Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 15.2: A Libriana Investigadora

 Depois de tudo aquilo, Beth e eu fomos com o carro dela até o Meadow Park. Havia muito menos pessoas ali agora. E eles ainda não tinham removido o corpo, o que era um ultraje! Por quanto tempo iriam deixar ele deitado ali, daquele jeito?

 Chegando perto entendi o que estava acontecendo. Os policiais que se encontravam ali agora não eram mais do DEA e nem do departamento de homicídios, mas do DCAE. Eu vi um dos carros. Era um daqueles disfarçados, que tem uma sirene que sai e entra do porta-luvas.

 A carranca do encarregado afastava todo mundo que fosse. Estava me perguntando como que eles tinham conseguido convencer os curiosos a dar espaço para eles fazerem o trabalho, mas provavelmente a carranca daquele homem era a razão.

 — Ninguém pode passar. — Ele disse com má vontade assim que viu eu e Beth.

 Ela mostrou o distintivo.

 — Eu sou Beth Wilson, do DEA, e esta é Megan Mourne, jornalista do Daily Inquirer.

 — Deus do céu. O DEA e o jornal... Juntos? Bem... O DCAE está assumindo o caso, você deve ter ouvido falar. E não estamos em condições de dar entrevista ainda.

 — Escute. Eu conhecia Jim pessoalmente... Eu só vim... Ver ele.

 — Então olhe. — Ele apontou com as duas mãos — Dê uma boa olhada! Vamos levar ele para central em vinte minutos.

 Ele saiu e deixou Beth em paz em um raro momento de tato que ele teve. Como alguém consegue ser tão insensível?

 Beth fez como eu. Viu a cena e então se manteve inerte, encarando o rosto de Jim. Eu evitei olhar para ele de novo. Dei meia volta e fui atrás da viatura deles. Como disfarce perguntei se alguém poderia contar-me sobre a situação, mas na verdade fui até lá para evitar que o corpo caído de Jim não chegasse a meus olhos.

 — Esta é a detetive Ewalyn Lowe, encarregada do caso. — Disse-me o policial moreno, o mais baixo, que não tinha a carranca e a má vontade. A detetive não estava vestindo um uniforme policial, mas sim uma combinação blazer, camisa e calça, numa moda corporativa.

 — Bem... Você é a garota do jornal?

 Ela não parecia muito acostumada a fazer aquilo.

 — Megan Mourne — Estendi a mão. Ela demorou um pouco, mas pelo menos não me deixou no vácuo e fez o cumprimento. Emendei:

 — Eu... Estava esperando uns comentários se não se importar. Gostaria de saber principalmente o motivo. Quer dizer... Não para publicar, mas. É que eu conhecia ele pessoalmente e... Isso não faz sentido para mim...

 A minha linha de raciocínio também não estava mais fazendo sentido para mim. Nem eu sabia exatamente o que eu queria a uma hora daquelas.

 — Entendo... — Disse ela polidamente, mas claramente mentindo. Quem teria entendido aquilo? — Infelizmente não podemos ajudar. Ainda não sabemos nada sobre os motivos ou principais suspeitos. Só o que sabemos é o que aconteceu... E temos uma ideia vaga de como aconteceu. É só isso.

 — E o que seria essa ideia vaga?

 Ela olhou na direção do carro, onde se encontraria Jim, isto é, se o carro não estivesse na frente do campo de visão. Então voltou a olhar para mim polidamente.

 — Suspeitamos que foi atropelamento.

 Tive que demorar uns instantes para colocar a cabeça no lugar. Como que um atropelamento iria arrancar um e apenas um pedaço de uma pessoa como se fosse... Como se fosse uma mordida? Sim. Parecia exatamente isso! Uma mordida, feita por um grande animal ou algo assim. Desde o princípio foi a impressão que tive, mas até então estava tentando evitar pensar a respeito. Mas analisando os fatos é justamente o que a situação sugere que foi.

 Claro que reconheço que não sou qualificada para ficar palpitando, mas de qualquer modo só o que sei que atropelamento certamente não era.

 E mesmo se fosse... Qual então o sentido de transferir o ocorrido para a divisão de casos especiais? Eles não investigam casos especiais de assassinato que a divisão de homicídios não resolve ou algo assim? Sempre achei que fosse isso. Não entendo bem a necessidade da divisão de casos especiais. É uma divisão policial da qual quase ninguém sabe a existência.

