Volume 1
Capítulo 7: Descanso
Guiado por um sentimento forte, que crescia cada vez mais em meu peito, retorno ao inferno e vou matar saudade de minha terra natal, o quarto círculo: Ganância e Avareza.
Aqui residem os pródigos e avarentos, que em vida acumulavam dinheiro, gastavam quantias excessivas ou eram altamente materialistas.
Cada um deles se esforçou muito para manter o máximo de riqueza material possível. Então, por isso, os pecadores deste círculo são punidos de acordo com a natureza de seus pecados.
Em colinas amarelas como ouro — onde árvores verdes como dinheiro, nasciam —, os avarentos são castigados rolando pedras pesadas ladeira abaixo, simbolizando a constante luta e competição pelo acúmulo de riquezas durante suas vidas.
Enquanto os pródigos são punidos rolando pedras na direção oposta, no mesmo percurso que eles, representando assim a futilidade de seus gastos extravagantes e irresponsáveis.
No passado, fiz muitas apostas com os demônios do tipo Avaritia que lá habitavam, sobre qual alma humana impediria a outra de chegar ao topo da colina primeiro.
E torrava todo o dinheiro ganho nelas com os meus demais conterrâneos. Era muito engraçado ver como eles se humilhavam por algumas poucas cédulas e moedas.
— Ahh~ E pensar que já fui assim um dia~ — solto no ar, em um tom alegre, com uma certa nostalgia escondida em cada palavra.
Atualmente, encontro-me tranquilo, deitado no topo de uma colina, escrevendo — é claro. Vez ou outra, realizo uma pausa para comer o pouco de dinheiro que ainda me resta na maleta aberta ao meu lado. Ou então para admirar a beleza do vácuo sombrio que nós demônios chamamos de céu.
Foi em um desses momentos de vislumbre, entretanto, que um grande par de seios ofuscou a minha visão.
— O Rei Demônio exige um novo capítulo♡ — anuncia o demônio de sexo feminino em pé atrás de mim. Essa voz… acho já ouvi ela antes…
— Ora, e por que a pressa? Eu já entreguei a Vossa Majestade o mais recente que escrevi. Estou em dia com os meus compromissos de escritor, então tudo que me resta fazer é relaxar e aproveitar o dia. Carpe Diem. — Fecho os olhos.
— Enfim chegou a véspera de uma data que Vossa Majestade tanto odeia♡ Por isso ele deseja ouvir algo seu♡ — Apesar de seus gemidos, há um tom apático em sua fala.
Bruscamente abro meus olhos. — Droga! — E num susto levanto meu torço, sentando-me no chão. — Hoje é véspera de Natal?!?!?!
— Precisamente♡
— Mas que lástima! Tinha me esquecido dessa ocasião! Tenho nada pronto ainda…
— Então se vira♡ Soube que você possui outros dois contratantes, pode muito bem escrever sobre eles♡
— Não mais. Para encobrir os seus rastros, meu protagonista me pagou para matar eles, e assim fiz. — Caso estejam se perguntando, a quebra de contrato que realizei foi feita antes mesmo de Frederico me explicar o que eu tinha que fazer para poder executar aquele policial. — Suas almas devem estar sendo torturadas agorinha mesmo lá na vala a que pertenço.
— Entendo♡ Bom, seja como for, a mensagem foi dada♡
— De fato. — Pego algumas moedas da maleta ao meu lado e me viro para o demônio que esteve conversando comigo até então. — Aqui está uma pequena bonificação pelos seus serviços… — Arregalo meus olhos. Jamais imaginaria que o ser com quem estava dialogando até agora era minha… — General?!
Estou incrédulo. O que dizer do demônio do tipo Luxuria à minha frente? Ela tinha um longo cabelo liso da cor rosa, piercings na orelha e no nariz, usava nada além de uma armadura em formato de biquíni e simplesmente era a mais forte não só de seu círculo — o segundo, Luxúria — como de TODO o inferno. Literalmente a braço direito do Rei Demônio!
