Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 15.1: A Libriana Investigadora

 Pular este capítulo não irá afetar o resto da história.

 Quero dizer... Por que deveria? É apenas o meu capítulo. Apenas mais uma página do meu diário. Apenas mais uma série de eventos da minha vida.

 Eu não sou de ficar me martirizando por causa das coisas que me aconteceram. Meu lema é pensar positivo. Mas o que aconteceu foi como um tiro na perna. Eu me sinto tão impotente... Odeio quando tenho que ficar apenas olhando as coisas caírem ao meu redor e não posso fazer nada a respeito. É tão frustrante.

 E é assim que me sinto hoje enquanto escrevo isso. Me sinto pequena, uma garota com um monte de problemas em um mundo onde todos têm um grande mundo de problemas. E por isso ninguém presta atenção em ninguém e nada importa além de seu próprio mundo. Sinto como se esta história fosse apenas mais uma dentre inúmeras histórias, mesmo que para mim tenha sido brutal. Brutal e revoltante.

 Recebi a ligação de manhã. A bem da verdade acordei com a ligação. Eram seis e meia.

 — Oi? — Perguntei com a voz abafada de sono, ainda tateando pelo celular para encontrar a saída de som.

 — Megan Mourne do Daily Inquirer?

 — Sou eu.

 A voz do outro lado da linha proferiu as palavras complacente e formalmente, como que cuidando para não me deixar em estado muito abalado, mas não adiantou. Eu ouvi a primeira parte e depois minha mente divagou.

 Jim Sanford estava morto. Ele tinha sido barbaramente assassinado. No meio da noite. No meio da rua. No meio do parque.

 E foi tudo tão de repente. Em um momento eu estava no Blue Barry’s bebendo com a Beth e com ele, inclusive pedimos aquele sanduíche grande de carne de carneiro que vinha com infinitas batatas, as quais deixamos mais da metade na mesa... E agora ele estava morto.

 Não lembro direito o que eu fiz naquela hora. Lembro vagamente das cenas: eu me olhando no espelho com aquela expressão arregalada, encarando minha escova de dentes e ela me encarando de volta, a espuma escorrendo e minha boca ardendo.

 Lembro de ter esquecido meu cartão do ônibus e voltado para pegar, e quando voltei lembrei que também esqueci a porta da sala aberta.

 Lembro de ter sentado na sala e encarado a parede por um momento.

 E quando vi estava dentro da cena. No meio do parque. Havia um embolorado de gente ao redor do que parecia — e era — um corpo, deitado sobre o meio fio, virado para o lado da rua.

 Policiais tentavam colocar ordem, mas os curiosos estavam impossíveis. Tinham vomitado no chão. Estava tudo nojento. Mas eu nem reparei o cheiro... Nem reparei no horror. Nem reparei em como os ossos das costas estavam aparecendo, que tinham atravessado os músculos do trapézio. Tudo o que eu via era o rosto dele. De Jim.

 Um rosto lépido e tenaz. Em sua feição estavam desenhados uma mistura de seu bom humor e de seu trabalho duro. Todas suas piadas e gozações que colocadas na pior hora possível, toda sua perseverança naquelas vezes quando queriam tirar ele do trabalho. Seus óculos ainda estavam lá. Ligeiramente caídos. Dava vontade de arrumá-los. Provavelmente era impressão minha, mas ele parecia estar esboçando um sorriso. Parecia ter começado a esboçá-lo assim que me viu.

 Mas ele não me viu. Ele não sorriu. Ele já não estava mais ali. E aquela era a última vez que eu o veria.

 Jim Sanford era investigador do DEA. Sabe? O departamento de controle de drogas. A polícia perdeu uma importante peça naquele dia.

 Depois daquilo começou a chover. Chover forte. Em meio ao barulho da água nos castigando eu consegui de alguma forma escutar meu celular tocando. Era a Beth com quatro ligações não atendidas. Ela provavelmente tinha acabado de ser avisada da notícia.

 Segurei o telefone vagamente e observei a ligação ser perdida. Sem reação.

“Investigador do DEA é encontrado morto no meio do parque” Parece uma matéria de capa...

 Balancei a cabeça negativamente. Como estava pensando em trabalho numa hora dessas?

 Será que alguém do Inquirer iria fazer tal matéria naquele dia? Deveriam decretar um dia de luto. Pelo menos isso. Não... Provavelmente só eu lá conhecia o Jim. Os demais apenas iriam fazer uma matéria de capa bem violenta e ainda fariam uma piada vulgar no título.

