Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 19.2: O Beeper Soou

 Antes que ela saltasse na direção de um de nós e começasse a lutar conforme um mercenário paranormal, o Gary sacou sua pistola o mais rápido possível e disparou três tiros, que ecoaram espalhafatosamente nos arredores daquele quarto escuro. Foi o Gary quem atirou então não teria errado as balas a menos que a garota tivesse desviado.

 E ela não desviou.

 Ele deve ter achado na hora que três eram o bastante, mas a garota apenas estendeu sua mão direita para a frente — a mão que antes encontrava-se em seu bolso — e largou as três balas sem a cápsula. A mão da garota estava sangrando.

 — Ei... Isso dói. — Disse ela no mesmo tom irônico de antes, enquanto começava a avançar lentamente até o lado da sala onde nós três estávamos. Ela deve ter pego as balas no ar. E isso foi muito rápido. Eu nem consegui sequer vê-la mexendo o braço entre o momento de o Gary sacar sua arma e o terceiro tiro ser disparado.

 Usar a indarra para fazer seu braço se mover de forma rápida e precisa daquele jeito requeria muito treino, e a julgar pelo pouco de sangue que escoava de suas mãos os tiros não deviam ter feito muito dano. A menina não era apenas uma mercenária normal. Desta forma testemunhamos que atirar era inútil. E não querendo desmerecê-los, mas... Eu acho que qualquer um dos outros dois não a venceria numa luta.

 Elaborei um plano: “vou ficar aqui e esperá-la vir acabar comigo numa luta corpo-a-corpo.” Desta forma transformarei meu corpo ao estado normal e a perfurarei, assim como fiz com a secretária. Era só o que eu podia fazer. Antes eu me concentrei em analisar a luta entre ela e o Gary.

 O Gary estava ao lado da prateleira e a garota do lado contrário, caminhando em sua direção. Ele não demorou a se zangar e saltou ele na direção dela para obter a vantagem. O Gary era fisicamente o mais forte de nós então era o mais indicado para fazer isso, se o movimento rápido a pegasse de surpresa conseguiríamos imobilizá-la, mas se ela percebesse a tempo, o Gary poderia sofrer um contra-ataque em algum ponto vital. De qualquer modo sua iniciativa revelaria o quanto a menina sabia lutar.

 Mas o Gary tropeçou antes de chegar perto dela, deixando seu corpo inclinar-se muito e exatamente no momento onde ele estava próximo o suficiente para receber um ataque dela. Ele tropeçou por que estava escuro? Foi muito azar...

 Desta forma, sem tirar a mão esquerda do bolso, a garota apenas desferiu uma joelhada alta que nocauteou o Gary na mesma hora, alcançando seu peito.

 O Boe ainda tinha a sua 9mm, então apontou para a garota, tomando-se de frenesi enquanto assegurava com as duas mãos.

 — Merda... Não vou deixar você fazer o que você quer!

 Mas a menina aproveitou que o corpo desfalecido do Gary estava perto dela, então antes que o mesmo caísse por completo, ela o segurou na frente de si, a fim de bloquear o espaço entre ela e o Boe.

 — Ei... Não vamos nos precipitar... Você não quer atirar na pessoa errada.

 — Tsc... O que você quer?

 — Originalmente eu queria um convite para uma certa festa... Mas agora eu acho que quero acabar com todos os três...

 — Boe, ela está te provocan...

 O Boe se precipitou.

 Enraivecido do jeito que estava, saltou na direção da garota, do mesmo modo que o Gary tinha feito. Parecia que era a única saída, visto que ela estava segurando o Gary nos braços, prevenindo-nos de conseguir ângulo para atirar. Contudo devíamos ter tirado um segundo para pensar em alguma coisa. Se ele fosse de encontro a ela só iria levar uma surra igual ao Gary.

 E tudo o que eu conseguia pensar era a minha cartada final... “Droga... Eu que devia ter simulado o enfurecimento e ido de encontro a ela no lugar dele” Pensei.

 Já era quase tarde demais, mas naquela altura comecei a levantar da cadeira e ir de encontro a ela, seria melhor a cercarmos do que lutarmos um de cada vez. Eu tinha hesitado pois achei que o Boe ia levar um golpe e cair assim como o Gary, mas assim que ele chegou a uma distância curta os dois agarraram cada um os membros do outro e estavam lutando apenas com a força para se desvencilhar.

 Surpreendentemente o Boe estava aguentando bastante, ele gemia fazendo força e nenhum dos dois saíam do lugar.

 Eles estavam bloqueando a minha passagem, que era estreita. Minha ideia era dar a volta e agarrá-la por trás, desta forma o Boe poderia golpeá-la ou eu poderia retornar ao normal assim que a agarrasse, ambas alternativas garantindo vitória. Mas a garota era experiente. Ela usou o Gary de escudo para evitar que o Boe usasse a arma e se posicionou exatamente no meio da passagem para que fôssemos lutar corpo a corpo um de cada vez.