Com exceção dele, ninguém mais a pode derrotar. E boatos dizem que ela já chegou a liderar uma facção soberana nos tempos antes da vinda de Vossa Majestade ao inferno.
Caso ainda não tenha ficado claro o quão monstruosa essa demônio é, então saibam que o oitavo círculo, Heresia, é uma camada estratégica, pois ficava antes do nono círculo — onde o Rei Demônio habita — e servia como barreira para repelir uma possível rebelião dos círculos anteriores.
Logo, se um embate acontecesse, aconteceria nessa camada. E ELA QUE LIDERARIA NÓS, OS DEMÔNIOS A SERVIÇO DE VOSSA MAJESTADE, COMO UMA GENERAL!!! — por isso a chamamos assim.
— Afff… dinheiro?♡ Pode ficar, isso é inútil para mim♡ Se quisesse mesmo demonstrar gratidão pelos serviços de mensageria que realizo de bom grado pelo ser que eu amo, nosso rei, você, no mínimo, teria que trepar comigo♡
— A-Ah! — Levanto-me às pressas do chão e bato continência para ela. — Pe-peço desculpas, capitã, senhora. Por não haver contato entre diferentes tipos de demônios nos círculos do inferno — O oitavo círculo é a exceção. —, achei que estava conversando com alguém do mesmo tipo que eu, paga para me enviar uma mensagem.
— Hmpf, bem que eu achei que estava sendo tratada com frieza♡ Bom, você sabe que, enquanto os demais demônios a serviço de Vossa Majestade podem transitar apenas entre o seus respectivos círculos e o oitavo círculo, eu posso ir para qualquer um, menos o primeiro♡ Então deveria estar preparado para me receber independente de onde estivesse♡
— Con-concordo plenamente, capitã! Nã-não cometerei esse erro novamente!
— Agora é tarde!♡ Estou realmente irritada com você♡ Pagará por isso!♡
Um calafrio percorre a minha espinha. Caio de joelhos e imploro: — Piedade, senhora! Juro estar tremendamente arrependido pelos meus atos!
— Mesmo?♡
— Sim! Faço qualquer coisa que me pedir para demonstrar isso! — Pera… POR QUE EU FALEI ISSO JUSTO PARA UMA DEMÔNIO DO TIPO LUXURIA????
— Muito bem, então♡ Tenho um pedido para lhe fazer♡
— Claro, diga-me. — BDSM NÃO, BDSM NÃOOOOOOOOO!!!
— Quero que você me coloque dentro da história que você está contando para o Rei Demônio♡
“Ah, espera. Então é isso…”, penso, logo começo a rir.
— O que pensa estar fazendo?♡
— Você… estava fingindo esse tempo todo, não é? Nunca esteve zangada comigo ou planejava me punir.
— Como é!?♡ — Ela parecia ultrajada. — Você duvida de mim?!♡ Pois lhe aplicarei uma punição agora mesmo!♡
— Então faça. Fico imaginando como Vossa Majestade se sentiria caso o novo capítulo que ele pediu não fosse entregue porque seu escritor estava sendo punido por sua general… Provavelmente, odiaria ela…
A demônio do tipo Luxuria, que até então estava com um punho fechado, abre a mão novamente e range os dentes.
Levanto-me do chão. — Kikiki, então eu realmente estava certo. Pergunto-me as intenções por trás desse pedido, para que fizesse tamanho espetáculo…
— … Isso não é óbvio?♡ Desejo ser amada por Vossa Excelência♡
Quê?! Certo. Algo que eu não havia dito antes, mas cabe dizer aqui agora, é que demônios do tipo Luxuria não buscam amor, apenas prazeres carnais cada vez mais intensos, a ponto de deixar qualquer um enojado.
O simples fato de minha general estar apaixonada a torna um demônio um tanto peculiar… assim como eu. Caramba, nós dois não somos tão diferentes, afinal…
— E como estar em minha obra faria com que você alcançasse esse seu objetivo?
