Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 19.1: O Beeper Soou

 — E aí o Verde fala para você ficar com esse negócio? — O Boe apontou para o convite de Uahmyr que eu segurava nas minhas mãos. Ele estava sentado no chão, porque ele estava mexendo no celular até então e o mesmo estava ligado na tomada do canto, carregando.

 — Não sei para vocês... Mas para mim parece perigoso para caramba, amigos... — Disse o Gary, que estava procurando uma caixa vazia na estante. — Depois de todo o trabalho que tivemos para pegar isso.

 — Você mais que os outros. — Disse o Boe para Gary em tom de chacota.

 — É. Aquela vaca do DCAE me pegou de jeito. Eu admito. Agora podem parar com isso.

 Os três estávamos em um esconderijo do chefe que fica atrás de um restaurante recém-aberto chamado Sweet Oaks. O esconderijo fica anexo ao prédio, mas não tem entrada explícita. Só se pode acessar pela entrada escondida na sala dos funcionários da limpeza.

 Eu segurava nas minhas mãos o convite do Arthur Cooper, aquele pedaço de papel medíocre que valia tanto para os chefões da máfia de Sproustown; aquele pedaço de papel pelo qual tivemos que nos expor para o DCAE há dias atrás.

 Eu estava comentando com os dois que o chefe decidiu por bem deixar o papel comigo e não ficar com ele, e assim como o Gary disse, eu concordava que era perigoso.

 — Mas por que será que ele não quis guardar com ele?

 O chefe é danado... Eu tenho pelo menos duas suspeitas do porquê dele ter deixado comigo, mas eu não queria falar para o Gary e para o Boe naquela situação. Por isso fiz que não sabia. Só balancei minha cabeça meio relutantemente.

 — Esse Verde... — Prosseguiu o Boe — Tanto trabalho e agora ele me faz uma dessas... E o que foi aqueles dois tentando roubar o convite do Cooper errado? Agora todo mundo acha que foi tudo a gente.

 — Nós três estamos procurados para caramba... Acho que devíamos pegar um iate e tirar umas férias fora de Sproustown.

 — Mas o DCAE não viu nosso rosto aquele dia, lembra das máscaras? — Eu disse.

 O Gary fez um gesto impaciente com a mão na minha direção:

 — As máscaras... Eles são o DCAE, Spikey! Todo mundo lá tem finesses e tecnologia alienígena e coisas do tipo. Quais você acha que são as chances de não ter ninguém que sabe reverter esse tipo de coisa na câmera?

 — E mesmo se não tiver, eles têm a database de todos os seres paranormais já encontrados. Considerando que a secretária viu um Eufórbio com os próprios olhos... Não vão demorar para colocar os olhos em você, meu caro.

 Verdade... A garota da recepção tinha me visto...

 E agora que ela tinha me visto eu teria que cuidar de mim mesmo em dobro.

 Aquele chefe... E após tudo ele ainda me faz ficar com o convite.

 Querem saber por que eu acho que o Verde deixou esse convite comigo? Bem... Isso é uma longa história, e é só uma teoria. O que motivou essa teoria foi o caso dos dois bandidos que invadiram a casa do Cooper errado tentando procurar o convite. Mesmo que possam ter sido dois caras trabalhando para o Wilkinson ou para o Dragão, acho difícil acreditar que dois dias depois do ocorrido eles não tenham ficado sabendo da notícia, ela passou em todos os jornais: “invasão no departamento de casos especiais...” E se Wilkinson ou o Dragão tivessem visto a notícia não teriam mandado os dois procurarem o convite no lugar errado. Não teriam procurado em lugar nenhum, porque sabiam que ele já estava com a gente.

 Desta forma uma das ideias que eu tive foi que o chefe mesmo quem estava contratando os dois à parte, pra que a polícia ficasse à nossa procura.

 Se lembram que nós três: eu, o Gary e o Boe, um dia comentamos sobre como o chefe queria se livrar da gente, trocar a gente por mais alguém? Alguém que trabalhasse para ele de verdade? E se de repente fosse isso?

 E isso leva à minha primeira tentativa de dedução de por que o Verde deixou o convite comigo: já que a polícia está à procura do convite entre outras coisas, isso vai fazer a polícia me perseguir ainda mais. Eu não sei como anda o DCAE com as pistas a respeito desse convite, mas quanto mais eu carrego o papel comigo mais eu me arrisco.

