Hyouka Japonesa

Autor(a): Honobu Yonezawa


Volume 6

Capítulo 1: O Que Está Faltando na Caixa

NÃO SOU DO TIPO DE PESSOA QUE se lembra claramente das coisas que já aconteceram. Mesmo que alguém me dissesse com toda certeza que algo aconteceu, seja na época da escola primária ou do ensino fundamental, muitas vezes eu só conseguiria encará-los com um olhar vago e responder, incerto: — É mesmo? — Ainda assim, embora houvesse experiências que compartilhei com outras pessoas, às vezes eu era o único capaz de guardar lembranças lúcidas delas com o passar do tempo. Não havia como saber o que separava aquilo que eu acabaria esquecendo daquilo que eu sempre lembraria.

Ao vasculhar minhas memórias — através do cinza aparentemente infinito de lugares e eventos incertos — havia momentos ocasionais de lembrança vívida. Na maioria das vezes, eram eventos como festivais esportivos, passeios durante o dia e excursões escolares por trilhas na floresta. Outras vezes, tratavam-se de acontecimentos insignificantes, que eu nem considerava importantes, mas que, através do lento desgaste do tempo, ainda assim encontravam um lugar especial e firme na minha memória. Eu não conseguia evitar uma certa admiração pela tenacidade dessas lembranças.

Por outro lado, percebia que também havia momentos em que eu me lembrava com clareza de um único fragmento de um dia completamente comum — um dia que, na época, era indistinguível de qualquer outro. Diferente das memórias detalhadas, como artigos de revista que registravam eventos, essas eram extremamente fragmentadas, desprovidas de qualquer orientação. Mesmo assim, eram difíceis de esquecer — lembranças parecidas com uma velha fotografia que você não consegue se desfazer. Por exemplo, assistir incansavelmente aos redemoinhos formados pelo choque das águas dos canais durante o verão; a imaginação vibrante provocada por fileiras de imponentes livros inatingíveis nas prateleiras da biblioteca durante o inverno; disputar com um amigo o último exemplar de um livro numa livraria no caminho de casa e, no fim, ambos desistirem dele no outono...

O que exatamente separava essas memórias das incontáveis outras que foram esquecidas?

E havia também aqueles momentos em que um sentimento súbito me tomava: "Talvez eu nunca me esqueça disso." Será que eu sempre vou me lembrar daquela noite de junho, em que caminhei pelas ruas da cidade envolto por uma brisa morna? Bem, acho que não poderei confirmar esse sentimento até que tenham se passado dez, vinte anos.

Tudo começou com uma única ligação.

*

 

Preparei yakisoba para o jantar naquela noite.

Durante a tarde o tempo estava limpo, mas nuvens começaram a se acumular ao entardecer, e pareciam impedir o calor de escapar para o céu. O ar noturno, então, estava úmido e abafado, mesmo sem o sol. Como todos os outros da minha família tinham seus próprios compromissos, eu estava sozinho em casa. Cozinhar parecia um incômodo, então dei uma olhada na geladeira na esperança de encontrar sobras ou algo que não exigisse muito esforço, e acabei encontrando macarrão gelado próprio para yakisoba.

Achei uma alface murcha, cogumelos enoki ressecados e bacon velho. Cortei tudo em tiras finas. Esquentei uma frigideira com um pouco de óleo e joguei o macarrão primeiro, deixando-o ali por um tempo. Vapor branco começou a subir da frigideira, o que me deixou um pouco ansioso, já que não tinha colocado água, mas consegui ignorar essa preocupação e esperei alguns minutos enquanto ele cozinhava, separando os fios de vez em quando.

Depois de pronto — crocante, quase queimado — transferi tudo de uma vez para um prato e comecei a refogar os outros ingredientes. Quando terminaram de cozinhar, empurrei-os para a lateral da frigideira com hashis de cozinha e despejei molho shoyu no espaço vazio. Quando começou a ferver, aquele cheiro característico se espalhou pela cozinha e tomou conta do ar com o aroma do yakisoba. Finalmente, juntei o molho ao macarrão e misturei levemente.

Pronto, uma porção servida.

Levei o prato da cozinha até a sala e peguei um par de hashis, junto com um copo de chá de cevada, para finalizar os preparativos. Sobre a mesa, havia um tipo de cartão-postal para minha irmã, com os dizeres: "Aviso de Reunião da Turma 3-I."

Não queria nem imaginar o que ela me diria se eu acabasse derrubando molho nele, então o coloquei no suporte de cartas. Enfim, estava pronto para comer sem mais distrações. Juntei as mãos e, no momento em que peguei os hashis, o telefone começou a tocar.

Olhei para o relógio na parede — sete e meia em ponto. Que ousadia de alguém ligar justamente na hora perfeita para o jantar... Além disso, eu era o único em casa, então quem quer que fosse provavelmente nem encontraria quem procurava. A princípio, pensei em simplesmente ignorar e continuar comendo o yakisoba fumegante, mas a insistência da chamada era tamanha que comecei a me sentir culpado por não atender.

Se era pra fazer isso, que fosse rápido. Suspirei, larguei os hashis e me levantei para atender o telefone.

— Alô?

— Olá, o Oreki-kun está...?

Achei que a ligação fosse para meu pai ou minha irmã, mas a voz do outro lado era muito familiar. Talvez por reconhecer minha voz ou pela atmosfera entre nós, a pessoa rapidamente deixou o tom formal e falou como de costume.

— Houtarou?

— Sou eu.

— Ufa, que alívio. Não achei que você fosse atender. Se fosse sua irmã, eu não saberia o que dizer.

Embora isso tenha sido um alívio para Satoshi Fukube, eu não podia dizer o mesmo de mim.

— Desculpa, mas a cada segundo que falo com você, meu yakisoba esfria mais e mais.

— O quê?! Yakisoba?! Que tragédia!

Sim, uma tragédia mesmo.

— Fico feliz que entenda. Então, vá direto ao ponto.

Havia um riso na voz dele.

— Você não teria esse problema se tivesse um celular. Mas enfim... não era sobre isso que eu queria falar. Tava pensando se você não gostaria de dar uma voltinha comigo. Tá livre depois disso?

Como eu não era do tipo que saía à noite, raramente deixava a casa depois do jantar. Mas também não era algo inédito. Pensando bem... é verdade. Já tinha saído para uma caminhada noturna com Satoshi antes. Olhei para o relógio de novo. Levaria uns quinze minutos para terminar o yakisoba, e um tempinho depois pra me trocar.

— Posso sair por volta das oito.

— Beleza. Que bom ouvir isso. Quer que eu passe aí?

Pensei na distância entre nossas casas. Ele certamente viria até aqui, já que foi ele quem me chamou, mas não havia motivo pra fazer ele passar por isso. Imaginei um ponto mais ou menos equidistante entre nós.

— Vamos nos encontrar na Ponte Akabashi.

— Fechado. Seria um pecado deixar seu yakisoba esfriar mais, então continuamos a conversa depois. Até!

A ligação terminou ali mesmo, sem hesitação ou despedidas formais. Ele provavelmente percebeu que continuar falando só me irritaria — essa sensibilidade era bem típica dele. Quando voltei à mesa, a superfície do yakisoba realmente havia esfriado. Mas, com uma simples mexida, o calor voltou a subir do prato.

*

 

A luz da lua atravessava as nuvens finas no céu, e uma brisa úmida soprava entre as casas ao redor. Tinha saído de casa usando uma camisa de lã, mas logo senti calor apesar da brisa noturna, então troquei por uma de algodão. Embora os bolsos da minha calça chino não fossem grandes o suficiente para a carteira, a ideia de carregar uma bolsa me parecia um incômodo. Ao mesmo tempo, não podia confiar que o Satoshi me bancasse caso precisássemos gastar com algo, então peguei duas notas de mil ienes da carteira e coloquei no bolso da camisa. Enfiei os polegares nos bolsos da calça e saí de casa no horário combinado.

A noite caía cedo em Kamiyama, e as ruas estreitas já estavam mergulhadas em silêncio suave. Mesmo sem pressa, cheguei ao ponto de encontro em menos de dez minutos. Apesar do nome "Ponte Akabashi" significar literalmente "ponte vermelha", era um nome muito comum e, na realidade, aquela ponte nem se chamava assim. Era chamada assim porque era pintada de vermelho, e seu nome verdadeiro havia sido facilmente esquecido. Durante a tarde, o local costumava ser movimentado por conta dos bancos e do correio por perto, mas não fazia ideia de que ficava tão vazio à noite. Olhei para a ponte vermelha iluminada pelos postes, mas não vi ninguém lá.

Estranho... pensei, achei que ele tivesse saído antes. Enquanto olhava ao redor, senti uma mão tocar meu ombro por trás.