— Humanos são patéticos e descartáveis, vemos eles apenas como ferramentas e brinquedos♡ Mas, com essa história que está contando, você fez com que que Vossa Majestade gostasse de um♡ Então, se eu estivesse nela…
Solto um sorriso de ponta a ponta. — Está bem, está bem, você me convenceu. Por um precinho camarada, você pode estar nele.
— Maravilha!♡ Quanto?♡
Hã? — Quinhentos reais.
— Show, aqui está♡ — De entre seus seios, ela tira um saco e o joga em minha direção. Ele cai no chão, revelando que nele há moedas. — Sempre ando com dinheiro confiscado, para quando precisasse fazer algum pedido para um demônio do tipo Avaritia.
Impressionante. Sabe, demônios são egocêntricos, importam-se apenas com os desejos de sua espécie e não possuem interesse nos dos outros. Demônios do tipo Avaritia se interessam apenas por dinheiro, demônios do tipo Luxuria se importam apenas com sexo, e assim por diante.
Por isso estou assustado em ver dinheiro sendo carregado por alguém do tipo dela e utilizado como mecanismo de troca aqui no inferno.
Para mim, isso mostra o quão determinada ela está para cumprir o seu objetivo.
Sempre cobrei por coisas que queriam de mim, mas nunca foi sério. Apenas brincava, pois sabia que ninguém as compraria. Mas, dessa vez, tive o meu primeiro pedido feito por um demônio.
Recolho as moedas, conto elas uma a uma e guardo o saco onde estavam, no meu bolso. — Certo. Para você participar da obra, basta você se envolver nos eventos principais de sua trama.
— Como assim?♡
— Aproxime-se, e eu te direi tudo.
Em seu ouvido, cochicho o que ela deveria fazer. — Ah!♡ Só isso?♡ Pois bem, começarei agora mesmo!♡
Ela se despede e se afasta de mim. A Súcubo — de agora em diante, por motivos comerciais, irei a chamar assim —, então, abre suas asas e voa para além de onde meus olhos podem ver.
Curiosamente, demônios são proibidos de voar no inferno. O Rei Demônio impôs essa lei para evitar possíveis rebeliões aladas, mas, claro, ela é a exceção — além da de abrir as asas e ir em direção a um portal no céu.
— Certo, agora é minha vez de ir. Tenho um novo capítulo para escrever o mais rápido possível!
Pego o saco de dinheiro em meu bolso e o jogo na maleta, fechando-a logo em seguida. Após, recolho o objeto do chão e olho os arredores. Vejo que não havia alguém por perto, a não ser de uma velha árvore.
Vou até ela e me aproximo de suas raízes expostas. Agacho-me e começo a cavar um buraco fundo no local. Ao finalizar, jogo a maleta dentro e a enterro com terra.
Aquele é o meu cofre, o lugar onde sempre escondo o meu dinheiro de possíveis bandidos.
Coloco no local da escavação três pedras empilhadas que encontrei por aí, assim sinalizando para mim mesmo onde foi que eu enterrei os meus bens.
Com todos os preparativos prontos, limpo minhas mãos e olho para baixo. Um vórtice roxo surge abaixo de meus pés e me suga para dentro dele.
Iria retornar ao mundo humano novamente, para perto de Frederico. Mas tanto tempo se passou… que acho válido uma recapitulação básica dos eventos, antes de chegar lá.
Não quero ficar tão perdido quanto vocês devem estar neste exato momento. Então, bom, deixe-me acessar as memórias dele… e vamos lá!
***
Após Raphael sair correndo da sala do financeiro, ao ver Rubens sendo arrastado para o inferno, Frederico abriu as portas do armário onde estava escondido.
Uma quantidade imensurável de fumaça saiu de dentro dele, e o seminarista, todo pálido, caiu no chão e começou a tossir horrores. Parecia que iria expelir o seu pulmão fora!
“Você vai pagar por isso, policial!”
Em seu interior, amaldiçoava o homem cortês que havia fugido com rabo entre as pernas, pois por um momento as coisas haviam saído de seu controle.