 Procurei com os olhos um meio de dar a volta rapidamente. Não havia. Eu teria que saltar com a indarra até o outro lado da sala e depois voltar. Isso levaria mais de três segundos e faria bastante movimento, o que chamaria a atenção dela.

 Eu me encontrava pateticamente parado atrás dos dois lutando vigorosamente, enquanto procurava uma abertura.

 Aí lembrei da armadilha do Boe. Ele tinha um controle que a ativava: era um dispositivo que ficava sempre pendurado no teto, amarrado por um fio que se soltava com pressão de uma trava elétrica. Bastava apertar um botão e a armadilha desceria, cortando tudo o que estivesse no meio da sala. Ela vinha da porta para o meio da sala, então a garota estava bem na frente.

 — Boe! — Gritei. Eu queria dizer “acione a armadilha” mas isso iria gerar certa suspeita.

 Ele deve também ter se esquecido, porque assim que o chamei ele pareceu saber do que eu estava falando e ainda segurando os braços da garota, ele inclinou seu braço direito contra o corpo batendo ligeiramente o cotovelo na parte do bolso direito da blusa, acionando o botão.

 A armadilha veio exatamente de encontro à direção deles, conforme o esperado, atingindo sua cabeça em cheio.

 Infelizmente era a cabeça errada. Era a cabeça do Boe.

 Assim que a armadilha foi acionada e começou a se soltar da trava, a garota fez o mais brusco e inesperado dos movimentos com seu corpo para o lado: uma diagonal exagerada, deixando o Boe na linha do aparato.

 O Boe sofreu o golpe em cheio enquanto desprevenido, soltando seus braços ligeiramente. Ele deve ter usado a indarra na hora para aguentar o impacto, mas a garota terminou de derrubá-lo desferindo um chute alto que pegou em seu queixo, enquanto seu corpo estava inclinado para trás.

 A indarra pode servir para parar o dano da armadilha, mas se a garota usar a indarra em seus ataques será como levá-los normalmente. E uma voadora certeira no ponto fraco do queixo traria qualquer um fora do estado de si.

 Foi tudo muito rápido. A menina pendeu o corpo para o lado, a armadilha bateu nele e ela já completou o combo com o chute.

 — Desgraçada. Você sabia.

 — Do aparelho amarrado no teto? Sim... Eu tinha visto ele pendurado antes de entrar na sala com meu hawkeye, sabe... É a minha finesse...

 Eu estava agora parado de frente a ela, logo na frente da cadeira e entre eu e ela estavam o Gary e o Boe caídos no chão. Se pisássemos em cima deles seria um espaço livre, e eu sabia que ela certamente faria isso.

 Eu estava tentando pensar em uma saída, então comecei a tentar ganhar tempo usando como desculpa a conversa frívola:

 — Então bloquear a minha passagem não foi o único motivo de você ter ficado no meio.

 — É. Eu fiquei na linha do aparelho de propósito.

 — Hawkeye, hã? — Eu falava em um tom como se estivesse sabendo o que eu iria fazer em seguida. Parecia estar funcionando. A menina parecia ávida para expor a sua genialidade, tendo já parado de avançar vagarosamente na minha direção conforme ela estava fazendo antes.

 — É... É difícil de explicar. É como se eu tivesse uma visão panorâmica da sala, como se eu a estivesse vendo de cima. Eu consigo ver a armadilha mesmo que esteja fora do meu campo de visão.

 — Oh... Parece formidável.

 — Eu consigo ver aquela faca que está atrás de você também, aquela que você guardou para me emboscar.

 — Droga... Como?

 — Quer saber como? Você sabe como a luz reflete em pequenas gotas de... Ei, espere... Porque eu estou te dizendo isso?

 — Ha-ha. Exato, por que? Venha, vamos acabar com isso logo — Fiz uma pose provocativa, como de mero sub mercenário que não tem nenhum plano na mente senão a confiança em sua habilidade.

 — Acabar com isso logo? Eu não sei... Eu estava pensando... Vocês estão em três... Três é o número de bandidos que roubaram o convite do Cooper do prédio do DCAE...

 Mantive-me parado e em silêncio. Esperando que ela partisse para a luta corpo-a-corpo. Ela prosseguiu:

 — Pela informação um de vocês tinha espinhos no corpo. E eu percebi antes de entrar que duas vozes chamavam o outro de Spikey, você sabe... Eu estava escutando atrás da porta, vocês nem perceberam.

 Mantive-me conforme estava.

