Hinderman Brasileira

Autor(a): Oliver K.


Volume 1

Capítulo 14.3: Doppelganger

 Os doppelgangers se fundiram e dirigimos até a central, deixando os dois suspeitos na cela especial. Já era tarde, então fomos até o Marina’s para comemorar.

 Cada um pediu uma bebida de sua preferência e brindamos.

 — Ao DCAE!

 — Ao DCAE! – Batemos os copos, tintilando.

 — Isso foi ótimo. — Comentei ao dar o primeiro gole.

 — Vocês perderam a cara dele quando me viu no carro — Joey se referia a seu irmão como “eu”, o que embora faça sentido é meio esquisito — Mãos na cabeça, eu disse e ele ficou uma estátua. Demorou até por realmente as mãos sobre a cabeça.

 — Mas isso foi um pouco perigoso, não? Deixar-se nocautear por dreno de energia daquele jeito... E se ele estivesse armado e quisesse atirar em você igual ao outro? Eu estava subindo o hospital pelo lado de fora nesta hora, então não poderia ajudar. — Disse Ewalyn.

 Joey balançou a cabeça, enquanto quase virava seu chopp.

 — Não... Eu diferi um pouco do plano. Ao invés de esperar no carro enquanto estava também lá dentro, o que fiz foi me aproximar da entrada. Se ele sacasse uma arma eu o abatia por trás. Mas já que depois que caí ele tentou fugir, eu me adiantei e corri com a indarra até o carro. Aí só quando ele estava perto o suficiente do veículo que eu devolvi a energia e levantei.

 A narração dele é um pouco confusa quando ele se refere a si mesmo como ‘eu’ nos dois pontos de vista.

 — Mesmo assim... Que bom que conseguimos uma notícia boa dentro de tudo de péssimo que está acontecendo. — Disse eu.

 — Essa semana foi mesmo difícil. — Concordou Ewalyn.

 — Vocês acham que vingamos a Emma? — Perguntou Joey.

 Houve um instante de silêncio.

 — Não sei... Nem sabemos se foram eles dois quem invadiram o DCAE daquela vez.

 — Não tinha um cabeludo da outra vez, não? — Perguntou Ewalyn.

 — As câmeras dizem que não... Mas quando se trata de não-humanos... Nunca se sabe, não é? — Explicou Joey — Alienígenas ou baratas-parasita poderiam ter mudado de aparência justamente porque sabiam que foram pegos pela câmera naquele dia.

 — Então... A própria Crane que vai ter que analisar os ductus e verificar se são eles.

 Não era a medida mais confiável, visto que ela só podia contar com a memória, mas ainda assim era possível.

 Abri minha carteira de cigarros.

 — Ei. Me dá um? — Pediu Ewalyn.

 Fiz como ela pediu. Ela acendeu.

 — Esses são diferentes dos que você estava fumando aquele dia.

 — Então... Esses são os Tar Lights que eu falei.

 Joey entreolhou a nós dois, intercalando entre um e o outro. Terminou seu chopp e disse:

 — Pessoal... Eu acho que vou para a casa.

 — Mas já? Vamos comemorar.

 — Eu... Estou meio cansado. Sabe... Tive que “fundir”, gastei bastante.

 Com cumprimentos ele se despediu e então ficamos só eu e Ewalyn no Marina’s. Já era tarde, então não havia ninguém mais por lá.

 — Mas voltando ao assunto... Que trabalho em equipe hoje, hã?

 — Sim. Parabéns ao tenente durão.

 — Parabéns a você também. A vocês dois... Digo... Três?

 Ewalyn sorriu de leve. Ela molhou os lábios com mais um gole de chopp.

 — Se eu não estivesse lá... O tenente durão teria perdido. — Disse em tom jocoso.

 — O que é isso? Eu só quis seguir o plano...

 — E se não tivesse plano?

 Não cheguei a considerar o que teria feito se não houvesse plano, mas gosto de pensar que teria conseguido de alguma forma. Apesar de forte ele não era tão experiente quanto acreditava que era... Tudo o que ele tinha era a armadilha da coluna preparada. Mas pensando bem foi melhor ainda ter deixado Ewalyn participar daquele jeito e fazer papel de heroína.

 — Essa sua finesse... Poderíamos ser parceiros mais vezes. Ela é muito útil, quando combinando desse jeito não?

 — Ela é útil...

 Ewalyn fumava o seu cigarro emprestado do modo mais natural, como se fizesse isso há anos. Após breve exalada ela disse:

 — Vocês dois me surpreenderam. Sempre conseguem lutar no escuro daquele jeito? O Joey tudo bem porque ele não é humano, mas...