— Boa noite...

Seria mentira dizer que não me assustei, mas também não foi nada demais. Talvez eu tenha sentido o ataque surpresa quando não o vi à primeira vista. Sem nem me virar, respondi.

— Oi.

— Poxa, que frieza. Cadê o carinho? — Satoshi apareceu na minha frente com um sorriso no rosto, mas parecia haver algo escondido por trás daquele sorriso. Seus olhos não encontraram os meus; estavam fixos na ponte enquanto ele continuava. — E agora, pra onde vamos?

— Deixo com você.

Como não tinha experiência com esse tipo de passeio noturno, não fazia ideia do que seria normal. Satoshi virou o rosto.

— Vai ficar mais movimentado se a gente for em direção ao centro... mas acho melhor evitarmos as ruas cheias de bares. São meio assustadoras.

— Provavelmente, sim, senhor Vice-Presidente do Comitê Geral.

— Tem um restaurante familiar seguindo pela via expressa... Fica aberto 24 horas.

Mas era longe. Não daria para ir a pé, só de carro ou bicicleta. No entanto, parecia que ele não falava sério, porque logo acrescentou:

— Bem, vamos ver pra onde o vento nos leva.

E eu realmente não me importava com isso.

Satoshi atravessou a Ponte Akabashi e começou a seguir uma pequena trilha que subia ao longo do rio da cidade. Havia mais água do que o normal, provavelmente por causa da estação das chuvas, e eu podia ouvir o som forte da correnteza. Não havia postes de luz naquela parte da cidade, então eu só podia contar com o brilho que escapava das janelas fracamente iluminadas das casas ao redor e com a lua, às vezes escondida, para enxergar meu caminho.

Dito isso, meus olhos acabaram se acostumando com a escuridão. Passamos por um nó retorcido em uma cerca de madeira envelhecida, por um curioso bar de saquê com uma bola tradicional de folhas de cedro entrelaçadas pendurada nas beiradas como sino de entrada, e pela frente de um balneário público decadente com uma placa de FECHADO caída de lado. Caminhávamos devagar pela noite da cidade.

Foram construídos taludes dos dois lados do rio, parecendo grandes paredes de pedra. Várias árvores estavam plantadas em fileiras ao longo da margem, e algumas se curvavam sobre a superfície da água, como se estivessem se lançando para fora da procissão em busca de luz solar. De repente, parei e apoiei a mão em uma dessas árvores à beira da estrada. Sua superfície era cheia de saliências rígidas, e suas folhas tinham o tamanho parecido com as de um shiso. Era uma cerejeira. Aposto que esse lugar é bem popular para ver a floração das cerejeiras, e essas ruas bem cuidadas devem ficar bastante animadas nessa época. No entanto, naquele momento, apenas Satoshi e eu caminhávamos por elas, e essas árvores que já haviam perdido suas flores nem seriam reconhecidas por sua verdadeira natureza sem uma observação mais atenta. Parecia um pouco triste, mas o que se pode fazer? O tempo não para.

Afastei minha mão do tronco da árvore e perguntei.

— Então, o que houve? — Satoshi obviamente não me chamara para uma caminhada só para curtir a noite.

Claro, nossa amizade já durava um tempo, mas não era tão profunda assim. Raramente fazíamos planos para os fins de semana, e quando voltávamos juntos da escola, era geralmente porque saíamos no mesmo horário. O fato de Satoshi ter me chamado desse jeito quase certamente significava que ele tinha algo para contar — e mais do que isso, era algo urgente demais para deixar para o dia seguinte ou confidencial demais para falar perto de ouvidos curiosos na escola.

O Satoshi que eu conhecia costumava enrolar, mas naquela noite não foi o caso.

— Estou numa situação complicada — disse ele, voltando a andar.

— Não quero me meter em encrenca.

— Encrenca, é? No mínimo, posso afirmar com certeza que estou em uma situação encrencada. Mas a parte mais complicada disso tudo... é que você não tem absolutamente nada a ver com isso.

Sem entender direito o que ele queria dizer, franzi levemente a testa. Ele deu de ombros e continuou.

— Em outras palavras, o problema é que preciso pedir sua ajuda, Houtarou, mesmo sabendo que você não tem nenhum envolvimento com isso.

— Entendi. Se eu aceitasse seu pedido...

— Estaria indo contra seu lema: “Se não precisa fazer, não faça”.

O que Satoshi disse estava correto em teoria, mas eu já tinha devorado meu yakisoba às pressas só para encontrá-lo na cidade. Se eu realmente pretendesse recusá-lo sem nem ouvir a história, provavelmente estaria em casa agora, lavando a frigideira suja de molho.

— Bem, pelo menos pode me contar o que está acontecendo.

Satoshi assentiu.

— Você é bom demais comigo. Lembra que hoje foi a eleição para presidente do conselho estudantil, certo?

— É...

Embora tivesse acontecido há apenas algumas horas, eu já tinha praticamente esquecido. Após o fim das aulas, votamos para eleger o próximo presidente do conselho estudantil, já que o mandato do anterior, Muneyoshi Kugayama, estava se encerrando.

Na Colégio Kamiyama, o período eleitoral durava uma semana. Durante esse tempo, os candidatos colavam pôsteres por todo o colégio, faziam seus discursos em assembleias gerais e debatiam entre si pelo sistema de som, via o clube de transmissão. Tudo isso terminou ontem, e hoje foi o dia da votação.

— Lembra dos candidatos?

Me esforcei para lembrar a resposta à pergunta de Satoshi.

— Eram dois... não, três, acho.

Ele sorriu, quase com tristeza.

— Eu estava esperando pelos nomes, mas pensar que você nem lembrou quantos eram... A resposta certa é dois. Mas acho que só saberia se prestasse atenção. Nossa escola é cheia de clubes estranhos, e o conselho estudantil acaba não se destacando muito.

— É verdade. Os dois candidatos eram do segundo ano, também.

— Você se lembra disso? É natural. Os calouros chegaram só em abril, e os veteranos agora vão se ocupar com as provas.

Ouvindo a explicação, realmente parecia óbvio.

— Foi uma disputa entre Haruto Obata da turma D e Seiichirou Tsunemitsu da turma E. Você pode achar que tudo terminou com a votação, mas eu fui um dos responsáveis pela contagem dos votos.

Eu não estava muito interessado em como funcionava a eleição do conselho estudantil nos bastidores, mas aquela afirmação despertou minha curiosidade. O versátil Satoshi Fukube estava envolvido em vários clubes e grupos, só por diversão. Especificamente, era membro dos clubes de Clássicos e de Artesanato, além de atuar no comitê geral desde o primeiro ano. Agora, servia até mesmo como vice-presidente, ainda que de forma um tanto informal. Mesmo eu, por mais alheio que fosse às organizações da escola, lembrava que existia um comitê administrativo para as eleições.

— O que aconteceu na eleição? — Perguntei.

Assim que falei, Satoshi sorriu.

— Claro, é o comitê de administração da eleição que fica responsável pelas urnas e pela contagem dos votos. Eu era encarregado da supervisão. Segundo as regras da escola, é obrigatório que ao menos dois alunos supervisionem a contagem. A única exigência para esse cargo é não ser candidato nem membro do comitê eleitoral. Antigamente, parece que qualquer um podia se voluntariar. Mas agora virou costume delegar essa função ao presidente e vice do comitê geral. Acho que seria trabalhoso demais ter que procurar voluntários toda vez.

Embora ele tivesse explicado tudo com muita naturalidade, foi justamente essa fluidez que me deixou desconfiado. Afinal, estávamos falando do Satoshi... Como se percebesse minha dúvida, ele rapidamente acrescentou.

— É sério! Não estou mentindo. Nem um pouco!

— Tá, tá. E aí?

— Houve um problema na contagem — disse ele. — Atualmente, a Escola Kamiyama tem 1.049 alunos, ou seja, 1.049 eleitores.

Quando entrei, havia 350 calouros divididos em oito turmas, então o número de Satoshi parecia razoável se considerássemos os três anos letivos.

Ele soltou um suspiro forçado.

— Então, somamos os votos... e descobrimos que foram feitas 1.086 submissões.

— Como...?

Escapou da minha boca antes que eu percebesse. Eu entenderia se houvesse menos votos do que alunos — alguns poderiam ter se abstido, afinal. Mas mais? Satoshi assentiu com seriedade.

— Não faço ideia. Levando em conta os alunos ausentes, os que saíram mais cedo e os que simplesmente não quiseram votar, tudo bem se o total fosse menor. Mas se temos mais votos do que o número possível, não dá pra dizer que foi só um erro simples.

Ele fez uma pausa por um segundo e então continuou:

— Alguém fez isso por pura maldade.

Não respondi nada.

