Volume 1
Capítulo 14: Falso Mártir
Após a aparição do “Mártir” na televisão, Frederico foi liberado e, junto do bispo e sua equipe, retornou para a sua paróquia.
As visitas haviam voltado, e todos passaram a conviver novamente sob o teto da mesma igreja, como se nada tivesse acontecido antes.
Nosso protagonista, em seu quarto, arrumava-se cedinho para mais um dia de celebração, quando eu surgi atrás dele.
— Estou impressionado — comentei. — Como consegues manter tamanha frieza mesmo depois de tudo que passou?
— Porque eu estava ciente dos perigos que iria enfrentar, oras! Foi eu que escolhi passar por aquilo, afinal. — Frederico olhou para mim através de um espelho e, após, voltou a se ajeitar. — E você, Narrador, o que está fazendo aqui?
— Vim tentar entender como foi que as coisas acabaram daquele jeito. — Mesmo após o término daquela bênção temporária de Agostinho, algumas de suas memórias e pensamentos continuavam inacessíveis para mim, como se tivessem sido deletadas.
— Ah, isso? Bom… — Por um breve momento, nosso protagonista sentiu vergonha. — Creio que não lhe deva dar satisfação. Nada disso é importante. — Ohhh… é mesmo? Kikiki.
— Nananinanão. Nós assinamos um contrato, e nele estava claro: acesso total a suas emoções, pensamentos, memórias e sentimentos. Se não me disseres o que quero saber, encerro o contrato agora mesmo e tiro de ti o meu poder. — E a sua vida.
— Afff… demônios e suas capacidades de distorcer as palavras… — murmurou enquanto massageava suas têmporas. — Está bem. Você quer a verdade? A verdade é que, depois que Agostinho me contou suas suspeitas e revelou que tinha um plano, entrei em desespero e o julguei como um risco para o sucesso de meu objetivo principal.
“Ou seja, assim que retornei para o meu quarto naquele dia, tentei arrastar ele para o inferno.
“Porém quando escrevi o seu nome no papel e ateei fogo… nada aconteceu. O bispo continuava firme e forte entre nós.”
— O quê?! Mas isso é impossível! — A menos que…
— Tive muito tempo para refletir e cheguei à conclusão de que o nome que Agostinho fornece é falso. — Certo, podia ser isso também.
— Entendo. Então creio que você não teve exatamente muita escolha quando ele veio lhe fazer a proposta do plano…
— Precisamente. Devido ao curto espaço de tempo entre meu pânico e seu pedido, não consegui planejar nada, a não ser orar para Deus.
“Mediante todas as coincidências que aconteceram em minha trajetória até aquele momento, o melhor que eu podia fazer era deixar tudo nas mãos dEle.
“Iria respeitar, e aceitar, qualquer fosse a sua vontade, qualquer fosse o destino que havia reservado para mim. E cá estou eu.”
Não poderia chamar isso de força divina, mas definitivamente existia uma outra força envolvida nisso. Mas, peraí…
— Quer dizer então que você teve nenhum envolvimento com aquela aparição do Mártir na televisão?
— Exatamente. Não faço ideia de quem fez aquilo, só sei que veio em boa hora. — Frederico esboçou um sorriso orgulhoso. — Pelo pouco que observei dele assim que saí do confinamento, poderia com ele resolver três problemas meus: um momentâneo, um futuro e um recorrente.
“Atualmente, enquanto estiver sob o mesmo teto que Agostinho e seus capangas, não poderei usar o poder que tenho.
“Então o Falso Mártir seria uma forma de continuar punindo criminosos, uma vez que seria estranho se o verdadeiro parasse de fazer isso logo quando eu sou o suspeito principal, e eventualmente punir o bispo, sua equipe e pecadores em uma hierarquia inferior à minha, algo que já comentei anteriormente.
“Tudo que eu preciso fazer é encontrar ele…”
Desgraçado, Frederico realmente montou um plano para superar aquela barreira que todos os meus contratantes um dia empacaram!