 — Ele é humano. Eles são. Doppelgangers são humanos.

 Pela cara que Ewalyn fez, não parecia compartilhar da mesma opinião, mas ela não disse nada. Eu continuei:

 — Mas na verdade, o truque é esse aqui — Retirei de meu olho uma lente de contato.

 — Uau! É uma lente infravermelha?

 — Não exatamente infravermelha, mas parecida. Deixa tudo um pouco mais claro... Realçadora de luz, creio.

 — Posso ver?

Coloquei a lente em suas mãos, acidentalmente encostando-as de leve. Elas eram frias. E macias.

 — Está com frio?

 — Um pouco... Já é tarde, não? — Respondeu Ewalyn deixando a lente de lado.

 — Quer ir para casa? Eu te dou uma carona.

 — Eu adoraria... Sua mulher não liga?

 — Ela... Então... Ela é um caso à parte.

 — Mesmo? Por que?

 — Vamos ao balcão. No caminho eu te conto.

 Fizemos o pagamento e fomos para o carro, o mesmo Utopia preto da central no qual viemos.

 — Eu creio que vou deixar esse carro lá na frente da minha casa hoje. Não estou com vontade de voltar a pé.

 — Bem, você é o tenente. E tem razão. A rua é perigosa a esse horário. — Respondeu Ewalyn enquanto colocava o cinto.

 — Eu não ligaria de ser assaltado para capturar uns bandidos a mais, entretanto.

 — Até mesmo porque você pode lutar no escuro...

 Ri e depois dei a partida. Ewalyn morava em Glen Meadow, não muito longe dali de carro.

 — Quer dizer então que quando aquele... Como é o nome dele? Picelle? Pierre?

 — Pierre.

 — Quando ele atacou antecipadamente no escuro... Vocês já o tinham visto? E Joey se deixou ser acertado de propósito para por o plano em prática?

 — Nós o percebemos ainda antes pelo ductu. Dava para saber até a direção em que ele estava. Mas não esperávamos um ataque surpresa, imaginamos que ele ia esperar uma oportunidade... Assim foi um tanto melhor.

 — Parece que eu preciso pegar umas aulas de luta com vocês dois...

 Ewalyn reclinou seu banco para trás e se ajeitou. Com o canto do olho não pude deixar de reparar em seus seios.

 Ela era bem mais avantajada que Jane.

 — Eu bem que poderia tomar mais um desse. — Eu disse — Vamos em outro lugar?

 — À essa hora? Então Jane realmente não liga?

 — É mesmo... Eu estava falando sobre isso... Na verdade ela liga. Ela sempre liga. Mas acontece com tanta frequência que acostumei. Acostumei mal... Eu sei que não deveria, mas ultimamente tenho frequentado bares, me delongado de propósito, arranjo todas as desculpas, mas para ser exato o que venho fazendo é evitar voltar para casa o máximo possível por causa do jeito como as coisas andam... Toda noite que chego em casa e Jane está acordada é a mesma coisa.

 — Bem, mas isso não acontece... Justo porque você chega tarde? Até eu ficaria um pouco... Perturbada.

 — É diferente. Ela literalmente explode por qualquer coisa. Se eu chego no horário, se chego antes, se chego depois... Não faz mais diferença. É como se ela não estivesse realmente escutando. Hoje a razão será que eu tive que prender dois criminosos que só poderiam ser capturados de noite, mas ela não vai querer checar os fatos, ela só vai gritar, gritar e gritar... Você sabe... Outro dia eu comprei um daqueles Cinnoli Spice Cookies no caminho e entrei em casa comendo eles, e ela por um milagre havia me esperado para o almoço, então ela caiu aos prantos porque eu havia comido sem ela, sendo que ela faz isso comigo todo o santo dia. E eu tive que aguentá-la chorar por uma hora e meia até a hora de voltar à central. Realmente, Ewalyn... É um inferno.

 — Uau! Desculpe por perguntar. Eu não sabia que era assim...

 — Tudo bem... Desculpe você por eu ter sido tão... “Específico.”

 — Mas Joey tinha me dito que vocês se davam bem.

 — É o que eu digo para ele, sim.

 — Mesmo? Você não contou essa situação para o seu melhor amigo?

 O Joey? O meu melhor amigo?

 — Não é algo do que eu particularmente me orgulhe, então eu evito transparecer o máximo que posso.

 Até chegar à casa de Ewalyn em uma rua escura e estreita de Glen Meadow, nós permanecemos em silêncio em nossos bancos.