Assim como Satoshi havia dito, apenas com as informações que eu tinha até o momento, era difícil acreditar que essa situação tivesse ocorrido por um simples erro. Dizer que foi por maldade parecia exagero, e era mais provável que tivesse sido uma pegadinha impulsiva ou algo do tipo. O que parecia certo, no entanto, era que alguém, de alguma forma, havia adulterado os votos.

— Na verdade, a contagem final mostrou que a diferença entre os votos coincidia quase exatamente com o número de votos em branco, e se os ilegítimos fossem todos em branco, então isso significaria, claro, que o resultado não teria mudado de qualquer forma. O problema é que não há margem de manobra nisso — se for comprovado que algo fora das regras aconteceu, o comitê de administração da eleição terá que realizar uma nova votação. Eu realmente não me importo com quem inseriu os votos ilegítimos... Apesar de eu nem conseguir compreender o motivo da pessoa por trás disso, duvido que consiga descobrir quem foi no fim das contas. O que eu preciso descobrir é como ele conseguiu inserir aqueles votos em primeiro lugar.

...

— A parte mais preocupante é que, como o controle dos boletins oficiais foi tão relaxado, qualquer um poderia ter criado novos. Afinal, tudo o que você precisava fazer era marcar o papel com o carimbo oficial, e dava pra encontrar esse carimbo largado na sala do conselho estudantil. Mas como conseguiram misturar esses boletins no meio dos outros? Há uma falha em algum lugar no processo de eleição para presidente do conselho estudantil do Colégio Kamiyama. Enquanto continuarmos deixando essa brecha aberta, esse tipo de coisa continuará sendo possível e, mesmo que as próximas eleições ocorram sem problemas, nunca poderemos ter certeza de que não houve algum voto ilegítimo perdido por aí.

— Faz sentido.

— Pensei bastante nisso, mas cheguei a um beco sem saída em todas as direções. Por isso, mesmo não querendo, te chamei, Houtarou.

Satoshi parou de falar. Se era só isso que ele tinha pra dizer, então eu já havia entendido bem a situação. Cocei a cabeça e olhei para a lua espiando por entre as nuvens, antes de baixar o olhar para os meus pés.

— Acho que já está na hora de voltar pra casa — falei.

*

 

O caminho estreito seguia reto ao longo do rio e passava por duas pontes. Estávamos indo contra a correnteza, mas até onde ele continuava assim? Suponho que já era tarde demais para partir numa aventura em busca da nascente.

— Você vai voltar pra casa... — ele disse, como se já estivesse esperando por isso. — Acho que foi pedir demais, afinal.

Não que eu achasse que ele estava pedindo demais; o problema era que ele havia cometido um erro. Tenho certeza de que ele estava plenamente ciente disso, mas quis dizer mesmo assim.

— Bom, às vezes, contar pra alguém já ajuda a entender melhor a situação, então não me importo de ouvir, pelo menos. Mas agradeceria se deixasse isso para amanhã. Tenho louça suja me esperando em casa, e se eu não cuidar logo, a casa inteira vai ficar cheirando a molho.

— Talvez já seja tarde demais pra isso.

Ele tinha razão. Eu devia abrir todas as janelas assim que chegasse em casa.

Uma luz se aproximava pela frente. Era uma bicicleta vindo na direção contrária. Até que ela passasse por nós, nenhum dos dois abriu a boca.

Satoshi finalmente quebrou o silêncio.

— Amanhã não dá. Preciso de uma ideia até amanhã de manhã.

— Considerando que você precisa divulgar os resultados até o fim do dia, dá pra entender. Mas isso deveria ser responsabilidade do comitê eleitoral.

Soltei um pequeno suspiro e continuei.

— Eu sabia que você entrou no clube de artesanato e no comitê geral pela diversão — algo que, pessoalmente, nunca consegui entender —, mas fiquei um pouco surpreso quando soube que virou vice-presidente. Achei que você fazia as atividades do comitê geral parcialmente por diversão, então nunca esperei que justo você fosse aceitar um cargo oficial. Aconteceu algo que te fez mudar de ideia?

— É... Pode-se dizer que sim.

— Entendo. Não sei se devo te parabenizar ou não, mas, deixando isso de lado, só porque você assumiu um cargo cheio de responsabilidades não significa que eu também queira me envolver com os problemas que vêm junto. Ou está me dizendo que é obrigação minha, como aluno da escola, ajudar a manter a integridade do nosso sistema eleitoral?

Ele devolveu um sorriso meio desconcertado.

— Nunca conseguiria dizer algo tão autoritário assim... Alguém como eu combina bem mais com a burocracia.

— Concordo. Uma caminhada noturna é até uma ambientação interessante para uma conversa com Satoshi Fukube, mas se for pra fazer uma consulta com o vice-presidente do comitê geral, deixa isso para sala do comitê.

Satoshi não pareceu muito incomodado com minha resposta, mas respondeu com um toque de tristeza, não necessariamente brincando.

— Você realmente não mede palavras, né.

É verdade que talvez eu tenha sido duro demais, mas a culpa era dele. Se ele se recusava a falar comigo sem colocar uma máscara, então eu não tinha escolha a não ser responder com a minha própria — uma de rejeição à responsabilidade.

Tendo, assim, concluído minha teoria sobre as máscaras, olhei para ele pelo canto do olho e comecei a falar.

— E então? O que você está escondendo?

— Escondendo? Do que você está falando?

Deixando de lado a história do Satoshi sobre o aumento misterioso dos votos, duas coisas não se encaixavam. A primeira era o que mencionei antes: por que ele veio pedir ajuda a mim? A segunda, porém, era ainda mais fundamental.

— Não se faça de bobo. Isso tudo deveria ser um problema do comitê eleitoral. Pensando bem... você não devia ter nada a ver com isso, senhor vice-presidente do comitê geral.

Segundo a história do Satoshi, o presidente e o vice-presidente do comitê geral eram responsáveis apenas pela supervisão simples da eleição. Os votos ilegítimos eram, sem dúvida, um grande problema, mas por que era ele quem estava tentando resolver? Ele permaneceu em silêncio sobre esse ponto.

Imaginar que Satoshi, autoproclamado habitante natural da burocracia, ultrapassaria seu cargo e tentaria resolver, de forma pura e justa, o problema que assolava o sistema eleitoral por senso de justiça... Eu me recusava a acreditar nisso. Suponho que fosse teoricamente possível que ele tivesse intervindo como membro do comitê geral para contornar as limitações do comitê eleitoral, mas eu estava tão disposto a amassar essa ilusão quanto jogar o lixo queimável no dia da coleta. O próprio Satoshi disse que, desde que se tornou um segundo-anista, havia mudado, mas me parecia impossível aceitar que fosse uma mudança tão drástica e fundamental assim. Por isso, quando ele — alguém que sempre fazia piadas, mas nunca reclamava de nada — me chamou à noite para pedir ajuda, eu soube que havia algo mais nessa história.

— O que eu estou dizendo é que você está escondendo o verdadeiro motivo de querer resolver esse mistério.

Satoshi sorriu de leve.

— Eu nunca ganho de você, né.

Também sorri.

— Fico feliz que tenha aceitado isso. Nem devia mais se surpreender, a essa altura.

— Suponho que sim. Achei que poderia esconder isso de você, mas... tanto faz.

Satoshi deu alguns passos à frente, quase como se dançasse ao ritmo de alguma música, e então se virou para mim, andando de costas enquanto falava.

— Me desculpa por não ter contado tudo desde o começo, Houtarou, mesmo tendo vindo até você em busca de ajuda. Não te culpo por ficar bravo. Não era algo que eu precisava esconder de verdade, mas sabe como é...

Embora eu quisesse dizer que não fazia ideia do que ele estava falando, já nos conhecíamos há tempo demais. Por mais frustrante que fosse, eu tinha a sensação de que sabia, sim.

— O presidente da comissão administrativa é — como posso colocar de forma leve? — o tipo de pessoa de quem os outros normalmente não gostam muito — disse Satoshi, entrelaçando as mãos atrás da cabeça. — Ele age todo cheio de si, como se fazer parte de uma comissão colegial fosse algum grande feito, sabe? Não sei bem como explicar isso... Ele é do tipo que não consegue ficar satisfeito sem mandar alguém “parar de brincar”, mesmo que a pessoa esteja trabalhando duro como sempre. As frases preferidas dele são: “Não decida tudo por conta própria” e “Se vira”. Ouvi essas duas pelo menos cinco vezes só hoje.

Eu sabia que existiam pessoas assim, mas era a primeira vez que ouvia falar de alguém da minha idade com esse perfil. Se as descrições de Satoshi estivessem corretas, ele parecia o pior cenário possível para alguém como ele ter que lidar. Satoshi continuou.