Se ele seria bem-sucedido, aí já era outros quinhentos. Precisava aproveitar que o futuro ainda era incerto, para tentar lucrar.
— Olha, caso queira, posso encontrar o Falso Mártir para você, por um preço baratinho…
— Nada disso! Sei muito bem que cobraria o olho da cara por isso! — Droga, pior que iria… — Além do mais… — Com um olhar distante e virtuoso, o padre olhou para a janela de sua suíte. — Deus foi o responsável por me apresentar essa pessoa. Tenho certeza que Ele o colocará em meu caminho novamente, ainda mais agora que esse é o meu objetivo atual.
Sua arrogância… como ela me irritava! — Oh… quanta prepotência. Devo presumir então que agora você também não tenha um plano.
— Muito pelo contrário, sei exatamente o que fazer. Chega de bancar o “bom-samaritano”; está na hora de agir. Meu erro foi subestimar Agostinho, mas ele é um oponente diferente de todos os outros que já enfrentei. Alguém tão forte quanto eu.
Espantei-me. Foi uma surpresa para mim ver alguém como ele admitindo isso. — É-é mesmo? E o que pretendes fazer?
Logo, Frederico terminou de se arrumar e se virou para mim, com um olhar determinado e afiado. — Por que você não me acompanha e vê com seus próprios olhos?
Cada palavra proferida continha uma confiança absurda. Parecia estranho dizer isso, mas a reclusão fez bem para ele.
Animado, possuí o padre, e ele deixou seu quarto. Dirigiu-se até a cozinha e lá se deparou com o bispo e sua equipe.
Agostinho, como sempre, preparava o café da manhã, enquanto Soryu, sentado à mesa com os demais membros do grupo, lia a matéria de um jornal que estava em suas mãos.
— Entenda a misteriosa causa da morte ao vivo do mais importante âncora do Vale do Paraíba! — proferiu em voz alta para que os outros também pudessem escutar. — A polícia suspeita que a vítima tenha tido uma “cópula” após ingerir alguma droga sintética antes de ir ao ar.
— “Cópula”? O que é isso? — perguntou Dimitri.
— É um fenômeno que ocorre em zangões durante o voo nupcial com uma abelha-rainha — intrometeu-se Agostinho enquanto servia comida aos seus colegas. — Quando alcançam o “clímax” do ato sexual, os machos liberam seu sêmen com tanta velocidade e força que seus testículos explodem. Dizem que há um estalo audível quando isso acontece e, após, o zangão morre. Igual ao que vimos acontecer com o âncora.
Todos na mesa fizeram uma cara azeda e reflexivamente puseram suas mãos acima de suas partes íntimas, com a explicação que receberam.
Lamentaram a luxúria e promiscuidade humana e desejaram que a vítima estivesse bem onde quer que estivesse.
Homens eram tão curiosos… Só conseguiam sentir a dor do próximo se houvesse testículos ou pênis envolvido… kikiki.
— E… é possível seres humanos terem isso também? — indagou um dos membros da equipe.
— Naturalmente, não, Alonso. Como deve ter escutado na leitura de nosso companheiro, aparentemente uma droga sintética é capaz de provocar algo dessa magnitude. Mas não acredito que tenha sido isso o que ocorreu.
Todos ficaram surpresos, parecia que o bispo sabia de algo que eles não tinham ideia do que era.
Pediram para que Agostinho compartilhasse seus pensamentos, e assim que a equipe foi devidamente servida, ele se sentou na cadeira da ponta e começou a se explicar:
— Não sei se vocês chegaram a perceber, por causa daquilo que vocês falaram anteriormente, mas… a forma como o âncora morreu não é diferente da forma como as outras vítimas do Mártir morreram?
A equipe exibiu um semblante perplexo. — Hmm… de fato, normalmente elas costumam sumir, arrastadas para o inferno, como algumas testemunhas afirmam… — comentou um deles.