 Mas antes que eu me precipitasse e expressasse minha indignação perante ao comentário que aquela detetive fez portando a maior cara de pau, eu percebi que ela me julgava como apenas uma jornalista comum, então era de se esperar que não iria querer revelar muita coisa. Por que ela revelaria o que sabia e deixaria alguém publicar o progresso do caso nos jornais?

 Não... Se eu quisesse saber o que aconteceu com Jim eu teria que conquistar a confiança deles. Do DCAE. Já que não iriam dizer nada diretamente relacionado ao caso fiz a pergunta natural:

 — A senhora pode me dizer por que um caso de atropelamento como esse acabou sendo passado para a divisão de casos especiais?

 Naturalmente ela percebeu que eu estava jogando o jogo dela. Ela ligeiramente fez uma expressão divertida, que me irritou, mas logo retomou sua cara de pau e respondeu:

 — Cá entre nós... Há suspeitas de que esse atropelamento tenha sido intencional e não acidental. Quer dizer... Houve um caso de atropelamento parecido na semana passada.

 Ela devia estar se referindo ao caso de McMiller, que aquele jornalzinho de segunda, o Sproustime publicou. Publicaram exatamente como o DCAE descreveu: um infeliz caso de atropelamento em que o motorista irresponsável avançou sobre a calçada, encontrando o contador no abdômen, levando a uma ferida fatal. Nenhum carro sobe na calçada daquele jeito sem ser intencionalmente e ainda consegue sair do local sem deixar pistas. Era um carro mágico.

 Fui mais a fundo com minha zombaria:

 — Um atropelamento parecido? Você diz... No sentido de um serial killer que atropela as pessoas sempre exatamente da mesma maneira? Ou seria como uma coincidência? Sabe... Causada por falhas mecânicas que fazem os carros puxarem para o lado da calçada... Algo nesse sentido?

 Ela torceu as bochechas de modo irritadiço. Mas nunca perdia a feição impassível.

 — Pode ser qualquer uma das duas hipóteses. Ainda estamos investigando. Agora se me dá licença...   — Ela virou-se de costas e caminhou na direção do corpo.

 Parece que aquilo ia ser a “informação verídica” que o Inquirer iria receber sobre o acontecido. A menos que eu perguntasse novamente depois com mais calma. Por isso arrisquei ainda mais uma intromissão:

 — Espere! Estaria tudo bem se eu fosse hoje à tarde no prédio do DCAE para obter mais informações, depois que vocês, bem... Não estiverem mais tão... Ocupados?

  A garota não respondeu verbalmente, mas deu de ombros. O que para mim era um “sim”!

 Assim que ela saiu de perto de mim e foi conversar com os outros dois policiais, o negrinho baixinho e o carrancudo, eu vi Beth vagando baratinadamente, olhando para a calçada. Tadinha. Ela estava transtornada igual a mim mais cedo. Caminhei até ela.

 — Beth?

 Ela caiu nos meus braços e desatou a chorar.

 Após um minuto de silêncio ela pronunciou apenas duas palavras, que engolidas em meio a seus soluços:

 — Tão horrível...

 Realmente, era a pior coisa que se podia imaginar. Quer dizer... Ver alguém com quem você passa a maior parte de seu tempo no trabalho simplesmente se ir daquele jeito... Daquela maneira.

 Ficamos paradas ali por algum tempo.

 Quem poderia ter feito algo tão desumano? E por quê? Seria alguém que era inimigo do Jim? Se sim, seria algum criminoso que ele conhecia? Quer dizer... Ela era policial afinal. E se era algum criminoso que conhecia Jim seria alguém envolvido com o tráfico de drogas? Quer dizer... A especialidade de Jim era lidar com criminosos de drogas.

 O que eu estava fazendo? Tirando conclusões daquele jeito? Deveria deixar o trabalho para os policiais.

 Eu era apenas uma jornalista.

 Mas era injusto! Eu queria saber. Eu tinha o direito de saber! E Beth também. Beth era do mesmo departamento de Jim. Por que não deixavam ela cuidar do caso? Por que o DCAE estava fazendo isso?

 O policial mais simpático cutucou-me de leve no ombro, com o qual eu e Beth nos viramos. Ele disse:

 — Vocês são do departamento do DEA, de Jim Sanford, certo? Venham conosco, por favor. Precisamos que vocês assinem um documento de reconhecimento do corpo...

 — Er... Eu sou Megan Mourne, sou do Inquirer. Apenas a Beth é do DEA, mas...

 — Venham conosco.

 Por algum motivo eles tinham trazido a papelada no carro então não precisamos ir até a delegacia para cumprir a parte burocrática. O que foi ruim para mim, eu queria dar uma olhada — ou melhor, uma escutada — no que o pessoal do DCAE estava falando.