 Desta forma isso traz à tona um segundo motivo que eu pensei, que poderia esclarecer sobre o fato de o chefe ter deixado o papel comigo: supondo que ele está mesmo querendo jogar a polícia contra nós três, agora que ela está à procura dele (já que é melhor perder nós três do que o pessoal que realmente trabalha para ele), se ele realmente queria o convite, esse convite que está na minha mão deve ser uma falsificação. O dia em que o chefe falou para o convite ficar comigo porque ele estaria mais seguro se passou depois de nós termos pego o convite naquele sábado quando invadimos o DCAE. Imagino que no meio tempo ele deve ter feito um convite falso e me dado, sob o pretexto de que era o mesmo convite que pegamos naquele dia, e agora ele tem o verdadeiro e nós só temos em mãos um pretexto para sermos presos e levar a culpa de tudo, caso a polícia nos descubra. Isso ajudaria bastante o chefe, porque mesmo que quiséssemos, não poderíamos dar nenhuma informação valiosa sobre ele para a polícia, então um acordo com eles estaria fora de questão. Com o caso encerrado com nós três sendo capturados, o chefe, embora o verdadeiro culpado, estaria fora do radar do DCAE.

 O outro motivo para o chefe ter deixado o convite comigo, dando ainda mais suporte à minha teoria, é que ele deve achar que esse convite tem algum tipo de localizador, seja por satélite ou por finesse de alguém. O pessoal da Arena deve ter pensado em alguma maneira de não deixar eles caírem nas mãos de outra pessoa. Ele não pode ser falsificado, é verdade, mas ele pode ser roubado e a identidade do verdadeiro dono falsificada, o que é o plano do chefe. E se a própria staff da Arena pensou em uma medida contra esse tipo de fraude? E se estivermos sendo seguidos não só pela polícia mas agora pela staff da Arena pelo convite roubado, do ponto de vista do chefe seria bom deixar o original comigo e salvar a pele.

 Se minha teoria sobre o segundo motivo estiver correta, o convite que tenho em mãos é falso, e se minha teoria sobre o terceiro motivo estiver correta ele deve ser ainda o verdadeiro.

 Tudo isso são apenas reflexões que fiz a mim mesmo, não falei nada para o Gary nem para o Boe, e o que estávamos fazendo naquele dia era parte de um plano que elaborei para me livrar dessa sina, seja qualquer a verdade sobre a situação em que me encontro.

 O plano é simples: eu vou no esconderijo do Sweet Oaks, encontro uma caixa vazia, e deixo o convite lá. Dessa forma não sou mais procurado pela polícia nem pela Arena, e se o chefe perguntar o porquê de eu ter feito isso posso simplesmente responder que era mais seguro escondê-lo do que levá-lo comigo, caso eu seja capturado por alguém do DCAE ou pior: do Wilkinson ou do Dragão. Desta forma todo mundo está feliz e eu me livro da sina. Seja o convite falso ou verdadeiro, tanto ele estaria seguro no esconderijo, como eu estaria seguro longe dele.

 O pretexto sob o qual trouxe os dois ali naquele dia foi justamente esse: deixar o convite em um lugar seguro. Originalmente eu disse ao Boe que o Verde queria que eu levasse o convite comigo e sugeri a ele que queria escondê-lo, e então foi ele quem me contou deste lugar, e então combinamos todos de vir ali naquele dia.

 — Amigo... — Perguntou o Gary ao Boe — Você acha que a polícia está atrás de nós? Quer dizer... É claro que está, mas você acha que somos o caso principal no qual ela está se concentrando? Ou será que a poeira já baixou um pouco desde aquele dia?

 — Não... Eu acho que o DCAE deve estar se concentrando no caso do lobisomem que comeu o outro policial lá.

 — Um lobisomem comeu um policial? — O Gary pegou uma caixa do fundo da prateleira, segurando todas as coisas que estavam em cima com a outra mão. Depois jogou a caixa na minha direção.

 — Não ouviu? Um lobisomem está à solta. É o novo culpado pelo crime do Jeffrey. O policial do DEA é encontrado morto no meio do parque, eles vêm que as feridas são iguais às do outro cara lá... Aí aparece casos de pessoas contando que viram um lobisomem.

 — Que coisa, mas será que...?

 Ouvimos um beep do aparelho, que estava em cima da cadeira. Era o aparelho que avisavam a gente que tinha alguém indo à direção do esconderijo. Os garçons do Sweet Oaks eram todos verdes, isto é, trabalhavam para o chefe, e só nós e mais alguns que entrávamos naquele lugar. Por precaução quando entrávamos, levávamos o beeper junto, desta forma eles podiam nos avisar caso algo desse errado.