— Exato. De acordo com o que eu havia estudado, achava que o Mártir tinha um pacto com um demônio da espécie Ira ou Avaritia, no entanto a morte desse âncora tinha as características de um pacto com um demônio da espécie Luxuria.
Nossa, o bispo era realmente bom. Quase havia acertado! Entretanto… Ira, sério? Bom, eu de fato poderia ficar bastante irritado com quem tentasse puxar meu tapete ou roubar meu dinheiro, mas também não era para tanto…
— Além do mais… — continuou — achei destoante o pronunciamento do Mártir do incidente do “Mundo Novo” com o desse telejornal. São bem diferentes. Enquanto o primeiro possuía um discurso mais religioso e elaborado, o segundo era bem mais simples e direto. Ele afirmava ser o salvador em vez de só uma ferramenta do Senhor, o que é uma blasfêmia.
Olhando um para o outro, com um certo medo no olhar, como se estivessem entendendo onde o bispo queria chegar, um deles preferiu jogar verde, provavelmente para saber se seu raciocínio batia com os demais.
— E… o que isso quer dizer?
— Dado aos fatos, não consigo não deixar de pensar na hipótese de haver um Falso Mártir à solta.
Todos inalaram em espanto com o anúncio de Agostinho. Frederico, porém — que até agora apenas observava a cena sem ser percebido — não parava de pensar em mais um motivo para encontrá-lo logo. Ela podia acabar manchando a imagem do Mártir, assim arruinando seus planos.
Achando essa ocasião uma boa oportunidade de sair das sombras e entrar em ação, nosso protagonista cumprimentou o bispo e sua equipe e seguiu até um armarinho de madeira.
Estes, de súbito, esconderam suas emoções, cumprimentaram-no de volta e não prosseguiram com o assunto anterior, como se fosse uma espécie de segredo que ele não poderia saber.
Enquanto o padre fingia mexer em algumas coisas, porém, decidiu lançar uma isca: ofereceu sua ajuda nas visitas para capturar o Mártir.
O grupo ficou confuso, entreolhavam-se, mas Agostinho foi firme e direto. Negou por todos a participação de Frederico na equipe.
— Não me entenda mal, Reverendo Senhor Padre — começou a justificar-se —, mas por causa das pistas que o anjo deu a Sua Santidade, e que martelam a minha cabeça o tempo todo, eu ainda suspeito que seja o Mártir.
“Mas que homem teimoso!”, esbravejou internamente. — Ainda isso? Achei que minha reclusão fosse a prova definitiva de que eu sou inocente.
— É verdade que, enquanto esteve preso, ainda assim houve morte e um Mártir para reivindicá-la. Mas não tem como saber se Reverendo Senhor Padre preparou algo antes ou… se está em conluio com mais alguém. Te libertei apenas para cumprir com o nosso combinado.
Frederico, em descontentamento, soltou um estalo de língua. — Com todo respeito, Vossa Excelência Reverendíssima, creio que eu esteja sendo alvo de perseguição!
— É mesmo? Então por que ainda consigo sentir um cheiro ruim vindo de ti, agora que se livrou da bênção temporária? — Agostinho inclinou-se, apoiou os cotovelos sobre a mesa e entrelaçou os dedos. — Antes de começar o experimento que você se voluntariou, achava que a falha dele tiraria Reverendo Senhor Padre de minha linha de raciocínio… mas isso se provou o contrário. Minhas suspeitas só aumentaram.
O coração de Frederico começou a bater mais rápido, mas seu rosto carregava uma expressão plena. — Bom… se Vossa Excelência Reverendíssima acha tudo isso mesmo, é aí que deveria aceitar a minha ajuda em suas visitas.
— Hm? Por quê?
— Caso eu, realmente, seja o Mártir, imagine quantas vítimas eu poderia fazer na sua ausência, sem o seu conhecimento. Estar perto de mim não passaria de uma forma de me vigiar e impedir que isso ocorra.
