costas para ela.
— Pedi para Asanuma-san me esperar. Não posso simplesmente sair do clube e recusar trabalhar com ela depois disso.
Ela soltou um longo suspiro.
— Acho que não há nada que eu possa fazer a respeito. Você fez quatro páginas para o festival cultural no ano passado, não foi? Fez para a antologia que acabamos não fazendo por causa do que aconteceu.
Na verdade, fiz, agora que ela mencionou. Criei algumas tirinhas de quatro quadros que introduziam a Sociedade de Mangás, sem nenhuma obrigação real de fazê-lo, mas a antologia foi cancelada logo depois por causa de um desentendimento, então guardei tudo.
— Só dê isso para ela — continuou — Mesmo que diga que escreveu no ano passado, tenho certeza de que ela não reclamaria.
Entendi… Estou surpresa que ela tenha se lembrado disso — até eu havia esquecido.
Antes de dar minha resposta, havia algo que eu precisava perguntar.
Talvez Kouchi-senpai estivesse me ajudando porque eu estava tão envolvida no que estava acontecendo no clube. Ou talvez ela só quisesse fazer mangá com sua aluna quase incapaz. Qualquer uma das opções me deixaria feliz, mas até agora, ainda não encontrei nada que me fizesse querer perdoá-la.
Enchi novamente a xícara agora vazia até a borda e deixei descansar por um momento antes de tomar um gole. Respirando fundo, olhei para ela.
— Ok, entendi. Só uma pergunta, senpai.
— Hm?
— Por que você roubou meu caderno, então?
Quando eu imaginava toda a aflição e raiva que essa pessoa me fez passar ontem depois da escola, perdia cada vez mais a capacidade de confiar e trabalhar com ela.
Os olhos de Kouchi-senpai escureceram.
— Ouvi dizer que você estava em dúvida quando Asanuma pediu sua ajuda para fazer o mangá dela, então fiquei um pouco preocupada. Se você tivesse concordado em ajudar, eu teria perdido minha chance de te convencer. Você é teimosa assim. Teria se recusado a sair do clube e não teria se unido a mim. Por isso pedi à Hani que fizesse algo para impedir que você desse sua resposta até a sexta-feira à noite.
Ela suspirou levemente e continuou.
— Por favor, não odeie a Hani. Ela só fez isso porque eu pedi. Se serve de consolo, eu também não fazia ideia de que ela faria algo assim. Se eu tivesse explicado a situação melhor para ela, talvez ela tivesse feito algo menos drástico, mas muito disso é difícil de explicar…
Acho que ela não contou nada para Hani-san sobre querer se juntar a mim para lançar um mangá no festival. Se fossemos fazer isso, precisaríamos ser discretas. Quanto menos gente soubesse, melhor.
Eu seguia a explicação de Kouchi-senpai bem o suficiente, mas ainda havia uma coisa que não fazia sentido.
— Por que até sexta-feira à noite?
Ela provavelmente soube que eu daria minha resposta para Asanuma-san na sexta-feira depois da escola, então a única maneira de ganhar tempo era mexendo no meu rascunho. Deixando de lado como eu me senti com isso, o raciocínio dela pelo menos fazia sentido. O que eu não entendia era por que ela queria adiar até aquela noite.
— É porque, bem…
Kouchi-senpai piscou algumas vezes, me olhando como se eu tivesse perguntado a coisa mais óbvia do mundo. Ela então murmurou.
— Ah, é verdade — murmurou, enquanto pegava o que estava dentro do saco de papel sobre o assento vazio ao lado dela.
Naquele instante, todo o meu corpo se agarrotou. Na mão dela estava a edição de junho da revista mensal de mangá La Shin, cuja capa foi ilustrada por Yutaka Niiro.
— Porque hoje é dia de lançamento.
De fato, hoje era 18 de maio, o dia em que a La Shin chegava às bancas. Não só isso, mas a edição de junho trazia os resultados do Prêmio Novo Mundo. Como eu estava motivada pelos resultados da última vez, também havia enviado outro mangá desta vez, então estava realmente ansiosa para receber hoje. E ainda assim, por que eu estava olhando para isso agora?
Um pequeno sorriso provocativo apareceu nos lábios dela — provavelmente ela estava gostando de me ver confusa assim — e disse:
— Parabéns pelo seu prêmio de participação da última vez, Kazuru Ihara.
Soltei um pequeno grito sem querer. Ela continuou, quase parecendo irritada comigo.
— Não fique tão surpresa. Quantas vezes você já enviou trabalhos sob esse nome? Você até fez isso naquele evento em Ohsu, não foi? Eu também leio La Shin, sabia. Claro que eu ia perceber.
Quem poderia imaginar que ela teria descoberto?
Kouchi-senpai fixou o olhar na capa da La Shin.
— Vi seu nome na edição de março, e me perguntei o que diabos eu tenho feito da minha vida. Bem, todo mundo do clube começou a brigar assim que eu saí, então acho que dá para dizer que eu era bastante importante para manter a paz à minha maneira, mas não tinha tempo para ficar fazendo esse tipo de coisa. No segundo em que percebi isso, eu desisti.
Ela colocou a mão sobre a revista.
— Porque vi aquele "boa sorte na próxima submissão" na sua avaliação, me caiu a ficha de que você provavelmente vem enviando trabalhos há bastante tempo. Então pensei — embora, honestamente, achasse que as chances eram pequenas — que, se você tivesse conseguido o prêmio principal nesta edição, não haveria motivo para perder tempo se juntando a mim. Claro que você deveria tentar se profissionalizar o quanto antes. Por isso queria esperar até o dia do lançamento para falar com você sobre isso. Se tivéssemos concordado em ser parceiras antes, e você tivesse ganho o prêmio, imaginei que provavelmente teria tentado ficar comigo por obrigação.
Meus olhos estavam grudados na edição de junho da La Shin à minha frente. Mal ouvi qualquer coisa do que ela dizia. Ela sorriu levemente e empurrou a revista na minha direção.
— Acho que você está curiosa. Quer ler?
— Sim, por favor.
— Eu já vi.
— C-Como foi?
Ela me devolveu o sorriso em silêncio. Peguei a cópia da La Shin e folheei até a última página para conferir o índice. Nem consegui fingir que estava relaxada, e abri na página que anunciava os vencedores:
15º Prêmio Novo Mundo: The Strange Tale of the Cold Sea, de Enma Haru.
Procurei meu nome entre os segundos colocados… e não havia nada.
Olhei entre os prêmios de participação e…
Coloquei a revista de volta sem dizer uma palavra.
— É difícil. Eu sei — disse ela em uma voz suave, daquelas que só alguém que passou pela mesma experiência consegue ter — Então, vai se juntar a mim?
— Sim.
— Bom.
Ayako Kouchi-senpai assentiu firmemente.
— Ibara, vamos criar uma lenda. Um volume lendário que vai perdurar no Colégio Kamiyama. E então…
— Ficaremos ainda melhores. Certo?
O sorriso que surgiu no rosto dela foi o melhor que ela já havia me mostrou.
Então eu saí da Sociedade de Pesquisa de Mangás
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