— Mas você estava certo, Houtarou. Eu não tinha nada a ver com ele.

— O que significa... que parece que outra pessoa estava envolvida.

— Afiado como sempre.

Satoshi me mostrou um joinha com o polegar.

— Foi um calouro da comissão de administração das eleições, da turma E. Não lembro o nome dele. Provavelmente ouvi em algum momento, mas esqueci. Era um garoto bem animado, sempre dizia “Já vou!” quando pediam algo pra ele. Acho que a gente não se daria muito bem, mas dava pra ver que ele sempre tentava fazer o que devia... ou pelo menos tentava. Era bem baixinho, parecia um estudante do fundamental.

— Já entendi para onde isso vai.

— É mesmo? Bom, me escuta até o fim, pelo menos. Por algum motivo — talvez ele fosse eficiente demais, ou a turma dele tenha trabalhado rápido — ele foi o primeiro a chegar na sala do conselho onde seriam contados os votos. E quando chegou lá — e se quer saber, a culpa foi do presidente — ele cometeu um erro no procedimento.

Satoshi estendeu as mãos à frente como se segurasse uma caixa invisível.

— Você provavelmente já sabe disso, já que também votou, mas nas eleições de Kamiyama, todos depositam seus votos nas urnas apropriadas. Essas urnas são levadas até a sala do conselho e — e essa é a parte importante — abertas na frente dos fiscais. O garoto da turma 1-E abriu a urna antes dos fiscais chegarem e espalhou os votos no centro da mesa.

Pensei por um momento antes de dizer.

— Não acho que seja um erro tão grave assim…

— Nem eu. O único trabalho dos fiscais é garantir que as urnas estejam completamente vazias, primeiro antes de levá-las para as salas de aula para votação, e depois ao retirar os votos, antes de iniciar a contagem. Eu confirmei que a urna do garoto da 1-E estava, de fato, vazia, então, tecnicamente, seguimos o protocolo. Mas o presidente da comissão alegou que não havia como ter certeza de que ele não adulterou os votos enquanto os fiscais não estavam presentes.

Entendi.

— Deixando de lado o erro no procedimento, me parece muito difícil acreditar que ele fosse o culpado — comentei.

— Todo mundo achou a mesma coisa. Até eu. Mas, aparentemente, o presidente da comissão não pensou assim. Todo o resto foi feito conforme o protocolo, então não haveria outra chance para alguém misturar votos ilegítimos com os válidos. Por isso, ele concluiu que a culpa não poderia ser de mais ninguém e, claro, descontou verbalmente no calouro.

Satoshi fez uma pausa repentina e acrescentou suavemente mais uma coisa.

— O calouro estava chorando, sabia?

Então era isso...

Resumindo: Satoshi queria provar que havia outro momento possível em que os votos ilegítimos poderiam ter sido inseridos, mesmo que ninguém tivesse pedido isso, tudo em nome de um calouro sem nome que havia sido duramente repreendido por um erro pequeno.

Completamente surpreso, só consegui responder.

— Sério... você nunca muda, né? Sempre o herói das sombras.

Ele sorriu de forma hesitante.

— Me dá um desconto, vai. Eu só fiquei um pouco irritado, só isso. E, se me permite dar uma desculpa, nem achei que fosse realmente precisar do seu talento pra resolver isso. Achei que daria conta sozinho, mas estava enganado. Acontece que nossas eleições são surpreendentemente à prova de falhas.

— Não tivemos uma conversa parecida da última vez que fizemos uma caminhada noturna como essa?

— É... isso foi no nosso último ano do ensino fundamental, se não me engano. Cara, isso me traz lembranças.

Olhei fixamente para Satoshi Fukube. No geral, ele parecia frágil e um tanto pouco confiável, mas sua expressão transbordava confiança — o mesmo Satoshi de sempre.

Ele não era exatamente gentil ou bondoso, nem demonstrava um forte senso de integridade. Na minha opinião, porém, o que ele tinha — mesmo que não se refletisse no rosto — era um ódio mais forte que o normal contra o que era injusto e errado. Mesmo nas situações em que eu apenas dava de ombros e dizia “É, faz parte da vida”, ele franzia a testa e fazia tudo que estivesse ao seu alcance para corrigir o que pudesse.

Fora isso, eu acho que conseguia entender seu ponto de vista. Não era como se ele estivesse me pedindo ajuda para desvendar algo em nome de uma investigação que restabelecesse a normalidade na comissão geral e nas eleições de Kamiyama. Na verdade, ele só queria que eu o ajudasse a dar uma lição no presidente da comissão eleitoral... por causa de um calouro que chorava.

Parte de mim se irritou um pouco por ele não ter dito isso desde o começo.

Um sopro de vento atravessou a cidade.

*

 

O caminho ao lado do rio terminava em uma cerca de madeira ao redor de uma casa residencial e fazia uma curva em ângulo reto. Continuamos por ele até chegarmos a uma pequena encruzilhada. A estrada que se estendia para a esquerda e para a direita tinha uma faixa de tráfego no meio, ao contrário do caminho por onde vínhamos, e todo o trecho estava bem iluminado por postes de luz. Eu normalmente não passava por essa área, mas, se minha memória estivesse certa, se você virasse à direita e seguisse por aquele bairro residencial, acabaria encontrando a minha antiga Escola Kaburaya. Se virasse à esquerda e continuasse por ali, acabaria chegando ao centro da cidade.

Paramos de andar, e Satoshi me olhou como se perguntasse para qual lado deveríamos seguir. Eu estava um pouco preocupado com a possibilidade de alguém começar a fazer perguntas caso fôssemos até o centro da cidade, mas, por algum motivo, também hesitava em passar perto da Kaburaya. Provavelmente seria melhor ir para a esquerda e depois virar em outra rua antes de chegar na parte principal. Comecei a andar, e Satoshi me seguiu em silêncio ao meu lado.

— Então — disse eu, retomando a conversa —, pelo que você sabe, não houve nenhuma oportunidade para alguém misturar cédulas ilegítimas? — Satoshi sorriu de repente e murmurou um quase inaudível “Desculpa mesmo” antes de exclamar, com seu tom usual e despreocupado.

— Isso mesmo! Eu realmente pensei muito sobre isso, mas, no fim, não consigo encontrar nenhuma falha real no sistema, especialmente considerando que ele é o mesmo há tanto tempo. Se eu tivesse que afirmar algo com certeza... não é que eu descarte essa possibilidade, mas tenho a impressão de que seguir esse raciocínio só vai levar a um beco sem saída.

Eu queria perguntar por que ele achava isso, mas, considerando que eu nem sabia direito como funcionava o processo de eleição para presidente do conselho estudantil, provavelmente não entenderia sua lógica. Seria melhor pedir para ele explicar tudo desde o início.

— Desde o começo, por favor.

— Certo. Onde seria um bom ponto pra começar... — disse Satoshi, cruzando os braços e inclinando deliberadamente a cabeça em contemplação. — Ah, isso parece bom. Pra começar, é importante lembrar que as urnas têm cadeado. Além disso, como eu já disse antes, uma terceira pessoa tem que confirmar que as urnas estão vazias antes dos alunos votarem, e depois de novo antes de o comitê contar os votos.

— Dá pra colocar o voto mesmo com o cadeado, né?

— Claro. Ela deve estar trancada quando você votar também.

Eu já imaginava, mas queria confirmar.

— O comitê de administração da eleição tirou as urnas do depósito e as levou até a sala do conselho ontem, depois da aula. O depósito é aquele no primeiro andar do prédio especial, então você sabe qual é. Aquele que também guarda esfregões, ceras e coisas assim. Enfim, até ontem, as cédulas já estavam organizadas em maços por turma, amarradas com elásticos. Depois do fim das aulas, todo o comitê da eleição e os fiscais se reuniram na sala do conselho, e o membro responsável pela distribuição entregou as urnas e as cédulas para os representantes de cada turma. Você já deve saber disso, mas cada sala tem dois representantes no comitê — um menino e uma menina. Ou seja, na sala do conselho havia dois membros vezes oito turmas vezes três anos — quarenta e oito alunos — mais dois fiscais, totalizando cinquenta pessoas.

— Parece apertado.

— E era mesmo. Depois de pegar as urnas, tivemos que confirmar que estavam vazias, e então o membro com a chave as trancou. Depois que cada urna foi trancada, os membros ficaram em espera com elas. Quando todas estavam prontas, o presidente do comitê deu o sinal para cada um voltar para sua sala de aula.

Eu já tinha visto as urnas e as cédulas, claro. A urna era feita de madeira âmbar envelhecida e parecia bem resistente à primeira vista. A palavra "Urna Eleitoral" estava escrita em letras grandes na lateral. As cédulas pareciam ser recortadas de papel de impressora comum. A que eu usei hoje nem tinha as bordas retas. Lembro de ter o carimbo do comitê de administração da eleição, mas não havia nenhum número de identificação que diferenciasse uma cédula da outra.