Agostinho recuou por um momento e permaneceu pensativo. Com um suspiro, deu seu veredito:
— De fato, o que disse faz sentido… Não vejo outra alternativa a não ser aceitar a sua ajuda.
Contrastando com as expressões de choque da equipe, nosso protagonista esboçou um sorriso genuíno de felicidade. — Muito obrigado por acatar a minha ideia. Farei o meu melhor para ajudar os senhores!
Logo, o bispo finalmente deu uma mordida no alimento à sua frente e, após, pediu para que o padre os acompanhasse em uma visita no fim da tarde.
Disse que conhecia o dono daquela emissora onde o âncora morreu – era um padre em atividade, cuja igreja era a próxima na fila de visitas — e achava uma boa ideia perguntar para ele o que havia acontecido.
Frederico assentiu e então se aproximou da mesa, juntando-se aos demais. Tomou café da manhã, e ao terminar, o bispo o acompanhou até o altar, para ajudá-lo com a celebração daquele dia — mais uma vez o antigo líder da paróquia não poderia comparecer…
***
Finalizada a missa, Frederico e Agostinho organizaram a igreja e, então, juntaram-se com o restante da equipe, que os esperava no portão principal.
Todos seguiram andando até a paróquia do dono da emissora onde ocorreu o ataque do Falso Mártir. Quando chegaram, porém, avistaram alguns policiais saindo de lá.
Eles não vestiam farda, mas carregavam consigo seus distintivos de identificação. Um deles, um sofisticado homem negro de terno e sapatos de grife, avistou o grupo e inclinou sua cabeça. Seus olhos, fixos no bispo.
— Dom Agostinho?
Ao ter seu nome mencionado, observou a pessoa à sua frente e, quando pareceu tê-la reconhecido, abriu um enorme sorriso.
— Tomás, se não é você! Há quanto tempo!
O homem sofisticado soltou um riso educado. — Pois é, parece que se passaram décadas…
Os dois se aproximaram e deram um aperto de mão, que progrediu para um abraço rápido. Ao concluírem o cumprimento, o bispo deu o pontapé inicial:
— E a família, como vai? Sua esposa e seu filho vão bem?
— Vão sim. Meu pequeno agora tá grande, tem cinco anos, e ‘tá esperando uma irmãzinha.
— Oh! A Jane está grávida de novo?! Meus parabéns!
— Obrigado. Queria ter te dito isso pessoalmente quando soube que você estava aqui na cidade. Mas, quando fui para a diocese, não encontrei você lá.
— E nem vai encontrar por um bom tempo…
— É mesmo? Por quê? O que foi que aconteceu?
— Bom, é uma longa história…
Agostinho, então, explicou a situação em que se encontrava. Desde o chamado do Papa até o momento atual. Concluiu, por fim, contando onde ele e sua equipe estavam alojados.
— Caramba, uma investigação por conta própria, a pedido de Vossa Santidade em carne e osso!
— Exato. Gostaria de saber se estaria interessado em colaborar com ela.
— Normalmente, eu não aceitaria... mas posso abrir uma exceção para você, meu amigo. Vai falar com aquele padre que é o dono da emissora, né? — Agostinho assentiu. — Perfeito, então se ele lhe contar algo, eu devo ser informado. Essa é minha condição. Apesar dele não ter aberto o bico para mim e meus colegas, ele claramente parecia esconder algo…
O bispo aceitou os termos, e logo os dois se afastaram de suas respectivas equipes e foram para um canto, trocar detalhes.
Para infelicidade de Frederico, que estava surpreso com a conquista repentina do bispo — uma colaboração com a polícia —, não conseguia ouvir eles conversando. Ninguém conseguia.
Ao término da troca de informações, ambos voltaram a seus postos, ao lado de suas respectivas equipes.
O detetive se despediu, e o bispo fez o mesmo, acrescentando que, quando tudo acabar, ele o chamaria para pôr a conversa em dia.