 — As vozes que chamaram por Spikey eram as dos outros dois, só sobra você... E se você, Spikey, tiver espinhos no corpo e estiver esperando que eu lute corpo a corpo para você me perfurar com seus espinhos igual fez com aquela secretária?

 Aquela garota...

 — Rá rá... — Ela imitou uma risada — Com tantos codinomes para você escolher e você pega justamente aquele que entrega a sua carta na manga?

 — Cale a boca. Eu não escolhi meu codinome!

 Agora não adiantava mais esconder. Ela sabia de tudo. Comecei a me preparar para atacá-la bruscamente quando houvesse uma abertura. Mesmo que fosse exatamente o mesmo plano executado pelo Boe e pelo Gary há segundos atrás, para mim seria diferente, pois eu não precisava vencê-la na força, precisava apenas encostar nela e minha forma original faria o resto.

 Mas ela fez o mais loucamente rápido dos movimentos, curvando seu corpo de forma a seu braço direito alcançar o chão, tomar a arma que estava com o Boe — que lembro: estava logo abaixo dela — e então levantar o braço novamente, apontando a arma na minha direção.

 Eu estava cogitando usar a indarra nas juntas para garantir um impulso fazendo um movimento rápido para que a tomasse de surpresa, acreditei que com essa estratégia eu seria rápido. Mas nada tinha me preparado para aquela velocidade que presenciei. Todo o movimento, desde a curvatura do braço até o movimento final, onde ela aponta a pistola para mim, tudo foi executado como um movimento só, como se tivesse sido treinado milhares e milhares de vezes.

 Num minuto ela estava desarmada. Eu nem pisquei... E de repente ela estava apontando a arma para mim.

 Aquilo expunha que até então ela nem estava usando toda sua velocidade contra nós!

 O Boe e o Gary estavam nocauteados, eu estava encurralado, e ela estava apontando a arma para mim. E mesmo se não estivesse... Eu acredito que seria difícil vencê-la.

 — Agora que já nos conhecemos... Me diga o que eu quero saber: para quem vocês trabalham?

 Titubeei ao responder. Mas eu precisava. Precisava ganhar um tempo para que conseguisse ganhar alguma vantagem... Precisava encontrar uma saída. E não adiantava mentir para ela. Esse tipo de gente é treinado para saber as mentiras. Podia ser que ela perguntasse coisas que o grupo dela já sabia só para ver se eu falava a verdade ou não.

 — Para o Verde! Somos contratados pelo Verde! O restaurante inteiro é... E se você mexer conosco vai ter bastante gente atrás de você!

 — Hmm... Soa arriscado. E me diga: onde está o Verde agora?

 — Eu... Isso eu não posso dizer.

 A garota destravou a alavanca de segurança, fazendo o barulhinho ameaçador que os humanos tanto temem.

 — É verdade... Eu... Eu não sei.

 — Você sabe... — Ela deu um sorriso — Eu tenho um amigo meu que é bom nessa história de torturar e arrancar as informações, que pena que ele não está aqui. Eu já não tenho muita paciência para esse tipo de coisa.

 — Isso é uma piada? Você está louca para usar isso que você tem no seu bolso esquerdo. — Ela estava com a mão no bolso desde que tinha entrado na sala. Eu achei que era algum instrumento de tortura que ela tinha trazido para a ocasião.

 — Ah, você percebeu? — Ela desviou o olhar para seu bolso esquerdo, enquanto tirava a mão do mesmo, nela carregava um aparelho celular — Eu tenho esse jogo chamado Cinder Clash instalado... Ele é online e não dá para pausar... Eu ia esperar estar a um lugar onde pudesse deslogar, mas vocês me notaram atrás da porta muito antes, então eu tive que improvisar...

 O quê? Significa que enquanto ela lutava com nós três ela estava também jogando sem olhar o visor e com uma mão só durante todo esse tempo?

 Impossível! Aquilo deveria ser um blefe para me intimidar.

 No momento anterior, quando ela desviou seu olhar de mim um momento para seu bolso eu prestei atenção ao corpo do Boe, embaixo dela. Ele tinha acordado. Ele ia tentar alguma coisa. Eu não podia fazer nada em minha posição enquanto ela estivesse prestando atenção em mim. Então eu entendi que precisava ganhar tempo para que o Boe pudesse fazer um ataque surpresa.

 Comecei a explicar para ela nossa situação, para despertar algum interesse.

 — Nós estamos encarregados do convite. É esse que estava conosco.

 Se estava escutando atrás da porta antes, ela já tinha ouvido a gente falar no convite mesmo, não havia problema em contar. Mas talvez mencioná-lo a faria perder o foco.

 — Ah, sim. Aquele que está ali na prateleira, certo? Eu vou pegar ele depois. Mas não é isso que eu quero saber. Hmm... Cadê o Craig numa hora dessas? O que eu faço? Bem... Vou perguntar mais uma vez: cadê o Verde?