— Você sabe o que os membros do comitê faziam nas salas, certo? — perguntou Satoshi.

— Sei.

Já nas salas, os membros colocavam a urna sobre a mesa do professor, escreviam os nomes dos candidatos no quadro com giz e entregavam as cédulas. À medida que os alunos iam terminando de escrever seu voto — fosse o nome de algum candidato ou nada —, iam até a frente da sala e colocavam o voto na urna. Cada vez que isso acontecia, os membros do comitê faziam uma marca em uma folha, registrando o número total de votos.

Eu não queria interromper a explicação do Satoshi, mas precisava perguntar algo só por precaução.

— Os membros do comitê também levam em conta o número de alunos ausentes?

Satoshi balançou a cabeça.

— Pelo que ouvi, não. Aparentemente, só importa o número total de alunos e o total de votos.

Entendi. Pensando bem, alguns alunos faltarem não impactaria o trabalho deles.

— As regras dizem que, depois de trinta minutos, os membros devem votar e levar as urnas de volta para a sala do conselho, mas, na prática, muitas turmas terminam bem antes disso. Afinal, quando todo mundo já votou, não tem mais nada pra fazer, então podem sair. Essa parte vai contra as regras, mas já virou um costume, então não tem muito o que fazer.

Imagino que, se todas as urnas fossem devolvidas ao mesmo tempo, isso atrasaria o processo.

— Como resultado, os membros voltam à sala do conselho aos poucos e marcam seu nome em uma lista para indicar que retornaram. A pessoa responsável pela chave abre a urna, e o membro despeja o conteúdo sobre a mesa. Havia várias mesas dispostas em formato de cruz, e usamos isso para contar os votos. Não precisamos devolver as urnas ao depósito até amanhã, então não havia pressa. Quando os fiscais confirmavam que a urna estava vazia, elas eram colocadas em um canto da sala. Depois que todos os votos de todas as turmas estavam sobre a mesa, misturavam tudo para que ninguém soubesse de qual turma veio, e então dividiam entre uns dez contadores. Esses contadores colocavam os votos em uma de três bandejas — neste caso, com as etiquetas "Haruto Obata", "Seiichirou Tsunemitsu" e "Nulo". Essa parte era bem rápida. Os votos eram agrupados de vinte em vinte e trocados com outro contador para verificação. Depois que os dois terminavam de contar, os fiscais também verificavam.

— Realmente é bem rigoroso.

— Pois é, né?

Não entendi por que ele parecia tão orgulhoso. A gente literalmente acabou de comentar que ele não fazia parte do comitê de administração da eleição.

— Depois disso, escrevemos os totais no quadro branco. Do início ao fim, tudo levou uns quarenta minutos. Mas, justo quando estávamos para registrar o vencedor, alguém notou que os números estavam estranhos... e a partir daí, foi puro caos.

Achei que tinha ouvido algo como o ronco de um motor. De repente, um carro esportivo passou furiosamente por nós naquela ruazinha tranquila. Satoshi lançou um olhar para o carro enquanto os pneus guinchavam na curva e depois soltou um suspiro.

— Tudo que eu te contei agora foi exatamente como aconteceu, mas como sempre havia alguém de olho nas cédulas sobre a mesa, não consigo imaginar ser possível adulterar nada nesse momento. Isso significa que os votos ilegítimos não foram adicionados durante a contagem... o que me leva a crer que eles já estavam nas urnas desde o começo, certo?

— Parece ser o caso, mas...

— Mas o quê? Eu já te falei isso, mas há cerca de quarenta e três a quarenta e quatro alunos em cada turma do Colégio Kamiyama. Foram quarenta votos ilegítimos. Se o culpado tivesse colocado todos em uma única urna, isso quase dobraria a quantidade de votos dessa turma em comparação com as outras. A gente não estava prestando tanta atenção na quantidade de votos de cada urna, mas tenho certeza de que todo mundo perceberia se tivesse o dobro de votos.

— Concordo. Mas... e se não fosse o dobro?

Desde que saímos da escola hoje, Satoshi já vinha pensando nisso e havia considerado essa possibilidade.

— Seria impossível que todos os votos ilegítimos estivessem na urna de uma única turma. E se eles estivessem divididos entre duas turmas? Ainda assim, provavelmente perceberíamos. Três turmas também parece meio suspeito. Agora, se fossem distribuídos entre dez turmas, então o total de cada uma aumentaria apenas quatro votos. Isso provavelmente passaria despercebido.

— Pode ser verdade... mas isso levanta outra questão: como alguém conseguiria a chance de colocar votos ilegítimos em dez urnas diferentes?

— É... — respondeu Satoshi, assentindo. E então acrescentou com uma expressão desinteressada: — Mas, sendo sincero, tenho quase certeza de que o culpado está no comitê de administração da eleição.

— Achei que você queria ajudar aquele calouro da Turma E.

— Não acho que tenha sido ele. É só que não consigo imaginar outra maneira de isso ter acontecido. Somente o comitê teve acesso às urnas.

É verdade que os membros do comitê transportam as urnas, então seria fácil para eles colocarem votos secretos, mas...

— Então, de acordo com sua teoria, Satoshi, vários membros do comitê de administração da eleição teriam conspirado para adicionar votos ilegítimos, cada um colocando um pouco? Não é impossível, mas você realmente acredita nisso?

— Foi por isso que eu disse que esse raciocínio não leva a lugar nenhum. Um ou dois membros, vá lá... mas é impossível imaginar nove ou dez envolvidos nisso.

Após dizer isso, Satoshi juntou as palmas das mãos e continuou.

— Resumindo, eu não faço ideia de como continuar a partir daqui. Não há garantia de que alguém usou algum truque pra fazer isso, mas se assumirmos que sim, não tenho escolha a não ser descobrir a existência sombria dentro do comitê eleitoral. Se assumirmos que não há nenhuma entidade oculta, então não temos mais como entender onde e como os votos ficaram tão distorcidos. Temos até amanhã de manhã, mas hoje à noite, quero começar do zero e transformar essa situação em um verdadeiro "quem é o culpado?". Afinal, como não tinha mais ninguém a quem recorrer, acabei te chamando, Houtarou.

As luzes vermelhas iluminavam a cidade noturna diante de nós. Satoshi e eu paramos de andar ao mesmo tempo, e por um momento perdemos o fio da conversa enquanto nossos olhos eram capturados pelo brilho acolhedor. Parecia quase como se algo estranho estivesse misturado ao vento; talvez fosse só imaginação minha. Enquanto continuava encarando as luzes, ele falou de repente, sem mover a cabeça nem um centímetro:

— Tá com fome?

Fiquei em silêncio, olhando fixamente para a lanterna de papel vermelha, com a palavra "Lámen" escrita em preto na lateral.

Nem me passou pela cabeça que poderia haver uma armadilha em um lugar assim, tão longe do centro da cidade. Ó, boas crianças, corram rápido pra casa, para suas camas, e tenham sonhos doces — pois a noite em Kamiyama é escura e cheia de terrores.

— Não devemos ceder ao mal.

— É verdade... Coisas más não são boas.

*

 

Três minutos depois, estávamos sentados ombro a ombro atrás de um balcão estreito. As únicas opções no cardápio eram lámen comum, lámen com wonton, guioza, arroz e cerveja. Pedi o lámen comum, dizendo: — Nem jantei direito hoje — para justificar. Satoshi pediu o lámen com wonton e uma tigela de arroz. O dono da loja tinha um peito largo e o rosto com a textura de uma lixa, e usava uma toalha amarrada na cabeça. Ao ouvir nosso pedido, respondeu com uma voz potente, vinda do fundo do peito.

— Já vai sair!

O cheiro de óleo parecia impregnado em todo o interior da pequena loja, e o papel de parede, que provavelmente fora branco um dia, agora tinha um tom amarelado. Mas era só pela idade — não por falta de limpeza. Havia outro cliente, mas ele passou por nós e foi embora, então éramos só nós dois. Bebi um gole de água gelada do copo à minha frente e soltei um leve suspiro. Sabia que estávamos andando num calor absurdo, mas não tinha percebido o quanto estava com sede.

— Já veio aqui antes, Houtarou? — perguntou Satoshi, brincando com o saleiro por falta de coisa melhor pra fazer.

— Não. E você?

— Também não. É minha primeira vez aqui. Nem sabia que existia um lugar assim tão longe. É que você entrou com tanta confiança... Achei que fosse freguês.

— Você que foi rápido pra dizer que devíamos entrar... Achei que você viesse sempre aqui.

Talvez ouvindo nossa conversa, o dono respondeu com sua voz retumbante.