Logo, Frederico, Agostinho e seus cavalheiros adentraram a igreja do dono da emissora que estavam investigando.
Seu salão principal não era tão diferente quanto o das demais igrejas, exceto pelo fato de ser mais bonito, luxuoso e tecnológico.
Os bancos onde os fiéis se sentavam eram almofadados, as paredes possuíam uma cor harmoniosa e nova, recém pintada, e havia câmeras ao pé do altar.
Em um desses assentos, tinha um velho enxugando seu suor com um paninho. Uma bengala repousava ao seu lado.
Hm… talvez eu o conhecesse. Não foi ele o primeiro padre que se levantou na reunião da diocese, para protestar contra a visita do bispo?
Seja como for, ao perceber a presença de Agostinho, pegou sua bengala e ficou em pé. Guardou em suas vestes o paninho que usava e esticou o braço para um aperto de mãos.
— Oh! Seja bem-vindo, Vossa Excelência Reverendíssima. É uma honra tê-lo aqui hoje.
— A honra é toda minha. — O bispo apertou sua mão. — Acho que vim em um horário ruim…
— No pior de todos, se me permite ser franco. Creio que deva ter se esbarrado com alguns oficiais no caminho até aqui.
— Sim. Imagino que tenham vindo aqui para lhe fazer perguntas a respeito do ocorrido àquele âncora de telejornal. Gostaria de antemão desejar as minhas condolências. Você e a vítima eram próximos?
— Hm? Não, eu nem sequer o conhecia. MAS AQUELES HOMENS DA LEI INSISTIAM EM DIZER O CONTRÁRIO! — O padre elevou a voz, mas então recompôs a postura. — Tentaram criar provas contra mim. Tudo mentira!
— Ah, é mesmo? Fico feliz em ouvir isso. Quer dizer então que as informações que os policiais me passaram eram falsas…
— Co-como?!
Logo, as cartas foram postas na mesa, e o verdadeiro interrogatório começou.
O padre diante deles era conhecido por receber ex-detentos em sua paróquia. Alguns deles haviam se convertido para o caminho de Deus, mas outros continuavam na vida do crime.
De acordo com a polícia, estes últimos trabalhavam com esse senhorzinho que mal conseguia ficar em pé. Esses criminosos forneciam drogas para ele, e o padre as vendia, sob o teto da igreja, e repartia os lucros.
Acreditava-se que o velho era o fornecedor da substância que matou o âncora.
Foi usando esses fatos que Agostinho o pressionou, e o pressionou, e o pressionou.
O padre ficava cada vez mais tenso, até que em um determinado momento surtou. De suas vestes sacou uma faca e agarrou o bispo. Com a lâmina da arma direcionada para a sua garganta, fê-lo de refém.
Frederico e a equipe de cavalheiros, nervosos, começaram a se espalhar cuidadosamente em volta do padre, na tentativa de encurralá-lo.
Mas ele havia percebido suas intenções e ameaçou: — NEM MAIS UM PASSO! Ou eu acabo com o bispo de vocês!
O velho apertou com ainda mais firmeza o cabo de sua faca, e todos permaneceram parados em seus respectivos lugares.
— Larga isso, pelo amor de Deus! — pediu Agostinho. — Me solte e vamos conversar…
— NADA DISSO! Liberarei você só quando eu estiver bem longe daqui!
Conforme o padre se afastava deles, Frederico percebeu que aquela era a melhor hora para entrar em ação e roubar a cena.
Logo, em meio ao caos de pessoas impotentes, implorando para que Agostinho fosse solto, Frederico fez uma simples pergunta:
— Diga-me, Reverendo. Se algum dia ou noite um demônio se aproximasse de você em sua solidão mais profunda e dissesse: “Esta vida como você a vive agora e a viveu, você terá que vivê-la novamente e inúmeras vezes mais”, não se lançaria ao chão, rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que falou assim?