 O beeper fazendo o barulho era algo inacreditável. Era como ouvir o apito do alarme de incêndio. Era o barulho que nunca queríamos ouvir. Se ouvíamos era porque algo muito errado aconteceu.

 A atmosfera do ambiente mudou.

 — Quem será? — Perguntou o Gary.

 — O Owen que apertou... — Disse eu olhando o aparelho. Era um dos funcionários que deveria estar na entrada do restaurante.

 Ficamos uns momentos em silêncio tentando ouvir o que estava acontecendo. Mas nenhum de nós três conseguiu ouvir nada.

 Olhei para o Gary, em meio à escuridão. Ambos fizemos um gesto afirmativo com a cabeça e ele colocou o cartucho que estava sobre a cadeira na pistola.

 — Eu vou me abaixar. — Disse eu.

 O Boe já preparava também a pistola dele, colocando-a de trás de si. Eu não estava com a minha na ocasião, mas eu tinha uma adaga que estava atrás de mim, tentei escondê-la com meu corpo, da visão de quem viria da porta, nunca se sabe quando esconder uma arma a mais pode vir a calhar. Por exemplo, se fosse um ser paranormal como um zumbi, que não toma muito dano com balas, a adaga poderia feri-lo gravemente se usada com a indarra.

 — Melhor você ficar na cadeira, ela vai te atrapalhar aí na sua frente. — Recomendou o Gary em voz baixa.

 O Boe parecia aturdido:

 — Como eles entraram aqui? Quem é? O Dragão? A polícia?

 — Não pode ser a polícia. — Eles não teriam tirado o Owen e os demais de cena. Acho que eles foram apagados.

 Eu e os dois ficamos desconcertados.

 Quem quer que fosse não era alguém normal, teríamos que esperar para ver.

 — Vocês acham que eles vieram por causa do convite...? — Perguntei

 — Sh! — Fez o Gary.

 — Agora Spikey, eles estão vindo. — Falou o Boe baixinho.

 Aconteceu que tínhamos ouvido passos logo do lado de fora da porta da sala onde nos encontrávamos. E assim que o Gary fez o som para silenciarmo-nos, o som cessou. O invasor estava do outro lado da porta.

 Aconteceu tudo tão de repente. Se tivéssemos tido mais tempo poderíamos ter armado uma emboscada. Se estivéssemos lidando com qualquer ser humano a situação seria vantajosa: só havia uma entrada e quem entrasse por ela depararia com nós três exatamente na sua frente. Entretanto apesar de estarmos os três armados e de frente para a porta não sabíamos o que iria acontecer em seguida.

 A porta se abriu vagarosamente e uma pequena garotinha entrou por ela, completamente desarmada, e sem precaução alguma. Ela inclusive virou a cabeça para trás um momento quando foi fechar a porta, como se fosse um local com o qual estava acostumada, como se nada do que estivesse ali dentro representasse qualquer perigo para si.

 Confesso que isso nos pegou de surpresa. Poderíamos ter aproveitado a chance para avançar sobre ela, mas por ser uma garota que parecia perdida e incapaz de perceber o perigo ao redor de si, a situação nos foi um pouco confusa.

 Por quase um momento eu me deixei enganar e cheguei a me perguntar se ela não era apenas uma curiosa que tinha acabado de aparecer por ali e se o Owen não tinha acionado o beeper só por que ela entrou sem autorização. Garanto que o Boe deve ter se perguntado o mesmo.

 Mas essa hipótese estava fora de questão. Ninguém respondeu ao beep. Os funcionários estavam fora de ação.

 Enquanto digeríamos a situação a garota ficou parada encarando-nos por um ou dois segundos que pareceram minutos inteiros com a tensão.

 Finalmente a garota quebrou o silêncio, comentando em tom irônico:

 — Ora, é aqui que o corredor dá?

 O Boe voltou a si:

 — Você... Quem é você? — Disse o Boe enquanto se levantava. A garota respondeu:

 — Eu estava... Vagando por aí. Foi mal. Tive que derrubar seus garçons...

 Então era ela mesma quem tinha feito tudo aquilo...

 — Para quem você trabalha? — O Gary perguntou enquanto apontou a arma para ela. Claramente estava tremendo. Nos entreolhamos e acenamos afirmativamente. Um tiro de pistola não seria o suficiente, teríamos que lutar os três do melhor modo que podíamos.

 Desta forma, a garota fez como que uma última declaração antes que ambos lados começassem a se mover freneticamente:

 — Acho que não vamos arrancar informação de ninguém até que algo aconteça, hmm? Que tal... Começarmos logo com isso?



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