— Vamos lá. Vocês não vão se arrepender.

Enquanto eu me desligava, ficando vagamente ciente do zumbido da ventilação acima do balcão, Satoshi começou a resmungar sozinho.

— Não me importo muito com quem foi o culpado... mas fico me perguntando por que ele fez isso.

— Vai saber.

— O presidente do grêmio estudantil nem faz tanta coisa assim. No fim das contas, ele só discursa como representante em eventos. Eu entenderia se o culpado estivesse revoltado com o sistema da escola e quisesse uma mudança nas regras... mas o que ele acha que vai ganhar sabotando a eleição?

A única forma de saber isso seria perguntando para ele diretamente. Dito isso...

— Se estiver de boa com suposições, tenho algumas — falei.

— Manda.

— Ele ama eleições e queria fazer tudo de novo.

— Interessante.

— Ele odeia eleições e queria ver tudo pegar fogo.

— Entendi.

— Achava que a autonomia estudantil era uma farsa e queria levantar a questão sobre a relevância da eleição para o corpo discente.

— Terrorismo?

— O candidato em quem ele apostava não estava pronto, então ele queria ganhar tempo.

— Mas o prazo já tinha passado. Então essa não cola.

— Ele não gostava do presidente do comitê de administração da eleição e sabotou tudo só pra ver o cara empalidecer.

Satoshi riu.

— O assustador é que nem dá pra descartar essa. De qualquer forma, acho que nunca vamos entender as motivações. Mas essa do terrorismo tem seu charme.

— Pode até ser um charme amoroso também.

O dono tirou um maço de chashu amarrado da geladeira, surpreendentemente grande considerando o tamanho apertado da loja. Pegou uma faca de cozinha e disse.

— Serviço especial para os estudantes.

Acho que ele estava planejando nos dar uma porção extra. Eu mal podia esperar. De repente, perguntei algo que vinha me incomodando há um tempo.

— Você disse que havia quarenta e oito membros no comitê de administração da eleição, certo? — Satoshi devolveu o saleiro ao suporte, apoiou o rosto na mão e respondeu.

— Sim. Três séries com oito turmas cada, e dois representantes de cada turma.

— Mas você também me disse que apenas dez alunos fizeram a contagem dos votos.

Satoshi se virou parcialmente no banco do balcão para me encarar.

— Mesmo com dez contadores, dá cerca de cem votos por pessoa, então é totalmente viável. Além disso, o processo de contagem ocupa muito espaço. Se todos participassem, precisaríamos do ginásio.

— Como é decidido quem vai contar os votos?

— Hm... — cruzou os braços e murmurou. — Dentro dos quarenta e oito membros, metade são os carregadores das urnas. Eles levam as urnas para as salas de aula e as trazem de volta quando a votação acaba. O trabalho deles termina quando abrem as urnas e despejam os votos, então a maioria vai embora depois disso.

— Eles não ficam para observar?

— Alguns ficam. O calouro da turma 1-E foi um dos que ficaram, mas ninguém é obrigado a isso.

— Você mencionou que também há membros responsáveis pela chave e pela distribuição das urnas?

— Duas pessoas cuidam da distribuição das urnas. Como eu disse antes, isso inclui quem distribuiu as cédulas de votação.

— As urnas já são atribuídas a uma turma específica desde o início?

— Não. As urnas foram entregues para quem estivesse mais próximo na fila. As cédulas, no entanto, foram diferentes. Os alunos anunciavam sua série e turma e então recebiam o respectivo maço.

Na Escola Secundária Kamiyama, havia cerca de quarenta e três ou quarenta e quatro alunos por turma, embora esse número nem sempre fosse exato. Tanto o excesso quanto a falta de cédulas eram preocupações, então provavelmente contaram o número total de alunos por turma com antecedência.

Naturalmente, haveria cédulas sobrando por conta dos alunos ausentes ou que saíram mais cedo, mas esse excedente não estava relacionado com o problema dos votos ilegítimos — considerando que o número total de votos superava o número total de estudantes.

— É também responsabilidade do distribuidor das urnas fazer as cédulas? — Satoshi inclinou a cabeça, pensativo.

— Tudo que fiz hoje foi supervisionar o processo, então não sei dizer. Mas o que posso afirmar é que não tem como uma única pessoa fazer mais de mil cédulas. Imagino que várias pessoas tenham dividido o trabalho. Cortaram o papel e marcaram com o carimbo do presidente do comitê eleitoral.

— Esse carimbo é o problema. Os votos ilegítimos também o tinham.

— Exato. Como eu disse desde o começo, seria fácil falsificar as cédulas.

O único motivo pelo qual tudo isso virou um escândalo de votos ilegítimos foi por conta do carimbo do presidente. Se os votos misturados não tivessem nada marcado, teriam sido descartados como objetos estranhos e aleatórios. Foi necessário preparar os votos ilegítimos com antecedência e, se eu pensar por esse lado, talvez consiga deduzir alguma coisa sobre o culpado.

Era isso que o Satoshi queria saber. Para restaurar a dignidade do "João Ninguém" da turma 1-E, ele não queria descobrir o nome do culpado, e sim como os votos ilegítimos foram misturados aos demais. É claro que descobrir quem foi o responsável seria o ideal, mas não tínhamos uma lista de nomes, nem pessoal ou autoridade para conseguir uma. O caminho mais racional parecia ser evitar o impossível.

— E quanto à pessoa responsável pela chave?

— Só existe uma chave, então apenas uma pessoa cuida dela. Ele tranca todos os vinte e quatro cadeados antes da eleição e os abre depois.

— Parece que ele tem bastante tempo livre.

— Tem mesmo. Talvez seja o trabalho perfeito pra você, Houtarou.

Fico na dúvida. Esse tipo de trabalho te faz ficar de plantão por um tempo exageradamente longo justamente porque tem pouco o que fazer, e mesmo assim, envolve uma grande responsabilidade — parece uma forma estranha de desperdiçar energia. Eu preferiria desistir.

— Então, entre os quarenta e oito membros do comitê, vinte e quatro são carregadores de urna, dois cuidam da distribuição, um cuida da chave e dez são contadores.

— Além desses, tem o presidente, os dois vice-presidentes e dois membros que escrevem coisas no quadro branco.

— Isso deixa seis pessoas sem função.

— Algumas cuidaram de tarefas diversas e da limpeza. Não acho que tenham algo a ver com o caso.

Satoshi se inclinou na minha direção.

— Com isso, temos uma noção geral de qual era a função dos quarenta e oito membros. Pode ser uma pista promissora.

— Vai saber. Pode não dar em nada, mas nossa conversa até agora já foi de grande ajuda.

— Oh? Por quê?

Diante de mim estava uma tigela de lámen exalando uma fragrância adocicada de molho de soja. Os macarrões eram finos e ondulados, e o caldo tinha um tom escuro e profundo. Havia duas fatias de chashu, dois pedaços de bambu e, no centro, uma generosa porção de espinafre fresco recém-cozido.

Uma tigela de lámen! Peguei um par de hashis descartáveis e os parti com um estalo limpo. Olhei para os hashis, perfeitamente separados com uma borda lisa, e respondi.

— Ajudou a passar o tempo.

— Pode comer. Não precisa me esperar.

— Com licença.

Muito obrigado.

*

 

O dono da loja não estava mentindo quando disse que não nos arrependeríamos de ter vindo. Não havia nada de especialmente diferente em comparação com outros lámens à base de molho de soja, e, se fosse apontar algo, talvez fosse um pouco salgado — mas era exatamente isso que o tornava tão satisfatório. Nunca tinha visto espinafre nesse prato, mas bastou uma mordida para me perguntar por que nunca haviam colocado antes. Além disso — e eu ainda não sabia se isso era bom ou ruim — o caldo estava inexplicavelmente quente demais. Quando o lámen de wonton do Satoshi chegou logo em seguida, exclamei.

— Ai! Tá muito quente!

— Merda, sério! — concordou Satoshi com um gritinho, levando os macarrões à boca. Ele devorou quase metade como se estivesse hipnotizado, e então parou de mexer os hashis para me lançar um olhar furtivo, como se estivesse verificando se eu tinha diminuído o ritmo.

— A propósito, isso não tem nada a ver, mas...

O macarrão estava delicioso... Nunca estive tão consciente do sabor de um lámen. Nem acho que fosse o gosto em si. Talvez a textura?

— Tá me ouvindo?

— É.

— Esses wontons são incríveis.

— Me dá um.

— Sai fora. Mas, falando nisso, sabia? Parece que a Chitanda estava falando em concorrer para presidente do grêmio estudantil.

Meus hashis pararam por um momento e depois continuaram.

— Isso é novidade para mim.

Satoshi soprou os wontons algumas vezes para esfriar e depois engoliu com um gole suave.