O salão principal aquietou-se. Todos ficaram perplexos com as palavras que saíram da boca de nosso protagonista, do completo nada.
Honestamente, até eu havia ficado confuso. Era para eu fazer aquilo que ele havia perguntado?
— Hã? Do que você ‘tá falando? O que que isso tem a ver com a situação!?
Com a resposta, alguns cavalheiros cochichavam para ele parar com isso. Outros questionavam o que ele pensava estar fazendo.
Frederico apenas os ignorou. Olhou para cima; avistou uma linda vidraça em mosaico. Dela, saíam raios de luz que atingiam o chão à sua frente. Ele se encontrava na sombra dela.
— Coloquemos uma maçã em uma caixa infinita completamente fechada, de onde nada entra nem sai, e esperemos milhões e milhões de anos. Antes de abri-la, a fruta estaria intacta.
“Isso ocorreria porque a maçã apodreceria e se tornaria pó, que ainda conteria energia química.
“Essa energia eventualmente seria liberada, tornando-se extremamente quente, e suas partículas começariam a se fundir.
“Esse processo levaria muito tempo, pois as reações nucleares acontecem de forma extremamente lenta, mas, eventualmente, aconteceriam.
“Com o passar dos bilhões e bilhões de anos, o plasma se converteria em fótons, e os neutrões se transformariam em prótons e a outras “partículas fundamentais”.
"Logo, se deixarmos a maçã na caixa por um tempo infinito, suas partículas passarão por todos os estados possíveis, até que comecem a repetir estados anteriores.
“E, se esperarmos novamente por muito tempo, poderemos abrir a caixa e ver a maçã.”
O padre parecia imerso em seus próprios pensamentos. Confuso, eu diria.
E Frederico, aproveitando-se de sua distração, deu um passo para frente. Agora, encontrava-se em uma posição de destaque. Banhado por aquela luz de outrora e à frente dos demais cavalheiros.
Percebendo sua aproximação, o velho recuperou o foco e voltou a ameaçar: — Pa-para trás! E-esse é o meu último aviso!
Nosso protagonista permaneceu parado e continuou o seu discurso:
— O que quero dizer com isso é que suponhamos que não exista Céu ou inferno e que tudo o que aconteceu, está acontecendo e acontecerá na existência humana e no universo retornará de maneira cíclica, repetindo-se infinitamente.
“Cada ação, escolha e experiência teria que ser enfrentada repetidamente. Portanto seria necessário viver de tal maneira que se pudesse olhar para trás em cada momento da vida e dizer "sim" a ele, pois seria eternamente recorrente.
“Logo o Reverendo conseguiria aceitar e abraçar cada momento de sua vida como algo que ocorrerá repetidamente para sempre? Enfrentaria não apenas os momentos agradáveis, mas também as dificuldades e dores, com aceitação e amor?
“Conseguiria dizer “sim” para o que está fazendo neste exato momento e para o que for que fizer depois disso?”
A mão do padre começou a tremer. Seus olhos, de início, transmitiam choque. Depois, medo e, por último, remorso.
De repente, afastou a faca do pescoço do bispo, e Agostinho correu em liberdade para longe dele, parando apenas quando perto de sua equipe.
Logo, o velho derrubou a arma que estava em sua mão e caiu de joelhos no chão. — O que foi que eu fiz…
Desamparado e arrependido. Frederico se aproximou dele e colocou a mão em seu ombro. O padre levantou o rosto; seus olhos se encontrando com os dele.
— Só uma grande dor é a libertadora final do espírito… Duvido que tal dor nos torne “melhores”, mas sei que isso nos torna mais profundos.
“Então, por favor, busque encontrar significado e propósito mesmo nas situações mais desafiadoras.
“Diga 'sim' à vida e nos ajude a capturar o Mártir, nos ajude em nossa investigação!”
O velho começou a lacrimejar. — Certo, certo, eu vou. Irei contar tudo que sei para vocês!
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