 — Eu já disse... Eu não sei.

 — Então onde ele está normalmente? Ou onde foi a última vez que você o encontrou?

 O Boe ia tentar um movimento, mas deixou escapar um pouquinho de ductu. A menina deve ter percebido, pois mais que bruscamente apagou-o com um pisão, o que me levou a quase pular de susto.

 — Vocês acham que eu estou brincando ou algo do tipo? Me diga o que eu quero saber. Afinal eu já tenho o convite. Se você não tiver mais nenhuma utilidade para mim então... — Ela estendeu a mão com a pistola um pouco mais precisamente na minha direção

 — Espere. Eu vou dizer. Nós não encontramos muito com o Verde pessoalmente... Mas em geral ele está no...

“Bang”!

 A garota disparou a pistola. Ela tinha desviado o braço na direção do Gary que estava caído no chão. Ela fez o movimento com a mesma velocidade que da outra vez. Apontou a arma na direção dele, atirou, e logo em seguida volveu a mirar em mim, sem nem precisar olhar para onde estava apontando.

 Era tão rápido que parecia que o tiro apareceu no Gary e que ela nunca parou de apontar a arma na minha direção.

 — Gary! — Gritei enquanto o avistei a sangrar pelo ferimento. Meu coração começou a palpitar mais forte, e suor começou a escorrer pela minha cabeça. Mesmo que não adiantasse de nada parte de mim queria me agachar e verificar como estava o ferimento do Gary. Mas a parte de mim que ainda estava racional sabia que eu não podia me mover dali.

 Se eu estava esperando alguma chance para ludibriar a garota quando ela estivesse desavisada, agora todo plano tinha ido para o buraco. Qualquer raciocínio de minha parte estava trancado. Eu não sabia como agir. Fiquei alternando meu olhar de forma atônita entre ela e o Gary.

 — Será difícil de elaborar um plano de escape agora com a cabeça nessas condições hmm? Eu estava achando que vocês estavam agindo... De forma suspeita.

 Ela estendeu a arma na minha direção novamente.

 — Nem pense em sair daí. Apenas me diga. Onde é o lugar que você ia dizer?

 Eu abri minha boca para responder, e em minha cabeça eu tinha respondido, mas mediante a situação provavelmente apenas um gemido inaudível deve ter saído da mesma.

 Gary estava morto! E a garota estava me perguntando coisas.

 — Como? Não ouvi. — Ela mirou a pistola para a cabeça do Boe, que desta vez estava caído no chão, na frente dela.

 — Espere! — Eu fiz um movimento brusco, e desta vez gritei de jeito que podia ser ouvido até lá de fora. Eu estava realmente disposto a contar tudo.

 Infelizmente o tudo era quase nada. Eu só podia dizer a ela o local onde Verde se encontrava conosco e o pouco que ele havia nos dito sobre seus planos.

 — Sim... Sim, esperar para te ouvir e me revelar informações falsas, hmm? Está na cara que você estava apenas tentando ganhar um tempo para me encurralar.

“Bang!”

 Desta vez foi no Boe. E o sangue que escorria dele indicava que estava acabado para ele também.

 Lágrimas vieram aos meus olhos. Meus membros caíram ao lado do meu corpo e eu perdi qualquer esperança de manter uma posição alerta. Ou até mesmo de sequer me concentrar na situação que estava diante de mim.

 No pouco de razão que me restava eu percebi a garota estender a mão na minha direção e disparar a pistola uma terceira vez, mas a arma fez ‘click’ e não teve qualquer resultado. Estava descarregada.

 Ela jogou a pistola para o lado.

 — Como eu disse. Eu não tenho muita paciência para essas coisas... Eu vim aqui para pegar um pedaço de papel idiota, então não há porque... Agora venha, garanhão. Vamos acabar com isso de uma vez por todas, sim?

 Até momentos atrás esta seria a situação ideal, a que eu estava esperando. A garota estava desarmada e estava caminhando lenta e confiantemente na minha direção para uma luta corpo-a-corpo. Mas agora eu estava em estado de choque. Não conseguia reverter para minha forma original. Não conseguia usar de movimento brusco para tentar uma fuga. Não conseguia nem colocar minha cabeça no lugar.

 Eu não pude fazer nada.

 Ela me empurrou e eu caí no chão. E então ela finalizou tudo com um pisão sobre o rosto.

 E um pisão com indarra carrega sim o necessário para finalizar uma vida, se esta não reagir com uma força similar em sua defesa.

 A visão do tênis da pequena garota vindo de encontro a meu rosto, primeiro pequeno e depois se tornando maior e maior até que escurecesse completamente a visão que eu tinha do ambiente... Foi a última coisa que presenciei.



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