— Dizem que ela era bem popular no Colégio Inji Middle, e é de uma família importante em Jinde, afinal. As notas dela são ótimas, e ela é muito querida. Dizem até que o chefe dos instrutores estava vendo se ela ia se candidatar. Ela ficou famosa durante aquela sequência de incidentes no festival cultural, e isso só aumentou quando a notícia da participação dela no Festival das Bonecas Vivas vazou. Só falta mesmo o histórico de atividades em clubes.

Provavelmente ser presidente do Clube de Clássicos não ajudou muito nesse aspecto.

— Não estou dizendo que sei tudo sobre ela — peguei o emaranhado quente de macarrão e o segurei sobre a tigela para que esfriasse naturalmente. — Mas não acho que ela seja o tipo de pessoa capaz de fazer o que um presidente do grêmio realmente precisa fazer, na prática.

— Foi a Mayaka quem assumiu a antologia, também. Mas isso não muda nada. Alguns diriam que se o presidente for bem visto pelos outros, isso já basta; tudo que você tem que fazer é apoiá-lo para que ele faça essas coisas.

Algo como um mikoshi decorativo, né? Parecia até que ele estava brincando ao chamar o presidente do grêmio de uma entidade puramente simbólica, mas considerando que tínhamos o dominador presidente da comissão eleitoral como exemplo, não dava para descartar totalmente o que ele disse.

— Bem, no fim das contas ela não se candidatou.

— É. Exatamente como você disse, Houtarou, aparentemente a Chitanda não se achava a pessoa certa para o cargo. Mas pelo que parece, ela queria saber se ser presidente do grêmio ajudava depois de se formar.

— Ajudava... tipo para recomendação?

Ouvi dizer que ser presidente do grêmio facilitava recomendações para faculdade. Mas não entendia por que ela estaria pensando em concorrer para presidente com os vestibulares na cabeça.

Satoshi riu e fez um gesto de desprezo.

— Duvido muito.

— Pois é.

— Pelo que ouvi, era mais por causa da experiência de representar o Colégio Kamiyama, para quando ela herdasse a propriedade da família.

Eu já tinha acabado o macarrão. Queria pegar a tigela e beber o caldo, mas ainda estava quente demais. Olhei distraído para o dono lavando os pratos e para a grande panela de água fervente.

Herança, né? O mundo dela é tão distante do senso comum. Mesmo tendo testemunhado as circunstâncias que a cercam, ainda não consigo compreender totalmente. Quando tento, fico pasmo de algo assim existir nos dias de hoje. Para a Chitanda, no entanto, essa palavra — herdeira — é a realidade.

— É... — murmurou Satoshi com indiferença suave enquanto tomava seu ramen de wonton, — fico me perguntando o que eu deveria ser.

Depois de uma segunda tentativa fracassada de pegar a tigela pelo peso e calor, notei algumas colheres ao lado do saleiro. Peguei uma imediatamente e dei uma colherada.

— Que tal advogado?

— Advogado? — A voz de Satoshi explodiu como se alguém tivesse contado que havia uma criatura mítica por perto. — Hahaha, de onde você tirou essa ideia?

O ramen dessa loja realmente despertou meu interesse. Se fez isso com Satoshi, na próxima tenho que experimentar o ramen de wonton. Eu tinha pegado tanto caldo que parecia que ia transbordar da colher, então balancei a colher para um lado e para o outro para tirar um pouco.

— Porque você é um herói nas sombras.

— Segundo você...

— Advogado foi só a primeira coisa que me veio à cabeça. Se não isso... que tal um assassino? Derrubando os vilões com um só golpe sob o manto da noite.

— Ha... ha...

Com uma risada seca, Satoshi voltou para os wontons. Estávamos comendo praticamente no mesmo ritmo, mas ele ainda tinha arroz. Parecia que ainda ficaríamos ali um tempo.

Dois homens de rosto corado e terno entraram na loja, que até então só tinha nós dois. O dono os chamou.

— Bem-vindos!

Provavelmente bêbados, os homens gritaram em vozes propositalmente irritantes.

— Dois bowls de ramen!

— E duas canecas. Tem petisco?

Senti Satoshi murmurar algo no meio do ambiente que instantaneamente ficou animado.

— Eu não tinha pensado nessa possibilidade... Interessante.

Será que eu, sem querer, trouxe um assassino para este mundo?

*

 

Enquanto saíamos da loja, a brisa morna da noite de junho soprava, balançando suavemente a lanterna de papel vermelha para frente e para trás. Satoshi tentou pagar a minha refeição, chamando aquilo de taxa de consulta, mas eu recusei. Taxa de consulta... você acredita nisso?! Que cara, às vezes. Essa parte dele não é nada boa. Ainda bem que eu tive a precaução de guardar umas notas de dois mil ienes antes de vir. O troco solto no bolso da minha camisa tilintava delicadamente a cada movimento. Satoshi olhou ao redor e depois olhou para o relógio.

— Já está bem tarde. Acho que deveríamos ir para casa logo. Desculpa ter te chamado a essa hora.

— Não me importo. Quer dizer, em casa eu só tenho que lavar toda a louça e o banheiro inteiro.

— Você é louco, né...

— Nah. Se vamos voltar, pode me acompanhar até em casa? É muito assustador ir sozinho.

Essa brincadeira fez sucesso com ele, para minha surpresa.

Em abril passado, Satoshi tinha ido à minha casa por causa de uma série inesperada de eventos. Ele não fez mais visitas depois disso, então imagino que não se lembre exatamente das ruas para chegar lá, mas tenho certeza de que sabia a direção aproximada.

— Ok, então vamos — disse ele, começando a andar antes de mim.

Parece que seria uma caminhada fácil da loja de ramen até minha casa pela calçada da avenida larga. O brilho suave dos postes de luz me fez lembrar as luzes vívidas do inverno e trouxe à mente o verão que se aproximava. Um pequeno carro da polícia passou pela rua vazia e, apesar de ter me assustado um pouco, continuou sem parar para nos repreender por estarmos fora até tão tarde.

— Estive pensando — comecei a falar —, não importa o quanto eu tente imaginar quando teria sido possível alguém colocar os votos ilegítimos, sempre chego a um beco sem saída. Como as urnas foram examinadas, não consigo imaginar que as cédulas já estivessem lá desde o início. Além disso, qualquer urna com quarenta votos a mais se destacaria fácil entre as outras, e dividir isso em dez urnas exigiria muita ajuda.

Embora eu estivesse apenas repetindo o que Satoshi tinha me dito antes, ele assentiu com convicção.

— Exato. Eu não consigo ir além disso.

— Então não temos escolha a não ser mudar nossa abordagem.

De onde vieram os votos que ultrapassaram o número total de alunos? Em que momento eles foram misturados?

De repente, Satoshi soltou.

— Entendi.

— É só um palpite, mas e se as cédulas estivessem sobre a mesa desde o começo?

— Sério? — Essa minha teoria foi suficiente para derrubar o entusiasmo de Satoshi. — Não, isso seria impossível — continuou ele. — Claro, isso se não houvesse cédulas escondidas na mesa que era publicamente fiscalizada.

— Eu duvido que houvesse cédulas escondidas. E se houvesse um membro do comitê invisível? — Satoshi apertou os olhos.

— Posso perguntar do que você está falando?

— Pode sim.

A calçada passava em frente a um posto de gasolina abandonado. A aparência desolada da vasta estrutura de concreto vazia trazia uma estranha sensação de desconforto.

— Pelo que ouvi sobre o processo eleitoral, existem duas grandes falhas. Se eu as aproveitasse, tenho certeza que até eu conseguiria colocar votos ilegítimos.

Embora eu esperasse que ele dissesse algo, Satoshi ficou em silêncio absoluto. Talvez estivesse tentando não interromper. Seja como for, continuei.

— A primeira é o ponto de checagem para os membros do comitê que trazem as urnas das salas de aula. Depois disso, várias pessoas conferem para garantir que as urnas estejam vazias e que as cédulas estejam agrupadas exatamente em grupos de vinte. Porém, a verificação do “ano e classe” de cada membro que retorna não é feita do mesmo jeito. Se o que você disse está certo, essa parte do processo foi feita individualmente.

Segundo Satoshi, os membros do comitê vão entrando devagar na sala e marcam em uma lista o ano e a classe para indicar quem já voltou.

— O papel que eles marcaram provavelmente só listava os nomes das classes com um círculo ou xis ao lado. Embora fosse o mesmo comitê eleitoral, duvido que eles se lembrassem de todos os rostos uns dos outros. Mesmo que eu, hipoteticamente, tivesse ido até a sala do conselho com a urna da turma 2-A e marcado minha classe, provavelmente ninguém desconfiaria.