 Eu assinei — confesso que sem ler — o papel. E depois foi a vez de Beth. Ela pegou o papel para ler... E parou naquela parte que dizia “atropelamento”. Não era uma análise minuciosa feita por nenhum perito legista, apenas uma descrição que eles tinham que colocar no documento para explicar do que se tratava o caso. O que parecia que era o caso. Uma descrição à priori. E naquela descrição aquela palavra apareceu. “Atropelamento”.

 Aquela palavra ridícula.

 Beth deixou cair a caneta da mão. E depois ela surtou.

 — O que é isso? Que tipo de trabalho é esse? Por que vocês estão fazendo isso? Isso é claramente um assassinato! As-as-si-na-to!

 Ela desatou a falar mais e mais alto, expressando sua indignação expondo aqueles argumentos de maneira redundante até que ela ficou inaudível. Os insensíveis policiais do DCAE se entreolhavam numa expressão de “que saco” e tentavam acalmá-la, e uma vez sem sucesso, passaram a se concentrar em enxotá-la dali.

 Foi uma coisa completamente idiótica. Eles pegaram nossa assinatura e depois que não precisavam mais da gente apenas nos mandaram embora e não quiseram mais conversa.

 Tivemos que ir até a farmácia para que Beth se acalmasse. Admito que ela fez uma cena. Mas ela estava com a razão. As atitudes daquele grupo não condiziam com as atitudes esperadas de um departamento de polícia. Parecia até que eles sabiam o motivo e/ou o método do assassinato e estavam tentando esconder alguma coisa acobertando daquele jeito.

 Analisando os fatos parecia até demais que eles estavam fazendo isso. Será que era mesmo isso?

 Mas se fosse, eles deveriam tentar fazer um trabalho melhor, pois o Daily Inquirer não ia se contentar com tão pouco. Ah. Isso certamente não.

 — Desculpe, Meg... Eu perdi a calma.  E agora nós fomos chutadas e eles já saíram.

 — Não... De modo algum... Você está totalmente certa, Beth. Eles estão fazendo alguma coisa... Alguma coisa errada. Todo esse negócio de sigilo, de trocar de departamento... De fingir que é um atropelamento banal... Isso não cheira um pouco suspeito para você?

 — É lógico que cheira, Meg. Eu também sou policial. Consigo sentir que há algo estranho de longe, mas...

 Beth parou sua linha de raciocínio de repente e ficou cabisbaixa.

 — Mas...?

 — Nós temos que fazer alguma coisa, Meg.

 — Eu concordo.

 — Meg... Vamos trabalhar juntas?

 — Claro! O que nós vamos fazer?

 — Deixe ver... Já que eu trabalho no DEA eu vou tentar ver com o supervisor se ele não consegue transferir o caso para a gente de novo. Ou se pelo menos ele não consegue alguma informação confidencial. Afinal sabe... Nós temos direito. O Jim era nosso.

 — Claro. Faz todo o sentido. E eu? O que eu faço?

 Beth entusiasticamente colocou as mãos sobre meus ombros:

 — Você... Insiste. Isso: insiste na entrevista. Na sua matéria. Mas seja chata. Não largue o DCAE até não descobrir alguma coisa.

 Então eu iria tentar entrevistar o DCAE mais tarde, depois que a perícia tivesse sido feita. Depois que eles tivessem descoberto alguma coisa. Desde o princípio eu tinha pensado em fazer isso, mesmo... Não ia ficar parada.

 — Então está combinado! Meg — Ela olhou espantosamente seu relógio de pulso — Eu tenho que ir! O pessoal está me esperando.

 — Eu também. Vou voltar ao meu trabalho e relatar o fracasso que foi aqui.

 — Não diga isso. Depois eles vão ser mais atenciosos. Bem... Eu vou indo. Você quer que eu te deixe no jornal?

 — Não precisa. Acho que eu estou precisando mesmo de uma volta.

 — Mesmo? É aqui perto... Te deixo na porta.

 Bem... Uma carona viria sim a calhar...

 — Ok então. Mas você não está atrasada? Quer dizer...

 — Ora, vamos. O DEA vai estar uma bagunça a essa hora, mesmo.

 Só posso imaginar... Com o rebuliço causado por aquela notícia.

 Eu e Beth subimos no carro dela e ela me levou até o Daily Inquirer, como combinado. Não trocamos uma palavra mais durante o percurso. No final ela me deixou no portão da frente e nos despedimos.



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