 Definitivamente não estava com humor para tal... Mas eu sabia que eu precisava. Eu tinha que pegar aquela matéria. Não conseguiria descansar se outra pessoa cuidasse dela no meu lugar. Eu decidi aparecer no Inquirer e forçar o Larry a me deixar a cargo da matéria. E então eu pediria ajuda para Beth. Faríamos isso juntas.

 Tentei ligar de novo para Beth, mas estava sem sinal então desisti. Olhei ao meu redor e vi o ônibus. Entrei no mesmo e esperei-o chegar ao Daily Inquirer.

 Você precisa entender que eu estava realmente avoada naquele dia. O ônibus que eu peguei nem era o que passava no jornal. Eu estava no Meadow Park, na cena do crime e simplesmente peguei o primeiro que passou por lá.

 Até o ônibus eu tomei errado.

 Demorou mais de uma hora para eu acertar o caminho e aparecer no serviço. Eu estava despenteada e ensopada.

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  — Megan...

  — Não comece. Eu vou trabalhar hoje. — Eu sabia exatamente o que o Harrison e o resto do pessoal iam me dizer.

  — Cadê o Larry? — Perguntei antes que ele contrapusesse mais alguma coisa.

  — Ele está na sala... Eu tentei te ligar. Onde você estava? — Harrison parecia excessivamente preocupado.

 Passei pela sala de mesas de trabalho onde Harrison e a sra. Ford estavam trabalhando e fui direto até a sala do Larry. Ela ficava lá no fundo. Era protegida com um vidro para não ouvirmos seja lá o que fosse que ele queria esconder de nós.

 Uma vez lá dentro ele estava pendurado no telefone, intermeando uma conversa com aquela caneca grossa de café na mão como sempre. Dava para ver sua cara semi-careca pelo vidro da janela. Ele me viu e fez uma careta de estranhamento. Mas continuou ao telefone.

 Bati de leve na porta, respirei fundo e entrei.

 — Espere um pouco, a Megan está aqui — Disse ele ao telefone, colocando-o sobre a mesa — Oi, Megan. Achei que você não viesse hoje... Credo, você está horrível. Eu achei que fosse insistir em trabalhar porque é assim que você é, mas sinto muito... A matéria do Sanford foi dada ao Peter logo de manhã. Ele estava aqui... E convenhamos... Você sabe que você não é a melhor pessoa para...

 — Larry. Eu... Preciso fazer isso. — Disse, me debruçando sobre a mesa. — Se não for para pegar a matéria do Jim... Eu vou voltar para casa. Francamente... Olhe para mim. Eu só quero voltar para casa. Mas eu não posso...

 Larry ficou me olhando com sua cara oval de pôquer, enquanto seus olhinhos cinza piscavam uma vez após a outra atrás de seus óculos redondos. Nunca dava para saber o que ele estava pensando. Ele estava considerando meus sentimentos? Ele estava querendo me chutar dali e pronto? Ele estava querendo me dar outro trabalho totalmente desconexo no dia em que Jim morre? Eu não sabia.

 Suei em antecipação naquele momento de silencio enquanto ele ponderava, e após breve suspense ele soltou:

 — Ok, Megan... Eu vou ligar para o Peter.

 Aquele dia estava sendo horrível, mas mesmo assim meu rosto se abriu num sorriso naquele pequeno momento.

 — Obrigada, Larry. Você é o melhor! — Contornei a mesa e dei nele um abraço.

 — Ei! — Protestou Larry quase derrubando sua grossa caneca de café — Mas viu... Você vai ter que fazer isso direito! Nada de deixar a emoção te... Ah. Esquece.

 — Não se preocupe, Larry. Eu vou fazer a melhor matéria da segunda feira.

 —Hoje é terça, Megan...

 Larry, seu bobo. Quem você acha que eu sou para deixar minhas emoções atrapalharem o meu trabalho?

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 A primeira coisa que fiz foi tentar contatar Beth novamente. Dessa vez ela atendeu o celular. As coisas estavam melhorando.

 —Meg? Cadê você? Te liguei a manhã toda.

 — Oi? Beth? Você foi ao departamento hoje? — Beth era colega de Jim. Nós três nos conhecíamos. Eu, ela e Jim. Jim costumava morar no Mapleleaf Residential, junto conosco. Quer dizer... Não junto, mas no mesmo local. Éramos vizinhos. Depois Jim arranjou emprego no DEA e se mudou.