 Após uns três minutos chegamos ao local: uma simpática casa de muro verde e portão estreito, toda feita de pedrinhas retangulares em uma rua escura e calma.

 — É aqui? Esta de muro verde?

 — Esta mesma. Obrigada.

 — Eu só te levei aqui daquela vez então eu não tinha certeza... Parece um lugar bom de se morar, não?

 — É perfeito. Não tem barulho nenhum! Você não quer...

 — Sim?

 — Er... Nada.

 Ela se desvencilhou do cinto de segurança.

 — Amor... É algo estranho não? Às vezes acontece, às vezes não, às vezes acontece só de um dos lados... Às vezes acaba dos dois lados, e às vezes acaba de um lado e do outro não.

 — É realmente algo complicado.

 — Eu fui casada também, sabia?

 — É mesmo?

 — Por apenas cinco meses, mas acabou não dando certo... Sean era um amor de pessoa, mas depois que começamos a viver juntos, como posso dizer? Ele mudou de repente? Ao invés de sério e dedicado ele era desleixado e agressivo.

 Suspirei.

 — É... É mais ou menos o que acontece. A mudança de Jane foi mais gradual. Mas mesmo assim, está aí. E chegou até mesmo a esse ponto... Deus do céu... Como foi que me deixei acostumar a viver desta maneira?

 — Bem... Eu arrisco que: porque você não reflete sobre isso, acaba inconscientemente pensando que faz parte de sua vida? Ficar acostumado é perigoso. Existem coisas das quais você simplesmente não se dá conta. E um amor que se esvaiu é uma delas. Eu acho que só existem duas maneiras de te fazerem voltar à realidade. A primeira delas é refletindo. — Ela se ajeitou no banco, trocando o tom de voz para um mais decidido — Por isso é importante revelar seus problemas para seus amigos, sabe?

 — Tem razão... — Acendi um cigarro — E qual seria a segunda maneira?

 — A segunda seria... Quando você encontra alguém novo? Alguém diferente... Que desperta em você o mesmo sentimento que você tinha no começo... Antes de a outra pessoa mudar, e então você percebe que sentia falta, e que por algum motivo aquele sentimento nunca mais apareceu e você nem se deu conta...

 Me peguei admirando seus olhos por um instante. De longe pareciam verdes, mas de perto dava para ver que eram de um gracioso tom castanho claro.

 O silêncio reinou enquanto nos olhamos fixadamente por um instante.

 Então Ewalyn balançou levemente a cabeça, dizendo:

 — Bem... De qualquer forma... Já é tarde... Eu deveria ir.

 — Sim... Tem razão.

 Ela me deu um beijo no rosto e desceu. Fiquei parado vendo-a abrir o estreito portão de sua casa e depois a porta, até finalmente desaparecer de vista. Depois liguei a chave e me dirigi até a minha casa: a casa de Jane. O tempo voou enquanto várias coisas me passavam pela cabeça. Não estava exatamente alterado, mas estava aturdido, ou melhor: ligeiramente avoado. Sabe quando você faz seus afazeres rotineiros sem nem se dar conta? Quando percebi estava já parado em frente a porta da minha casa. Quando percebi me peguei pensando em alguma desculpa para dar meia volta e sair dali, mas já era tarde demais.

 — Henry? Henry? É você?

Ouvi a voz de Jane ficando mais e mais próxima da porta.

 — Onde você estava? Eu liguei para você e...

 Eu odiava aquela voz. Sempre a mesma história. Por que diabos Jane está acordada a esta hora da noite?

 Ignorei-a por completo, desviando-a e entrando em casa. Joguei minhas coisas no sofá e bati a porta. Ela começou a gritar mais alto, e embora fosse levemente irritante eu já nem conseguia mais escutar.

 Tudo o que ela disse... Tudo o que Ewalyn disse a momentos atrás... Era verdade. Aquele sentimento... Estar ao lado dela... Suas palavras... Seu olhar... Sua companhia... Aquilo tudo era algo que eu tinha perdido havia muito tempo. E agora era como se eu tivesse encontrado de volta.

 Era como se tudo o que eu tivesse visto em Jane há quase dez anos atrás, e que agora já não existia mais, estivessem renascendo em outra pessoa. E de repente eu não via mais Ewalyn como apenas mais uma colega de trabalho bonita. Era diferente de Crane. Bem diferente...

 Realmente... Eu estava aturdido. Provavelmente eu tinha bebido um pouco demais. Sem hesitar me cobri e passei a dormir para tentar acalmar meus pensamentos.



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