De forma alguma era para Raphael ter encontrado o local onde estava escondido. Frederico tinha preparado tudo para que ele tivesse a mesma ideia que seu antigo diretor teve. Porém o sangue em sua nuca — agora coagulado — o havia atrapalhado.
“Bem que eu previ que isso poderia acabar acontecendo… Ainda bem que eu consegui escrever o nome de Rubens a tempo e o arrastei para o inferno. Senão, se aquele policial me visse, tudo iria por água abaixo…”
O seminarista, com os olhos cheios de lágrimas, cobriu o nariz, levantou-se e fechou o armário de metal. Abriu todas as janelas do recinto para repelir a fumaça e, então, uma voz feminina muito característica chegou em seus ouvidos.
— Chefinho~ Cadê você?
Ao ouvir claramente o som de Rita se aproximando, Frederico se escondeu embaixo de uma mesa escolar perto da porta. O próximo passo de seu plano estava prestes a começar.
A secretária adentrou a sala do financeiro. Pelo que vimos anteriormente, podia-se afirmar que ela estava intrigada com o sumiço de Rubens, então por isso o estava procurando.
— Meu deus, o que é isso!?
A mulher de belas curvas se assustou com a quantidade de fumaça que saía de dentro do armário de metal e se aproximou dele, para ver o que estava acontecendo.
Nisso, Frederico sorrateiramente saiu de seu esconderijo, deixou a sala do financeiro e fechou a sua porta.
— Hã? O que está havendo? — Rita perguntou, e em seguida ele quebrou a maçaneta, trancando-a ali dentro. — Ei! O que está acontecendo?! Me tirem daqui!
Para abafar o barulho que a secretária começou a fazer, ao bater na porta, o seminarista encheu os pulmões e gritou:
— TEM UMA LADRA ROUBANDO DINHEIRO DO COFRE DO SEMINÁRIO! EU VI!
Ele começou a correr, espalhando essa mentira pelos corredores, até ter a oportunidade de ligar para a polícia.
A princípio, eles estranharam. — Já não haviam enviado alguém para aí? — indagaram-se por telefone.
Mas então dois homens da lei apareceram, levando Rita sob custódia e Frederico como testemunha.
Quando interrogaram nosso protagonista, ele disse não saber que haviam ligado para a polícia anteriormente. Tudo que fez foi após ter passado pelo corredor da sala do financeiro e ver a secretária de seu diretor roubando dinheiro do cofre do seminário.
Os policiais, de início, desconfiaram de seu relato. Mas, depois de checarem o álibi do seminarista e de sua versão dos fatos, acabaram comprando esse testemunho e prenderam Rita.
Investigaram sua casa e, nisso, encontraram envolvimento dela em algo muito maior: cumplicidade em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro, organizado pelo diretor, Rubens, até então desaparecido sem deixar rastros.
Descobriram uma relação extraconjugal entre os dois, e todos os bens confiscados deles foram convertidos em lucro para os cofres do seminário.
Sim, “cofres”. Eles tiveram que comprar mais um de tanto dinheiro que receberam. Ganharam bem mais do que Frederico havia dado para mim!
Curiosamente, após ser indiciada por esses crimes que cometeu, um mistério aconteceu. Rita havia sumido de sua cela, sem deixar pistas de seu paradeiro.
Os policiais responsáveis, em entrevista a um jornal, disseram, em uma breve metáfora, que parecia que ela havia fugido por debaixo da terra…
Enfim, depois desse terrível evento, o seminário onde Frederico estudava deu uma pausa e retornou com diretor e secretária novos.
E então nosso protagonista fez seus exames finais e concluiu com louvor o seu curso, assim virando padre.
Seus pais ficaram orgulhosos dele e o deixaram ficar em sua casa, até que a Diocese escolhesse uma Paróquia para Frederico ministrar…
Ufa, acho que é isso. Esses foram todos os eventos que aconteceram desde então. Agora sim estamos informados!
Olho para cima, vejo uma luz pouco brilhosa. De repente, lá estava eu ao lado de nosso mais novo padre…
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