 — Se fui. Estava lá até agora pouco. Está um caos, como era de se esperar. Você acredita? Estão querendo passar o caso para o DCAE.

 — O que? Como assim?

 — Viu... A ligação está uma porcaria... Te encontro na frente do Maple. Nós vamos até o Meadow.

 — O parque?

 — Alô?

 A ligação caiu.

 Acho que ela quis dizer que íamos para a cena. Peguei o primeiro ônibus para o Mapleleaf. Desta vez não errei o ônibus, o que significava que as boas energias estavam voltando a iluminar a minha vida.

 Você sabe... Como libriana eu sou uma pessoa de sorte. As energias da sorte iluminam a vida dos librianos. Bem... Aquela manhã era uma exceção.

 Chegando ao corredor do meu apartamento, Beth estava lá fora, e toda agitada. O corredor era estreito e alto. Sua cor era como se esperava de um lugar chamado Mapleleaf. Todo seu interior parecia ter sido recentemente pintado e decorado em tons variando entre marrom e vermelho. Apesar de ser bem decorados os apartamentos lá não eram exatamente grandes.

 — Meg! Meg! — Beth correu em passinhos curtos na minha direção — Como você está?

 Beth me deu um abraço longo.

— Estou bem... Na medida do possível.

— Tudo é tão horrível, não? Ah, Meg...

 Beth estava claramente perturbada com toda a situação. Nem ousei dizer para ela que a primeira coisa que fiz naquela manhã foi ir ver o corpo do Jim... E nem tinha por quê. Ninguém me pediu para reconhecer o corpo, ninguém de conhecido estava lá. Eu era apenas uma curiosa no meio de muitos. Depois que eu ouvi aquela ligação eu desliguei sem perceber e simplesmente vaguei em busca do seu corpo morto sem mais nem menos. Apenas fui, vi e voltei. Deve ser por isso que as energias negativas vieram.

 — Escute... — Disse enquanto a soltava lentamente - O que você tinha dito no telefone sobre o DCAE não assumir o cargo?

 — Entre... — Ela me convidou, apontando para a porta do seu apartamento, que ficava logo ao lado do meu — Eu vou te contar.

 A sala do apartamento da Beth era a coisa mais fofa. Toda limpinha e reluzente, e o sofá tinha aquelas almofadas de bichinhos que ficavam arrumadas categoricamente uma ao lado da outra. Diferente do meu apartamento, que era uma bagunça. Onde ela arranjava tempo para deixar daquele jeito?

 Sentei no sofá.

 — Quer tomar alguma coisa?

 — Água. Por favor.

 — Como foi um assassinato eu achei que o departamento de homicídios ia acabar pegando o caso... O que seria bom. Hank trabalha lá. Ele não hesitaria em deixar a gente ajudar. Mas não. O caso é especial.

 Beth me alcançou o copo de água.

 — Mas porque “especial”?

 — Tem a ver com o modo como Jim... Você sabe... Com o modo como aconteceu... Você se lembra daquela notícia da semana passada? Daquele contador?

 — Gerald McMiller?

 — Sim. Esse mesmo.

 — Nossa...Não tinha reparado! Eu não tinha nem ligado os fatos... Ele morreu igualzinho, quer dizer...

 Beth ficou cabisbaixa. Era difícil comentar sobre o a morte de Jim daquele jeito, sabe... de modo casual... Ainda estava preso em nossas gargantas. E isso que ela ainda nem tinha visto como foi.

 Eu certamente não queria voltar lá. Mas também não queria contar para ela que fui uma tonta e saí seis e meia da manhã para ver o corpo sozinha.

 — Mas quer dizer então que existe um serial killer à solta? O que se sabe sobre esses crimes? O que o DCAE sabe?

 — Isso é o que eu quero descobrir. Estamos falando do Jim! Ele faz parte da equipe. Não vou ficar só olhando. Quero saber exatamente o que está acontecendo. Eles não podem simplesmente transferir o caso desta forma, alegando que é um caso especial. Quem eles pensam que são? O FBI?

  Mas infelizmente o DCAE era daquele jeito. Eu conheço porque já fiquei encarregada de casos que foram considerados “especiais” no jornal. Eles simplesmente se recusam a dar qualquer informação relevante para jornalistas. Mesmo que seja o Inquirer.

 Eles tinham uma sede ali em Sproustown. Perto do centro. Perto de Meadow Park. Dava para ir a pé. Até estava pensando em dar uma passada lá depois que fosse com Beth ver o Jim... Mesmo que eu já tivesse uma ideia do que ia acontecer quando fosse...



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