A voz baixa e murmurada de Satoshi parecia presa na garganta.

— Você pode estar certo sobre isso, Houtarou... Realmente, ninguém confirmou se a pessoa que saiu com uma certa urna era a mesma que voltou com ela.

— As cédulas é que são importantes, porém. Estritamente falando, não importa quem carrega as urnas; isso não interfere na eleição. A lista das classes também serve só para garantir que todas as urnas tenham voltado.

— É verdade — Satoshi assentiu, pensativo. — As cédulas são o que importa. Essa falha que você apontou não é pequena, mas ainda assim não responde à questão de quando alguém poderia ter adicionado votos ilegítimos.

— É aí que a segunda falha se torna importante.

Tentei imaginar o que aconteceu depois da escola hoje, quando, antes das eleições, os membros do comitê receberam suas urnas — caixas robustas feitas de madeira desgastada, de cor âmbar.

— Você disse que as urnas não foram atribuídas a nenhuma turma antes de serem entregues.

— É, eu disse.

Antes, ele tinha me contado que as urnas eram entregues para quem estivesse mais perto na fila.

— Isso é um problema? — continuou.

— Distribuir as urnas aleatoriamente não é um problema em si. O mesmo vale para os membros do comitê se registrarem depois de voltar para a sala do conselho. Mas se você juntar essas duas coisas, o que acha que aconteceria?

Satoshi cruzou os braços e olhou para o céu nublado enquanto andava em silêncio. Ele quase bateu em um poste de telefone, então puxei sua manga para afastá-lo.

— Então o que você está dizendo, Houtarou, é que um dos estudantes que voltou para a sala do conselho com uma urna talvez não fosse um membro do comitê eleitoral? Não tenho certeza se isso tem algo a ver com as urnas serem distribuídas aleatoriamente...

— Você entendeu meio errado. Não era isso que eu queria dizer.

Não era como se eu estivesse querendo testar Satoshi, então não fazia sentido esconder a resposta. Repeti a pergunta só para conseguir explicar tudo direito, sem deixar confuso na minha cabeça.

— O que eu quis dizer foi: o sistema eleitoral não conseguiria controlar os votos, mesmo que um estudante que não fosse membro do comitê carregasse uma urna que não tivesse sido atribuída a nenhuma turma.

Depois de um momento de perplexidade, os olhos de Satoshi se arregalaram.

— Inacreditável, Houtarou, isso não é fácil de fazer, sabia?

De acordo com o que eu entendia sobre as eleições do conselho estudantil do Ensino Médio Kamiyama, como Satoshi havia me explicado, havia inúmeras medidas para evitar má administração e contagem incorreta dos votos. Porém, se você assumir que um falso membro da comissão eleitoral trouxe uma urna falsa, não havia contra-medidas para impedir isso.

— Espera aí — Satoshi estendeu a mão aberta, palma para mim. — Isso não é meio estranho? É verdade que os membros da comissão não têm braçadeiras ou algo assim, então seria fácil se passar por um, mas e a urna? Não sei há quanto tempo elas existem, mas sei que são antigas. Não são coisas que você consegue fabricar da noite para o dia. Se um aluno aparecesse com uma urna velha e qualquer uma, seria difícil não perceber.

Ele fez uma pausa breve e continuou.

— Além disso, seria ruim assumir que o culpado teria entrado sorrateiramente na sala com a urna, colocado os votos ilegítimos e saído como se nada tivesse a ver com ele. Depois que elas são esvaziadas, as urnas são recolhidas e empilhadas na sala do conselho. Não dá para escapar com isso a menos que tenha uma urna apropriada.

— Isso mesmo. Basicamente, enquanto houvesse uma urna além das vinte e quatro usadas na eleição deste ano — uma urna cor âmbar, com cadeado e a palavra "urna" escrita na lateral — seria possível.

— Onde você encontraria uma urna assim?

— Onde? Bem... — Provavelmente na sala de armazenamento do primeiro andar da ala especial. Afinal, é lá que as urnas supostamente ficam guardadas.

Satoshi, visivelmente irritado, batia os pés no chão a cada passo que dava.

— É lá que estavam as urnas para a eleição deste ano — não as suas supostas urnas.

Eu também comecei a ficar irritado. Quem disse que só havia exatamente vinte e quatro urnas na sala de armazenamento? Por que ele não entendia? Foi quando percebi: entendi. Não era culpa do Satoshi não entender. Era coisa de família.

— Chegou um cartão-postal para minha irmã.

— Quê? — Satoshi me encarou, atônito com a mudança súbita de assunto. — Ah, é? E como ela está?

— Bem, obrigado por perguntar. Ela voltou para a faculdade, então não está em casa agora, e mesmo assim chegou um cartão-postal para ela. Que transtorno. Vou ter que deixar em algum lugar que eu lembre até ela voltar.

— Por que você não encaminha para ela...?

Um choque percorreu todo meu corpo. Claro, era tão simples. Por que eu não pensei nisso antes?

— Houtarou?

— Ah, desculpa. Fiquei meio surpreso. Voltando ao assunto, aquele cartão-postal era um aviso sobre a reunião de turma dela.

Satoshi parecia insatisfeito, como se quisesse perguntar como isso voltava ao assunto principal.

— Hum, escuta… Era da turma 3-I.

Uma grande van, tocando hip hop animado pelas janelas, passou por nós. Satoshi abriu as duas mãos à frente e começou a fechar os dedos um a um. A, B, C, D…

— Então era isso. Nove turmas... — eu concordei com a cabeça.

— Kamiyama ter oito turmas por série é só um caso atual. Antes, tinha nove turmas, e talvez em algum momento até dez. É possível que no ano que vem tenha sete, e depois seis.

— Entendi. Era tão óbvio. O número de alunos... o número de crianças muda, mas a escola continua a mesma.

Nos reconhecíamos como parte do Colégio Kamiyama. Não estava errado, tecnicamente, mas o fato é que a escola continuava existindo sem se importar conosco. Em certo momento, havia nove turmas em uma série, e nessa época também tinha eleição para o conselho estudantil. Pelas condições gastas das urnas, dava para supor que aquelas urnas eram usadas desde então.

Não consigo imaginar que eles jogariam fora a urna extra. Era possível, afinal, que Kamiyama voltasse a ter nove turmas por série.

— Na sala de armazenamento do primeiro andar da ala especial dormem as urnas da época em que havia mais alunos do que hoje. O culpado sabia disso, pegou uma urna, colocou os votos ilegítimos dentro, se passou por membro da comissão eleitoral e levou a urna para a sala do conselho.

— Ele não marcou nada na lista de turmas. Embora a urna devesse estar trancada, teve que ser aberta com a chave que o membro da comissão tinha.

— Tem só uma chave, afinal. Faz sentido que todas as urnas sejam abertas pela mesma. Confira a pilha de urnas na sala do conselho amanhã cedo, e se tiverem realmente vinte e cinco, essa será sua prova. Afinal, não deu tempo de devolver.

Se você perceber que uma urna extra existia como uma relíquia do passado de Kamiyama, não era tão difícil desvendar o truque dos votos ilegítimos. Como eu tinha uma irmã mais velha que estudou na mesma escola, pude ver o Colégio Kamiyama como mais uma coisa no fluxo do tempo, mas para Satoshi, que só tinha uma irmã mais nova, ele demorou para perceber isso. Era só isso, mas ainda assim deixava um gosto ruim. Apesar de achar que já entendia bem o passar do tempo, era quase como se me dissessem: “Talvez você não entenda de verdade o que isso significa.”

— Eu estava muito focado no que estava dentro da urna... Algo estava faltando — murmurou Satoshi, quase para si mesmo.

Eu dei de ombros em resposta ao comentário estranho e pensativo dele, e o movimento fez as moedas no bolso da minha camisa tilintarem delicadamente umas contra as outras.

*

 

Pelo que Satoshi me contou depois, ele informou o presidente do comitê geral sobre a hipótese que formulamos naquela mesma noite, e esse presidente, por sua vez, comunicou o presidente do comitê de administração da eleição. Ao que parecia, o presidente da comissão eleitoral continuou desconfiando do calouro da turma 1-E até o fim, mas, como realmente havia vinte e cinco caixas na sala do conselho estudantil, ele acabou cedendo.

A falha no sistema foi corrigida e a eleição foi realizada novamente, resultando na nomeação de Seiichirou Tsunemitsu como o novo vice-presidente do conselho estudantil. Em seu discurso de posse, transmitido para toda a escola durante o almoço, não houve uma única menção ao problema anterior.

Até hoje, não sabemos quem lançou os votos ilegítimos. Nas palavras do próprio Satoshi.

— Descobrir isso é trabalho do comitê eleitoral. Eu não tenho nada a ver com isso.

Eu concordava plenamente.

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